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2013 Sociologia crítica Prof. Pedro Fernandes Leite da Luz Prof.ª Katja Junqueira Bohmann Copyright © UNIASSELVI 2013 Elaboração: Prof. Pedro Fernandes Leite da Luz Prof.ª Katja Junqueira Bohmann Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 301 L979s Luz, Pedro Fernandes Leite da Sociologia crítica / Pedro Fernandes Leite da Luz; Katja Junqueira Bohmann. Indaial : Uniasselvi, 2013. 204 p. : il ISBN 978-85-7830-771-4 I. Sociologia. 1.Centro Universitário Leonardo da Vinci. 2. Luz, Pedro Fernandes Leite da. III apreSentação Prezado(a) acadêmico(a)! Nesta disciplina contemplaremos o campo da Sociologia Crítica, importante desenvolvimento da Sociologia e produto da sua história. Tem por base a Teoria Crítica, métodos próprios e um interesse específico num aspecto determinado da vida social, como veremos em nosso curso. Veremos assim como a Sociologia Crítica se insere na tradição sociológica e quais suas especificidades, sua abordagem própria aos fenômenos de interesse da disciplina, o foco do olhar da Sociologia Crítica e as contribuições que este tipo de trabalho trouxe à Sociologia como um todo. Na primeira unidade, nós examinaremos como se deu a gênese da Teoria Crítica: os acontecimentos históricos ligados ao seu desenvolvimento, as teorias e pensadores que a informaram, a história do lugar de sua elaboração, no caso o Instituto de Pesquisa Social, e analisaremos dois momentos em que a Teoria Crítica teve impacto sobre a sociedade. Assim poderemos ter uma ideia de como a Teoria Crítica dialogou com seu tempo, tanto em relação aos fatos quanto às ideias, e quais os impactos que esta teve no mundo à sua época. Na segunda unidade, veremos mais a fundo o pensamento e as contribuições específicas dos primeiros teóricos que elaboraram e refinaram a Teoria Crítica e dos pesquisadores associados ao Instituto de Pesquisa Social que contribuíram para este campo de pensamento. Deter-nos-emos também sobre os novos rumos dados à Teoria Crítica pelos mais recentes intelectuais da área. Assim nos familiarizaremos com a Teoria Crítica, seu alcance, objetivos e avanços que trouxe ao pensamento acerca do social, especialmente no que tange aos teóricos que a construíram, refinaram e modificaram, a partir de seus trabalhos. Na terceira unidade, analisaremos como presentemente se apresenta a Sociologia Crítica, tendo por base suas atuais reflexões que estão em continuidade com o foco da Teoria Crítica, como a cultura de massa e o aparato ideológico da sociedade. Veremos o desenvolvimento brasileiro da Sociologia e, por fim, a questão do pensamento crítico e a educação e os direitos humanos na atualidade. IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! Desta forma poderemos mapear o legado da Teoria Crítica, os reparos que foram feitos a ela, o diálogo que se estabeleceu com a mesma e seus desdobramentos na atualidade. Assim, através desta caminhada, pretendemos levar você, acadêmico(a), a compreender como a Sociologia Crítica surgiu na Sociologia, qual sua fundamentação teórica e contribuição teórico-metodológica específica, qual o foco de interesse deste campo de conhecimento e como ele contribuiu para o entendimento de questões próprias de nosso tempo e sociedade. Esperamos com isso contribuir de maneira significativa para a visão das possibilidades de alcance da teoria sociológica a partir de um enfoque específico que se desenvolveu no bojo desta. Bons estudos e sucesso na sua vida acadêmica! Prof. Pedro Fernandes Leite da Luz Prof.ª Katja Junqueira Bohmann NOTA V VI VII UNIDADE 1 – NASCIMENTO E HISTÓRIA .................................................................................... 1 TÓPICO 1 – RAZÕES HISTÓRICAS DA GÊNESE E DESENVOLVIMENTO DA “TEORIA CRÍTICA” ........................................................................................................................... 3 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 3 2 ACONTECIMENTOS DECISIVOS .................................................................................................. 6 3 CONTINUIDADE TEÓRICA ............................................................................................................. 18 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 29 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 30 TÓPICO 2 – A ESCOLA DE FRANKFURT......................................................................................... 33 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 33 2 HISTÓRIA DO INSTITUTO DE PESQUISAS SOCIAIS ............................................................ 33 3 O PROJETO DA TEORIA ................................................................................................................... 44 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 46 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 48 TÓPICO 3 – IMPACTOS E DESDOBRAMENTOS DA “TEORIA CRÍTICA” ........................... 49 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 49 2 O CAMPO DO MOVIMENTO SOCIAL À ÉPOCA DA FUNDAÇÃO E NOS PRIMEIROS ANOS DO INSTITUTO DE PESQUISAS SOCIAIS ..................................................................... 50 3 O MOVIMENTO ESTUDANTIL DO FINAL DA DÉCADA DE 60 E OS TEÓRICOS CRÍTICOS .............................................................................................................................................. 54 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 58 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................60 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 61 UNIDADE 2 – O PENSAMENTO......................................................................................................... 63 TÓPICO 1 – PRINCIPAIS TEÓRICOS DO CAMPO ....................................................................... 