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MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA ORTÓTESE DE TORNOZELO E PÉ CRISTIAN LÓPEZ RICO Dissertação Final Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica Orientador: Professor Doutor João Manuel R. S. Tavares (FEUP/DEMec) Co-orientador: Doutora Andreia S. P. Sousa (ESTSP) Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica Junho 2014 Aos meus pais e irmão, graças ao seu apoio incondicional ao longo de todos estes anos de estudo. MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP I AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar tenho que agradecer a meu professor João Manuel R.S. Tavares por toda a disponibilidade demonstrada e a dedicação na orientação do projeto que era uma área totalmente desconhecida para mim. A todos os colaboradores na recolha de informações realizada, nomeadamente à Dra. Andreia Sousa do Centro de Estudos do Movimento e Atividade Humana da Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Porto e ao Emilio pela disposição como sujeito de estudo. Também ao Manuel Cuevas por fornecer a sua dissertação para comparação dos resultados. Os meus pais, Angel e Goyi, e a toda minha família por todo o apoio durante todos estes duros anos de estudo. A minha namorada Andrea por todo seu apoio mostrado nos momentos difíceis e suas palavras de ânimo todo o tempo. O meu colega de Erasmus Javier, pela sua ajuda e todas as horas de estudo e aulas juntos. As minhas amigas Sara e Julia por todos os momentos de estudo durante a carreira universitária e sua ajuda. MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP II MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP III RESUMO Nesta tese faz-se uma introdução aos ossos e arcos do pé que intervêm no movimento do tornozelo nos distintos planos, assim como um estudo detalhado sobre a marcha humana “normal” identificando as distintas fases da mesma e explicando que acontece e os objetivos principais em cada uma. Também realiza-se uma análise cinemática onde observa-se as variações angulares da flexão plantar e dorsal do tornozelo, e uma análise cinética onde estudaram-se os momentos e a potência na articulação do tornozelo durante o ciclo da marcha. Existe um capítulo dedicado ao estudo de diferentes problemas funcionais do tornozelo e pé, e uma classificação das distintas doenças e patologias que conduzem ao uso de uma ortótese. As ortóteses são dispositivos aplicados externamente para auxiliar os sistemas neuro-musculares-esqueléticos. Um caso particular são as OTPs, que são ortóteses do tornozelo e pé e cujas funções principais são: assistir na marcha, proporcionar estabilidade no tornozelo e manter ou restringir o movimento problemático devido a patologia. As OTPs são classificadas em função do material em que são produzidas, principalmente em metal e plástico, e identificam-se os distintos tipos existentes. Também explica-se os sistemas de controlo que as ortóteses possuem para realizarem a sua função. Por último, apresenta-se um estudo experimental realizado no laboratório do Centro de Estudos do Movimento e Atividade Humana Responsável de um sujeito com e sem o uso da uma OTP atendendo a fatores como o angulo do tornozelo e os momentos produzidos durante a marcha, assim como uma comparação com os dados obtidos por a simulação da mesma OTP por meios computacionais. MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP IV MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP V ABSTRACT This thesis presents an overview about the bones and foot arches involved in ankle movement in different planes. Also, it includes a detailed study of the normal human walking, to clearly identify the different stages of human gait and explaining what happens in each stage and the main objectives addressed. In addition, it is included a kinematic analysis in which can be observed the angular variation of the ankle plantar and dorsal flexion and a kinetic analysis showing the moments and forces applied on the ankle during the walking cycle. A specific chapter is included about the different functional errors related to ankle and foot and also a classification of the different diseases and disorders that lead to the use of orthesis. Orthesis are devices applied externally to help the neuro-muscular systems, and in particular the AFOs, which are orthesis of ankle and foot and whose functions are to attend the walking of human, provide stability to the ankle and maintain or restrict the range of movement in people with a pathology. AFOs are classified according to the material which they are made; mainly, metal or plastic. Control systems that orthosis can integrate to perform its main functions are also discussed. Finally, there is an experimental study performed at the laboratory of the Centre for Studies of Movement and Human Activity. This study involved the analysis of a subject using or not an AFO during gait and according to several factors, such as the angle of the ankle and the moments produced during the walking. Also, it is presented a comparison with the data obtained by computational simulation for the same AFO in a previous project. MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP VI MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP VII TABELA DE CONTEÚDOS CAPÍTULO I ............................................................................................................................ 1 Introdução ................................................................................................................................. 1 1.1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 2 1.2. OBJETIVOS .................................................................................................................... 2 CAPÍTULO II ........................................................................................................................... 4 Anatomia e movimento do pé e tornozelo .............................................................................. 4 2.1. ANATOMIA DO PÉ E TORNOZELO ........................................................................... 5 2.2. MOVIMENTO DO PÉ E TORNOZELO ........................................................................ 7 CAPÍTULO III ....................................................................................................................... 11 Análise do ciclo da marcha humana “normal” .................................................................... 11 3.1. CICLO DA MARCHA HUMANA “NORMAL” ......................................................... 12 3.2. FASES DO CICLO DA MARCHA .............................................................................. 14 3.3. BIOMECÂNICA DO TORNOZELO ........................................................................... 25 3.4. ANÁLISE CINEMÁTICA DO TORNOZELO DURANTE A MARCHA .................. 25 3.5. ANÁLISE CINÉTICA DO TORNOZELODURANTE A MARCHA ........................ 28 3.6. TEORIAS DO ESTUDO DA MARCHA ...................................................................... 30 3.7. MÉTODOS DE ESTUDO DA MARCHA HUMANA ................................................. 33 3.7.1. Plataformas de força ................................................................................................ 34 3.7.2. Fotopodograma........................................................................................................ 36 3.7.3. Baropodometría eletrónica ...................................................................................... 36 3.7.4. Goniometria ............................................................................................................. 36 3.7.5. Fotografia estática ................................................................................................... 37 3.7.6. Eletromiografia........................................................................................................ 37 3.7.7. Inclinometría ........................................................................................................... 37 3.7.8. Videografia digital................................................................................................... 37 CAPÍTULO IV ........................................................................................................................ 38 Marcha humana patológica ................................................................................................... 38 4.1. MARCHA HUMANA PATOLÓGICA ........................................................................ 39 4.2. MECANISMOS PATOLÓGICOS BÁSICOS DA ALTERAÇÃO DA MARCHA ..... 39 4.3. CLASSIFICAÇÃO DA MARCHA DE ACORDO COM A ÁREA ANATÔMICA AFETADA ............................................................................................................................ 41 4.3.1.Erros funcionais do tornozelo .................................................................................. 41 4.3.1.1. Flexão plantar excessiva do tornozelo .............................................................. 41 4.3.1.2. Excessiva dorsiflexão do tornozelo .................................................................. 45 MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP VIII 4.3.1.3. Erros funcionais do pé ...................................................................................... 