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MICOSES SUBCUTÂNEAS As micoses subcutâneas englobam: - esporotricose: complexo Sporothrix schenckii - micose de Jorge Lobo: Lacazia loboi - rinosporidiose: Rhinosporidium seeberi - cromomicose: família Dematiacea - micetoma: actinomicótico – bactérias, eumicótico – Madurella mycetomatis, M. grisae - zigomicose subcutânea: Conidiobolus coronatus e Basidiobolus ranarum - feohifomicose 1. Esporotricose – uma zoonose negligenciada A Esporotricose é uma infecção crônica, micose gomosa por excelência, expressando-se sob a forma cutâneo-linfático-nodular, mas podendo estender-se também às mucosas, às vísceras, aos ossos e mesmo ao sistema nervoso central. A) Etiologia - micose subcutânea mais comum no Brasil. - presente no México, África do Sul, Índia, Japão, China e EUA. - causada pelo complexo Sporothrix schenckii: S. brasiliensis, S. globosa, S. mexicana, S. luriei, S. schenckii stricto sensu. - predominante em locais de clima quente e úmido. - presentes no solo, em vegetais e material em decomposição. - distribuição cosmopolita. - fungo termodimórfico: apresenta duas formas distintas dependentes da temperatura – a forma micelial (saprófita) e leveduriforme (tecidos infectados). - forma filamentosa em forma de “margarida”. - fatores de virulência: dimorfismo, termotolerância e melanina. B) Epidemiologia - a forma saprófita habita solo e vegetais. - Uruguai e sul do Brasil: transmissão relacionada à caça ao tatu, através do contato com solo ou unhas do tatu. - a esporotricose é a micose subcutânea mais comum no Brasil, México, África do Sul, Índia, Japão e EUA. - a micose tem sido diagnosticada além do homem, em jumento, mula, cavalo, gato, camelo, rato, camundongo, coelho, cão, papagaio, bovinos e tatu. - no Brasil, importante surto epidêmico tem sido descrito na cidade do Rio de Janeiro envolvendo humanos e gatos (zoonose). - transmissão no Rio de Janeiro se deve à mordedura e arranhadura de gatos infectados. - caráter ocupacional: floricultores, jardineiros, carpinteiros, madeireiros, mineiros (trabalhadores das minas, em especial na África do Sul), trabalhadores florestais, artesãos (palha, capim seco). No Rio de Janeiro, predominante em médicos veterinários e proprietários de animais. - atualmente: é fato conhecido que em nenhum outro lugar do mundo a esporotricose assumiu magnitude endêmica verificada no estado do Rio de Janeiro (epizootia, endemia e zoonose). - todos os casos suspeitos de esporotricose animal são de notificação compulsória. - transmissão por inoculação traumática da pele. - transmissão extremamente rara por inalação de conídios, que dá origem à forma pulmonar da doença. -lesões de felinos apresentam grande quantidade do agente. - não existem relatos de transmissão canina para humanos. C) Apresentação clínica em gatos - não há predileção racial. - idade varia entre 3 e 5 anos. - os machos são mais acometidos, principalmente os inteiros. - alto potencial zoonótico. - formas clínicas: cutânea fixa, linfocutânea, cutânea disseminada e extracutânea. D) Patogenia em gatos - contato com a pele lesionada e infectada com Sporothrix spp pode acometer o sistema linfático, levando a forma linfocutânea; pode acometer o tecido subcutâneo, levando a forma cutânea fixa; e também atingir a corrente sanguínea, causando a forma cutânea disseminada. - a inalação de conídios de Sporothrix spp causa a forma extracutânea. - forma cutânea fixa: formação de esporotricoma ou cancro esporotricótico. - forma linfocutânea: cordão esporotricótico, podendo ulcerar. - forma cutânea disseminada: ocorre tegumentarmente ou sistematicamente em imunocomprometidos, é iatrogênica, predominante em humanos adictos etílicos e ocorre freqüente auto-inoculação em felinos. - forma extracutânea: pode ser desencadeada pela forma cutânea disseminada ou por inalação de conídios. Atinge pulmões, rins, testículos, articulações e ossos. *no Rio de Janeiro, 57% dos felinos apresentam quadros extracutâneos e 44% possuem trato respiratório atingido. E) Manifestações clínicas em humanos - a esporotricose é dividida em: formas cutâneas, que compreendem a cutâneo-linfática, cutânea localizada