65 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 65 2 HORKHEIMER (1895-1973) E A PROPOSTA DE UMA TEORIA CRÍTICA ............................ 66 3 ADORNO (1903-1969) E O REFINAMENTO DA TEORIA .......................................................... 76 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 87 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 88 TÓPICO 2 – AS CONTRIBUIÇÕES DOS PESQUISADORES ASSOCIADOS .......................... 89 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 89 2 MARCUSE, AS POSSIBILIDADES DE LIBERTAÇÃO DO SER HUMANO E A AMEAÇA DA UNIDIMENSIONALIDADE ....................................................................................................... 90 3 WALTER BENJAMIN E A ARTE ....................................................................................................... 101 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 116 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 117 Sumário VIII TÓPICO 3 – OS NOVOS RUMOS DA TEORIA CRÍTICA ............................................................ 119 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 119 2 HABERMAS (1929-...) E A QUESTÃO DA IDEOLOGIA ............................................................. 119 3 O EXERCÍCIO CRÍTICO DA RAZÃO COMUNICATIVA .......................................................... 127 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 135 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 137 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 138 UNIDADE 3 – O LEGADO DA SOCIOLOGIA CRÍTICA .............................................................. 139 TÓPICO 1 – A SOCIOLOGIA CRÍTICA E A CONTEMPORANEIDADE .................................. 141 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 141 2 OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA E A CRÍTICA .................................................... 142 3 A QUESTÃO DA CULTURA COMO PROBLEMA SOCIOLÓGICO........................................ 152 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 158 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 161 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 162 TÓPICO 2 – REPERCUSSÕES LATINO-AMERICANAS DA SOCIOLOGIA CRÍTICA ......... 163 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 163 2 FLORESTAN FERNANDES E A SOCIOLOGIA NO BRASIL .................................................... 164 3 AS MUDANÇAS SOCIAIS SOB O PARADIGMA DA SOCIOLOGIA CRÍTICA ................. 170 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 181 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 182 TÓPICO 3 – PENSANDO A CIDADANIA ........................................................................................ 183 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 183 2 SOCIOLOGIA CRÍTICA: FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS ..................................................... 184 3 PENSAMENTO CRÍTICO NA EDUCAÇÃO COMO FORMAÇÃO PARA A CIDADANIA ........191 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 197 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 200 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 201 REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................... 203 1 UNIDADE 1 NASCIMENTO E HISTÓRIA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS Esta unidade tem por objetivos: • apresentar a Sociologia Crítica e como esta se insere na tradição sociológi- ca; • traçar um panorama dos fatos e ideias que moldaram a Teoria Crítica; • descrever a história do Instituto de Pesquisa Social e o projeto da teoria ali desenvolvida; • analisar dois momentos históricos em que a Teoria Crítica impactou a so- ciedade. Esta unidade está dividida em três tópicos. Ao final de cada um deles, você encontrará atividades que o(a) ajudarão a fixar os conhecimentos adquiridos. TÓPICO 1 – RAZÕES HISTÓRICAS DA GÊNESE E DESENVOLVIMENTO DA “TEORIA CRÍTICA” TÓPICO 2 – A ESCOLA DE FRANKFURT TÓPICO 3 – IMPACTOS E DESDOBRAMENTOS DA “TEORIA CRÍTICA” 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 RAZÕES HISTÓRICAS DA GÊNESE E DESENVOLVIMENTO DA “TEORIA CRÍTICA” 1 INTRODUÇÃO Entre todas as ciências sociais, a Sociologia, que pretende estudar o ser humano e os fenômenos socioculturais como um todo, é a que mais deve seu projeto à modernidade. Entendemos a modernidade aqui como o resultado das transformações sociais, políticas, econômicas e culturais que se configuram a partir do século XVII, e que levaram, entre outras características da sociedade moderna, à confiança na razão e na experiência, à instituição da economia de mercado e à ideia de indivíduo livre, autônomo, autocontrolado e reflexivo, próprias de nós atualmente. Propondo-se ser o conhecimento objetivo da realidade social e fundando- se na análise da sociedade sob a dupla perspectiva de compreendê-la como uma totalidade que está acima dos indivíduos e quais seus efeitos sobre eles, tendo que explicar a tensão no indivíduo que há no fato do corpo social ao mesmo tempo constrangê-lo e formá-lo, a Sociologia é resultado do processo de crescente racionalização e positivação do mundo. Este processo é constitutivo da própria ciência que a levou a ser o discurso dominante da sociedade moderna. Relaciona-se o mesmo ao projeto dos filósofos iluministas que, apesar da heterogeneidade dos pensadores que contribuíram neste movimento cultural do século XVIII, tinham em comum a confiança na razão como capaz de solucionar os problemas da existência e da vida prática, e desta forma poder conhecer a realidade e nela intervir para o bem comum. UNIDADE 1 | NASCIMENTO E HISTÓRIA 4 FIGURA 1 – FILÓSOFOS ILUMINISTAS FONTE: Disponível em: <http://www.brasilescola.com/historiag/iluminismo2.htm>. Acesso em: 24 jun. 2013. Liga-se este ainda ao mito do progresso, produto do sucesso das ciências exatas (especialmente nos ramos da química, física, matemática