47 4.4. CLASSIFICAÇÃO DA MARCHA DE ACORDO COM AS PATOLOGIAS ............ 50 4.4.1. Marcha patológica por anormalidades frequentes ................................................... 50 4.4.2. Marcha patológica por deficits neurológicos de origem central ............................. 51 4.4.3. Marcha patológica por lesões neurológicas periféricas........................................... 53 CAPÍTULO V ......................................................................................................................... 55 Ortóteses tornozelo-pé ............................................................................................................ 55 5.1. DEFINIÇÃO E OBJETIVOS DAS ORTÓTESES ....................................................... 56 5.2. CLASIFICAÇÃO DAS OTPs SEGUNDO O FUNCIONAMENTO ........................... 58 5.2.1. OTPs ativas ............................................................................................................. 58 5.2.2. OTPs passivas ......................................................................................................... 58 5.3. CLASSIFICAÇÃO DAS OTPs SEGUNDO O MATERIAL ....................................... 59 5.3.1.OTP metálicas .......................................................................................................... 59 5.3.2. OTP de plástico ....................................................................................................... 62 5.3.3. Comparação entre as OTPs metálicas e plásticas .................................................... 66 5.3.4. OTP híbrida ............................................................................................................. 66 5.4. MATERIAIS DAS ORTÓTESES ................................................................................. 67 5.4.1. Metais ...................................................................................................................... 68 5.4.2. Plásticos ................................................................................................................... 69 5.4.2.1. Termoplásticos ................................................................................................. 69 5.4.2.2. Plásticos termoestáveis ..................................................................................... 70 5.5. BIOMECÂNICA DAS OTPs ........................................................................................ 70 5.5.1. Três pontos de pressão ............................................................................................ 71 5.5.2. Força de reação ao solo ........................................................................................... 73 5.5.3. Comparação entre os sistemas 3PP e GRF.............................................................. 74 CAPÍTULO VI ........................................................................................................................ 76 Estudo experimental de uma OTP ........................................................................................ 76 6.1. TRABALHO EXPERIMENTAL .................................................................................. 77 6.2. RESULTADOS ............................................................................................................. 79 CAPÍTULO VII ...................................................................................................................... 86 Conclusões e Trabalho Futuro .............................................................................................. 86 7.1. CONCLUSÕES FINAIS ............................................................................................... 87 7.2. TRABALHO FUTURO ................................................................................................. 88 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 89 MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP IX ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1 - Ossos existentes no pé humano (Netter, 1996). ......................................................... 5 Figura 2 - Partes do pé: Antepé, meiopé e retropé (Schulte, 2013). ........................................... 6 Figura 3 - Vista lateral dos arcos do pé (Tortora e Derrickson, 2008). ...................................... 7 Figura 4 - Os três planos de referência e as seis direções fundamentais (Whittle, 2007). ......... 8 Figura 5 - Movimentos de dorsiflexão e plantarflexão (Palastanga, 2012). ............................... 9 Figura 6 - Movimentos de abdução e adução (Whittle, 2007). .................................................. 9 Figura 7 - Movimentos de inversão e eversão (Whittle, 2007). ............................................... 10 Figura 8 - Movimentos de supinação (esquerda) e pronação (direita) (Kapandji, 2010). ........ 10 Figura 9 - Ciclo da marcha humana (Perry, 1992). .................................................................. 13 Figura 10 - Apoios sucessivos dos pés no solo num ciclo de marcha (Whittle, 2007). ........... 14 Figura 11 - Fase de contato inicial (Perry, 1992). .................................................................... 17 Figura 12 - Fase de reposta à carga (Perry, 1992) .................................................................... 18 Figura 13 - Fase média de apoio(Perry, 1992). ....................................................................... 19 Figura 14 - Fase final de apoio (Perry, 1992). .......................................................................... 20 Figura 15 - Fase prévia à oscilação (Perry, 1992). ................................................................... 22 Figura 16 - Fase inicial de oscilação (Perry, 1992). ................................................................. 23 Figura 17 - Fase média de oscilação (Perry, 1992). ................................................................. 24 Figura 18 - Fase final de oscilação (Perry, 1992). .................................................................... 25 Figura 19 - Intervalo I, fase de contato inicial à fase de apoio médio (Vera, 1999). ............... 26 Figura 20 - Intervalo II, fase de apoio médio à fase prévia de oscilação (Vera, 1999). ........... 27 Figura 21 - Intervalo III, fase de oscilação (Vera, 1999). ........................................................ 27 Figura 22 - Ângulo de flexão do tornozelo durante a marcha (Winter, 1991). ........................ 28 Figura 23 - Momento articular do tornozelo (Winter, 1991). ................................................... 29 Figura 24 - Potência articular do tornozelo (Winter, 1991). .................................................... 30 Figura 25 - Teoria dos seis determinantes da marcha (Medved, 2001). ................................... 31 Figura 26 - Terceiro determinante da marcha (Medved, 2001). ............................................... 32 Figura 27 - Quarto e quinto determinantes da marcha (Medved, 2001)................................... 32 Figura 28 - Plataforma de forças extensométricas (Collado, 2005). ........................................ 35 Figura 29 - Impressões plantares (Viladot, 1989). ................................................................... 36 Figura 30 - Posição de mínima de pressão intra-articular com 15° de flexão plantar no tornozelo (Perry, 1992). ............................................................................................................ 40 Figura 31 - Fases da marcha onde a flexão plantar excessiva é importante (Perry, 1992)....... 42 Figura 32 - Compensações para a perda de progressão (Perry, 1992). .................................... 43 Figura 33 - Fases média e final de oscilação com flexão plantar excessiva (Perry, 1992). ..... 44 Figura 34 - Contratura de flexão plantar de 15º que bloqueia o avanço da tíbia (Perry, 1992). .................................................................................................................................................. 45 Figura 35 - Fase final de apoio com excessiva dorsiflexão (Perry, 1992)................................ 46 Figura 36 - Paciente com pé caído (Perry, 1992). .................................................................... 52 Figura 37 - Ângulos do pé na fase média de oscilação: Ângulos normais (à esquerda) e ângulos de pé caído (à direita) (Kirienko, 2004). ..................................................................... 52 Figura 38 - Paralisia do glúteo medio (Millares, 2007). ........................................................... 54 Figura 39 - Marcha com paralisia do quadríceps (Millares, 2007). ......................................... 54 Figura 40 - OTP ativa (Alam, 2014)......................................................................................... 58 Figura 41 - OTP metálica (Lin, 2003). ..................................................................................... 59 MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP X Figura 42 - Esquema dos componentes numa união do tornozelo de dupla ação (Braddom, 2011). ........................................................................................................................................ 60 Figura 43 - Estribo sólido (à esquerda) e estribo de separação (à direita) (Braddom, 2011). .. 