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POR QUE EXISTEM TANTAS PSICOLOGIAS(1)

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POR QUE EXISTEM TANTAS PSICOLOGIAS?
	
Arthur Arruda Leal Ferreira
Professor Adjunto do Instituto de Psicologia (UFRJ), e Doutor em Psicologia Clínica pela PUC-SP, além de pesquisador financiado pela FAPERJ. Endereço para correspondência: Rua do Riachuelo 169/405. Centro – Rio de Janeiro – RJ. CEP: 20.230-014.
e-mail: arleal@antares.com.br.
Resumo
O presente texto tem por finalidade discutir a questão da unidade da psicologia, sem buscá-la numa identidade real insuspeita, ou mesmo ideal, ou ainda num projeto eclético. Busca-se então sancionar a pluralidade dos diversos projetos psicológicos, uma vez que são cruzamento de práticas sociais com modelos oriundos de outras ciências, gerando através das teorias ou das práticas psicológicas moldes diferenciados de subjetivação, que por sua vez se efetivam graças ao poder de enunciar a verdade que a ciência nos dias de hoje traz, especialmente quando o objeto de seu discurso é o próprio homem, produtor e alvo desses saberes. Esses modos diversos em que as psicologias geraram verdades e subjetividades foi designado Máquinas de múltiplas capturas psicológicas.
Palavras-Chave
História da Psicologia – Epistemologia – Práticas de subjetivação.
Why do there exist so many psychologies?
Summary
The purpose of the present text is to discuss the unit of Psychology, without search for it in an unsuspicious real identity, or even ideal, or still in a eclectic project. It seeks then to sanction the plurality of several psychological projects, once they are a crossing between social practices with derived models from other sciences, generating templates through these theories or psychological practices which are differentiated from subjativaction that, by its turn, becomes effective thanks to the power of enunciating the truth that today’s science brings, especially when the object of its speech is man, himself, producer and target of these knowledges. All these ways of psychologies to generate truths and subjectivities was named as “Machines of multiple psychological captures”. 
Key-words
Psychology History – Epistemology – Subjactivation Pratices.
Colocação do problema: a pluralidade da psicologia.
A psicologia nos dias de hoje é encarada como uma panacéia na solução dos mais diversos problemas na esfera intra e interpessoal. Nas diversas práticas que nela se apoiam, supõe-se que ela seja capaz de encaminhar soluções, das mais abrangentes (como ensinar, como administrar, como favorecer a comunicação, etc...) às mais locais (como avaliar as competências e as habilidades de um certo indivíduo). Contudo, na busca de apoio neste saber, que se oferece instrumental, nos deparamos com um problema crucial, pois são tantas são as escolas, as possibilidades de atuação e compreensão, que nosso simples desejo de instrumentação se vê atropelado pela fúria do debate entre estas diversas orientações, ou seja, os diversos sistemas psicológicos (como a psicologia genética, o behaviorismo, a psicanálise, e as ciências cognitivas) e outras abordagens menores (teorias locais e práticas específicas como os testes psicológicos). Como se posicionar nesta “Torre de Babel”, especialmente quem deseja um encaminhamento mais direto, a par de discussões epistemológicas? Como se pode compreender esta querela, e mesmo tirar proveito desta? Este é o objetivo deste artigo: discutir a pluralidade da psicologia, sua real existência, suas possíveis causas e, quem sabe, algum pequeno direcionamento para nossas práticas.
