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1 Jéssica N. Monte – Turma 106 Proctologia Doenças Inflamatórias Intestinais (DIIs) Introdução: São doenças crônicas de caráter inflamatório do aparelho digestivo causadas por alterações da imunorregulação intestinal. ❖ Retocolite ulcerativa (RCU) ❖ Doença de Crohn (DC) ❖ Colite indeterminada (15 a 20%): quando não é possível a classificação em DC ou RCU. São doenças multifatoriais. Apresentam surtos de remissão e exacerbação. Fisiopatologia: Fatores envolvidos: predisposição genética, influência ambiental e resposta imune. A predisposição genética leva a uma resposta imune desregulada que causa a inflamação. Os fatores genéticos levam à suscetibilidade ao desenvolvimento da doença inflamatória intestinal. Já os fatores ambientais atuam como gatilhos (“triggers”) e moduladores da doença. Existem teorias a respeito da ação do ambiente sobre a doença, como a teoria da higiene, o papel da dieta e do tabagismo, além da alteração da microbiota intestinal. Fatores de Risco: Idade entre 15 e 40 anos – início mais comum da doença. Existe pouca diferença em relação ao gênero. Parentes de primeiro grau são um grande fator de risco, devido ao importante componente genético ligado a sua fisiopatologia. O tabagismo aumenta o risco para a doença de Crohn, mas atua como um fator protetor para a retocolite. Dieta ocidental, sedentarismo, obesidade, uso de AINEs e disbiose (desequilíbrio da flora bacteriana intestinal devido ao uso excessivo de antibióticos) também atuam como fatores de risco. A apendicectomia parece proteger contra a retocolite ulcerativa e aumentar o risco para a doença de Crohn. Isso ocorre, provavelmente, devido a um erro diagnóstico. Retocolite Ulcerativa: Pico de idade dos 15 aos 35 e dos 60 aos 70 anos. É considerada uma doença pré-maligna, com alterações displásicas da mucosa frequentemente associadas ao carcinoma. Acomete o reto e cólon. Raramente acomete o íleo-terminal. Não acomete a região perianal. É restrita a mucosa, de acometimento contínuo e ascendente (reto, sigmoide e cólon descendente). Doença de Crohn: Começa a se apresentar após os 10 anos e tem picos de idade dos 15 aos 25 anos e dos 55 aos 60 anos. É considerada uma doença pré-maligna (adenocarcinoma). Importante ação do fator de necrose tumoral alfa. Acomete todo o trato digestivo, da boca à região perianal. É transmural, não acometendo somente a mucosa. 2 Jéssica N. Monte – Turma 106 Proctologia Costuma ser descontínua. Tem acometimento aleatório. O intestino delgado é o principal sítio da doença, acometido em 90% dos casos, principalmente o íleo terminal (75% das vezes). Metade dos pacientes possuem envolvimento ileocecal e 30 a 40% apresentam ileíte isolada. Um terço dos pacientes apresenta comprometimento perianal. É uma doença granulomatosa formadora de granulomas não caseosos. Quadro Clínico: Manifestações Inespecíficas: Incluem fadiga, perda de peso, febre e desnutrição. Manifestações Gastrointestinais: Dependem da porção acometida. Em geral, as principais manifestações são diarreia crônica, diarreia invasiva, dor abdominal, náuseas e vômitos. Como a doença de Crohn é mais invasiva, suas manifestações são mais exuberantes. Entre elas, citam-se estenoses, fístulas, abscessos, doença perianal e síndrome disabsortiva (se acometer o intestino delgado). Manifestações Extraintestinais: São mais comuns na doença de Crohn, mas também podem ocorrer na RCU. Manifestações Fistulizantes: São características da doença de Crohn. Incluem fístulas enterocutâneas, perianais ou abscessos intracavitários. Manifestações Hepatobiliares: Colangite Esclerosante Primária (CEP): Doença colestática. Mais comum na retocolite do que na doença de Crohn. É progressiva. Caracterizada por dilatações e estenoses da árvore biliar. Aumenta o risco de desenvolvimento de colangiocarcinoma e câncer colorretal. Manifestações Osteoarticulares: Artralgia. Associada à atividade inflamatória da DII: artrite periférica. Não associada à atividade inflamatória da DII: espondilite. Manifestações Dermatológicas: Associado à atividade inflamatória da DII: eritema nodoso. Não associado à atividade inflamatória da DII: pioderma gangrenoso. Manifestações Oculares: Associada à atividade inflamatória da DII: episclerite e conjuntivite. Não associada à atividade inflamatória da DII: uveíte. 