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Townsville Company Angiologia, 30/05/2017 AULA 12 – ANTICOAGULANTES Professor Jorge Ribas INTRODUÇÃO Quando nós vamos pensar em anticoagulantes, nós vamos pensar em duas situações: vamos pensar em anticoagulante como profilaxia ou como tratamento. O que nós não queremos? Nós não queremos que o nosso paciente tenha um diagnóstico de um tromboembolismo venoso nessa fase [imagem à direita]. Temos aqui a artéria pulmonar totalmente preenchida por trombo, num caso de morte súbita por tromboembolismo pulmonar. Nós gostaríamos de pegar todos os pacientes nessa fase [imagem à esquerda]. Essa é uma fase difícil de ser pega, porque o paciente tem muito pouco sintoma e um trombo flutuante, que ainda não obstruiu total. É nessa fase que nós temos a maior propensão da embolia pulmonar de grandes proporções. Anticoagulante Ideal E, então, a gente vem buscando um anticoagulante ideal. Como é ele? · De fácil administração (quanto mais fácil, melhor); · De fácil manejo; · De baixo risco (se temos um paciente que está formando coágulo e nós vamos tratar com anticoagulante, o risco previsível é de sangramento); · De baixo preço. DE ONDE VIEMOS... Em 1853, Virchow descreveu a tríade da trombose. Então, o paciente que faz trombose tem Hipercoagulação por Trauma da parede do vaso (lesão endotelial) ou Estase venosa. Essa tríade sempre vai estar presente na trombose venosa. Em 1908, veio o primeiro trabalho publicado sobre profilaxia de TVP. Era uma revista alemã com abreviação de quase 2 linhas. Um cirurgião mostra que pacientes operados de hérnia inguinal e que saem cedo do leito tinham menos TVP do que os que ficavam mais tempo. Isso era uma visão, no final do século XIX, começo do século XX, que o paciente operado deveria fazer repouso. Hoje a gente trabalha cada vez menos com isso, por exemplo, uma cirurgia vascular de (alguma coisa) de aorta, o paciente já está fora da cama na sexta hora, e está fora do hospital na quadragésima hora. Então, isso é uma teoria que se foi diminuindo ao longo do tempo, mas, em 1908, já se tinha essa noção, um único médico cirurgião: que quanto mais cedo eu liberasse esse paciente, menor era o risco de TVP. Em 1916, foi descoberta a heparina. A heparina foi descoberta por dois acadêmicos do segundo ano de medicina. Só que a heparina só foi ter uso clínico em 1938 – 22 anos depois. É muito tempo isso? Teoricamente, sim. Mas hoje o tempo entre a confecção da molécula e uso clínico leva de 15 a 20 anos, até passar por todo o sistema. Anticoagulantes Anti-vitamina K Em 1947, o mundo foi apresentado aos anticoagulantes antivitamina K (AVK): a Femprocumona (nome comercial Marcoumar), e a Varfarina (nome comercial Coumadin, Varfine e Marevan). · A Varfarina atua nos fatores II, V e X. · O anticoagulante AVK vai atuar nos fatores II, V, VII e X. Qual é a grande vantagem do AVK? É uma medicação que pode ser dada via oral. A heparina só é dada endovenosa, e tinha que ser dado de 4 em 4 horas. O AVK poderia ser dado em dose única diária. Porém, é extremamente lábil, então tem que fazer um controle frequente para saber se o AVK está mantendo um RNI entre 2 e 4, para saber se o paciente está corretamente anticoagulado e se não tem risco de sangramento. O AVK foi uma evolução do veneno de rato, desse que se compra no mercado (todos são AVK). Os ratos têm múltiplos traumatismos, eles têm várias rixas pessoais durante o dia, então qualquer tipo de acidente eles podem sangrar. É usado a Femprocumona, só que em doses programadas. Agora, o AVK tem um problema: ele é absorvido pela via do citocromo p450, então ele compete com alimentos verdes. Não significa que as pessoas não podem comer verdura. O que não pode acontecer é aquelas meninas que quando veem um prato de couve e já salivam, aí comem 1kg de couve. Esse pigmento verde, então, vai bloquear a absorção do AVK. Além disso, ele não é absorvido pelo estômago, e sim pelo intestino. Então, o paciente tem diarreia. Doenças