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ENSAIO SOBRE TERCEIRIZAÇÃO Carlos José Baqueiro Batista Salvador – BA Fevereiro - 2020 1 ÍNDICE GENEALOGIA DA MORAL INTRODUÇÃO A PESQUISA OS DISCURSOS ANÁLISE DAS ENTREVISTAS CONCLUSÃO BIBLIOGRAFIA 2 Genealogia da Moral Nós, homens do conhecimento, não nos conhecemos; de nós mesmos somos desconhecidos - e não sem motivo. Nunca nos procuramos: como poderia acontecer que um dia nos encontrássemos ? Com razão alguém disse: "onde estiver teu tesouro, estará também teu coração". Nosso tesouro está onde estão as colméias do nosso conhecimento. Estamos sempre a caminho delas, sendo por natureza criaturas aladas e coletoras do mel do espírito, tendo no coração apenas um propósito - levar algo "para casa". Quanto ao resto da vida, as chamadas "vivências", qual de nós pode levá-las a sério ? Ou ter tempo para elas? Nas experiências presentes, receio, estamos sempre "ausentes": nelas não temos nosso coração - para elas não temos ouvidos. Antes, como alguém divinamente disperso e imerso em si, a quem os sinos acabam de estrondear no ouvido as doze batidas do meio-dia, e súbito acorda e se pergunta "o que foi que soou ?", também nós por vezes abrimos depois os ouvidos e perguntamos, surpresos e perplexos inteiramente, "o que foi que vivemos ?", e também "quem somos realmente ?", e em seguida contamos, depois, como disse, as doze vibrantes batidas da nossa vivência, de nossa vida, nosso ser - ah ! e contamos errado... Pois continuamos necessariamente estranhos a nós mesmos, não nos compreendemos, temos que nos mal- entender, a nós se aplicará para sempre a frase: "Cada qual é o mais distante de si mesmo" - para nós mesmos somos "homens do desconhecimento"... FRIEDRICH NIETZSCHE 3 INTRODUÇÃO Outro dia, lendo Liliana Segnini (A Liturgia do Poder) defrontei-me com uma realidade. Segundo a autora aqui no Brasil existiriam muitos trabalhos teóricos sobre, por exemplo, as relações de produção, meios de produção, psicologia de fábrica, etc, porém todos eles baseados apenas em dados teóricos, bem teóricos. Compreendo eu, que naqueles trabalhos os autores descrevem as atividades produtivas como elementos diagnosticáveis a partir de suas ideologias. Os marxistas encontram ali na fábrica os elementos que darão vida às suas próprias idéias, os liberais, com certeza, fazem o mesmo, os positivistas necessariamente o farão. Assim um sem número de trabalhos acadêmicos servem apenas para dar consistência às idéias pré-concebidas da realidade da fábrica ou da oficina. O que percebi ali, ao ler o capítulo inicial da "Liturgia do Poder" foi justamente isto. O acadêmico/universitário não se importa em ir a fábrica ou a oficina pois ele já possui todas as respostas as sua questões. A sua estrutura intelectual não necessita de nenhum esforço etnológico para tirar conclusões. Todas as respostas já são teorizadas 4 há tanto tempo que não é mais necessário ir ao encontro do trabalhador para compreender o que ele quer ou sente. Quais as suas angústias e medos, suas idéias e paixões ? Com certeza, pensam os intelectuais a que me refiro, Marx, Gramsci, Comte, Durkheim, Weber, Stalin, explicam tudo, melhor que o próprio trabalhador. Mas a tecnocracia empresarial não vê as coisas assim. Ao contrário dos idealistas acadêmicos, os gerentes a partir de técnicas que se difundiram a partir do Japão tentam compreender o trabalhador ali no seu local de trabalho. É naquele local que através de novas formas de gerenciamento, novos conceitos sobre ambiente de trabalho e motivação, que o novo tecnocrata envolve o trabalhador em um participacionismo cooptante, criando meios para que ele se sinta um verdadeiro colaborador da empresa onde trabalha. Os objetivos da empresa tornar-se-iam parte dos objetivos do trabalhador. Na realidade, o tecnocrata aprende a entender o trabalhador se envolvendo com ele, correspondendo-se com ele, estudando-o cotidianamente, sobre a máquina ou equipamentos que ele trabalha, simulando situações e estimulando respostas. Assim, o tecnocrata 5 pode saber até onde pode negociar com o trabalhador num dado momento de pressão, como uma greve, por exemplo. Ou saberá, até mesmo, o ponto máximo da colaboração do trabalhador. Então, analisando estas duas visões de estudo do trabalhador, uma