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houver um meio de apresentarmos a· teoria de forma a ela colocar-se com~ combinação de uma parte suscetível de prova e uma parte não suscetível de prova, saberemos, naturalmente, ser então possível eliminar um de seus com- ponentes metafísicos. O parágrafo anterior desta nota pode ser tomado como ilustração de outra regra de método (c/. fim da nota *5, da seção 80): depoi~ _de have~ feito al~ma crítica a uma teoria rival, devemos empenhar-nos numa sena tentativa de aphcar a mesma crítica, ou crítica similar, à nossa. própria teoria. 90 Mais resumidamente, poderíamos apresentar o ponto dizendo: uma teoria é falseável se não estiver vazia a classe de seus falseadores potenciais. Cabe acrescentar quê uma teoria só faz asserções acerca de seus falseadores potenciais. (Assevera-lhes a falsidade.) Acerca dos enun- ciados básicos "permitidos", nada diz a teoria. Em particular não afirma que eles sejam verdadeiros. *2 ' 22. FALSEAJULIDADE E FALSIFICAÇÃO Importa distinguir claramente entre falseabilidade e falsificação. Introduzimos a falseabilidade apenas como um critério aplicável ao caráter empírico de um sistema de enunciados. Quanto à falsifi- cação, deveremos introduzir regras especiais que determinarão em que condições um sistema há de ser visto como falseado. Dizemos que uma teoria está falseada somente quando dispomos de enunciados básicos aceitos que a contradigam ( cf. seção 11, regra 2 ) . Essa condição é necessária, porém não suficiente; com efeito, vimos que ocorrências particulares não suscetíveis de reprodução carecem de significado para a Ciência. Assim, uns poucos enunciados básicos dis- persos, e que contradigam uma teoria, dificilmente nos induzirão a rejeitá-la como falseadà: Só a diremos falseada se descobrirmos um efeito suscetível de reprodução que refute a teoria. Em outras palavras, somente aceitaremos o falseamento se uma hipótese empírica de baixo nível, que descreva esse efeito, for proposta e corroborada. A essa espécie de hipótese cabe chamar de hipótese falseadora. 1 A exigência de que a hipótese falseadora seja empírica e, portanto, falseável, signi- (*2) Em verdade, muitos dos enunciados básicos "permitidos" se contra- dirão mutuamente, em presença da teoria ( cf. seção 38). Por exemplo, a lei universal "todos os planetas movem-se em círculos" (isto é, "qualquer conjunto de posições de qualquer planeta é c<Kircular") é "exemplificada" trivialmente por qualquer conjunto de não mais que três posições de um planeta; contudo, duas dessas "exemplificações", em conjunto, contradirão a lei, na maioria dos casos. ( 1 ) A hip6tese falseadora pode ser de nível de universalidade bem baixo (obtida, por assim dizer, através da generalização das coordenadas individuais de um resultado de observaÇão; como exemplo, eu poderia citar o assim chamado "fato" de Mach, a que aludi na seção 18). Ainda que a hip6tese falseadora deva ser intersubjetivamente suscetível de teste, não é preciso que se constitua em enunciado estritamente universal. Assim, para falsear o enunciado "todos os corvos são negros", bastaria o enunciado intersubjetivamente suscetível de teste de que, no jardim zoológico de Nova Iorque existe uma família de corvos brancos. 91 f . que ela deve colocar-se em certa relação lógica para com 1ca apenas . • · d' · ' eis enunciados básicos; contudo, essa extgencta apenas IZ respetto posstv . . d h' , d r à forma lógica da hipótese. O requlSlto e q~e a tpot~se eva se corroborada refere-se a testes a que ela tenha stdo submetida - testes que a confrontam com enunciados básicos aceitos. *1 Dessa maneira, os enunciados básicos desempenham dois p~péis diferentes. De uma parte, utilizamos o sistema de todos os enunct~dos básicos, logicamente possíveis, para, com o auxílio deles, conseg~tr a caracterização lógica por nós procurada - a da forma dos enunctados empíricos. De outra parte, os enunciados básicos aceito~ consti,t~em 0 fundamento da corroboração de