abortivas já não absorve bem também. E tudo que é absorvido pela via do citocromo p450 compete com AVK, fazendo um sinergismo positivo ou negativo. O principal exemplo de sinergismo negativo é o uso de antibióticos. Quase todos os antibióticos bloqueiam a ação da AVK e, com isso, o paciente não está mais anticoagulado. E, praticamente todos os anti-inflamatórios fazem sinergismo positivo. Então, o paciente chega no PS com dor no peito, o médico receita um diclofenaco (duas injeções), e dois dias depois o paciente está na UTI com sangramento maciço. Foi descoberta em 1947 e em 1950 já teve o uso clínico dos AVK. Por que tão rápido? Porque o AVK tem um antídoto, que é a vitamina K. Então, se o paciente sangra, você dá vitamina K. A gente sabe que quando você consegue controlar, manejar bem, com AVK, a reversão do seu efeito com vitamina K faz com que a reintrodução da medicação seja difícil. A heparina entrou em uso clínico em 1938 e somente depois eles descobriram que a protamina era o antidoto da heparina. Então, para cada 1mL de heparina que você dá, você usa 5mL de protamina. Então, isso facilitou. Em 1960, nós começamos a ter uma nova visão de profilaxia de TVP em cirurgia de quadril e joelho com AVK. Quadril e joelho no mundo real, do dia a dia, nós temos mais de 40% de TVP. Se nós formos ao mundo ideal, que é o mundo da pesquisa, nós chegamos em até 70% de TVP em pós-operatório dessas cirurgias, sem profilaxia. Então, nos anos 60, começou uma profilaxia com AVK para derrubar esses índices. E hoje, nós ficamos ainda na faixa de 10% de TVP e 1,5% de TEP. Só que o AVK é lábil, então nós temos muito sangramento. E os cirurgiões ortopédicos não gostavam da profilaxia por causa do sangramento. A incidência sempre foi alta na cirurgia de joelho e quadril, e isso era comprovado a cada década. Heparina de Baixo Peso Molecular (HBPM) Em 1984, ou seja, depois de mais de 35 anos de entrada da AVK, nós tivemos uma evolução: a heparina de baixo peso molecular. Vocês sabem que a heparina é um pentassacarídeo com uma cauda proteica. Então, foi tirado a cauda proteica da heparina, e se fez uma HBPM, que é absorvida pelo subcutâneo. Isto fez com que, ao invés de fazer uma injeção a cada 4 horas por dia, nós pudéssemos (em profilaxia) fazer uma dose fixa, dependendo do risco do paciente, de 20 ou 40 unidades de HBPM. E, no tratamento da TVP, usar 1mg/kg/dia de 12 em 12 horas, subcutâneo. Ou usar 1,5mg/kg/dia em dose única subcutâneo, porque o tempo de ação é 24 horas. HPBM Profilaxia da TVP Tratamento da TVP Dose fixa diária – 20 ou 40 unidades, dependendo do risco do paciente. 1mg/kg/dia de 12 e 12 horas, subcutâneo ou dose única de 1,5mg/kg/dia. Novos Anticoagulantes Orais (NOAC) De 1984 a 1996, nós tivemos uma programação de como se tratava e fazia profilaxia com anticoagulante, mas não tínhamos absolutamente nada ???. Em 1996, nós conhecemos os anticoagulantes que buscavam atuar direto na trombina ou direto no fator X ativado (Xa). Esses anticoagulantes, que hoje são chamados de novos anticoagulantes orais, eles eram chamados de heparinas orais, porque tinham uma similaridade com a heparina, mas eram via oral. Em 1998, nós tivemos a presença do primeiro anticoagulante antifator-Xa. Foi lançado no mercado em 2002 e se chamava EXANTA. Qual era a grande vantagem do EXANTA? Ele não tinha interação com o álcool. Porque com o AVK tinha interação (mesmo com só uma tacinha de vinho o RNI passava de 5). O FDA retirou o medicamento do mercado por causa do alto índice de óbito por insuficiência hepática que estava ocorrendo nos EUA. Então, no Brasil, o EXANTA teve exatamente 3 dias de vida. E saiu do mercado. Isso deu uma atrasada geral no programa de todos os novos anticoagulantes. Por quê? Porque eles tiveram que mudar a sua composição para diminuir a insuficiência hepática. Então, a partir daí, em 2007, nós vamos trabalhar com anticoagulante antitrombina direto. E o que a gente espera para 2020? Eu disse para vocês que a heparina é um