priorizando teorias e a outra a realidade cotidiana, vê-se que nós universitários (que tão freqüentemente apoiamos o primeiro caso) temos a necessidade de nos debruçarmos sobre as fábricas e oficinas, para que entendendo-as melhor, no que diz respeito ao homem que trabalha ali, possamos ter, através da prática, da realidade cotidiana, das condições imediatas, um meio de teorizar sobre todo aquele sistema produtivo, criticando-o se necessário for. Criando com esta visão um elemento de força para transformações mais humanas para toda a sociedade. A PESQUISA A pesquisa sobre terceirização na Petrobrás se baseia em minha própria experiência como trabalhador naquela empresa e nas entrevistas que ali conduzi entre trabalhadores da própria Petrobrás e de empresas contratadas pela Petrobrás (as Terceiras). 6 Utilizando métodos de pesquisa como questionários escritos e entrevistas orais pude, talvez, receber respostas mais sinceras do que aquelas dadas aos gerentes da empresa, ou pesquisadores de fora, quando são solicitados a isto. O interesse por este tema, apenas uma gota no oceano das relações de trabalho, é devido a que através dele poderei caracterizar alguns elementos da fábrica, de uma ótica histórica cotidiana, que são desconhecidos ou negligenciados pelo mundo acadêmico/universitário. A hierarquia interna, os organismos de manutenção do poder, os símbolos que garantem aquela manutenção, a mentalidade operária, etc. São alguns destes elementos que foram transmitidos pelo trabalhador a mim como pesquisador e que lanço agora como meus pontos de vista sobre eles. Não espero tratá-los, todos, nem em sua totalidade, já que a pesquisa foi efetuada num pequeno período de tempo, impossibilitando um estudo mais aprofundado. Mas talvez já seja um bom começo. 7 OS DISCURSOS "Definimos a terceirização como um processo de transferência, dentro da firma (empresa-origem), de funções que podem ser executadas por outras empresas (empresa-destino)" 1 . Este é o conceito mais simples e neutro que pode ser encontrado sobre terceirização. Conceitos mais longos estarão necessariamente ligados a quaisquer das idéias das mais diversas tendências. É através de duas destas tendências que gostaria de introduzir um estudo inicial da terceirização, relevante para podermos ter uma idéia concreta do resultado da pesquisa. O sindicato, principalmente os grupos marxistas dentro dele, possuem conceitos bem distintos dos conceitos empresariais. São as idéias destas duas vertentes (que podem mesmo se multiplicar em dezenas de outras) que tentarei caracterizar agora. O Discurso Sindical : O boletim do Sindicato dos Telefônicos da Bahia (Ago 93) informa como deliberação do Primeiro Congresso Estadual daquela 8 categoria que "um dos elementos que vem ganhando corpo nas relações entre capital e trabalho é a chamada TERCEIRIZAÇÃO, através da qual as empresas passam para outras incumbências específicas". De acordo com os "telefônicos", a terceirização faria parte de um conjunto de ações empresariais que objetivariam a qualidade e a economia dos custos de produção. O problema parece estar somente no caso das estatais; é o que dão a entender, quando sublinham que a terceirização estaria "sendo largamente utilizada para distribuir favores entre donos de empreiteiras, em detrimento das condições de trabalho ede vida dos trabalhadores dessas empresas". Mais radicais são os "petroleiros". Em seu boletim do Congresso Regional de 1993 (Jun 93), conceituam a terceirização no Brasil como ação "sintonizada com o capitalismo predatório em vigor". Como a terceirização, de acordo com os "petroleiros", funcionaria concentrada prioritariamente na redução de custos, grandes problemas surgiriam em conseqüência dela: Desemprego, com a demissão na empresa-origem e menor número de trabalhadores 1BRASIL, Haroldo Guimarães; A Estratégia da Terceirização; Revista de 9 na empresa-destino, devido a maior exploração nas suas horas extras; Sub-emprego, com rebaixamento salarial, perda de conquistas sociais; e finalmente deterioração das condições de trabalho, com desprezo pelo treinamento do trabalhador, pela higiene no trabalho e pela proteção ambiental. A importância destas análises sobre a terceirização é que chegam freqüentemente aos trabalhadores através