61 Figura 44 - Controlo das deformações varo e valgo com uma cinta em forma de T (Braddom, 2011). ........................................................................................................................................ 62 Figura 45 - Lâmina elástica posterior OTP plástica (Lin, 2003). ............................................. 63 Figura 46 - OTP sólida (Braddom, 2011). ................................................................................ 64 Figura 47 - OPT articulada (Lin, 2003). ................................................................................... 65 Figura 48 - OTP em espiral (Edelstein e Bruckner, 2002). ...................................................... 66 Figura 49 - OTP hibrida (Lin, 2003). ....................................................................................... 67 Figura 50 - Três pontos de pressão (A) e quatro pontos de pressão (B) (Gulshad, 2009). ...... 71 Figura 51 - Três pontos de pressão para controlar a dorsiflexão (A), a flexão plantar (B), a abdução (C) e a adução (D) (Gulshad, 2009). .......................................................................... 72 Figura 52 - Quatro pontos de pressão para controlar a eversão (à esquerda) e a inversão (à direita) (Lin, 2003). .................................................................................................................. 72 Figura 53 - Força de reação ao solo na fase de apoio sem ortótese (A) e com ortótese (B) (Gulshad, 2009). ....................................................................................................................... 73 Figura 54 - Força de reação ao solo na deformação valgo da articulação subtalar (Gulshad, 2009). ........................................................................................................................................ 74 Figura 55 - Câmaras usadas para capturar o movimento. ........................................................ 77 Figura 56 - Placas de forças usadas. ......................................................................................... 78 Figura 57 - Colocação dos marcadores..................................................................................... 79 Figura 58 - Ângulo do tornozelo Vs. Tempo............................................................................ 80 Figura 59 - Força no eixo y Vs. Tempo. ................................................................................... 81 Figura 60 - Força no eixo z Vs. Tempo. ................................................................................... 81 Figura 61 - Momento no eixo x Vs. Tempo. ............................................................................ 82 Figura 62 - Momento no eixo y Vs. Tempo. ............................................................................ 82 Figura 63 - Momento no eixo z Vs. Tempo. ............................................................................. 83 Figura 64 - Ângulo do tornozelo direito Vs. Tempo (Cuevas, 2013). ...................................... 84 Figura 65 - Força z Vs. Tempo (Cuevas, 2013)........................................................................ 84 Figura 66 - Momento Y Vs. Tempo (Cuevas, 2013). ............................................................... 85 ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1 - Diferencias entre 3PP e GRF (Gulshad, 2009) …………………………………...74 MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 1 CAPÍTULO I Introdução MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 2 1.1. INTRODUÇÃO O ciclo da marcha inclui uma sequência de eventos que ocorre entre duas repetições consecutivas de qualquer um dos eventos da marcha. O seu estudo é uma importante ferramenta de diagnóstico na avaliaçãodas patologias neuro-músculo-esqueléticas e fornece possibilidades para a avaliação clínica e o seguimento das doenças e lesões, permitindo determinar a natureza e a gravidade das mesmas, com a adequação de ortoses e próteses, pretende-se a reabilitação da marcha de forma a ser o mais correta possível, quer ao nível funcional, quer estético, e que permita a máxima independência do paciente. Muitas são as pessoas que têm algum tipo de doença ou deformação, fazendo com que o seu ciclo de marcha não seja “normal”, de forma que precisam do uso de ortóteses. As ortóteses são dispositivos aplicados externamente para auxiliar os sistemas neuro-musculares- esqueléticos. Dentro das ortóteses, as ortóteses para o membro inferior são muito importantes já que são as que afetam fortemente o ciclo da marcha humana. Por exemplo, nos Estados Unidos as ortóteses do membro inferior foram as mais usadas em 2012, correspondendo a 56.8 % do total do uso de ortóteses. Em particular, as ortóteses do pé e tornozelo são as mais usadas na atualidade, por isso é importante a compreensão do seu funcionamento e das suas características principais. 1.2. OBJETIVOS Os principais objetivos da esta dissertação foram: - A compreensão do ciclo da marcha humana identificando as fases envolvidas e o que acontece em cada uma delas. - Identificar os erros funcionais do tornozelo e do pé, assim como os problemas associados à marcha humana patológica fazendo uma classificação da mesma. MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 3 - Realizar uma classificação das ortóteses do tornozelo e pé (OTP), atendendo ao material, e compreender e descrever o seu funcionamento. - Comprovar experimentalmente num laboratório de biomecânica os benefícios da utilização de uma OTP. MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 4 CAPÍTULO II Anatomia e movimento do pé e tornozelo MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 5 Neste projeto, torna-se importante a compreensão da constituição anatômica do pé e do tornozelo, assim como do movimento envolvido nos planos de referência usualmente considerados. Assim, tais temas são introduzidos neste capítulo. 2.1. ANATOMIA DO PÉ E TORNOZELO O pé e o tornozelo constituem uma estrutura mecânica complexa, constituída por ossos, ligamentos, tendões e músculos. Os ossos são tecidos rígidos que apoiam e protegem vários órgãos do corpo. Os tendões são faixas de tecido fibroso que ligam os músculos aos ossos, sendo a sua função principal traduzir as forças desenvolvidas pelos músculos aos ossos, criando, por exemplo, movimento. A função dos ligamentos é fortalecer e estabilizar as articulações. Por outro lado, os músculos são um tipo de tecido mole que contém fios de proteínas cuja função é fornecer força e causar movimento (Netter, 1996). A estrutura óssea do pé é constituída por cerca de 26 ossos: 7 ossos do tarso (tálus, calcâneo, cuboide e 3 cuneiformes), 5 ossos do metatarso e 14 falanges (3 para cada um dos dedos, exceto o hálux que tem apenas 2), Figura 1. Figura 1 - Ossos existentes no pé humano (Netter, 1996). O pé é comumente dividido em antepé, meio pé e retropé: MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 6 O antepé contém 5 metatarsos e 14 falanges e está separado do restante do pé pela articulação tarsometatarsal. Os cinco metatarsos estão aproximadamente paralelos uns aos outros, os dois laterais com o cubóide e os três mediais com os três ossos cuneiformes. As falanges são os ossos dos dedos dos pés, existindo dois ossos no dedo gordo do pé e três em cada um dos outros dedos. O dedo gordo é chamado de hálux. O meio pé inclui os 3 cuneiformes, o cubóide e o navicular, e está separado da parte posterior do pé pela articulação transversal do tarso. O retropé contém dois ossos: o astrágalo e calcâneo (Netter, 1996): O tálus ou astrágalo é o superior dos dois ossos do retropé. A sua superfície superior forma a articulação do tornozelo, a articulação acima e medialmente com a tíbia e lateralmente com a fíbula. Abaixo, o tálus articula-se com o calcâneo através da articulação subtalar. Articula-se anteriormente com o mais medial e superior dos ossos do médio pé (o navicular). O calcâneo situa-se abaixo do tálus e articula-se com ele através da articulação subtalar. A superfície anterior articula-se com o mais lateral e inferior dos ossos do médio pé (o cuboide) (Whittle, 2007), Figura 2. Figura 2 - Partes do pé: Antepé, meiopé e retropé (Schulte, 2013). Na articulação do tornozelo, os extremos inferiores da tíbia e perônio formam uma cavidade profunda que encaixa na superfície superior do tálus. A forma dos ossos e a força dos ligamentos circundantes mantém o tornozelo estável permitindo a liberdade de movimentos. MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 7 Os ossos do pé são organizados em dois arcos que são mantidos em posição por meio dos ligamentos e dos tendões. Os arcos do pé permitem que o pé suporte o peso total do corpo proporcionando uma distribuição ideal nos tecidos moles e duros do pé. A parte dianteira suporta cerca de 40% do peso do corpo e o calcanhar os restantes 60%, Figura 3. Figura 3 - Vista lateral dos arcos do pé (Tortora e Derrickson, 2008). Os dois arcos são suportados por vários ligamentos localizados na superfície plantar do pé que proporcionam uma flexível e forte base de suporte. Os três ligamentos principais são o ligamento cacaneonavicular plantar, o ligamento plantar longo e o ligamento calcaneocuboide plantar. Os músculos são tecidos moles que exercem forças sobre os tendões que ligam aos ossos. Existem vários músculos responsáveis do movimento do pé e dos dedos destes que estão localizados na perna e no pé, muitos deles cruzando a articulação do tornozelo (Tortora e Derrickson, 2008). 