3 Jéssica N. Monte – Turma 106 Proctologia Manifestações Renais: Litíase renal pela formação de oxalato de cálcio devido à hiperoxalúria e de cálculos de ácido úrico devido à acidose metabólica e desidratação. Manifestações Hematológicas: Hipercoagulabilidade. Alta facilidade na formação de fenômenos tromboembólicos. Não se pode esquecer da profilaxia de tromboembolismo venoso em paciente com DII em atividade. Investigação: Exames Laboratoriais: ❖ Hemograma: checar hemoglobina, leucócitos e plaquetas. ❖ Avaliação nutricional: albumina sérica, perfil de ferro, ácido fólico e vitamina B12. ❖ Provas de atividade inflamatória: PCR e VHS. ❖ Marcadores sorológicos: anticorpos ASCA (doença de Crohn), p-ANCA (RCU), anti-OmpC IgA, anti-GP2 IgA. Na prática não costumam ser solicitados. Os pacientes com doença inflamatória intestinal podem apresentar mais de um perfil de anemia. Se o sangramento for muito extenso, o paciente tende a perder ferro e apresentar anemia de padrão microcítico. Pacientes com doença de Crohn de acometimento de íleo terminal, por exemplo, irão apresentar disabsorção de vitamina B12 e consequente anemia de característica macrocítica (megaloblástica). Pacientes com inflamação ativa ou com multifatores relacionados à inflamação tenderão a apresentar anemia do tipo normocítica. Biomarcadores: Calprotectina fecal: é mais acessível. Alto valor preditivo negativo = auxilia mais no descarte do que na confirmação da doença. Auxilia na conduta terapêutica. Lactoferrina fecal. Exames Endoscópicos: Colonoscopia: É o exame mais útil na maioria dos casos. Retocolite Ulcerativa: Acometimento desde o reto de forma contínua e circunferencial. Linha de demarcação entre mucosa acometida e mucosa normal. A confluência dos abscessos acaba por formar úlceras, as quais delimitam áreas de mucosa normal, denominadas pseudopólipos. O aparecimento de úlceras é raro, e são completamente diferentes das que ocorrem na doença de Crohn. É necessária a colonoscopia a cada1 ou 2 anos com biópsias seriadas, a partir de 8 anos do início dos sintomas. Doença de Crohn: Presença de úlceras profundas, aftoides, serpinginosas ou longitudinais. Padrão transmural e descontínuo. O aspecto mucoso inicial é caracterizado por úlceras aftoides. Mais tardiamente, assume aspecto em pedra de calçamento ou em paralelepípedo (“cobblestone”). 4 Jéssica N. Monte – Turma 106 Proctologia Endoscopia Digestiva Alta (EDA): Útil se o paciente apresentar sintomas de TGI alto. Importante lembrar que a doença de Crohn pode se manifestar como úlceras pépticas. Enteroscopia: Útil na investigação do intestino delgado e para a aquisição de biópsias para diagnóstico diferencial (principalmente linfoma e tuberculose intestinal). Doença de Crohn: Cápsula Endoscópica: Útil na investigação do intestino delgado. Contraindicada na suspeita de estenose. É importante na investigação de sangramentos de origem obscura. Doença de Crohn: Exames Radiológicos: ❖ Exame de trânsito intestinal: avaliação de alterações estruturais grosseiras. Atualmente vem sendo utilizado cada vez menos. ❖ Enterografia: enteroTC ou enteroRM. ❖ Ultrassom: é de baixo custo; tem boa correlação com a enterografia; o Doppler pode ser utilizado na avaliação de estenoses. Indicações: avaliação da atividade da doença ou na suspeita de complicações; diferenciação de estenose fibrótica e estenose