dos boletins dos sindicatos. Atualmente, por exemplo, o boletim do STIEP (Sindicato dos Trabalhadores na Exploração de Petróleo) possui uma tiragem de 4000 unidades por edição (uma ou duas por semana). Os principais colaboradores deste tipo de ponto de vista dos sindicatos não são os próprios trabalhadores, ou melhor, não são todos eles, mas os partidos políticos de esquerda, ou centrais sindicais, que levam aos congressos suas análises através de seus respectivos militantes. O que interessa a nós, é saber que aquelas análises não são discutidas na base, na fábrica ou oficina. São lançadas de cima para Administração de Empresas - Mar/Abr 93; F.G.V. 10 baixo, dos partidos para os sindicatos, destes para os trabalhadores, nesta ordem. O Discurso Empresarial : Os discursos das vantagens da terceirização ficam, é claro, por conta dos empresários. Podemos avaliar estas vantagens na matéria "A Empresa e a Estratégia da Terceirização" 2 , quando se afirma que "a estratégia terceirizante é benéfica para a empresa-destino no sentido de forçá-la a trabalhar dentro de um padrão satisfatório de utilização da capacidade de produção", ou possibilitando "um 'enxugamento' na estrutura organizacional", eliminando também "a necessidade de se fazer certos investimentos em atividades de apoio (mão de obra de apoio, treinamento, espaço físico, etc.)". Outra matéria bem interessante é de Michele Montone 3 , analisando o livro "Terceirização passo a passo", de Jerônimo Souto Leiria, que é no mínimo agradável para os defensores da terceirização. "O primeiro cuidado", na introdução da terceirização na empresa- 2 MOTTA, Fernando C. Prestes; As Empresas e a Transmissão de Ideologia; Revista de Administração de Empresas; Nov/Dez 92; F.G.V. 11 origem, "é na elaboração do contrato de parceria... A questão do envolvimento do sindicalismo foi abordada (no livro) no sentido de esclarecer que a terceirização 'correta', sob o ponto de vista legal, não traz prejuízos ao trabalhador." Esta análise da terceirização chega ao trabalhador através de jornais da empresa ou mesmo através dos gerentes dos setores, que são treinados para este fim. Os jornais de empresa têm uma linha divisória na história ocidental: Paris, 1968. Ali houve conflitos entre estudantes e trabalhadores de um lado, questionando a estrutura do capitalismo e conseqüentemente das empresas, e por outro lado, empresários e governo. A partir dali começa-se a se reforçar a "difusão do sentimento de afiliação do empregado à empresa fazendo transparecer que os objetivos individuais são iguais ou semelhantes aos objetivos da empresa, procurando o consenso e a coesão dos esforços." 4 3 MONTONE, Michele; Análise do Livro Terceirização Passo a Passo; Revista de Administração de Empresas; Mar/Abr 93; F.G.V. 4Idem 1 12 Em outro "front" os empresários tentam cooptar os trabalhadores através dos seus supervisores ou chefes diretos. Criam- se cursos de gerência, onde se aplicam diversas formas de treinamento as quais criam nos gerentes uma visão da empresa como uma continuação de casa, como parte de sua vida e, portanto, sendo necessária a adaptação do trabalhador a ela. ANÁLISE DE ENTREVISTAS Gostaria, antes de iniciar as análises das entrevistas, de contar duas histórias sobre trabalhadores de empreiteiras contratadas que podem nos fazer visualizar um pouco mais profundamente onde se encontra o calcanhar de Aquiles da terceirização, ou mesmo da mentalidade empresarial como um todo. Há algum tempo atrás, trabalhando numa empresa que presta serviços de manutenção dentro da área do Pólo Petroquímico de Camaçari, conheci muitas histórias tristes sobre o que é a vida do trabalhador num complexo industrial fechado. Indivíduos alienados totalmente, em relação a que tipo de contato de produtos estão a mercê, andam pelas áreas sem qualquer equipamento de segurança, as 13 vezes sem qualquer treinamento de segurança, muitas vezes contratados para trabalhar somente um ou dois meses, durante a parada de alguns equipamentos. É sobre uma destas pessoas que ouvi uma história que ainda hoje deve se repetir em muitos lugares do Brasil, e provavelmente, de todo o mundo. Uma trabalhadora, da área de limpeza, de uma empresa de serviços contratada por uma grande empresa do Pólo, ficou grávida. Como não