e engenharia) durante a Revolução Industrial, que levou à noção de valorização do método científico, baseado em fatos e na experiência, e na quase sacralização deste no século XIX. FIGURA 2 – FÁBRICA FONTE: Disponível em: <http://www.fuvest2014.com/2013/04/historia- revolucao-industrial.html>. Acesso em: 24 jun. 2013. Estando seus primeiros teóricos comprometidos com o processo de crescente racionalização e positivação do mundo, de que falávamos, e sendo um ramo tardio da ciência, a Sociologia começa a ocupar os espaços acadêmicos quando o capitalismo é já uma realidade e a burguesia está consolidada como classe dominante, impondo sua ideologia, o discurso científico. Inicialmente, a disciplina atendia às demandas da ordem estabelecida pelo Estado moderno, propondo modelos teóricos que permitiam a promoção de uma engenharia social voltada para o controle e imposição das normas sociais aos cidadãos. TÓPICO 1 | RAZÕES HISTÓRICAS DA GÊNESE E DESENVOLVIMENTO DA “TEORIA CRÍTICA” 5 Por outro lado, ao expor a artificialidade e arbitrariedade das instituições sociais, que o status quo proclama serem objetivamente necessárias e racionais, a Sociologia, relativizando a ordem social, abre espaço para o pensamento crítico. De fato, este campo de ideias, a partir de uma fecunda contribuição de filósofos marxistas, foi capaz de produzir um conhecimento que fez a crítica daqueles valores anunciados pelo Iluminismo, a saber: a razão e o positivismo científico, e da sociedade que os produziram. A Sociologia Crítica, denunciando as contradições do sistema capitalista e procedendo através de uma dialética negativa, tal como explicitada por Adorno (filósofo e sociólogo alemão, um dos principais teóricos da Escola de Frankfurt e que viveu de 1903 a 1969), onde há a separação entre sujeito e objeto, conceito e coisa, real e racional e que não permite síntese (como na dialética hegeliana), se constitui numa filosofia contestadora, numa crítica à sociedade presente, e propõe um modelo utópico de sociedade, onde o indivíduo desalienado seja verdadeiramente livre, modelo este que se destina a ter o papel de estimular mudanças radicais na sociedade atual (ABBAGNANO, 2007, p. 1128). FIGURA 3 – ADORNO EM SEU GABINETE FONTE: Disponível em: <http://cultura.culturamix.com/personalidades/ filosofos/adorno-theodor>. Acesso em: 24 jun. 2013. Para entender este campo do conhecimento, as ideias e ideais que traz e como se insere na tradição sociológica, devemos traçar o caminho de sua gênese e posteriores desenvolvimentos. Inicialmente, faz-se necessário lançar um olhar sobre a produção intelectual do Instituto de Pesquisa Social, fundado na Alemanha em 1923, na figura das obras e ideias de seus membros e colaboradores, que desenvolveram inicialmente a Teoria Crítica e que constituíram aquele pensamento que é chamado de “Escola de Frankfurt”. UNIDADE 1 | NASCIMENTO E HISTÓRIA 6 Neste primeiro tópico da Unidade 1, explicitaremos os fatos históricos que se relacionam com a contribuição ao campo do pensamento social deste grupo de pensadores e ainda as influências que eles receberam dos pensadores que os precederam na reflexão sobre a dimensão social da existência. 2 ACONTECIMENTOS DECISIVOS Nas ciências humanas, para termos a exata dimensão de uma teoria, ou de um campo de ideias nestas, faz-se necessário um olhar sobre o período histórico quando de seu nascimento e desenvolvimento. Tanto mais possa o pesquisador situar, e correlacionar, o pensamento analisado em relação às condições sociais, políticas e econômicas quando do seu aparecimento, que sejam explicativas deste e da dinâmica que leva ao seu apogeu, posterior ocaso e consequentes releituras e retomadas, melhor para a compreensão do mesmo, este será nosso esforço aqui. Para entendermos, portanto, o impacto e consequências da Teoria Crítica no campo das Ciências Sociais e da Filosofia, voltemo-nos inicialmente para os acontecimentos na história que possam lançar luzes sobre seu aparecimento e desdobramentos posteriores, procurando demonstrar como a teoria e seus formuladores afetaram e foram afetados por seu tempo. O que se passava então à época da constituição da chamada “Escola de Frankfurt”, que influenciou o grupo de pesquisadores e colaboradores do Instituto de Pesquisa Social e os levou a desenvolverem este olhar original (ainda que inserido na tradição do pensamento ocidental originado com os pensadores helênicos), sobre a sociedade de seu tempo? Devemos, primeiramente, nos voltar para a agitação política na Alemanha de após a Primeira Guerra Mundial, nos anos 20 e 30, do século XX. TÓPICO 1 | RAZÕES HISTÓRICAS DA GÊNESE E DESENVOLVIMENTO DA “TEORIA CRÍTICA” 7 FIGURA 4 – PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL FONTE: Disponível em: <http://www.clickestudante.com/a-primeira- guerra-mundial.html>. Acesso em: 24 jun. 2013. O modelo do Estado liberal e as ilusões de que o Estado não deveria intervir nas atividades econômicas tinham levado ao crescente monopólio da economia (resultando numa mudança de paradigma no capitalismo, representada por uma passagem de sua fase concorrencial, de caráter empresarial e de pequena escala, para a fase monopolista e imperialista do mesmo). Além disso, a guerra, terminada há pouco, havia deixado um legado de crise e desorganização da economia. UNI A Revolução Bolchevique, de inspiração marxista, havia tomado o poder pouco antes do fim da guerra na Rússia e dava os primeiros passos na construção de uma economia planificada e de um modelo de Estado de cunho socialista. UNIDADE 1 | NASCIMENTO E HISTÓRIA 8 FIGURA 5 – REVOLUÇÃO BOLCHEVIQUE FONTE: Disponível em: <http://www.blogadao.com/o-que-foi-a-revolucao- russa/>. Acesso em: 24 jun. 2013. Estes acontecimentos haviam convencido parte dos intelectuais alemães, dos meios universitários e do aparato burocrático do governo, das possibilidades concretas de se levar