inflamatória;planejamento pré-operatório. Vantagens: não são invasivos e tem disponibilidade cada vez maior (principalmente a enterografia). Desvantagens: exposição à radiação ionizante e limitação em pacientes com insuficiência renal. Diagnóstico Diferencial: Tuberculose intestinal: Pode causar achados colonoscópicos idênticos à doença de Crohn. Diferenciação: biópsia. O granuloma da tuberculose é caseoso, enquanto o da doença de Crohn é não-caseoso. Colite Pseudomembranosa: Pacientes em uso recente de antibióticos. É uma das principais causas de colite. Citomegalovírus, Herpes e outras doenças oportunistas: Rastreio de imunossupressão (HIV). PCR e análise de biópsia. Lembrar que apesar de a doença de Crohn ser uma doença granulomatosa, costuma apresentar poucos granulomas. Colite isquêmica: Pacientes com fatores de risco para aterosclerose. 5 Jéssica N. Monte – Turma 106 Proctologia Uso de AINEs: O uso de anti-inflamatórios pode causar enterite, colite e úlceras intestinais. Classificação: O tratamento e o manejo dos pacientes com DII vai depender da classificação da doença quanto a sua extensão, gravidade e prognóstico. A classificação leva em consideração dados clínicos, laboratoriais e endoscópicos. Retocolite Ulcerativa: Classificação de Montreal: ❖ Retite ou proctite: limitada ao reto. ❖ Colite esquerda ou distal: acomete o reto e o cólon sigmoide até a flexura esplênica. ❖ Pancolite: além da flexura esplênica, até o cólon transverso ou até o ceco. Escore de Truelove e Witts: Avalia a quantidade de evacuações com a presença de sangue nas fezes, pulso, temperatura e marcadores laboratoriais (hemoglobina, VHS ou PCR). S0: remissão clínica; S1: leve; S2: moderada; S3: grave. Doença de Crohn: Classificação de Montreal: Idade do início dos sintomas: A1: antes dos 16 anos; A2: entre 17 e 40 anos; A3: acima dos 40 anos. Localização da doença: L1: ileal; L2: colônica; L3: ileocolônica; L4: doença isolada do TGI superior. Comportamento da doença: B1: não estenosante nem penetrante; B2: estenosante; B3: penetrante. A letra “p” é adicionada a B1, B2 ou B3 na presença de acometimento perianal. Tratamento: Objetivo: remissão clínica e endoscópica. A remissão endoscópica não significa ausência completa de inflamação. Uma atividade inflamatória leve e discreta na colonoscopia já é considerada remissão. Tratamento global: suporte nutricional e psicológico, vacinações, cuidados pré uso de fármacos biológicos, evitar ao máximo o uso de AINEs, suspensão do tabagismo e rastreio de neoplasias (DII aumenta as chances de câncer de cólon e de intestino delgado, principalmente as de difícil controle). 6 Jéssica N. Monte – Turma 106 Proctologia Tratamento Medicamentoso: ❖ Step up: otimização progressiva da terapia a partir das exacerbações da doença. ❖ Top down: início da terapia com drogas potentes (biológicos) e conforme o controle da doença ocorre a redução da terapia. Derivados 5-ASA – Sulfassalazina e Mesalazina: São utilizadas apenas na RCU. A Sulfassalazina é indicada às formas leves e moderadas de RCU e é útil para evitar recaídas. Deve ser administrada com ácido fólico para evitar anemia macrocítica induzida pela droga. É pouco útil nos surtos agudos, tendo papel mais importante nas formas crônicas. A Mesalazina é indicada aos indivíduos com tolerância à Sulfassalazina, com a vantagem de evitar efeitos adversos. Corticosteroides: São indicados na fase aguda das doenças apenas para induzir a remissão. A dose depende da gravidade. Após a remissão, a manutenção da Prednisona não previne futuras exacerbações. Aqueles com RCU que se mostram corticodependentes são candidatos ao tratamento cirúrgico. Na doença restrita ao reto e ao sigmoide, pode- se utilizar enema de corticoides ou enema de Budesonida. Antibioticoterapia: Deve-se ser administrada na fase aguda da RCU, principalmente nos casos graves e