De início, pode-se perguntar se não há algum exagero na postulação desta pluralidade, posto que mesmo nas ciências naturais, mesmo nas mais paradigmáticas como na física, há sempre um espaço para o dissenso. Ou seja, quando se fala na física, jamais se deve evocar um saber monolítico, operando em uníssono. Em sua extensão operam vários nós de discordância, como na assumida dualidade partícula-onda, postulada afim de explicar a natureza da luz. Ao contrário do que se pensa, a dissonância é própria à ciência, sendo inclusive o que faz movê-la sempre contra a estagnação de um paradigma consensual. Este ponto de vista é reconhecido por muitos epistemológicos e filósofos da ciência, dentre os quais pode-se destacar o trabalho de Thomas Kuhn, autor de A Estrutura das Revoluções Científicas (1978)
Contudo, a dispersão que se deseja ver na psicologia não é pontual como a que ocorre, por exemplo, na dualidade partícula-onda. Não se trata de uma dissonância na explicação de fenômenos locais, ou na discussão de resultados e sua interpretação. O que está em questão na psicologia é a sua própria definição, a sua linguagem, o que a caracteriza como ciência, o que ela deve estudar (seus objetos), como estudá-los (seus métodos), e a partir de que questões (sua problemática). Enfim, o que se discute na psicologia é o seu próprio projeto científico. Dilemas locais, como os da física persistem na psicologia, mas na discussão interior de cada escola, de cada sistema. Assim, por exemplo, no behaviorismo, discute-se se o condicionamento operante (através de reforço) é predominante, ou se cede em certos casos a explicação ao condicionamento reflexo. Esta é uma questão interior, que só possui sentido entre os behavioristas. A pluralidade aqui referida é de maior monta; não diz respeito à interpretação de fenômenos, mas à própria natureza do saber psicológico, posicionando-se os diversos sistemas como diversos projetos possíveis de ciência, cada qual com sua linguagem, seus objetos (conceitos), seus métodos e suas problemáticas. Representam estilos, irredutíveis uns aos outros, de se fazer ciência psicológica. Isto sem esquecer que entre os universos dos grandes sistemas, gravitam uma boa dose de micro-teorias, de autores não sistemáticos e práticas irredutíveis à ótica de qualquer escola. Talvez esta poeira cósmica seja de maior volume que os grandes sistemas.
Talvez o único caso de dispersão na ciência natural semelhante ao da psicologia, seja o da cosmologia. Aqui as críticas de Immanuel Kant na sua Crítica da Razão Pura (1994) são elucidadoras, uma vez que tanto na psicologia quanto na cosmologia operam-se sínteses por demais amplas, completamente a par de qualquer substrato empírico. No caso da cosmologia, o problema refere-se ao universo, ou seja a totalidade que, enquanto objeto, inclui a nós próprios, enquanto observadores. Esta dificuldade oriunda de sermos, enquanto observadores, parte do observado, é igualmente significativa na psicologia, posto que nesta deseja-se a impossível transformação num salto do sujeito do conhecimento em objeto conhecido. Algo tão possível quanto o olho enxergar a própria retina.
Contudo, uma questão vem à baila: esta dispersão é real ou aparente? Não seria possível se constatar desta profusão de escolas apenas um debate nominal? Como se os estudos psicológicos fossem oriundos de uma gigantesca Babel em que cada grupo de psicólogos insistisse em arbitrar o seu nome a uma mesma coisa real. Seriam no fundo, o inconsciente, a experiência, a informação e o comportamento nomes de um mesmo objeto, tomado de assalto pelo princípio da arbitrariedade lingüística? Ou mais do que um desvio lingüístico, seria um problema de perspectiva perceptiva, em que cada orientação toma um mesmo objeto de diversos pontos de vista? Deste modo eclético, a psicologia seria a unidade de todos enfoques e nomes atribuídos a um mesmo objeto natural. 
O risco desta hipótese unificadora é supor uma natureza em si, como um conjunto de objetos previamente etiquetados. E que todo o nosso erro ocorreria na leitura da etiqueta, ora confundindo-a, ora tornando-a parte pelo todo. Esquece-se que a natureza em si nada fala, nada diz; nós é que advogamos, falamos por ela, inventamos nossas etiquetas e nossos conceitos. Ela, a natureza, apenas aceita ou recusa nosso saber inventado, funcionando ou não, conforme as condições previstas em um experimento. 
É deste modo que os sistemas não representam capítulos de um livro maior sobre psicologia (por exemplo, psicanálise sobre relações objetais e determinantes afetivos;behaviorismo, sobre aprendizagem; cognitivismo sobre processos superiores; psicologia genética, sobre o desenvolvimento). Nenhum autor sistemático aceitaria isto. Cada sistema representa pois, uma tentativa de impor sua linguagem, o seu modo de falar, de interrogar e examinar o seu suposto objeto psicológico em sua totalidade. 