e cutânea disseminada, e as formas extracutâneas. E.1) Forma cutânea localizada ou fixa - lesão única não acompanhada de nódulos no trajeto linfático. - aspectos variados: pápulas que pustulizam e ulceram, placas achatadas e lesões eritemato-escamosas. - podem ocorrer aspectos clínicos indistinguíveis de leishmaniose, cromomicose e tuberculose verrucosa. E.2) Forma cutânea-linfática - é a forma mais comum, presente em 95% dos casos em humanos. - também conhecida como “linfangite nodular ascendente”. - aspectos variados: lesão ulcerada de base infiltrada e eritematosa, pápula, nódulo, placa vegetante, ulcero-gomosa. - característica principal: a lesão inicial segue trajeto ascendente nos membros. E.3) Forma cutânea disseminada - menos freqüente. - associada a alguma imunodepressão. - após inoculação ou inalação do fungo ocorre disseminação por via hematogênica. - ocorre lesão inicial subcutânea amolecida. - aspectos variados: ulcerosas, crateriforme, ulcero-crostosas, lesões eritemato-papulosas. - manifestações atípicas: Síndrome Oculoglandular de Parinaud, infecção articular, linfocutânea bilateral e relacionada à eritema nodoso. E.4) Forma extracutânea - rara e muito difícil de diagnosticar. - a esporotricose pode envolver qualquer tecido ou órgão. - lesões resultantes da disseminação hematogênica. - sintomas relacionados ao órgão envolvido. F) Diagnóstico - material: exsudato das lesões, pus de linfonodos, biópia, raspado profundo de lesões cutâneas. - exame micológico direto: pouco recomendado para humanos. - cultura: diagnóstico padrão ouro – observação de fungo filamentoso em Sabouraud à 25°C e fungo levedurifome à 37°C. - exame histopatológico: estrutura fúngica presente em menos de 25% dos exames. Observação de processo granulomatoso misto com presença de neutrófilos e células asteróides. - exame sorológico F.1) Cultura - diagnóstico padrão-ouro. - macromorfologia (25°C): colônia jovem com aspecto claro tornando-se acastanhada e enegrecida com o tempo. A cultura varia de tonalidades claras até o negro. Geralmente apresenta halo negro característico em toda a volta. - cultivo a 37°C (comprovação do dimorfismo): quando o crescimento ocorre a 37°C, obtém-se a fase tissular ou de levedura do fungo. As colônias são úmidas, cremosas e de coloração pardacento-amarelada. Ao exame microscópico mostra células leveduriformes com gemulação única, semelhantes àquelas encontradas nas lesões. - exame microscópico da cultura a 25°C: mostra hifas hialinas, septadas, ramificadas e muito delicadas, medindo entre 1,5 a 2,0mm de espessura. Os conídios, que podem medir de 2 a 6μm, dispõem-se em cachos terminais, assemelhando-se a margarida, na extremidade do conidióforo. F.2) Histopatológico - exame histopatológico revela inflamação não específica na derme, com alguns microabcessos e células gigantes. - em adição poucos “corpos asteróides” (fenômeno de Splendore-Hoeppli) podem ser focalizados. - o fungo dificilmente será detectado em cortes corados por HE ou prata. F.3) Teste cutâneo: esporotriquina - a esporotriquina é um antígeno para injeção intradérmica, preparada com filtrados de culturas da fase miceliana ou leveduriforme. - a leitura é feita após 48 horas e o resultado positivo indica apenas exposição ao fungo. - o resultado negativo exclui a esporotricose cutânea. - falso positivo: contato sem infecção - falso negativo: formas cutâneas disseminada e extracutâneas. *o diagnóstico diferencial é importante, pois as lesões da esporotricose são similares à tuberculose, micobactérica atípica, sífilis, leishmaniose tegumentar, piodermite, cromoblastomicose, paracoccidioidomicose, hanseníase e câncer espinocelular. G) Tratamento G.1) Itraconazol - 100-200mg por dia - não ingerir com leite, de preferência com suco de laranja. - importante dosar as transaminases (0-15-45-75). - adquirido por verba para medicações especiais da Vigilância.