fulminantes. Aminoglicosídeo + Metronidazol + Ciprofloxacino ou Ampicilina. Imunossupressores – Azatioprina, Metotrexato e Ciclosporina: Na RCU, são indicados a corticodependentes quando se opta por adiar a colectomia. A Azatioprina leva cerca de 3 a 4 meses para iniciar sua ação. A Ciclosporina é reservada para casos mais graves, resistentes à Corticoterapia. Terapia biológica – Infliximabe, Adalimumabe, Certolizumabe, Vedolizumabe: São utilizados na doença grave e nas formas graves da doença de Crohn. Atualmente, são as drogas mais promissoras no tratamento. Seu uso ainda está sendo estudado no manejo da RCU. Tratamento da Colite Grave ou Fulminante: Internação hospitalar. Dieta conforme aceitação (jejum somente se intervenção cirúrgica). Hidratação e correção de distúrbios hidroeletrolíticos. Evitar opioides, antiespasmódicos e AINEs. Realizar profilaxia para TVP sempre que possível. Solicitar RX de abdome seriado para descarte de megacólon tóxico. Rastreio de agentes infecciosos. Uso de antibióticos em pacientes selecionados (febre alta, VHS alto, toxemia). Corticoterapia venosa: Metilprednisolona ou Hidrocortisona por 3 a 5 dias (ou 2 a 3 dias se indícios de megacólon tóxico). Se o paciente responder, segue tratamento de manutenção; se não, parte-se para os fármacos biológicos 7 Jéssica N. Monte – Turma 106 Proctologia como o Infliximabe. Se o paciente apresentar melhora clínica, segue tratamento de manutenção; se não, parte-se para cirurgia de proctocolectomia total. Terapia de resgate. Tratamento Cirúrgico: Retocolite Ulcerativa: Cerca de 20 a 30% dos pacientes com RCU O achado colonoscópico de displasia grave e/ou displasia associada a massas tumorais é indicativo de tratamento cirúrgico com princípios oncológicos (margens adequadas e linfadenectomia). A cirurgia eletiva é indicada em casos de intratabilidade clínica, suspeita de neoplasias ou retardo do crescimento em crianças. Megacólon e hemorragia maciça são indicações de cirurgia de urgência, quando não respondem à terapia clínica intensiva inicial. Doença de Crohn: O tratamento cirúrgico é indicado nas complicações da doença, quadros obstrutivos, perfuração e hemorragias. Indicações: intratabilidade clínica da doença não complicada ou das complicações; complicações incontroláveis do tratamento medicamentoso; retardo do crescimento ou manifestação extraintestinal; difícil controle dos efeitos colaterais medicamentosos; displasia de alto grau confirmado ou câncer; suspeita de estenose maligna. Indica-se cirurgia de emergência em hemorragias maciças, megacólon tóxico, perfuração com peritonite, abdome agudo obstrutivo e na suspeita de apendicite. Complicações: Câncer Colorretal: Fatores de risco: pacientes com pancolite; tempo de doença superior a 8 anos; pacientes com histórico familiar de CA colorretal; pacientes com colangite esclerosante primária (CEP) associada; pacientes refratários. O risco de aparecimento de adenocarcinoma entre portadores de retocolite ulcerativa está diretamente relacionado à extensão da colite. Pacientes com displasia ressecável devem permanecer em vigilância endoscópica. Displasias não ressecáveis devem ser levadas para cirurgia. Megacólon Tóxico: É a forma fulminante da retocolite ulcerativa, mas também pode estar presente na doença de Crohn. Manifesta-se com sintomas de taquicardia, distensão abdominal, febre e sinais de peritonite. Pode levar à perfuração, sobretudo no cólon transverso. Por isso, deve-se considerar um baixo limiar para indicação cirúrgica. Critérios diagnósticos: Dilatação colônica superior a 6 cm no RX ou na TC. Pelo menos 3 dos seguintes critérios: febre (T > 38ºC); FC > 120 bpm; leucocitose neutrofílica; anemia. Pelo menos 1 critério adicional: desidratação: alteração do nível de consciência; distúrbios eletrolíticos; hipotensão.
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