2.2. MOVIMENTO DO PÉ E TORNOZELO O pé tem seis articulações: tornozelo, subtalar, mediotársica, tarsometatarsal, metatarsofalangiana e interfalangeanas que são controladas pelos músculos intrínsecos e extrínsecos. Para descrever o movimento das articulações e membros existem três planos geralmente considerados: - Plano sagital: É um qualquer plano que divide parte do corpo nas subpartes esquerda e direita. O plano medio corresponde ao plano sagital que divide o corpo na metade direita e esquerda. MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 8 - Um plano frontal: Divide o corpo em partes anterior e posterior. Também é chamado de plano coronal. - Um plano transversal: Divide as partes do corpo nas partes superior e inferior. Também é chamado de plano horizontal (Whittle, 2007), Figura 4. Figura 4 - Os três planos de referência e as seis direções fundamentais (Whittle, 2007). A maioria das articulações apenas permite movimentos num ou em dois planos. Os movimentos possíveis são: - Flexão e extensão que ocorrem no plano sagital. Na articulação do tornozelo, estes movimentos são chamados de dorsiflexão e plantiflexão. Dorsiflexão: Aproximação do dorso do pé à parte anterior da perna, sendo a sua amplitude em torno de 20°. Plantiflexão: Baixar o pé alinhando-o com o maior eixo da perna com o calcanhar elevado do solo com um movimento com cerca de 50° de amplitude, Figura 5. MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 9 Figura 5 - Movimentos de dorsiflexão e plantarflexão (Palastanga, 2012). - Abdução e adução ocorrem no plano frontal: Abdução: Os dedosficam a apontar para a parte externa do corpo. Adução: Movimento oposto à abdução, Figura 6. Figura 6 - Movimentos de abdução e adução (Whittle, 2007). - Inversão e eversão ocorrem no plano transversal: Inversão: O pé dirige-se à parte medial da perna, a amplitude máxima é de 20º. Eversão: O pé dirige-se à parte lateral da perna, a amplitude máxima é de 5º, Figura 7. MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 10 Figura 7 - Movimentos de inversão e eversão (Whittle, 2007). O pé e tornozelo também podem combinar movimentos a fim de proporcionar flexibilidade e estabilidade durante a marcha, como a supinação e a pronação que são permitidos pela articulação subtalar. A supinação é uma combinação de adução, plantiflexão e inversão, enquanto a pronação é uma combinação de abdução, dorsiflexão e eversão, Figura 8. Figura 8 - Movimentos de supinação (esquerda) e pronação (direita) (Kapandji, 2010). MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 11 CAPÍTULO III Análise do ciclo da marcha humana “normal” MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 12 Este capítulo aborda o ciclo da marcha humana “normal” e os seus aspetos cinéticos e cinemáticos. Existe ainda uma descrição sobre os diferentes métodos de estudo da marcha humana e sobre as distintas teorias referentes à mesma. 3.1. CICLO DA MARCHA HUMANA “NORMAL” Atualmente, o estudo da marcha humana é uma ferramenta de diagnóstico importante na avaliação das patologias neuro-músculo-esqueléticas, quer sejam temporárias ou permanentes, locais ou gerais. Embora cada indivíduo tem uma maneira de andar e correr e é possível identificar uma pessoa pela sua maneira de andar ou mesmo pelo som dos seus passos, ainda assim existem muitos fatores que podem modificar o esquema geral da marcha, como extrínsecos, intrínsecos, fisiológicos ou patológicos, físicos ou psíquicos (Collado, 2002). O ciclo da marcha é uma sequência de eventos que ocorre entre duas repetições consecutivas de qualquer um dos eventos da marcha. Por conveniência, é adotado como o início do ciclo o momento em que um pé tem contacto com o solo, geralmente através do calcanhar. Do mesmo modo, considera-se como origem o contato do pé direito, e o ciclo termina no apoio seguinte do pé. Por outro lado, o pé esquerdo experimenta a mesma série de eventos que o direito, deslocada no ciclo médio (Williams e Wilkins, 1981). Durante um ciclo completo da marcha, cada perna passa por uma fase de apoio, durante o qual o pé está em contacto com o solo, e por uma fase de balanço, em que o pé está no ar, ao mesmo tempo que avança em preparação para o próximo apoio. A fase de apoio começa com o contato inicial e termina com a decolagem do antepé. A fase de balanço é executada desde o momento da decolagem do antepé até o contacto seguinte com o solo. Em relação à duração do ciclo da marcha, a fase de apoio constitui, em condições normais, e para a velocidade de marcha normal para o sujeito, cerca de 60% do ciclo. A fase de balanço representa os 40% restantes. O mesmo se aplica ao membro contralateral: considera-se 50% do tempo, o que revela a existência de duas fases de apoio bipodal ou de duplo apoio, cada uma com 10% de duração. A duração relativa de cada uma dessas fases depende fortemente da velocidade do sujeito, aumento da proporção de oscilação durante o apoio de forma a aumentar a velocidade, gradualmente reduzindo os períodos de duplo apoio, que desaparecem na transição entre marcha e corrida (Perry, 1992). É chamado o período de apoio monopodal ao intervalo durante o qual apenas um membro está em contacto com o solo, enquanto o membro contralateral está na fase de MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 13 balanço. O tempo de apoio modal esquerdo é igual ao tempo de oscilação direito. O tempo para apoiar um pé é igual à soma do tempo do apoio monopodal desse pé e aos dois tempos de apoio bipodal, Figura 9. Figura 9 - Ciclo da marcha humana (Perry, 1992). A distância medida entre dois apoios consecutivos do mesmo pé chama-se comprimento do passo. Já a distância medida na direção da progressão que separa o apoio inicial do pé direito do apoio inicial do pé esquerdo, é chamada o comprimento do passo esquerdo. Da mesma forma tem-se o comprimento do passo direito e a soma dos dois passos coincide com o comprimento do passo. O tempo do passo esquerdo é o tempo decorrido na consecução do passo esquerdo, ou seja, entre o contato inicial do pé direito e o contato inicial do pé esquerdo, e é igual à soma do tempo de balanço esquerdo e o tempo de duplo apoio imediatamente seguinte, que por sua vez corresponde à fase de descolagem do pé esquerdo. A separação lateral entre os apoios de ambos pés, geralmente medida entre os pontos médios dos calcanhares, é a largura do passo, largura de apoio ou base de apoio. O ângulo entre a linha média do pé e a direção da progressão é conhecido como ângulo de passo (Whittle, 2007), Figura 10. MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 14 Figura 10 - Apoios sucessivos dos pés no solo num ciclo de marcha (Whittle, 2007). A cadência é definida como o número de passos que são executados num intervalo de tempo, sendo a sua unidade o passo por minuto. Expressa em passos por segundo, a cadência é duas vezes o inverso da duração do ciclo. A velocidade da marcha é a distância percorrida pelo corpo na unidade de tempo na direção considerada. A velocidade média pode ser calculada como o produto da cadência pelo comprimento do passo (Whittle, 2007). 3.2. FASES DO CICLO DA MARCHA O desenvolvimento do ciclo de marcha é marcado por uma série de eventos que permitem uma subdivisão mais fina, facilitando a sua descrição. Em condições normais são produzidos para cada pé os seguintes eventos sucessivos: - O contato do calcanhar com solo; - Apoio completo da sola do pé; - Decolagem do calcanhar ou do retropé; - Decolagem dos dedos ou do antepé; - Oscilação do membro; - Contato seguinte do calcanhar. No entanto, algumas das etapas anteriormente referidas podem não existir em certas alterações da marcha; por exemplo, o contato inicial pode não ser feito com o calcanhar, o membro oscilante pode arrastar-se no solo, etc.. Neste caso, para executar a subdivisão apropriada, é preciso definir as fronteiras entre as diferentes subfases, que são (Winter, 1991): MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 15 · Fase de receção da carga; · Fase média de apoio; · Fase de decolagem; · Fase inicial de oscilação; · Fase final de oscilação. Dentro do período de apoio, a fase de receção de carga é executada entre o contato inicial e o contato total apoio do pé; em seguida, ocorre a fase média de apoio, até ao momento da decolagem do calcanhar; Finalmente, a fase de decolagem, até ao momento em que os dedos levantam-se acima do solo. Em termos de período de oscilação, a sua divisão é feita em dois intervalos de igual duração. Outra possível subdivisão e a mais difundida é a que considera o apoio composto de cinco períodos básicos e a oscilação constituída por outros três (Perry, 1992): Fases de apoio: Fases do contato inicial (CI) - 0-2%; Fase inicial de apoio e resposta à carga (AI) - 0-10%; Fase média de apoio (AM) - 10-30%; Fase final de apoio (AF) - 30-55%; Fase prévia de oscilação (OP) - 50-60%. Fase de oscilação: Fase inicial de oscilação (OI) - 60-73%; Fase média de oscilação (OM) - 73-87%; Fase final de oscilação (OF) - 87-100%. A fase decontato inicial (CI) dá-se com o contato do pé com o solo, sendo o seu principal objetivo o posicionamento do membro para iniciar o apoio. Em pessoas normais este contato ocorre através do calcanhar. MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 16 A fase de contato inicial forma parte da fase inicial de apoio ou da resposta à carga (AI), sendo identificada com o primeiro