adiante uma socialização da economia e de se construir uma sociedade socialista para soerguimento da Alemanha, que sofria sob o forte impacto que a guerra causara. A Sociologia, nesta época, estava apenas começando a se consolidar no espaço acadêmico alemão e no começo dos anos 20 parecia natural às autoridades educacionais prussianas um centro de pesquisas onde o marxismo científico fosse aplicado ao desenvolvimento de pesquisas de cunho social, em larga extensão (WIGGERSHAUS, 2002, p. 51). Havia necessidade de uma produção intelectual voltada para a síntese, em oposição à crescente especialização da ciência, e isto favorecia o projeto político da Sociologia de diferentes matizes, até mesmo daqueles que procuravam atualizar o pensamento de Marx (filósofo, economista e historiador alemão que viveu de 1818 a 1883), visando à sua aplicação na Alemanha (WIGGERSHAUS, 2002, p. 51). NOTA Uma vez que a Sociologia, como vimos, trata do ser humano em suas dimensões econômicas, políticas, religiosas, éticas, artísticas etc., sendo uma ciência que contempla de maneira genérica todos os fenômenos e inter-relações humanas, transcende, portanto, o campo de atuação das disciplinas humanas específicas que limitam o seu objeto a um ou outro aspecto como a Economia, Política, Antropologia etc. (LAKATOS; MARCONI, 2006, p. 26). TÓPICO 1 | RAZÕES HISTÓRICAS DA GÊNESE E DESENVOLVIMENTO DA “TEORIA CRÍTICA” 9 FIGURA 6 – KARL MARX FONTE: Disponível em: <http://www.revistahistorien.com/marx- capitalismo.htm>. Acesso em: 24 jun. 2013. É neste quadro, portanto, que devemos situar e entender a fundação deste centro de pesquisa, o Instituto de Pesquisa Social onde teve berço a Teoria Crítica da sociedade. Ao final da década de 20, em 1929, ocorre a chamada “Grande Depressão”, uma grave crise do capitalismo, de grandes proporções, que gerou altas taxas de desemprego, significativas quedasna produção industrial, no produto interno bruto e em todos os indicadores econômicos de diversas nações por todo o mundo. Como forma de combater a crise, em 1933, o então Presidente Franklin Delano Roosevelt (que viveu de 1882 a 1945) propôs uma política conhecida como “New Deal”, onde o governo realizou uma série de investimentos na economia, de forma a diminuir o desemprego, criou agências governamentais de assistência e ajuda social e aprovou leis visando prevenir o surgimento do monopólio, entre outras intervenções estatais na economia. FIGURA 7 – FRANKLIN DELANO ROOSEVELT FONTE: Disponível em: <http://price4prez.wikispaces.com/ Franklin+Delano+Roosevelt>. Acesso em: 24 jun. 2013. UNIDADE 1 | NASCIMENTO E HISTÓRIA 10 Esta nova perspectiva de administração pública e de modelo de Estado lançou as bases para o desenvolvimento por Keynes, economista inglês que viveu entre 1883 e 1946, de uma teoria de organização estatal, dentro do capitalismo, onde o Estado interviria na economia, com os governos se valendo de políticas monetárias e fiscais para prevenir, ou mitigar, os efeitos das crises econômicas. FIGURA 8 – JOHN MAYNARD KEYNES FONTE: Disponível em: <http://colunas.cbn.globoradio.globo.com/ platb/miltonjung/2011/09/28/keynes-e-melhor-conhecer-o-cara/>. Acesso em: 24 jun. 2013. A partir daí então o Estado assume uma nova feição, chamada de “Welfare State”, ou Estado do Bem-Estar Social, onde, através da intervenção na economia e de políticas públicas, o Estado procura assegurar o pleno emprego e amparar socialmente os trabalhadores, provendo educação, saúde, auxílio aos desempregados, aposentadoria etc. A crise de 1929, a intervenção estatal na economia que decorreu da crise e o caráter neutralizador dos movimentos operários das políticas de amparo social, que se adotam a partir daí, confirmavam aos financiadores do projeto do Instituto de Pesquisa Social do acerto na sua fundação, e levou os pesquisadores ali em atividade a se colocarem em relação a estas questões. Como resultado da crise de modelo do Estado liberal o mundo havia conhecido a Primeira Guerra Mundial e sofrido as consequências da “Grande Depressão”. Se nos Estados Unidos, na Inglaterra e em outros países isto levou ao surgimento daquilo que nós chamamos de Estado de Bem-Estar Social, em alguns países europeus isto levou à implementação de modelos de organização estatal de cunho autoritário. No começo da década de 30, a Europa assiste à funesta ascensão, no plano político, de regimes autoritários de inspiração fascista e nazista, mais uma das consequências da falência do modelo do Estado liberal que havia levado à Primeira Guerra Mundial. TÓPICO 1 | RAZÕES HISTÓRICAS DA GÊNESE E DESENVOLVIMENTO DA “TEORIA CRÍTICA” 11 FIGURA 9 – MUSSOLINI E HITLER FONTE: Disponível em: <http://cursinhocnsc.blogspot.com. br/2008/12/entre-guerras-ascenso-do-fascismo-e-do.html>. Acesso em: 24 jun. 2013. Avessos a todos os outros setores de participação política na sociedade, especialmente aqueles de tendências socialistas e comunistas, inspirados por um nacionalismo radical, de cunho fortemente autoritário, baseados em modelos e princípios que apelavam para o tradicionalismo, pretendendo construir uma estrutura econômica integrada, multiclasse e regulada, tendo como base filosófica o idealismo e o voluntarismo, intencionando criar uma nova cultura secular, autodeterminada, fortemente calcada em uma estética própria que se funda em símbolos, bandeiras, estandartes e outros, de caráter místico e romântico, exaltando a violência e a dominação masculina, lançando mão da manipulação da histeria e medo das massas, para com isso conseguir sua militarização e total adesão ao projeto do regime (que se torna então o projeto da nação e da sociedade), os modelos dos regimes fascista e nazista rapidamente se espalharam por vários países da Europa e até da América do Sul. Era notória, porém, a rejeição tanto do conservadorismo de caráter elitista da direita tradicional no plano social, cultural e