Do mesmo modo que a natureza física não fala, mas aceita ou freia os nossos constructos, uma suposta natureza psicológica não operaria um julgamento desta pluralidade de escolas? Não haveria uma melhor psicologia sancionada, seja por provas experimentais, ou ao menos por uma melhor prática (seja lá qual for o critério: eficácia, felicidade individual ou coletiva, compreensão, adaptação ou consciência dos próprios limites)? O problema é que todas as psicologias se dão de algum modo provas empíricas, experimentais, argumentativas e de eficácia. Cada uma por si, e de preferência contra todas as demais. Isto é outro aspecto que dissolve ainda mais qualquer esperança de unidade psicológica. 
No fim de qualquer expectativa de união, uma última possibilidade de seleção surge: se não é possível se demonstrar uma maior verdade em uma orientação, que seja possível se denunciar uma falsidade, afim de excluí-lo do campo. Se a verdade não é absoluta, a sua negação o seria. Esta é a lógica da refutação, tal como encaminhada pelo filósofo da ciência Karl Popper (1975). Pois bem, nem esta lógica consegue operar na psicologia. Não existe saber psicológico consensualmente rejeitado. Quando cada sistema se depara com uma possível falha, recorre aos seus próprios recursos conceituais, afim de proporcionar uma explicação alternativa. A tal processo em que se barra a possibilidade de refutação de um sistema, Popper denominou-o de “imunização”. Um exemplo típico é o recurso pela psicanálise à tese da resistência para justificar qualquer fracasso ou crítica exacerbada as suas teses. Não há pois na psicologia nada, nenhuma alternativa, por mais que seja visceralmente oposta a uma segunda, ou por mais arcaica e aparentemente ultrapassada, que tenha sido refutada. Uma determinada orientação em geral é abandonada por falta sucessores, ou de interesse por parte da comunidade psicológica. Jamais por qualquer processo de refutação.
Abandonada qualquer tentativa de síntese ou mesmo de seleção científica na psicologia, resta configurá-la como um desfile de escolas a se suceder, a serem cada vez mais e mais inventadas e reinventadas, sem que nenhuma se destaque, ou que se possa estabelecer qualquer supremacia, que não seja por questão de interesse ou mobilização institucional. Isto talvez nos ofereça um subsídio, não para dissolver a dispersão da psicologia, mas, em termos mais modestos, compreendê-la. 
A positivação da pluralidade: A máquina de múltiplas capturas 
A quem fala a psicologia? De quem fala a psicologia? Esta dupla pergunta, em nada ingênua, remete no fundo a uma mesma questão; pode-se até dizer que existe uma psicologia animal, mas esta é essencialmente um psicologia comparativa, tomando os seres vivos em paralelo ao homem, visando compreender melhor este em suas funções psíquicas. O recurso ao animal, quando não se deve somente a uma impossibilidade de realizar certos experimentos (criação em isolamento, ablações), mas remete a busca de um ente mais simples e em contínua linha de evolução para com o homem. Não há pois, “psicologia animal”, mas “psicologia pelo animal”.
Todas as psicologias, portanto, visam falar do “humano” em sua relação com o mundo. Cada qual irá definir os termos est a relação de um modo bem próprio. Talvez as psicologias, ao tentar falar do homem como se este fosse um ente natural, governada por leis e princípios universais, elas na verdade acabam produzindo-o, inventando-o, ao tentar explicá-lo. Pois aquele quem produz o discurso psicológico não é o mesmo de quem se fala? Se nós somos seres calcados pela linguagem, como podemos resistir ao que se diz de nós, senão em nome de uma outra fala mais forte? Por sermos seres falantes, tudo que puder ser dito sobre nós não nos é indiferente, preenche nossa infinda indefinição, muda a “nossa natureza”. Enquanto que nós mudamos em função de que nos é dito, o mundo dos objetos permanece insensível aos nossos apelos, consentido no máximo a legitimar a operacionalização de nossas teorias. Um bela poesia pode seduzir uma mulher, mas a mais elaborada elegia jamais fará um por-do-sol, um jacarandá, ou uma locomotiva mais plenos de si. Aqui, há um problema que parecer ferir o princípio da objetividade científica: como se pôr de fora, no exterior de um discurso, em que somos ao mesmo tempo os seus sujeitos e seus alvos?