período de duplo apoio. Esta fase é executada entre o momento do contato inicial e a decolagem do antepé no membro contralateral em condições normais. O membro inferior deve absorver o impacto inicial, mantendo ao mesmo tempo a estabilidade e a progressão. Durante este período flexiona-se o joelho e o tornozelo efetua uma flexão plantar controlada pelo quadríceps e o tibial anterior, dando-se a estabilização do quadril. Com a decolagem do membro contralateral começa a fase de apoio monopodal que tem duas subfases. Uma delas é a fase média de apoio (AM) que sucede o instante da decolagem do calcanhar, e a sua finalidade é a progressão do corpo sobre o pé estacionário, mantendo a estabilidade da perna e do tronco. Depois do total apoio do pé, ocorre uma dorsiflexão de tornozelo controlada e termina o movimento de flexão do joelho e estabiliza-se o corpo no plano frontal. A outra subfase é chamada de fase de apoio (AF) e começa com a decolagem do calcanhar e termina quando o membro contralateral está em contato com o solo. O início do segundo período de duplo apoio, correspondente à fase preliminar de oscilação (OP), começa com o contato inicial no membro contralateral e termina com a decolagem do antepé. A principal função da perna nesta fase é a preparação para fazer a oscilação facilitada pela entrada em carga do membro contralateral para o qual transfere-se rapidamente a carga. Nesta fase acontecem com um grau significativo a flexão do joelho e a flexão plantar do tornozelo. O primeiro terço do período de oscilação é a fase inicial da oscilação (OI) que começa com a decolagem do membro e o avanço do membro que ocorre com a flexão do quadril e o joelho, proporcionando uma separação adequada entre o pé e o solo. A segunda parte é a oscilação, ou fase média de oscilação (OM), que começa quando cruzam-se os dois membros e termina quando a tíbia em oscilação toma uma posição vertical. A progressão do membro a uma distância suficiente é favorecida pela dorsiflexão do tornozelo, acompanhada por uma flexão adicional do quadril. O período de oscilação finaliza com a fase final da oscilação (OF), sendo limitado pelo contato seguinte do membro com o solo dando lugar a um novo passo. Nesta fase ultima-se o avanço do membro e realiza-se a preparação para o contato iminente. Ocorre um recuo da flexão de quadril e o joelho termina em extensão, enquanto o tornozelo mantém um alinhamento neutro (0° anatômicos). A seguir, apresenta-se uma descrição mais detalhada do ciclo da marcha das diferentes subfases anteriormente definidas: MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 17 - Fase I: Fase de contato inicial: O principal objetivo no instante do contato inicial (0 - 2% do ciclo, apoio bipodal) é a posição correta do pé em contato com o solo. A linha de ação da força de reação é posterior à articulação do tornozelo, passa pelo joelho produzindo um momento de flexão plantar do tornozelo. Em correspondência, em cada articulação acontece um momento interno que neutraliza a ação externa. Assim, no tornozelo estão ativos os flexores dorsais, no joelho intervêm os isquiotibiais e no quadril ocorre uma contração dos extensores. Além disso, existe atividade no quadríceps em preparação para a próxima fase (Whittle, 2007). Ao mesmo tempo, começa o desempenho inicial do calcanhar ao produzir-se um movimento de rolamento do pé para baixo apoiado sobre o calcanhar e controlado principalmente pelo tibial anterior, Figura 11. Figura 11 - Fase de contato inicial (Perry, 1992). - Fase II: Fase de reposta à carga: Esta fase estende-se até 10% do ciclo em apoio bipodal e a sua finalidade principal é a manutenção de uma progressão suave através do desempenho do calcanhar ao mesmo tempo que amortece o descenso do corpo. Esta desaceleração é claramente manifestada na força de reação vertical que aumenta acima do peso do corpo (Perry, 1992). A massa corporal desacelera-se através do controlo da flexão do joelho e da flexão plantar do tornozelo. No final da fase da resposta à carga, a flexão do joelho atinge cerca de 15° e o tornozelo cerca de 10º. A ação do músculo tibial anterior para e começa a encolher o tríceps sural e o tibial posterior. No joelho ocorre um importante par externo de flexão que se MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 18 opõe ao quadríceps. A força de reação torna-se posterior ao quadril e a sua ação torna-se gradualmente em extensão e interrompe a atividade dos extensores de quadril no final da fase. No plano frontal, a transferência de peso de corpo requer a intervenção dos abdutores do quadril. No pé, a força de reação cria um momento de eversão do mesmo. Com a eversão do calcâneo, o astrágalo gira internamente no plano transversal e produz uma rotação interna da tíbia e perónio que é transmitida para o fêmur. Este movimento é favorecido pelos adutores, isquiotibiais mediais e as fibras anteriores de glúteo médio, e é usado para puxar a pélvis para a frente (Whittle, 2007), Figura 12. Figura 12 - Fase de reposta à carga (Perry, 1992) - Fase III: Fase média de apoio: Acontece entre os 10% e os 30% do ciclo da marcha e o seu início é marcado pela decolagem dos dedos do membro contralateral. Nesta fase, ocorre o desempenho do tornozelo mantendo a estabilidade do quadril e o joelho, enquanto o corpo move-se sobre um pé estacionário. Simultaneamente, o membro oposto começa a fase de oscilação e está em fase de apoio monopodal. O centro de massa atinge o seu máximo quando a sua velocidade vertical é zero (Perry, 1992). No plano sagital o momento externo do tornozelo é dorsiflexor devido à deslocação para a frente da força de reação que é anterior ao joelho e o quadril, criando momentos extensores em ambas as articulações. A atividade muscular dos glúteos, isquiotibiais e quadríceps termina e o sóleo estabiliza as três articulações. MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 19 No plano frontal a pelve cai cerca de 5° na sua extremidade contralateral. A massa do corpo é posicionada excentricamente sobre o membro de apoio e produz um momento externo de adução no quadril. No tornozelo a tibial posterior tem que manter a estabilidade do pé. No plano transversal continua a rotação interna da perna e a coxa gira internamente até extensão completa do joelho. Nesta fase, a pelve atinge a sua posição neutra. Os ombros estão também em posição neutra, rodando no sentido contrário da pelve, como mecanismo de compensação para o momento angular. Esses movimentos são devido às forças de inércia e portanto não requerem ação muscular (Whittle, 2007), Figura 13. Figura 13 - Fase média de apoio (Perry, 1992). - Fase IV: Fase final de apoio: Acontece entre os 30% a 50% do ciclo e os seus principais objetivos são produzir aceleração e um comprimento do passo adequado. A aceleração é uma consequência da “queda para a frente” do centro de massa do corpo e gera cerca do 80% da energia necessária para a marcha em adultos ditos normais (Winter, 1991). Começa quando a projeção no solo do centro de massa adianta-se ao centro de pressões e o corpo começa a “cair para a frente” e no lado com falta de apoio. No plano sagital, os gêmeos juntam-se ao sóleo no controlo da dorsiflexão do tornozelo. Com o tríceps a contrair-se e o calcanhar a levantar-se do solo produz-se o iníciodo desempenho do antepé onde as cabeças dos metatarsos atuam como ponto de apoio para a rotação do membro. Ao nível do solo, a inclinação do eixo formado pelas cabeças dos metatarsos é de 60° para o eixo ântero-posterior do pé. MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 20 Quando começa a rotação sobre o eixo ântero-posterior do pé, a inversão do retropé bloqueia a articulação subastragalar e dá-se a aceleração e propulsão para a frente devido à combinação da ação do tríceps e a “queda do tronco para a frente”. O joelho atinge uma completa flexão e também o quadril na final da fase. O membro contralateral está agora na fase final da oscilação e a força de reação permanece anterior ao joelho e posterior ao quadril permitindo a estabilização passiva de ambas articulações. No plano frontal, continua o momento exterior de adução e o equilíbrio é mantido graças aos abdutores de quadril. No plano transversal, o lado em suspensão da pelve continua a girar para a frente junto com a perna em balanço. No membro de sustentação, o joelho é completamente estendido e a coxa e a perna rodam externamente em solidariedade. Como o pé não gira no solo, este movimento do membro é dividido entre o quadril e a articulação subastragalar. A rotação externa faz a supinação do retropé (inversão), levantando o arco plantar (Whittle, 2007), Figura 14. Figura 14 - Fase final de apoio (Perry, 1992). - Fase V: Fase prévia à oscilação: Acontece entre os 50% e os 60% do ciclo e o principal objetivo é preparar o membro para a oscilação. O contato inicial (CI) do membro oposto marca o seu início e o começo da fase de duplo apoio. A análise cinemática e cinética desta fase revela uma atividade concêntrica dos flexores do quadril, impulsionando a coxa para a frente e a produzir-se uma flexão do joelho. Com a transferência do peso do corpo no membro contralateral e o avanço da perna, a força de reação está localizada atrás do joelho. O momento externo dorsiflexor diminui rapidamente com a redução da força de reação sobre o MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 21 membro de apoio. Como