290 pág.

Pré-visualização | Página 15 de 50
o social está relacionado com o desenvolvimento do capitalismo, especificamente em meados do século XIX na França, assim especifica a assistente social e doutora em Sociologia Marilena Jamur (1997, p. 19-20), descrevendo e interpretando o sociólogo francês Jacques Donzelot: O social, segundo Donzelot (1992), foi uma “invenção” do século XIX. Através de uma ampla e minuciosa análise, o autor faz a demonstração de que a “invenção do social” se impõe como uma necessidade política, no momento em que o ideal republicano – forjado no Século das Luzes – se vê confrontado à primeira forma democrática colocada em prática na França, após a Revolução de 1848. Naquela conjuntura, com a adoção do sufrágio universal, quando são retomados os princípios democráticos norteadores da “Revolução Gloriosa” de 1789, por um lado, reavivam- se as certezas e as promessas contidas no ideal republicano de liberdade e de igualdade; ao mesmo tempo, por outro lado, aparecem claramente as contradições e o conflito de interesses que obstaculizam a realização desse ideal. O autor defende o argumento de que a emergência do social com um domínio específico de preocupações e de intervenção está profundamente articulada ao surgimento da “questão social”. Veremos mais à frente que as revoluções que se iniciaram na França foram surgindo e se espalhando por toda a Europa, consequentemente devido à transformação econômica e social da época, de uma sociedade feudal e agrária, para uma sociedade capitalista, industrial e urbana, com uma população operária sem direitos, grande parte sem postos de trabalho, outra grande parcela miserável. Assim, no confronto entre o povo e seus representantes, os termos: social e questão social se fazem aparecer e marcam a história. Assim, desde os autores clássicos aos contemporâneos, o social tem sido motivo central, intenção categórica e primeira, sempre na busca de alternativas que possam pelo menos trazer esperanças no sentido de como vencer a pobreza, a desigualdade, as injustiças, as necessidades humanas, o sofrimento no mundo. Segundo descreve W. Wanderley (2013, p. 207) sobre estudos acerca do social: São conhecidas as extremas dificuldades e as divergentes interpretações que ele suscita na literatura clássica, constando os distanciamentos entre as concepções da economia e da política, da política e do social, da igualdade e da liberdade, da liberdade e da necessidade, do público e do privado, do trabalho e da realização, da utilidade e da instrumentalidade, das massas e do povo, do indivíduo e da classe, da reforma e da revolução, da propriedade privada e da propriedade social. E que perduram na contemporaneidade sem uma decifração UNI Refletindo sobre a constituição do termo “social”. 46 UNIDADE 1 | A GÊNESE DA ASSISTÊNCIA E DA QUESTÃO SOCIAL que satisfaça. Como resolver a denominada questão social? E onde ele se situa na presente conjuntura mundial? Como vencer a pobreza, a desigualdade e as injustiças sociais? Assim como o social, a questão social também está vinculada à história do desenvolvimento do capitalismo, ou mais especificamente, com as consequências do novo sistema econômico que estava surgindo na Europa, um déficit social de desencantamento, temor e pânico, pois o capitalismo para se instalar não foi de modo pacífico, harmonioso ou glorioso, mas de forma coercitiva, manipulatória, autoritária, exploratória e excludente. Segundo Donzelot (1992, p. 33-34, apud JAMUR, 1997, p. 21), A “questão social” – designação que aparecera por volta de 1830 – será definida principalmente neste sentido: como reduzir a distância entre o novo fundamento da ordem política e a realidade da ordem social, a fim de assegurar a credibilidade da primeira e a estabilidade da segunda, se não quiser “que o poder republicano seja de novo investido de esperanças desmedidas e, depois, vítima do desencantamento destruidor daqueles mesmos que a ele deveriam ser mais apegados”. A “questão social” aparece como a “constatação de um déficit da realidade social, com relação ao imaginário político da República. Um déficit gerador de desencantamento e de temor: desencantamento daqueles que esperavam dessa extensão da soberania política (a todo o povo) uma modificação imediata de sua condição civil; temor, e mesmo pânico, daqueles que receavam que esse poder através do povo servisse para instaurar o poder do povo de Paris sobre o resto da Nação”. Nesse sentido, vamos entendendo que a “questão social” surge por volta de 1830, e emerge com questionamentos sobre como diminuir a relação entre o público e o privado, entre a política e a realidade social, com o intuito de efetivar a credibilidade e comprometimento político e a harmonia social. Assim é que a questão social surge, numa esfera de desencantamento e decepção de uma democracia disfarçada e numa esfera de medo do que estaria por vir. Com o surgimento do capitalismo, a nova divisão do trabalho social trouxe aos trabalhadores e suas famílias diversos prejuízos e riscos. Além de evidenciar a desigualdade social e um contingente de miseráveis, os mesmos eram iludidos por um imaginário político ideológico de modernidade, progresso e riqueza para todos. UNI E a especificação do termo “questão social?” TÓPICO 3 | A CONSTITUIÇÃO DOS TERMOS “SOCIAL” E “QUESTÃO SOCIAL” 47 FIGURA 12 – PENSAR SOBRE A QUESTÃO SOCIAL FONTE: Disponível em: <https://www.google.com.br/search?q=SOCIAL>. Acesso em: 6 jan. 2015. Responder a esse questionamento – o que é uma questão social? – não é tão simples assim, pois temos que olhar para a história, para o passado e, ao mesmo tempo, vislumbrar a realidade atual, contemporânea. Assim, as respostas irão variar conforme a teoria que a fundamenta, visto que existem várias correntes de pensamento e teorização sobre a “questão social”, ou mais especificamente sobre suas expressões na sociedade, seja no mundo ou no Brasil. Segundo Ianni (1989, p. 145), “A questão social é um tema básico e permanente na sociedade brasileira e influencia o pensamento e a prática de muitos. Em diferentes lugares procura-se conhecer, equacionar, controlar, resolver ou exorcizar suas condições e efeitos”. Podemos enfatizar, sim, que a questão social representa uma perspectiva de análise da sociedade, assim não há um consenso único de pensamento no fundamento básico que constitui a questão social, e nem poderia ter, pois olhamos de forma diferente para a mesma coisa, em tempos distintos, assim construímos saberes que por vezes podem se identificar ou divergir, inevitavelmente. A questão social representa uma perspectiva de análise da sociedade. [...] Nós não vemos a questão social, vemos suas expressões: o desemprego, o analfabetismo, a fome, a favela, a falta de leitos em hospitais, a violência, a inadimplência, etc. Assim é que a questão social só se nos apresenta nas suas objetivações, em concretos que sintetizam IMPORTANT E Os problemas sociais ou disfunções sociais foram politizados pela classe trabalhadora, foram transformados em expressões sociais, em manifestações multifacetadas da questão social. Assim, constatamos que a questão social e suas expressões eram designadas, caracterizadas, conceituadas como: problemas ou disfunções sociais, pois não eram tratadas sob o ponto de vista estrutural da sociedade capitalista. 48 UNIDADE 1 | A GÊNESE DA ASSISTÊNCIA E DA QUESTÃO SOCIAL as determinações prioritárias do capital sobre o trabalho, onde o objetivo é acumular capital e não garantir condições de vida para toda a população (MACHADO, 2014). Assim vamos compreender então que a questão social representa uma perspectiva de análise da sociedade, pois não vemos a questão social em si, mas sim suas expressões, ou seja, percebemos as inúmeras e incômodas manifestações e expressões sociais. 4 O CONCEITO