pentassacarídeo com uma cauda proteica. Eu tirei a cauda proteica e consegui fazer a HBPM, queé uma ou duas injeções subcutâneas diárias para tratamento. Agora, o que nós fizemos? Nós pegamos o pentassacarídeo, e dentro dele nós separamos a fração anticoagulante e criamos o Hidroparinux. O Hidroparinux já passou por todas as fases de pesquisa e está quase pronto para ser lançado. Ele vem ao mercado para você tratar trombose venosa e embolia de pulmão com uma injeção por semana. Então, vai ficar muito mais prático. Qual o grande problema disso? Imaginem: a gente pega esse rapaz aqui que tem necessidade de usar o anticoagulante. Na sexta feira de manhã, ele faz a injeção de hidroparinux; na sexta à noite, ele vai para balada. Está saindo da balada, todo cuidadoso no trânsito, vem uma árvore e o atropela. Ele fica com múltiplas fraturas e traumatismos e sangrando abundantemente porque está anticoagulado. Então, o hidroparinux vai ser o primeiro anticoagulante no mundo que já vem com antídoto na fórmula. Por isso que ele se chama Hidrobiotaparinux, no qual foi juntado uma molécula de biotina, que é quelada em uma medicação chamada Avidina. Então, se eu tiver um paciente anticoagulado por uso de Hidrobiotaparinux, eu dou Avidina, que vai quelar a Biotina e é excretado pela urina. ONDE ESTAMOS... Em 1980, o tratamento de uma trombose venosa era heparina endovenosa por cerca de 10 dias, hospitalar, seguida de antivitamina K por 6 meses a 2 anos ou, em alguns casos, perene. Em 1996, nós já tínhamos condições de tratar esses pacientes com HBPM mais antivitamina K. Então, desde 96, eu só interno trombose venosa em pacientes com embolia de pulmão, instáveis, trombose venosa que requer trombolítico ou que tenha que fazer recanalização por tromboaspiração. Em 2010, os novos anticoagulantes nos permitiram começar o tratamento domiciliar, sem que haja necessidade de internar. O que eu enfrento? Um problema de custo. A HBPM tem um custo diário de R$ 40,00, ou seja, ela é cara. Então, todos os anticoagulantes se comparam a ela. O antivitamina K tem um custo mensal de R$ 25,00, quando não está em promoção. Isso porque ele é praticamente veneno de rato, então ele é muito barato. Os novos anticoagulantes orais custam entre R$ 200,00 - 300,00 ao mês. Ainda é caro; nem todo mundo pode utilizá-los. Os novos anticoagulantes orais (NOAC) atuam ou sobre o fator X ativado ou sobre a trombina. Falando dos que atuam sobre o fator X, temos: Rivaroxibana - Xarelto, que é da Bayer, é o nome comercial da Rivaroxibana; Apixabana, que é o Eliquis, e a Endoxabana, que faz três anos que está esperando aprovação da Anvisa. Nós só temos um que é antitrombina: o Pradaxa, que é o Dabigatrana. Indicações de NOAC As indicações são tratamento e profilaxia: em cirurgia vascular, em cardiologia (vocês sabem que a principal fonte de êmbolos que nós temos na cardiologia é a arritmia cardíaca, principalmente FA) e em neurologia como profilaxia de AVC. A dosagem de um antitrombina direto é 2 vezes ao dia. São 150mg para tratamento, 2 vezes ao dia. Nos anti-fator X, a dose é única na manutenção; na fase inicial, você sempre vai dar 2 comprimidos ao dia. Do Eliquis, são 2 comprimidos de 2,5mg e depois 1 comprimido de 5mg. Xarelto são 2 comprimidos de 15mg na fase inicial e, depois de 10 dias, 1 comprimido de 20mg. Quanto tempo? Mínimo de 3 meses. Um evento trombótico de causa conhecida: este rapaz aqui foi jogar bola, fez um traumatismo ligamentar, passou por cirurgia e fez trombose venosa; este outro rapaz estava com cólica nefrética, foi aplicar uma injeção na veia e fez uma trombose venosa (cada vez mais, injeções na veia têm produzido trombose venosa). Quando eu tenho uma situação como essas em que a causa é conhecida, no mínimo 3 meses de anticoagulação. Agora, por exemplo, essa jovem aqui, que é uma pessoa saldável e um dia resolveu ser mãe. Ela teve 3-4 abortos em sequência e fez 3-4 tromboses venosas, então, ela tem uma trombofilia grave; ela vai usar anticoagulação