econômico, quanto do igualitarismo e internacionalismo da esquerda, clamando representar todas as classes da sociedade, especialmente as mais numerosas, mas sendo acusados pelos marxistas de defenderem os interesses dos setores mais reacionários, violentos e monopolistas da burguesia, os regimes de cunho nazifascista na realidade encontravam sua maior base de apoio na classe média baixa das sociedades onde prosperaram (especialmente funcionários públicos, militares e setores periféricos da intelectualidade de direita). A adesão dos trabalhadores urbanos, a face mais avançada do proletariado, mesmo na Itália e Alemanha, era mínima (PAYNE apud KUPER; KUPER, 1999, p. 291). UNIDADE 1 | NASCIMENTO E HISTÓRIA 12 Dificilmente se poderia minimizar o impacto da ascensão do nazismo na Alemanha sobre o Instituto de Pesquisa Social e seus pesquisadores e colaboradores. Ora, tratava-se de um centro de produção do pensamento marxista, onde a maioria dos pesquisadores tinha origem na alta burguesia judaica alemã! Como outros pensadores da época os colaboradores do Instituto de Pesquisa Social tiveram que refletir sobre o autoritarismo e outras questões ligadas ao nazismo, como veremos adiante. FIGURA 10 – PRISIONEIROS DE UM CAMPO DE CONCENTRAÇÃO NAZISTA FONTE: Disponível em: <http://www.barreirasnoticias.com/2013/04/horror-do- holocausto-em-fotografias.html>. Acesso em: 24 jun. 2013. Paralelamente à instalação de regimes totalitários de caráter nazifascista que se espalhava pelo mundo, no leste da Europa, como resultado da Revolução Russa, da formação da União Soviética e do processo de sucessão de seu líder, recém-morto, Lênin (que viveu de 1870 a 1926), o mundo assistia à época a uma progressiva burocratização do regime soviético e a instalação das políticas de Estado e práticas deste, propostas por Stálin (nascido em 1879, foi secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética e membro do Comitê Central a partir de 1922, até a sua morte em 1953), processo que ficou conhecido como stalinização. TÓPICO 1 | RAZÕES HISTÓRICAS DA GÊNESE E DESENVOLVIMENTO DA “TEORIA CRÍTICA” 13 FIGURA 11 – LÊNIN E STÁLIN FONTE: Disponível em: <http://www.history.com/photos/cold-war- communist-leaders/photo1>. Acesso em: 24 jun. 2013. A opção pela consolidação do socialismo na Rússia e a derrota da visão de Trotsky (que foi ministro para os Negócios Estrangeiros do regime soviético, criou e comandou o Exército Vermelho e foi membro do comitê executivo do Partido Comunista da União Soviética, tendo vivido de 1879 até 1940) de “Revolução Permanente”, que pregava a internacionalização da Revolução Russa e uma atitude de permanente confronto com o sistema capitalista (fomentando e apoiando as revoltas dos trabalhadores na Europa Ocidental e no mundo) levaram os partidos comunistas do Ocidente a adotar um caráter reformista. FIGURA 12 – TROTSKY FONTE: Disponível em: <http://www.marxists.org/archive/ trotsky/1930/mylife/>. Acesso em: 24 jun. 2013. A necessidade de implantação, a nível nacional, de uma economia planificada de larga escala e de caráter socialista havia resultado na produção na União Soviética de um vasto corpo burocrático (com membros cooptados às vezes até mesmo entre indivíduos sem compromisso com o ideário revolucionário e que, UNIDADE 1 | NASCIMENTO E HISTÓRIA 14 em alguns casos, tinham inclusive um passado de participação no regime czarista recém-deposto) e de todo um aparato político e social de caráter policial-militar, destinado ao controle social e político da sociedade, que restringia a liberdade dos cidadãos e os submetia a um rígido controle por parte do Partido Comunista, única via possível de participação e representação dos trabalhadores nos processos decisórios que os afetavam. Este quadro levou, na sociedade soviética, à constituição de uma estrutura administrativa que, por sua própria dinâmica de reprodução social, gerava privilégios para aquelessetores da elite da burocracia (burocracia esta criada no processo de socialização da sociedade russa) que eram encarregados pela redistribuição da riqueza gerada pela economia socialista, que se fomentava então, e pela pureza ideológica do regime. A elaboração da teoria marxista na Rússia, atendendo as diretrizes impostas por Stálin, serviu de justificativa para um processo de acelerada industrialização, através de um forte planejamento da economia e com a promoção de uma coletivização forçada no campo e que, vendo um problema para a questão de classe, na perspectiva da teoria de Marx, na discussão do papel do nacionalismo e da afirmação étnica, levou centenas de milhares de pessoas de diferentes povos dentro das fronteiras da URSS ao deslocamento forçado e à fome, entre outras violências cometidas pelo regime, incluindo aí o culto à personalidade de Stálin, a perseguição política feroz aos opositores do governo, com constantes e sangrentos expurgos de membros do próprio Partido Comunista, promovendo inclusive o assassinato de Trotsky no exílio. Estes acontecimentos citados, em relação à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) do período, repercutiram fortemente na produção de uma Teoria Crítica da sociedade elaborada à época no Instituto de Pesquisa Social, tendo em vista a formulação teórica proposta por este se pretender marxista e procurar manter independência em relação aos partidos comunistas, dado que eles se mostravam então largamente atrelados à perspectiva stalinista do pensamento de Marx. NOTA A elaboração da teoria marxista na Rússia foi introduzida por Plekhanov, no final do século XIX, pensador que, apesar de haver sido crítico da revolução bolchevique, teve suas obras publicadas e divulgadas pelo regime soviético. Teórico, ele destacava em seu trabalho “A Concepção Materialista da História”, Ed. Vitória, 1956, o papel fundamental no pensamento de Marx da primazia das relações de produção como determinantes das demais