Na psicologia, a estratégia, ainda que não deliberada, é objetivar, “objetar” o sujeito; constituir uma imagem deste enquanto um “algo”, que se possa reconhecê-lo de fora. É tomá-lo à imagem e semelhança de um objeto, e de preferência um objeto cientificamente já reconhecido. É deste modo que a psicanálise tomará o psiquismo como um jogo de forças, próprio da física dinâmica; o behaviorismo, nossa conduta como um conjunto de espécies em busca de adaptação; e o cognitivismo, nossos processos superiores, enquanto módulos informacionais, análogos aos de um computador. O que a psicologia acaba realizando na busca de sua cientificidade é se apropriar de imagens, metáforas, objetos, métodos e questões de outras ciências, capturando-os a fim de se pôr à distância de qualquer subjetivismo, e “objetando” o próprio sujeito.
Neste intrincado jogo, em que o sujeito para se conhecer, se “objeta” e se produz à “imagem e semelhança” de uma imagem científica, é que podemos encontrar a chave para o nosso problema. Conhecer nesta ciência, não é de modo algum, chegar a um termo último, desvelar sob a seqüência dos mantos de nossa ignorância a realidade última de um objeto psicológico natural. Mas, no mesmo momento em que tentamos conhecê-lo, produzimo-no num incontornável “mecanismo placebo”. É um problema semelhante ao encontrado na microfísica, em que não há como observar um determinado sistema sem intervir nele, pela própria luz (fótons) que alimenta a observação. Do mesmo modo, a psicologia, ao se constituir, modifica os sujeitos estudados, seja por sua intervenção prática, seja na simples difusão de seu saber, como opera a psicanálise. De que outra maneira as pessoas de nossa sociedade viriam a acreditar no significado dos sonhos, no “primeiro amor edípico” ou na existência do inconsciente, senão pela transmissão e difusão da psicanálise? É por tal mecanismo que todas psicologias são eficazes. Ainda que se parta do exame dos indivíduos concretos, estes, em sua indefinição, conformam-se ao poder de nossa verdade psicológica. Pois que, excluindo nossos “tecnocratas da subjetividade”, quem mais em nossa sociedade poderia falar sobre a verdade de nossas vidas? Não há como um psicologia não ser eficaz.
Contudo, resta uma questão: se todas orientações psicológicas são eficazes, por que algumas são mais eficazes enquanto outras perecem ao sabor do tempo? Pode-se pensar de início nos mecanismos de divulgação que alguns saberes constituíram, como a psicanálise, que se disseminou fora do espaço exclusivamente acadêmico, penetrando de modo mais direto na nossa vida comum, uma vez que superestimou a capacidade de resistência do público, apresentando-se como um saber desafiador às nossas verdades mais comuns, como “peste” ou “ferida narcísica”. Contudo, pode-se igualmente pensar que estes saberes não planam num mundo exclusivamente teórico; eles possuem ressonância, enquanto práticas, com todo um conjunto de modos de subjetivação já existentes na sociedade. Ou seja, as práticas discursivas da psicologia surgem dentre as várias “tecnologias de subjetivação” próprias de nossa sociedade, para se porem num segundo momento como ajuizadoras, por seu poder de verdade científica, das demais práticas.