poderia dizer nada sobre aquilo ao seu "chefe", pois seria logo demitida, tomou alguns chás abortivos. Conseguiu perder seu ex-futuro-filho, mas alguns efeitos colaterais começaram a surgir, criando problemas de circulação em suas pernas e pés, que inchavam quando usava as botas de segurança. Mas uma vez, nada poderia contar ao "chefe", além de não poder deixar de usar as botas. Em pouco mais de uma semana, sem poder pedir qualquer licença, pois se arriscaria a perder o emprego, aquela trabalhadora teve uma crise hemorrágica nos pés tendo que ser levada para o pronto-socorro de Camaçari. Ali mesmo não suportou a perda de sangue e morreu. 14 Em outra história mais recente, a personagem principal é um trabalhador na área de pintura. A empresa onde trabalhava estava prestando serviços à Petrobrás. Após dois dias embarcado numa plataforma de perfuração marítima parece não ter suportado as condições de trabalho (sol, calor, pintura com solventes, proteção não adequada, etc), ou já se encontrava doente (possuía um físico raquítico), o trabalhador passou mal, com um princípio de desmaio e foi levado à enfermaria da plataforma. Foi decidida sua retirada da plataforma, "para não vir a causar problemas maiores". Um helicóptero iria levá-lo à terra (para um aeroporto) e lá seria deixado, sem que se tivesse certeza de que alguém o estivesse esperando ali, para ajudá-lo se necessário fosse. A vida de trabalhador na indústria de uma forma geral não é muito boa. As condições de trabalho a que estão submetidos são perigosas e insalubres. Há qualquer momento pode acontecer de uma válvula explodir em suas pernas; um gás venenoso entrar em seus pulmões e circulação, tornando-o um doente; a pressão psicológica em salas de turbinas, escuras e ruidosas, tornando seus sonos e 15 pesadelos mais difíceis de suportar. Mas se este não é o tipo de vida que todos desejariam levar, imagine-se a mesma para um trabalhador de empresas terceirizadas que têm poucas vantagens para contrabalançar àquelas condições. "Todos sabem que existem e são inúmeras as diferenças, que vai desde o salário, assistênciamédica e até Equipamentos de Proteção Individual". Esta é uma resposta aos fatos, como neste caso, não só do trabalhador terceirizado, mas de quase todos os trabalhadores da empresa que contrata, no nosso caso a Petrobrás. Alguns trabalhadores da Petrobrás, menos contundentes que outros, apenas dizem que "Sim", ou "É claro ! Existe Diferenças", mas não se esforçam muito para citá-las. Alguns com certa indiferença. Mas todos vêem claramente a diferença entre eles e os trabalhadores das contratadas. Mas o incrível é constatar que as diferenças de tratamento definidas pelos empresários são absorvidas com tanta força que são, por vezes, e inconscientemente, quero crer, passadas para as relações 16 entre trabalhadores. Em uma das faixas de uma das entrevistas podemos verificar isto. "Por vezes, os trabalhos executados necessitam capacitação técnica maior. Obviamente se o empregado de contratada permanecer algum tempo (anos, talvez) fazendo serviço similar ao Petroleiro, ele certamente fará os serviços com tanta presteza quanto ao Petroleiro...". Se observarmos a alma da resposta perceberemos o quão longe vai a diferença entre o "Petroleiro" e o contratado. A definição de "Petroleiro" é lançada somente para aquele que trabalha na Petrobrás; a "presteza" no trabalho é inerente ao trabalhador da Petrobrás. O corporativismo do trabalhador da Petrobrás e sua relação com o da contratada é mostrado assim com muita clareza. Esta clareza torna-se mais significativa nos momentos dos acordos coletivos quando o Sindicato dos Trabalhadores na Extração de Petróleo (STIEP) na pessoa de seus diretores falam sobre os acordos com empresas como Petrobrás, Sotep, etc, e alguns 17 trabalhadores da Petrobrás questionam o porque daqueles acordos "se os trabalhadores daquelas empresas não são 'petroleiros'". Este tipo de relacionamento diferenciador é fortalecido por algumas características do trabalho na área industrial. Uma delas é o vestuário, lembrando o "admirável mundo novo" de Huxley: Alfas, Betas e Gamas, cada um destes, sendo um grupo homogêneo dentro da hierarquia daquele mundo, vestia roupas similares, diferenciando-o dos demais grupos. No nosso caso, o pessoal da área de manutenção da Petrobrás veste roupas cinzas, o pessoal da limpeza contratada, azul, o pessoal da inspeção de equipamentos contratada veste verde. E assim por diante. No caso da área da limpeza a maior parte dos trabalhadores são do sexo feminino, e isto as diferencia mais ainda. "Toda mulher da limpeza tem caso com um 'Petroleiro'", "Essas mulheres da limpeza são espertas, querem armar P.J.