resultado, os flexores plantais predominam e contribuem para a flexão do joelho (Perry, 1992). Em cadência livre, as forças gravitacionais equilibram-se com as forças inerciais e o joelho flexiona-se nas fases de preoscilação e inicial de oscilação para um comportamento passivo na fase final da oscilação sem intervenção muscular adicional. No entanto, o membro inferior comporta-se como um pêndulo composto e a flexão será excessiva em cadências rápidas se não fora a ação do reto anterior. Uma cadência mais alta é alcançada através da aplicação de um maior momento de flexão plantar do tornozelo e de um maior momento flexor do quadril. O reto anterior aumenta a força de flexão do quadril impedindo uma flexão excessiva do joelho e uma elevação excessiva do calcanhar. Da mesma forma, em cadências inferiores ao normal, a flexão do joelho tem que aumentar, já que as forças de inércia são insuficientes. Na mesma fase, a flexão plantar do tornozelo produz um alongamento do comprimento eficaz do membro de apoio e reduz-se a queda do centro de massa do corpo e conserva-se a energia. A cadência normal implica aproximadamente 27° de flexão plantar do tornozelo, 45° de flexão do joelho e 5° de flexão do quadril quando dá-se a decolagem do antepé. No plano frontal, os abdutores do quadril param a sua atividade com a transferência rápida do peso para o membro oposto que reduz o momento externo de adução No plano transversal, a pelve atinge a sua máxima rotação para trás no final da fase final de apoio. No início da preoscilação, a pelve começa a girar para a frente junto com o membro. O centro de pressões plantares move-se em direção a área medial, e no instante da decolagem dos dedos está localizado sob as cabeças dos primeiro e segundo metatarsos (Whittle, 2007), Figura 15. MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 22 Figura 15 - Fase prévia à oscilação (Perry, 1992). - Fase VI: Fase inicial de oscilação: Acontece entre os 60% e os 73% do ciclo e os seus objetivos principais são de conseguir uma separação suficiente de segurança entre o pé e o solo e alcançar a cadência desejada A fase inicial da oscilação começa com a decolagem do antepé. Agora o pé está no ar e não existem forças de reação, e as forças externas que atuam sobre o membro são o peso, a gravidade e as forças inerciais. No tornozelo, estas forças produzem um momento de flexão plantar contrariado pelo tibial anterior. Para modificar a cadência o corpo precisa de um mecanismo que altera o período natural do membro que oscila como um pêndulo composto. Um primeiro mecanismo é a modificação da frequência natural através de um maior ou menor grau de flexão do joelho. A posição posterior do membro com os dedos apontando para o solo requer cerca de 60° de flexão do joelho para obter uma separação adequada entre o pé e o solo. No quadril, os flexores do membro aceleram o membro em oscilação e neutralizam a ação gravitacional (Perry, 1992). No plano frontal os adutores ajudam os flexores no avanço do membro. Produz-se a máxima queda da pelve em cerca de 5°. Este mecanismo aumenta a flexão do joelho necessária para superar o nível do solo e diminui o movimento vertical do centro de massa. No plano transversal, a pelve gira para a frente pela ação do adutor maior da coxa do membro de apoio onde a coxa, a perna e o pé giram externamente (Whittle, 2007), Figura 16. MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 23 Figura 16 - Fase inicial de oscilação (Perry, 1992). - Fase VII: Fase média de oscilação: Acontece entre os 73% e os 87% do ciclo e o seu objetivo principal é manter a separação entre o pé e o solo. Com a extensão do joelho, a separação precisa da pelve relativamente horizontal, uma flexão suficiente do quadril e uma dorsiflexão adequada do tornozelo. Em marcha normal a separação mínima nesta fase é apenas 1.29 ± 0.45cm sendo a margem de erro pequena (Winter, 1991). No plano sagital, o membro em oscilação comporta-se como um pêndulo composto onde qualquer aceleração durante a fase inicial da oscilação deve ser compensada na fase final. A fase média é um período de transição durante o qual a atividade muscular é mínima. No início da fase de oscilação a coxa está relativamente vertical, enquanto no final da fase o quadril atinge sua flexão máxima, e a posição da perna é quase vertical embora continue a extensão do joelho. Os movimentos do quadril e do joelho são produzidos graças às forças inerciais e gravitacionais. No tornozelo, os músculos tibiais anteriores reduzem a flexão plantar e no final da fase atinge-se a máxima flexão do quadril de cerca de 35°, a flexão do joelho é reduzida para 30° e o pé atinge uma posição perto da neutra. No plano frontal, os adutores do quadril estão inativos e o membro inferior move-se pela inércia. Na transição entre as ações dos adutores e abdutores, a pelve retorna à sua posição neutra em relação à horizontal (Whittle, 2007), Figura 17. MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 24 Figura 17 - Fase média de oscilação (Perry, 1992). - Fase VIII: Fase final de oscilação: Acontece entre os 87% e os 100% do ciclo e os seus objetivos principais são a desaceleração da perna e tentar posicionar corretamente o pé para o contacto com o solo (Perry, 1992). No plano sagital, é preciso uma extensão completa do joelho e uma posição neutra do pé em relação á perna para realizar o contato efetivo do calcanhar para o início do próximo ciclo. O quadril atinge a sua flexão máxima e o pé a sua posição neutra na final da fase. No inícioda fase final da oscilação, o joelho presenta uma flexão de 30° e no contato inicial está quase totalmente estendido. Os isquiotibiais diminuem a velocidade da coxa e da perna e evitam uma forte hiperextensão do joelho. Os extensores de quadril, o quadríceps e o tibial anterior estão preparados para resistir ao momento produzido pela força de reação no instante do contato inicial. No plano frontal, os abdutores do quadril intervierem antes do contato inicial para suportar o iminente momento de adução. A posição do pé é crítica neste intervalo, já que uma posição em varo ou valgo no instante do impacto produz momentos elevados de inversão ou eversão, e a musculatura necessária para os contrariar está inativa podendo ocorrer um entorse de tornozelo. No plano transversal, a pelve gira anteriormente com o acompanhamento do membro em oscilação, atingindo o seu máximo no instante do contato inicial. A rotação externa da coxa, perna e pé continuam até que começa a fase de apoio (Whittle, 2007), Figura 18. MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 25 Figura 18 - Fase final de oscilação (Perry, 1992). 3.3. BIOMECÂNICA DO TORNOZELO Uma das principais peculiaridades da união entre a tíbia e o pé é a transferência das forças verticais de apoio do corpo a um sistema de apoio horizontal executado pelas articulações subastragalar e tibioastragalina. O astrágalo está localizado abaixo do eixo da tíbia e liga as cargas verticais apoiadas pela tíbia às estruturas do pé, permitindo a mobilidade relativa dos dois segmentos em três dimensões através de um mecanismo básico de duas articulações de eixos não paralelos. A mobilidade e coordenação das grandes articulações do membro inferior são fundamentais para o desenvolvimento da marcha humana, incluindo o tornozelo, o joelho, o quadril e a pélvis. Nesta secção, só é realizada uma análise cinética e cinemática do tornozelo por ser este o objetivo principal de estudo neste projeto. 3.4. ANÁLISE CINEMÁTICA DO TORNOZELO DURANTE A MARCHA A análise cinemática descreve os movimentos do corpo e os movimentos relativos das partes do corpo durante as várias fases da marcha. O papel do tornozelo é essencial para a progressão e a absorção do impacto na fase de apoio, e facilita o avanço do membro durante a fase de oscilação. MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 26 O tornozelo apresenta duas trajetórias de flexão plantar e duas de flexão dorsal, alternadamente. Durante a fase de apoio produzem-se sucessivamente uma flexão plantar, uma dorsal e outra plantar, enquanto na fase de oscilação apenas há uma flexão dorsal. A análise é seguidamente dividida em três intervalos sendo descrito o funcionamento do tornozelo no plano sagital em cada uma das fases (Vera, 1999): Intervalo I: Acontecem os movimentos das articulações no plano sagital entre o contato de calcanhar como o solo e o ponto médio de apoio (Vera, 1999): Momento de contato do calcanhar com o solo: A articulação do tornozelo está em posição neutra (0°), entre a dorsiflexão e a flexão plantar. Simultaneamente com o contacto do calcanhar: A articulação do tornozelo começa a mover-se em direção da flexão plantar. Instante quando a planta do pé faz contato com o solo: A articulação do tornozelo move-se 15° da posição neutra ao flexão plantar. Na fase media: A articulação do tornozelo passa rapidamente para cerca de 5° de dorsiflexão, Figura 19. Figura 19 - Intervalo I, fase de contato inicial à fase de apoio médio (Vera, 1999). Intervalo II: Movimento das articulações no plano sagital entre o apoio médio e a descolagem do pé do solo (Vera, 1999): MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 27 No apoio médio: A articulação do tornozelo passa rapidamente para cerca de 5° de dorsiflexão. Instante no qual o calcanhar descola-se do solo: A articulação do tornozelo é de aproximadamente 15° de dorsiflexão. No intervalo de elevação do calcanhar e decolagem do pé: O tornozelo move- se rapidamente 35°, e com a decolagem do pé do solo a articulação é aproximadamente 20° de flexão plantar, Figura 20. Figura 20 - Intervalo II, fase de apoio médio à fase prévia de oscilação (Vera, 1999). Intervalo III: Descreve o movimento das articulações no plano sagital na fase de balanço (Vera, 1999): Durante a fase de oscilação: O pé move-se da posição inicial de flexão plantar ao desprender-se do solo até uma posição neutra (0°) que é mantida durante toda a fase de balanço, Figura 21. Figura 21 - Intervalo III, fase de oscilação (Vera, 1999). MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 28 No gráfico da Figura 22 é possível observar os distintos ângulos de rotação do tornozelo em dorsiflexão e flexão plantar. Figura 22 - Ângulo de flexão do tornozelo durante a marcha (Winter, 1991). 