- deve-se suspender estatinas, devido ao risco de rabidomiólise. G.2) Terbinafina - 250mg por dia. - alternativa para hepatopatas. G.3) Solução Saturada de Iodeto de Potássio: iniciar 5 gotas 3 vezes ao dia até 20 gotas 3 vezes ao dia. G.4) Anfotericina B *grávidas: devem realizar tratamento através de crioterapia, curetagem e anfotericina B desoxicolato após 12 semanas de gestação. H) Prevenção - tratar o gato. - evitar contato físico com o gato infectado. - manter o gato em ambiente restrito. - utilizar EPIs durante trabalhos como jardinagem. *orientações para um tutor de felino: o gato saudável não transmite esporotricose; a esporotricose tem cura; é recomendado restringir o acesso do gato infectado à rua; utilizar caixa de transporte plásica e não de madeira; o gato doente precisa ser isolado, de preferência num local seguro, arejado e de fácil higienização; as carcaças dos animais não podem ser enterradas, elas precisam ser cremadas; existem outras fontes de contaminação com fungo, lembrando que ao manipular terra/plantas/madeiras é necessário utilizar equipamentos de proteção. 2. Lobomicose; Lacaziose; Micose de Jorge Lobo; Blastomicose amazônica; miraip, piraip ( aquilo que arde, que queima); falsa lepra - agente etiológico: Lacazia loboi - outras denominações: Glenosporella loboi, Paracoccidioides loboi e Loboa loboi. - descrita por Lobo em 1931, em Recife (PE). - epidemiologia: via de infecção traumática; a doença é típica da região amazônica; acomete seringueiros, mateiros e garimpeiros. - distribuição geográfica: Bacia Amazônica como área endêmica, atingindo Brasil, Equador, Venezuela, Guiana, Suriname, Bolívia, Peru, Colômbia e outros países da América Latina. - risco de infecção através de viagem a países onde a doença é endêmico, apresentando manifestação de lesões de curso muito longo, anos após a infecção. A) Manifestações clínicas - lesão queleiforme no pavilhão auricular, membros superiores e inferiores. - lesões papulosas, tuberosas, com aspecto tumoral ou formando placas. - lesões brilhantes e lisas semelhantes à quelóide. - localizam-se em áreas expostas, principalmente no pavilhão auricular. - isoladas ou confluentes, formando massas multilobuladas. - lesões ulceradas ou não. - apresentam evolução crônica. - lesões semelhantes em golfinho de água doce (Sotalia guianensis) e salgada (Tursiropsis truncatus): lesões ulcero-crostosas nas regiões cefálica, dorsal e caudal. B) Diagnóstico laboratorial - material clínico: fragmento de tecido, secreção e biópsia. - diagnóstico por exame direto por KOH ou calcoflúor, pois o agente é de difícil cultivo. - método: impregnação pela prata (Grocott-Gomori). - o fungo pode se apresentar isolado ou em cadeia, com três, quatro ou mais gemulações. - células leveduriformes uniformes de membrana bi-refringente. - reprodução catenular: blastoconídios em cadeia. - histopatologia: corados com hematoxilina-eosina ou Grogott-Comori. Presença de corpúsculo asteróide e estruturas arredondadas de duplo contorno. C) Terapêutica empregada - remoção cirúrgica. - criocirurgia: pode apresentar recindivas. - antifúngicos como itraconazol, cetoconazol e fluconazol não têm resultados satisfatórios. - terapêutica de apoio: antiinflamatórios. 3. Rinosporidiose - agente etiológico: Rhinosporidium seeberi. - é uma doença transmitida por um protozoário aquático, porém essa doença é estudada pela micologia, pois, por muito tempo, esse agente foi considerado fungo. - epidemiologia: a doença existe na Índia e no nordeste brasileiro; acomete 4 vezes mais os homens que as mulheres; mais freqüente entre 20 e 35 anos de idade. - fontes de infecção: ocasionam epitélio traumatizado devido contato com águas estagnadas, poços e açudes, e aquisição por banhos de imersão. Também ocorre transmissão pelo ar (poeira e tempestades de areia). - além do homem, cães, bovinos, equinos, gansos, e outros animais também podem ser acometidos. A) Manifestações clínicas - geralmente o motivo da consulta é por obstrução nasal, epistaxe, rinorreia, prurido e cefaléia. - acomete a mucosa nasal, conjuntiva e genitália. - lesões polipóides com pontilhado branco, que sangram com facilidade, quase sempre unilaterais. - quando acomete a conjuntiva, origina corpo estranho, lacrimejamento e hemorragia. B) Diagnóstico laboratorial - materiais clínicos para exame: biópsia dos pólipos ou swab de secreções. - diagnóstico: exame direto por KOH 10 a 40%. - histopatologia: HE (hematoxilina-eosina) ou Grocott-Gomori. - método: microscopia em parasitismo. - o agente apresenta estruturas esféricas de parede espessa (duplo contorno) contendo endósporos (hoje chamados de cistos com trofozoítas). C) Tratamento - cirúrgico com cauterização. - recindivas das lesões são freqüentes. 