relações sociais entre os seres humanos, sendo as relações de produção condicionadas pelo estado das forças produtivas. TÓPICO 1 | RAZÕES HISTÓRICAS DA GÊNESE E DESENVOLVIMENTO DA “TEORIA CRÍTICA” 15 Outros acontecimentos históricos do período que se mostraram fundamentais para o entendimento da produção teórica da Sociologia Crítica foram a emergência e a crescente relevância da mídia de massa e da cultura de massa. Embora possamos traçar a origem da mídia de massa ao primeiro jornal impresso de larga circulação, já no século XVII, é a partir da década de 30 do século XX, com a introdução e disseminação de novas tecnologias audiovisuais, o que vinha ocorrendo desde meados do século XIX, que os teóricos do social se debruçam com mais atenção sobre este fenômeno. Podemos ligar a emergência e popularização da primeira expressão da mídia de massa, o jornal, ao processo de ascensão da burguesia à classe dominante, a quem este serviu em suas atividades políticas, culturais e comerciais. O jornal, de fato, foi um instrumento nas lutas políticas e econômicas desta classe social, promovendo o liberalismo econômico, o sistema de representação parlamentar constitucionalista, o centralismo burocrático e outros valores necessários às mudanças sociais e culturais ligadas à consolidação do capitalismo. FIGURA 13 – PRENSA DE JORNAL DO SÉCULO XIX FONTE: Disponível em: <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/ junho/dia-nacional-da-imprensa-8.php>. Acesso em: 24 jun. 2013. Os novos veículos da mídia de massa que foram se introduzindo, como o rádio, o cinema, a televisão etc., não diferiram neste aspecto, mas ampliaram ainda mais o alcance na disseminação da ideologia dominante e estenderam a diversidade da função social da mídia. Em razão desse processo, ela acaba por ser tornar uma nova instituição social. A mídia de massa, enquanto instituição capitalista, passa a ser encarregada da divulgação de mensagens culturais socialmente produzidas, obedecendo à lógica deste sistema econômico baseado no mercado. UNIDADE 1 | NASCIMENTO E HISTÓRIA 16 Isto se dá (a produção e distribuição destas mensagens) dentro dos limites de possibilidades dos grupos sociais que as realizam, constrangidos que são pela tecnologia, pela cultura e pelo controle da sociedade exercido por diversas instâncias (legais ou do costume). É preciso ainda que estas mensagens estejam em demanda por um grande número de indivíduos, uma vez que o caráter público da mensagem se articula com o anonimato do receptor das mensagens e sua liberdade de acessá-las ou não, ou seja, as mensagens são uma mercadoria. Encarada por alguns pensadores como impessoal, uniforme, anônima e nivelada por baixo em suas formulações, a mídia de massa sempre provocou desconfiança quanto às possibilidades de servir a manipulação da população, de ser capaz de submeter o indivíduo à vontade de interesses que lhe são estranhos e de levá-lo a adotar crenças e práticas ao bel prazer do emissor das mensagens veiculadas. Em termos cognitivos, o que aprendemos na mídia de massa hoje, de acordo com os especialistas na matéria, seria: o que é normal ou aprovado, o que é certo ou errado, o que esperar de um determinado indivíduo, grupo ou classe social e como devemos ver outras etnias, povos e nações, constituindo-se um importante instrumento de socialização na contemporaneidade. Além disso, a sociedade, as instituições sociais e os indivíduos presentemente mostram uma enorme dependência da mídia de massa. FIGURA 14 – A FAMÍLIA, ASSISTINDO TV, NÃO MAIS DIALOGA FONTE: Disponível em: <http://clarkkenty.blogspot.com.br/2011/01/ televisao.html>. Acesso em: 24 jun. 2013. É através da mídia que se acessam a informação e os serviços culturais, mediando uma vasta extensão de relações sociais, tanto entre os diferentes grupos que compõem a sociedade, quanto até mesmo entre Estados-Nações e blocos de nações (MCQUAIL apud KUPER; KUPER, 1999, p. 512). TÓPICO 1 | RAZÕES HISTÓRICAS DA GÊNESE E DESENVOLVIMENTO DA “TEORIA CRÍTICA” 17 A produção da cultura de massa está diretamente ligada à existência da mídia de massa e consiste numa massificação do discurso da ideologia dominante, adaptando-o a uma ampla variação de idades mentais e níveis de conhecimento, reduzindo-o a mensagens uniformizadas, de fácil entendimento e de acordo com o senso comum. Na visão de Lakatos e Marconi (2006, p. 117), a cultura de massa seria assim “[...] o resíduo de todas as mensagens em que há o predomínio da informação sobre a comunicação [...]”. Característica fundamental da cultura de massa é sua unidirecionalidade, sendo imposta aos indivíduos sem que haja a possibilidade de interferência destes no processo de sua produção. A cultura de massa assim não compartilha o saber, pois simplesmente veicula mensagens sem haver possibilidades de retorno do receptor. Estas mensagens consistem num discurso dirigido a todos indistintamente, discurso esse de caráter alienante e ordenador, sedimentando formas de saber destinadas a induzir condutas, motivações e ideologias, consumidas sem possibilidade de contestação ou reflexão por parte dos receptores. A massificação da cultura levaria assim a um engessamento da dinâmica criadora da arte, resultando na consagração e reificação de mitos, costumes e expressões, que são resultado da popularização de uma linguagem atrelada a um saber produzido em outros centros, na elite informadora, a uma massa receptora passiva. No debate desta questão chama-se a atenção para a relação estabelecida na simplificação e alienação que caracteriza a cultura de massa e a formação de um indivíduo, ele mesmo incapaz de realizar a crítica dos conteúdos disseminados por ela, idiotizado que está pela mediocridade da mesma. Preocupados que estavam com a relação que se dava entre as condições infraestruturais da sociedade, isto é, com a estrutura econômica, formada pelas relações de produção e