3.5. ANÁLISE CINÉTICA DO TORNOZELO DURANTE A MARCHA Durante o apoio, a exigência funcional sobre o tornozelo é originada pela força de reação e o peso do corpo, enquanto na oscilação, os fatores determinantes são as forças de inércia que atuam sobre o pé. O centro de pressão move-se na base do pé a partir do calcanhar até as articulações metatarsofalagicas ao longo do apoio. No instante do contato inicial, a força da reação passa através de tornozelo dando origem a um momento de flexão plantar, compensado pelos músculos flexores dorsais em que a sua magnitude é reduzida, devido ao “curto braço da alavanca” existente, atingindo o seu valor máximo em torno de 2% do ciclo de marcha. O avanço do centro da pressão de antepé inverte a evolução deste momento externo, passando por zero aos 5% do ciclo de marcha, e é crescente na direção de flexão dorsal até pouco antes de contato do membro contralateral (correspondente a 48% do ciclo de marcha). O valor máximo do momento do músculo flexor plantar ocorre para localizar o centro de pressão nas cabeças dos metatarsos, devido ao efeito combinado do peso do corpo, das forças de inércia e de um “braço de alavanca” importante, como pode observar-se na Figura 23. MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 29 Figura 23 - Momento articular do tornozelo (Winter, 1991). O diagrama de potência articular (Figura 24) é obtido pela consideração conjunta do padrão cinemático de flexão dorsal e plantar do tornozelo, e do momento resultante pelos músculos da articulação para contrariar as forças de reação e de inércia. Ao nível do tornozelo, dada a limitada relevância das forças de inércia, o momento exercido pela articulação é equivalente ao momento externo de sinal invertido. Na Figura 24, é possível observar o padrão característico da potência no tornozelo em cadência livre, com uma fase de absorção de energia (superfície T1), correspondente à flexão plantar inicial, controlado excentricamente pela tibial anterior, e uma dorsiflexão subsequente, excentricamente limitada pelo tríceps sural. Também há uma fase de geração de potência (superfície T2), que tem lugar durante a flexão plantar final do apoio causada pela contração concêntrica do tríceps sural. Em qualquer caso, as considerações da potência articular são variadas já que existem muitas variáveis (Wright, 1964). MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 30 Figura 24 - Potência articular do tornozelo (Winter, 1991). 3.6. TEORIAS DO ESTUDO DA MARCHA A marcha humana é o resultado da interação dos movimentos das articulações e as forças dos músculos. Muitas das variáveis que contribuem para a marcha são frequentemente medidas ao longo do tempo, como as forças de reação ao solo ou o movimento dos membros, bem como o seu custo energéticoe metabólico. Durante décadas havia duas teorias sobre o estudo da marcha: a teoria do pêndulo invertido e a teoria dos seis determinantes da marcha (Sousa, 2010). - Teoria de pêndulo invertido: A marcha pode ser comparada a um pêndulo onde a energia cinética é convertida em energia potencial e vice-versa, mantendo mais de 60% da energia mecânica necessária. A força decisiva no pêndulo invertido é a gravidade, a qual tem de ser pelo menos igual à forca centrípeta. Durante a marcha, a maioria do trabalho não é realizada por meio muscular de forma ativa, já que através de um mecanismo de mudança de energia cinética e potencial, uma vez que o centro de massa varia de acordo com o membro na fase de apoio, reduz-se o trabalho necessário para elevar o centro de gravidade. Com uma análise biomecânica, observa-se que no final da fase aérea o centro de massa da cabeça, o tronco e os membros situam-se posteriormente ao final desta fase. O centro de massa começa a subir sobre o membro durante a fase inicial de apoio, devido à energia cinética. À medida que o centro de massa atinge a elevação máxima vertical na fase média de apoio, a velocidade do centro de massa diminui à medida que a energia cinética é convertida em energia potencial na elevação do centro de gravidade. Esta energia potencial é reconvertida em energia cinética na fase final de apoio, quando o centro de gravidade passa sobre o pé e a velocidade aumenta, e por isto existe uma transferência de energia entre passos MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 31 sucessivos, com valor quase constante resultado da soma da energia cinética e potencial (Sousa, 2010). - Teoria dos seis determinantes da marcha: A marcha humana utiliza diversos movimentos do quadril, joelho, pelve e tornozelo para manter o centro de gravidade num único plano horizontal. Estes movimentos são chamados de determinantes da marcha e os seus objetivos são maximizar a eficácia e diminuir o custo de energia. O centro de gravidade desloca-se duas vezes no seu eixo vertical durante um ciclo completo. O ponto de elevação máxima ocorre na metade da fase de apoio em que o membro que suporta o peso está em posição vertical, e o ponto mais baixo ocorre quando os dois membros suportam o peso, um membro na posição do choque de calcanhar e outro na posição de decolagem do calcanhar. A ondulação do centro de gravidade é representada por um ciclo que tem um deslizamento vertical de cerca de 5 cm (Cailliet, 1983), Figura 25. Figura 25 - Teoria dos seis determinantes da marcha (Medved, 2001). a) Rotação pélvica: Produz a diminuição na amplitude das oscilações verticais onde a pelve oscila em relação ao eixo da região lombar da coluna vertebral. Observado desde acima, um lado da pelve desloca-se para a frente com o membro homolateral que oscila na mesma direção y que origina a redução dos ângulos da pelve com a coxa e do membro com o solo, e diminui a descida da pelve durante o passo. A cintura pélvica roda alternadamente para a direita e para a esquerda relativamente à linha de progressão e a seu magnitude é de aproximadamente 8º (4º na fase de oscilação e 4º na fase de apoio) e produz uma diminuição da ondulação vertical do centro de gravidade de 1 cm (Cailliet, 1983). b) Inclinação da pelve: O movimento do centro de massa é produzido pela inclinação lateral da pelve que implica que tem de dobrar o joelho do membro em oscilação. A trajetória do centro de massa é diminuída, a trajetória pélvica atenuada e graças à flexão do joelho a energia é mantida por encurtamento do pêndulo (Sousa, 2010). c) Flexão do joelho na fase de apoio unipodálico: O joelho está totalmente estendido com o choque do calcanhar com que inicia-se a fase de apoio no membro correspondente, mas flexiona-se quando o corpo desloca-se sobre o seu centro de gravidade cerca de 15º, até que MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 32 toda a planta do pé que está apoiada no solo. Depois, o peso do corpo transfere-se para o outro pé e ocorre a extensão do joelho lentamente até que é completada a fase de apoio, Figura 26. Figura 26 - Terceiro determinante da marcha (Medved, 2001). d) Pé e joelho: O quarto e o quinto determinantes são a combinação do movimento do joelho e o tornozelo. O tornozelo está em dorsiflexão cerca de 90º do instante do choque do calcanhar, e pouco a pouco ocorre a sua flexão plantar até que o pé está apoiado no solo e o corpo aproxima-se o seu centro de gravidade da postura ereta. Esta rotação efetua-se na articulação do tornozelo quando desloca-se sobre o calcanhar que suporta o peso, forma dois pequenos arcos de movimento que desaparecem pela flexão leve do joelho, Figura 27. Figura 27 - Quarto e quinto determinantes da marcha (Medved, 2001). e) Deslocamento lateral da pelve: A pelve desloca-se lateralmente para conservar o equilíbrio corporal quando o membro levanta-se do solo. O membro que suporta o peso está em adução quando ocorre este deslocamento lateral da pelve que origina uma maior uniformidade ao movimento e facilita a conservação do equilíbrio. Os determinantes de rotação, inclinação e deslocamento da pelve e flexão do joelho e tornozelo, cumprem com a função de diminuir a amplitude do deslocamento vertical da pelve e o grau de ondulação. Tudo isto origina um menor custo de energia para levantar e descer o MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 33 corpo durante a marcha. A diminuição do deslocamento vertical faz com que ocorra um aumento do comprimento relativo do membro inferior, e exerce um efeito semelhante no comprimento do passo sem que aumente o grau de flexão e extensão do quadril. A velocidade da marcha depende do comprimento do passo e não do crescimento na cadência pelo qual os determinantes da marcha são fatores que permitem uma maior velocidade de deslocamento sem aumentar a cadência (Cailliet, 1983). 