É desta maneira que a psicologia do desenvolvimento origina-se a partir da invenção da infância, enquanto um frágil período de nossa vida, em que devemos nosmanter longe da corrupção do mundo adulto. Surgida sob esta perspectiva religiosa no século XVI, a escola será este espaço de proteção à infância recém criada, em nome da qual será produzida mais tarde (século XIX) uma psicologia, julgadora do certo e errado de nossas práticas escolares. Tal processo se encontra brilhantemente descrito por Philippe Ariés no seu História Social da Criança e da Família (1979). De igual modo, o behaviorismo nasce parelho a todo um conjunto de técnicas de racionais de divisão e controle do trabalho (como por exemplo, o taylorismo), retroagindo sobre estas afim de julgar sua eficácia. Pode-se ver ainda, como aponta Michel Foucault na sua História da Sexualidade I (1976), a vinculação da psicanálise ao dispositivo da sexualidade, enquanto estratégia de poder e de produção de verdades gerada através das práticas confessionais e admnistrativas do século XVIII.
Se o céu da psicologia pode ser o das teorias científicas, o seu solo é o das práticas sociais. E justamente, por seu caráter meio divino, ungido pelo poder de ser ciência, é que ela não vai ser apenas “uma dentre as práticas”, mas “a prática”, abençoada pelo rigor de sua suposta cientificidade. É o que se espera nos diversos espaços em que se toma a psicologia como ciência de base; que nos diga na educação, na administração, nas mínimas receitas de vida: o que fazer? Mas o que fazer se são muitas as alternativas, muitos os messias no trânsito entre o divino científico e as incertezas de nossas vidas? 
Aqui as opções são claras. Ou se adota uma orientação, denegando as demais; escolha esta por empatia, senso estético, ou principalmente ético - mas jamais por um critério científico (pode-se no máximo gostar mais de um certo estilo de fazer ciência). Ou se para a pensar na profusão destas psicologias. Aqui duas atitudes são possíveis: ou cedemos ao relativismo e ao ceticismo (tudo é verificável, tudo é verossímil, e portanto, tanto faz a escolha que realizemos). Ou pode-se tomar por lição isto que sempre se impôs como barreira à cientificidade da psicologia: a sua auto-verificação através da constante produção de sujeitos. Trata-se de tentar compreender como elas geram nossos diversos modos de ser “humano”. Esta é a orientação deste trabalho.
A maneira aqui proposta de compreender todo este processo é supor a existência da psicologia à moda de uma máquina (assim chamada por possuir um mecanismo, uma lógica) de múltiplas capturas (tomadas de modelos científicos e de muitos modos de subjetivação). Tal máquina operaria em três fases que se retroalimentam, retroagem sobre si. Assim, num primeiro momento, toma-se uma imagem científica (seja da física, da biologia, ou da informática) em consonância com um conjunto de práticas sociais. Num segundo momento, tal imagem, ungida pelo poder de sua inspiração científica, decalca-se sobre os sujeitos, reordenando num terceiro instante o conjunto de suas práticas, de onde ela mesmo surgiu. 
Se estes modos de subjetivação foram historicamente possíveis, por que não inventar outros? Por que não conferir um caráter de intenção àquilo que os psicólogos tem se lamentado como acidente, efeito involuntário de seu saber? Ou mais, se todas são invenções possíveis, porque não perder justamente o medo da produção, da novidade e se entregar à deriva da invenção de novas formas de vida, de novas “tecnologias de subjetividade”. Este é ao meu ver o grande desafio da psicologia: pôr-se na vanguarda, assumir a sua singularidade naquilo em que ela sempre se humilhou perante as demais ciências: o seu poder radical de inventar novos modos de ser daquele que é indefinido nas tentativas de definição infinda: o homem.
BIBLIOGRAFIA
· Ariés, P. - A História social da criança e da família no ocidente. Zahar, Rio de Janeiro, 1979. 
· Foucault, M. – A História da Sexualidade. Volume I. Graal, Rio de Janeiro, 1976. 
· Kant, I. - Crítica da razão pura. Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1994. 
· Kuhn, T. - A estrutura das revoluções científicas. Perspectiva, São Paulo, 1978. 
· Popper, K. - A lógica da investigação científica. Coleção “Os Pensadores”. Abril Cultural, São Paulo, 1975.

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