para sempre. Contraindicações de NOAC As contraindicações para os NOAC são: gravidez, amamentação e crianças. Porque a portaria 466/2012 do Conselho Nacional e Saúde, que normatiza pesquisas em seres humanos no Brasil, é uma das legislações mais avançadas de pesquisa. E, desde que nós entramos em uma nova era da ética médica, nós só pesquisamos medicações em gestantes, lactentes e crianças se eu não tiver outro grupo para estudar. Pacientes com insuficiência renal ou hepática, não é contraindicação formal, mas todos eles precisam ter dose ajustada. Diferente da antivitamina K, na qual a dose é dependente do tamanho do paciente e de sua condição de absorção, as doses dos NOAC são iguais para todo mundo. Porém, nas insuficiências renal e hepática, a dose é ajustada. Eles são contraindicados em válvulas cardíacas e em pacientes com risco aumentado de sangramento, porque essas medicações vieram para o mercado sem antídoto. Então, se o paciente está sangrando, o que nós fazemos? Plasma fresco. No uso dos NOAC, não há necessidade de monitoramento de rotina. Segurança e Eficácia Toda vez que eu vou trabalhar uma nova medicação, eu vou me basear em eficácia e segurança. Eu vou comparar com o que existe no mercado. Um antivitamina K tem uma eficácia alta e um risco moderado, portanto, eu preciso de uma medicação que tenha uma eficácia pelo menos igual a da antivitamina K e que seja mais segura. Se eu tenho um medicamento com mesma eficácia e mesma segurança, eles vão competir no mercado pela facilidade do uso e pelo custo. Eles têm interação com alimento? Não. Pode comer absolutamente tudo e pode beber todas. Têm interação com medicações? O antitrombina direto (pradaxa) não é absorvido por citocromo P450, então, não tem interação com medicamentos. Já os outros, que são absorvidos pelo citocromo P450, têm poucas interações. Aqueles que não são metabolizados pelo citocromo P450 têm interação com o que? Cetoconazol. O Cetoconazol é uma medicação única; ele não admite nenhuma medicação junto com ele. O que interage com Cetoconazol? Absolutamente tudo. Os inibidores da trombina são os anticoagulantes ideais? Vocês lembram o que caracteriza um anticoagulante ideal? Fácil administração, segurança, eficaz e baixo custo. Porém, eles não têm baixo custo. Dificuldades Diárias As dificuldades que encontramos são as complicações hemorrágicas com uma medicação que não possui antídoto direto. Quando nós vamos procurar um antídoto, essa é uma grande dificuldade, porque eu preciso de uma medicação que reverta o sangramento e, ao reverter o sangramento, me permita voltar a usar anticoagulante, já que, um paciente que estava anticoagulado dificilmente vai poder ficar sem anticoagulação. A Anvisa deixa bem claro que não há antídoto específico para Eliquis, Pradaxa ou Xarelto. Então, o que fazer em sangramento grave? Concentrado de complexo protrombínico parcialmente ativado 80 UI/kg (nome comercial é Feiba), que é melhor do que plasma fresco, ou concentrado de complexo protrombínico 4 fatores, 50 UI/kg, que é o Prothoromplex T, que também é melhor que o plasma fresco, mas não é um antídoto específico. Aí, nós temos essa medicação aqui: Idarucizumab, que é o antídoto específico do Pradaxa. Faz um ano e meio que está liberado no mundo inteiro e não consegue aprovação da Anvisa; eu acho que está faltando chamar de Idarucizumaba. Desse medicamento, é dado 5 g, sendo que 2,5 g é dado de maneira endovenosa e depois a cada 15 min. PARA ONDE VAMOS... Eu acho que, do ponto de vista do mundo ideal, Hidrobiotaparinux tiraria todos os outros das prateleiras. Qual o problema que faz com que isso não seja possível? A previsão é que custe R$ 1800,00 a dose. Ainda hoje, a principal forma de tratar trombose venosa é heparina endovenosa por 7-10 dias hospitalar mais antivitamina K, que é o mesmo esquema de 25 anos atrás. Então, nós conseguimos ainda trazer para o mundo real o que nós já temos no mundo ideal. 6
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