(Pensão Judicial) para os 'Petroleiros'". 18 São estes os conceitos que os "Petroleiros" dão às mulheres trabalhadoras na área da limpeza. Não bastando as prejulgarem econômica e socialmente, ainda existe o preconceito sexual. "Um colega nosso aproveitou que a mulher da limpeza se abaixou prá pegar o lixo e tascou-lhe uma dentada na bunda". É claro que não queremos aqui generalizar alguns casos para toda uma classe de trabalhadores, mas não se pode deixar de lado a tentativa de compreensão destas ações cotidianas que, junto com as análises econômicas e sociais, pode criar condições para um entendimento maior dos fatos, conjunturas e estruturas dentro do mundo da empresa industrial. CONCLUSÃO O tema da reestruturação econômica e industrial está cada dia mais presente no debate das relações internacionais. Como, por exemplo, harmonizar a economia internacional, ou seja, sem um país "levar vantagem" do outro, com a globalização da economia de um mundo de várias culturas? Como conviver pacificamente com culturas de homens para os quais o trabalho é um prazer, como no Japão, e 19 outras culturas onde o trabalho, principalmente manual, é um mal necessário ? Isto em termos mundiais. Em termos nacionais o maior problema, me parece, é a consciência empresarial conservadora, que vê o lucro imediato acima de quaisquer outras variáveis dentro do processo produtivo. Este fenômeno provoca diversos efeitos desastrosos, pois a redução de custos para aumento do lucro se dá sempre em função ou da demissão do trabalhador ou do arrocho salarial. A terceirização tem assim no Brasil, talvez diferentemente de outros países, uma simples função. Redução de custos. Isto analisado estatisticamente seria bastante "científico". Por exemplo, a empresa 'A' terceirizou e teve um lucro líquido de 'X' milhões, enquanto a empresa 'B', que não tercerizou, obteve um lucro de 'X-1" milhões. Está claro que a terceirização diminui os custos. O que não está claro é com que efeitos. Ou melhor dizendo, não está muito claro para nós acadêmicos, que não nos debruçamos sobre a fábrica ou a oficina terceirizadas para observar os efeitos desastrosos a que são submetidas as vidas dos trabalhadores. Estes sim conhecem 20 o significado prático do que seja a terceirização. Baixos salários, alta periculosidade, insuficiência alimentar, doenças ocupacionais, etc. Estes efeitos os trabalhadores das empresas que prestam serviços (conhecidas significativamente como "gatas"), conhecem porque convivem diariamente, semanalmente, anualmente, "pulando" de uma empresa para outra, numa altíssima rotatividade, quase sem direitos trabalhistas. A ignorância do trabalhador, o seu medo de participar de protestos, ou mesmo greves, são as bases de que se utiliza o empresário para manter este tipo de atitude contra os próprios trabalhadores. Nós estudantes, universitários, historiadores, devemos entender este processo a partir do interior do campo analisado, difundindo nosso conhecimento etno-histórico, pois "nada mudará a sociedade se os mecanismos de poder que funcionam fora, abaixo e ao lado dos aparelhos de Estado a um nível muito mais elementar, cotidiano, não forem mudados" 5 5FOUCAULT, Michel; Microfísica do Poder; Graal; 1992 21 BIBLIOGRAFIA BRASIL, Haroldo Guimarães; A Estratégia da Terceirização; RAE; mar/abr 93; FGV CHALAT, Jean-Fraçois (ORG); O Indivíduo na Organização: Dimensões Esquecidas; Atlas; 1992 DIEESE; Os Trabalhadores Frente à Terceirização; Pesquisa DIEESE; Mai 93 FOUCAULT, Michel; Microfísica do Poder; Graal; 1992 FREITAS, Fernando; Parceiros na Vitória: Administração Participativa no Mundo; Cultura Editores Associados, 1991 MOTTA, Fernando C. Prestes; As Empresas e a Transmissão de Ideologia; RAE; Nov/Dez 92; FGV SEGNINI, Liliana; A Liturgia do Poder: Trabalho e Disciplina; EDUC; 1988
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