forças produtivas, e o componente superestrutural da sociedade,especialmente no aspecto ligado à sua estrutura ideológica, a saber: a arte, a religião, a filosofia, o discurso científico e outros componentes semelhantes, a Teoria Crítica refletiu largamente sobre as questões colocadas e relativas ao papel da mídia de massa e da cultura de massa. Com isto acreditamos ter mapeado os principais acontecimentos da história que se relacionam com a produção do saber que levou à gênese da Sociologia Crítica através do Instituto de Pesquisa Social e aquilo que ficou posteriormente conhecido como “Escola de Frankfurt”. UNIDADE 1 | NASCIMENTO E HISTÓRIA 18 3 CONTINUIDADE TEÓRICA Agora é preciso ver quais as fontes e mananciais teóricos que informaram, não só o conteúdo e enfoque dos questionamentos colocados pela Teoria Crítica, mas que possibilitaram o nascimento deste discurso explicativo do humano e lhe deram limites e parâmetros. Quais os pensadores e com que teorias e conceitos eles colaboraram para a formação da Teoria Crítica serão o objeto de nossa atenção neste item. Primeiramente devemos voltar nosso olhar para o pensamento de Kant e aquilo que ficou conhecido como “criticismo kantiano”. Kant, filósofo nascido na Prússia e que viveu entre 1724 e 1804, produziu suas grandes obras, “A Crítica da Razão Pura”, “A Crítica da Razão Prática” e “A Crítica do Juízo”, entre os anos de 1781 e 1790, coincidindo com uma fase do Iluminismo onde se valorizava uma atitude crítica por parte do indivíduo, articulada que estava à independência, reflexão e capacidade de pensar por si próprio (através do livre exame fundamentado na realidade e não no estabelecido pela tradição), valores que eram promovidos pelos filósofos do movimento na época (ROHDEN apud REZENDE, 2005, p. 127). FIGURA 15 – KANT FONTE: Disponível em: <http://elamigodelasabiduria.blogspot. com.br/2013/06/imperativo-categorico.html>. Acesso em: 24 jun. 2013. Embora estivesse vinculado ao projeto iluminista, Kant, desenvolvendo o pensamento crítico, não reificou seu tempo como sendo o do ápice da razão, mas viu antes os limites das possibilidades desta mesma razão, uma vez que até esta deveria se submeter à crítica. TÓPICO 1 | RAZÕES HISTÓRICAS DA GÊNESE E DESENVOLVIMENTO DA “TEORIA CRÍTICA” 19 De fato, para Kant é fundamental que a razão seja submetida a uma análise crítica, como condição necessária para o exercício de sua liberdade, fator imprescindível à sua própria existência. Uma vez que, em última instância, o veredito da razão, na visão kantiana, é produto do consenso dos cidadãos livres, estes devem externar sem constrangimentos suas objeções e seus vetos a ela. A crítica à razão serviria assim como uma maneira de solucionar os conflitos da razão, instaurando um processo que impediria o desenvolvimento do dogmatismo e promoveria o debate esclarecedor das dúvidas e problemas da razão. Kant acredita na possibilidade da razão de livrar o ser humano da ilusão das crenças, opiniões e tradições, trazendo-lhe autonomia e possibilitando o exercício da liberdade. Preocupado que está na questão de como se dá o conhecimento, propõe uma síntese, na qual haveria, segundo ele, duas formas de se conhecer o real: uma empírica, fruto da experiência, e, portanto, a posteriori, ou seja, posterior à experiência, e outra independente dos sentidos, produto de uma operação racional do pensamento, e, desta forma, que precede a experiência, um conhecimento puro que se dá a priori, isto é, antes da experiência. Daí decorre que na visão kantiana existem limites para o conhecimento. Este resulta da relação entre o sujeito que conhece e que obedece a suas estruturas internas a priori, e o objeto do conhecimento, que é apreendido pelos sentidos, e, portanto, externo ao agente. Isto faz com que não possamos conhecer as coisas nelas mesmas, ou seja, o ser em si, mas somente as coisas tais como as percebemos, isto é, o ser para nós. Nosso conhecimento seria assim condicionado pelas nossas estruturas mentais, estas seriam de duas ordens: da experiência (formas a priori da sensibilidade, como o tempo e o espaço) e do entendimento (formas a priori do entendimento, a saber: as categorias que existem enquanto conceitos puros no entendimento, que serão as bases utilizadas para a emissão dos juízos de valor, consistindo em causa, necessidade, relação e outros.) (KANT, 1999, p. 35-67). Esta possibilidade aventada por Kant, da razão se desdobrar sobre ela mesma para realizar a sua própria crítica, foi fundamental para traçar os limites do alcance das elaborações teóricas do pensamento desenvolvido no Instituto de Pesquisa Social e nas reflexões que estes produziram sobre o Iluminismo e seu projeto ideológico. Outro pensador alemão, que contribuiu de maneira significativa com suas ideias na formação daquele pensamento que denominamos aqui de Teoria Crítica, foi Hegel, filósofo alemão que viveu entre 1770 e 1831. Tratemos agora de seu pensamento e dos conceitos que ele desenvolveu que formaram a produção intelectual da Escola de Frankfurt. UNIDADE 1 | NASCIMENTO E HISTÓRIA 20 FIGURA 16 – HEGEL FONTE: Disponível em: <http://transhumantraditionalism.blogspot. com.br/2013/04/interview-with-right-hegelian-summary.html>. Acesso em: 24 jun. 2013. Hegel criticava a visão de Kant, pelo seu ceticismo, expresso na ideia da impossibilidade de se conhecer as coisas em si. Hegel argumenta, em contraposição, que a verdadeira realidade é a razão, onde as contradições sujeito- objeto se integrariam, levando à unidade e universalidade do conhecimento (HEGEL apud ARANTES, 1999). Hegel procurava assim, através de uma razão idealizada, conciliar a filosofia com a realidade, fazendo do pensamento, na visão de Marcuse (sociólogo e filósofo alemão que viveu de 1898 a 1979), “um refúgio da razão e da liberdade”. (HEGEL apud ARANTES, 1999, p. 36). Hegel via o real como sendo racional, isto é, para ele haveria