3.7. MÉTODOS DE ESTUDO DA MARCHA HUMANA A marcha humana é descrita por parâmetros espaciais e temporais que variam entre sujeitos e no próprio sujeito depende das condições e de fatores que podem ser extrínsecos, intrínsecos, físicos, psicológicos, fisiológicos, patológicos, e as alterações do padrão da marcha podem ser transitórias ou permanentes (Pascual, 2003). Durante a marcha bípede, os membros inferiores estão sujeitos às séries de cargas derivadas de sua interação com o solo, sendo no contato inicial mais abruptas. Os pés têm um sistema de amortecimento, mas as características do calçado também têm influência no amortecimento dos impactos que ocorrem durante a marcha (Ramiro, 1995). Nos fatores transitórios, o ser humano caminha diferentemente de acordo com as perturbações sofridas, como por exemplo a natureza do terreno, o calçado, o transporte de cargas, o desporto, a fadiga, a idade, o peso e o humor. O ser humano caminha de forma diferente dependendo do tipo de solo em que move- se, os impactos do pé no solo aumentam quando caminha sobre solos duros, enquanto são suavizados quando o sujeito caminha sobre solos de mais suaves como de madeira ou areia (Lelièvre, 1993). Nos fatores permanentes, a marcha bípede é desenvolvida de acordo com crescimento do ser, como a personalidade, a raça, o sexo, a capacidade de amortecimento, o controlo de movimento e as patologias associadas. Para realizar um estudo da marcha com mais profundidade é recomendável usar-se informações cinéticas e cinemáticas em simultâneo. Os estudos cinemáticos gravam as variações angulares das articulações do corpo, a inclinação, a torção e a oscilação dos segmentos do corpo. Descrevem em detalhe o movimento humano, independentemente das forças internas ou externas que causam o MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTALDE UMA OTP 34 movimento. Permitem assim a obtenção de padrões de locomoção “normal” e patológica que são úteis na prescrição de tratamentos e na avaliação de resultados terapêuticos. Os estudos cinéticos mostram as forças de reação do solo e os momentos e as potências nas articulações. Uma variante desses estudos é a análise isocinética que permite quantificar a capacidade muscular. O sistema isocinético ajuda ao desenvolvimento de força com precisão durante um arco predefinido de movimento que pode ser medida com confiabilidade, com uma velocidade específica e durante um tempo predefinido, possibilitando a prevenção de lesões, reabilitações de base mais científica e a obtenção de medidas objetivas para estudos de biomecânica do corpo humano. Usando os gráficos obtidos dos estudos cinéticos das forças de reação é possível realizar as seguintes análises: - Aspetos do padrão da marcha humana (oscilação vertical do centro de gravidade durante o apoio), forças de travagem e resistência a prono-supinação do pé. - A geração ou absorção de energia mecânica nas articulações devido há ação muscular usando gráficos de potência. - A inclinação que apresenta o sujeito ao caminhar que está diretamente relacionada com os custos de energia. Existem vários mecanismos para a avaliação e análise científica da marcha humana: 3.7.1. Plataformas de força São instrumentos mecânico-eletrónicos que permitem a medição e análise da força de reação que um indivíduo exerce no solo na execução de um movimento (Collado, 2005). São sistemas de análise cinética do movimento e são baseados na terceira lei de Newton sendo possível obter o valor de uma força externa exercida sobre uma superfície para encontrar a força que origina igual amplitude e direção, mas em sentido oposto. A força aplicada na plataforma produz um sinal elétrico proporcional ao que seu valor. As plataformas de força são superfícies planas e rígidas cujo deslocamento produzido por uma força pode ser medido usando sensores conectados a um sistema eletrônico de amplificação e gravação. Constam de uma superfície rígida para que o movimento seja impercetível para o sujeito. MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 35 Segundo os sensores que tenham, têm-se: a) Plataformas de força extensométricas que são compostas de uma plataforma rígida de aço com a montagem em quatro colunas onde ficam os extensómetros. Quando é exercida uma pressão sobre a plataforma são produzidas tensões pequenas sobre as colunas provocando alterações nos sensores e é possível a medição dessas alterações para obter a força resultante sobre os três eixos principais, Figura 28. Figura 28 - Plataforma de forças extensométricas (Collado, 2005). b) Plataformas de força piezoelétricas que são baseadas no mesmo princípio de mudança da resistência elétrica, mas em que são utilizados materiais com qualidades piezoelétricas e como resultado são criadas pequenas cargas de eletricidade estática dentro da matéria em resposta à pressão exercida. Os componentes que tais dispositivos permitem estudar são: - Componente vertical relacionada com o peso do corpo que atua sobre os pés. - Componente ântero-posterior representado usualmente por uma curva onde o seu início indica a desaceleração produzida pela colisão do calcanhar e que atinge o seu valor máximo na fase de apoio duplo, em seguida, a força diminui para zero no momento do apoio monopodal (quando o centro de gravidade está sobre o pé que suporta toda a carga). - Componente meiolateral indica os desvios laterais do pé durante a marcha sendo a sua amplitude maior quando aumenta a instabilidade do sujeito. MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 36 - As forças de torção que traduzem os movimentos de rotação interna e externa do membro inferior durante a deambulação. As aplicações das plataformas dinamométricas são a análise de marcha “normal”, a análise de marcha em patologias neurológicas, a análise de marcha em amputados, em geriatria, no desenvolvimento e avaliação de ajudas técnicas, na medicina esportiva e no estudo de patologias do aparato locomotor e de fraturas (Villa, 2008). 3.7.2. Fotopodograma Estuda a impressão gráfica que deixa a planta do pé sobre um papel a fim de estudar como o pé apoia sobre o solo, Figura 29. Figura 29 - Impressões plantares (Viladot, 1989). 3.7.3. Baropodometría eletrónica É um sistema de registo de pressões plantares segundo a vertical usando sensores. Deteta as alterações mecânicas e posturais do pé, o que permite uma melhor orientação do seu tratamento. Um sistema típico consiste de um corredor de 2 m, uma plataforma de captura baropodometrica (com 4800 sensores ativos segundo um comprimento de 1,2 m) e um software de captura e análise (Collado, 2005). 3.7.4. Goniometria É um sistema que permite a medição da flexibilidade das articulações e a sua medição centra-se na determinação do trajeto angular que podem experimentar dois segmentos corporais. É importante saber que a flexibilidade é específica para cada articulação e que não existem índices gerais de flexibilidade que indicam o grau de mobilidade geral do indivíduo. MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 37 3.7.5. Fotografia estática Utilizada para medir a amplitude do movimento oferecendo um registro permanente. É muito útil quando fazem-se as identificações dos pontos anatômicos para as articulações. 3.7.6. Eletromiografia É um sistema que registra a atividade muscular com carga. Com as contrações das fibras musculares produzem-se descargas recolhidas por eletrodos e depois é feita a análise do sinal recolhido por computador e calcula-se a atividade e a força exercida pelo sujeito. Este procedimento permite quantificar a contração dos músculos. A Eletromiografia permite diagnosticar problemas nos músculos, nas conexões neuromusculares ou distúrbios nervosos. A interpretação da sequência de ativação e a intensidade relativa de esforço presentes no sinal fazem ser possível a avaliação da eficácia funcional da ação muscular, mas nunca consegue uma medida direta da força muscular (Bronzino, 2006). 3.7.7. Inclinometría Instrumento para medir eletronicamente o intervalo da articulação de que é capaz de desenvolver um segmento do corpo constituído por mais de uma articulação. O seu princípio baseia-se na perpendicularidade de um indicador respetivamente ao solo, e do movimento de deslocamento que realiza um segundo indicador em relação ao primeiro. 3.7.8. Videografia digital Técnica de filmagem onde usualmente são instalados refletores nas articulações do paciente. Usando um programa de computador é digitalizado o movimento filmado para formar uma imagem 2D/3D, e finalmente são detetadas as posições das marcas diferentes ao longo do tempo para obter as curvas associadas ao movimento em estudo. É uma importante ferramenta para a análise cinemática do movimento. As aplicações são a medida da cinemática dos segmentos corporais, a medição dos movimentos em marcha e em corrida e a avaliação de patologias do movimento (Villa, 2008). MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 38 CAPÍTULO IV Marcha humana patológica MARCHA NORMAL E PATOLÓGICA: ESTUDO TEÓRICO E EXPERIMENTAL DE UMA OTP 39 Neste capítulo abordam-se as diferentes classificações da marcha e as distintas marchas patológicas existentes. 4.1. MARCHA HUMANA PATOLÓGICA Uma das características da marcha humana é a simetria (direita-esquerda)
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