4. Cromomicose (cromoblastomicose) - destaca-se na população rural por sua morbidade. - apresenta evolução clinica lenta, produz deformidade e impotência funcional do membro, levando a incapacitação permanente para o trabalho. - também conhecida como “figueira” ou “formigueiro”. - afeta mamíferos com: lesões nodulares subcutâneos localizados, raramente disseminados; nódulos flutuantes à palpação; podem ulcerar. - também acomete cães, gatos, equinos, bovinos e caprinos. - fontes de infecção: através da inoculação traumática no contato com solo. Acredita-se que a doença também pode acometer anfíbios (no Brasil em especial a espécie Rana catesbeiana), através de evidências via cutânea e aerógena. A) Diferenças entre feohifomicose e cromoblastomicose - localização: a feohifomicose pode ser cutânea, subcutânea e sistêmica, enquanto a cromoblastomicose só possui formas cutânea ou subcutânea. - etiologia: a feohifomicose é causada por agentes dos gêneros Alternaria, Cladosporium, Drechslera, Curvularia, Phialophora e outros 18 gêneros. Já a cromoblastomicose envolve os gêneros Cladosporium, Phialophora, Fonsecaea e Rhinocladiella. - elementos fúngicos à histopatologia: a feohifomicose apresenta hifas marrom-claro, curtas ou longas, ramificadas ou não, células esféricas ou em cadeia, septadas ou não. Já a cromoblastomicose apresenta células muriformes, algumas vezes acompanhadas de formas filamentosas. B) Etiologia - família Dematiaceae: são fungos demáceos. - filamentosos saprófitas no solo. - infecção ocorre por inoculação traumática e é mais freqüente em trabalhadores rurais. - principais agentes: Fonsecaea pedrosoi (mais importante no Brasil); Fonsecaea compacta; Phialophora verrucosa; Cladosporium carrionii; Rhinocladiella aquaspersa. C) Manifestações clínicas - lesões cutâneas nos membros inferiores localizadas na perna, dorso do pé, pé e dedos do pé. - lesões cutâneas nos membros superiores localizados no braço, antebraço e mão. - lesão inicial origina pápula pruriginosa vários meses após a inoculação, que cresce lentamente podendo se transformar em placas eritemoescamosas ou lesões noduloverrucosas. - pode ocorrer disseminação linfática e provavelmente hematogênica. - o tecido fibroso cicatricial em grande parte do membro gera incapacidade funcional. - pode, por continuidade, afetar os ossos. D) Diagnóstico laboratorial - material clínico: pontos negros dérmicos, escamas, crostas, material purulento, exsudato, biópsia. - diagnóstico: exame direto por fita adesiva. - exame micológico direto: através de KOH 10 a 40%. A presença de corpos muriformes (também chamados de corpos fumagóides ou células escleróticas) constitui a principal indicação de cromoblastomicose. - histopatológico: por coloração HE. O exame histopatológico é de grande importância, pois partes mais profundas da pele são retiradas por biópsia. As estruturas observadas são as mesmas do exame direto (corpos muriformes). - cultura: após 4 semanas, na macromorfologia observa-se pouca ou nenhuma característica diferencial das espécies. - cultivo em meio de Sabouraud a 25°C: fungos filamentosos negros, de aspecto aveludado que podem escurecer o meio. A macroscopia da cultura pode apenas sugerir. - microcultivo: a micromorfologia é fundamental na determinaçãodo gênero/espécie. * “black-dots”: crostas sero-hemáticas com riqueza de fungos. · Tipo cladospório: conídios formando tranças e presença de disjuntores. · Tipo rinocladiela: conídios implantados ao longo do conidióforo (aspecto de “algodão doce”). · Tipo fialófora ou fiálide: hifas septadas e demáceas, fiálides em forma de “jarro de flores” ou “pino de boliche”. E) Terapêutica empregada - remoção cirúrgica. - termoterapia tópica (45-55°C). - crioterapia. - melhores resultados, mas não ideais: Itraconazol (200 – 400 mg por 6 meses até vários anos) + crioterapia ou termoterapia.
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