hipóteses. Se os enunctados bastcos aceitos contradisserem uma teoria, só os tomaremos como propiciadores de apoio suficiente para o falseamento da teoria caso eles, concomi- tantemente, corroborarem uma hipótese falseadora. * Tudo isso mostra a urgência de substituir uma h~~tese f~lseada por outra melhor. Na maioria dos casos, antes de falsear uma h1~tese, dlspott;~os de <?utra, pois 0 experimento falseador é, normalmente, um, exper!mento cr~ctal, d;st~nado a decidir entre as duas. Em outras palavras, ele e sugerido pela clr~nstancia de as duas hipóteses diferirem sob algum aspecto; e recorre a essa diferença para refutar (pelo menos) uma delas. ( *1) Essa referência a enunciados básicos aceitos pode parecer inclui.r os germes de uma regre~são infi!lita. Com efeito, no~so _problema atual é. o seguu~te: desde que uma hipotese seJa falseada pela acettaça~ ~e um enun~1ado ~á~1co, tornam-se necessárias regras metodológicas para a acettaçao ~e enuncza_dos bas~cos. Ora, como essas regras . se referem, por sua_ v~, .a . enunciados básicos ~cettos, podemos ver-nos envolvidos em uma regr~sao m~ntt~. A essa observaça'? r:_s- pondo dizendo que as regras de que precisamos sao simples regras de ace1taçao dos enunciados básicos que falseiam uma hipótese:, ~ubmetida a tes.te e q'!e. se mostra, até o momento, satisfatória; e não é necessar1? qu~ os enunciados basicos aceitos, a que a regra recorre, tenham esse cará~er. Alem d1sso, ~ regra apresentada no texto está longe de ser exaustiva; .ela me~c~ona apenas u!TI lmporta~te, aspecto, relacionado com a aceitação de enunciados bas1cos que falseiam ~ma h1potese ~oh outros aspectos satisfatória. A questão será aprofundada no capitulo v, especial- mente na seção 29. O professor J. H. Woodger, em comunicação pessoal, l~vantou a questã<?: com que freqüência um efeito deve ser realmente reproduzido para que seJa um "efeito reproduzível" (ou uma "descoberta")? A .resposta é: em alguns casos nem mesmo uma vez. Se afirmo que há uma famíha de corvos brancos no zoológico de Nova Iorque, assevero algo que, em princípio, pode ser obje~o de prova. Se alguém quiser efetuar a prova e for informado de que a famfl1a. de corvos pereceu, ou que dela jamais se ouviu falar, cabe a essa pessoa aceitar ou rejeitar meu enunciado básico falseador. Em geral, ela terá me1os de. formar uma opinião através do exame de testemunhas, documentos, etc., ou se)~, ape- lando para ~utros fatos reproduzíveis e intersubjetivamente comprováveis ( d. seções 27-30). 92 23. OcoRRÊNCIAs, EvENTOS O requisito de falseabilidade - que de início mostrava-se um tanto vago - dividiu-se agora em duas porções. A primeira, o postu- lado metodológico ( cf. seção 20), dificilmente poderá assumir feição precisa. A segunda, o critério lógico, torna-se definido tão logo se torna claro a que enunciados denominar "básicos" ( cf. seção 28). Esse critério lógico foi até agora apresentado, de maneira algo formal, como uma relação lógica entre enunciados - entre a teoria e os enunciados básicos. Talvez as questões se esclareçam e se tornem mais intuitivas caso eu expresse agora meu critério em linguagem mais "realista". Embora exprimi-lo nessa linguagem seja equivalente a exprimi-lo de maneira formal, talvez esteja mais perto da linguagem comum. Segundo esse ângulo "realista", podemos dizer que um enunciado singular (um enunciado básico) descreve uma ocorrência. Em vez de falar de enunciados básicos que são rejeitados ou proibidos por uma teoria, podemos dizer que a teoria rejeita certas ocorrências possíveis e que ela se falseará caso essas possíveis ocorrências de fato se mani- festarem. O uso dessa expressão vaga, "ocorrência", talvez exponha-se a crítica. Tem-se dito algumas vezes 1 que expressões tais como "ocor- rência" ou "evento" d~eriam ser completamente banidas do discurso epistemológico e que não deveríamos falar de "ocorrências" ou "não- -ocorrências", ou da "manifestação" de "eventos", mas falar da verdade ou falsidade de enunciados.