racionalidade na realidade, e a razão, por sua vez, possuiria realidade ou se confundiria com esta. Desta visão decorre a perspectiva hegeliana da história como resultado do espírito objetivo do ser humano, sendo este espírito a realização da liberdade dos sujeitos na sociedade e estando manifesto o mesmo no direito, na moral e na ética, comportando as instâncias da família, da sociedade e do Estado. A história consistiria, portanto, no desdobramento deste espírito no tempo e obedeceria aos ditames da razão, esta última busca sempre a liberdade, materializando assim os sucessivos acontecimentos. Sob esta perspectiva, Hegel via os conflitos, as guerras e injustiças como contradições da história, momentos negativos dentro da dialética que move a TÓPICO 1 | RAZÕES HISTÓRICAS DA GÊNESE E DESENVOLVIMENTO DA “TEORIA CRÍTICA” 21 história, e que representariam uma antítese necessária à produção de uma síntese, que seria sua superação. Para compreendermos esta visão, é preciso entender a concepção hegeliana da dialética, vista como a própria natureza do pensamento e expressão de como este procede. Para Hegel a dialética é a realidade do real, estando presente em todos os fenômenos e nas possibilidades de explicações de natureza científica para estes, consistindo num movimento formado por uma tríade composta pela formulação de uma tese, sua contraposição a uma antítese e a posterior produção de uma síntese que supera as duas anteriores. A realidade concebe Hegel como algo dotado de espírito, um sujeito, com vida própria e capacidade de atuar, entendê-la como tal seria perceber seu movimento e processo, enquanto devir. Este movimento se caracteriza pela especificidade de se dar através de contradições que se superam a si mesmas continuamente. Cada momento aparece, portanto, como consequência do anterior e determina o seguinte, através de contínuas superações e embates que geram a negação dos momentos anteriores. A realidade, desta forma, tem um dinamismo inerente, sendo feita de momentos que se contradizem mutuamente, mas sem perderem sua unidade,levando a um desenvolvimento contínuo, através da superação de suas contradições. A dialética hegeliana assim se configura como descritiva do movimento real das coisas procedendo em três etapas: o do ser em si, o do ser outro, ou fora de si, e o do ser para si, chamados de tese, antítese e síntese. Embora tido como idealista, Hegel estava interessado antes de tudo no fenômeno sociológico. Tentando usar a filosofia para expor a lógica da pretensão do ser humano moderno à liberdade e autorrealização, racionalizando o moderno Estado democrático, Hegel se configura como um dos mais importantes filósofos na constituição da moderna consciência europeia. Sua visão, acerca da civilização industrial e comercial, é profundamente crítica e bastante próxima de uma dialética proposta para desenvolver plenamente as contradições inerentes em todas as verdades parciais, aplicando-se a mesma não só ao pensamento, mas à própria realidade do que é pensado, o que reveste sua contribuição de importância para o desenvolvimento da Teoria Crítica. Entretanto é preciso perceber que a dialética hegeliana é reinterpretada por Marx, outro autor fundamental para a constituição da Teoria Crítica e de quem nos ocuparemos agora. De fato, Marx afirmava que sua dialética era não só diferente da hegeliana, como também era sua “antítese direta”. Apesar de louvar em Hegel por ter sido pioneiro em explicitar o método dialético, Marx chamava atenção para o fato de ser necessário evidenciar a racionalidade deste e afastar toda sua mistificação. UNIDADE 1 | NASCIMENTO E HISTÓRIA 22 FIGURA 17 – MARX QUANDO JOVEM FONTE: Disponível em: <http://rafazanatta.blogspot.com. br/2010/11/o-jovem-marx-e-questao-dos-direitos.html>. Acesso em: 24 jun. 2013. Marx, ao contrário de Hegel, acreditava que a dialética não deve servir à legitimação e à ordem existente, mas antes levar à compreensão das possibilidades de negação e, portanto, de superação que se coloca à realidade, em função desta negação. Em Marx a história não caminha por si só em razão do espírito objetivo da humanidade (como em Hegel), mas antes é produto das atividades dos seres humanos em busca de suas metas. É, pois, a dialética, tal como concebida por Marx, que permite a compreensão do movimento da história. Ela se move como resultado da ação dos seres humanos (ação esta que interfere no processo histórico) e das contradições inerentes a suas diferentes etapas, uma vez que no pensamento marxista cada etapa histórica traz em si o germe de sua transformação, na figura da luta de classes. Marx vê na luta de classes (o conflito inerente entre as classes antagônicas que constituem uma dada sociedade) como o motor da história. Compreendendo a história a partir das condições materiais dos indivíduos que compõem a sociedade, e vendo estes indivíduos como produto das relações sociais, relações sociais estas que são determinadas pela maneira concreta pela qual os seres humanos transformam a natureza através do trabalho e produzem os meios necessários para sua reprodução, Marx desenvolve uma perspectiva chamada de Materialismo Histórico. A este conceito articula-se o postulado básico do pensamento marxista, que consiste no determinismo econômico, pelo qual decorre serem as condições econômicas que determinam a estrutura das transformações sociais que geram as mudanças na sociedade. Como vimos em Marx, as relações sociais produzem os seres humanos, estas, entretanto, são determinadas pelos modos de produção. TÓPICO 1 | RAZÕES HISTÓRICAS DA GÊNESE E DESENVOLVIMENTO DA “TEORIA CRÍTICA” 23 De acordo com Lakatos e Marconi (2006, p. 47-48), em Marx há a ideia de que, procurando satisfazer suas necessidades, os indivíduos agem e transformam o meio natural, criando neste processo relações técnicas de produção. Entretanto, ao fazerem isso, não estão isolados, ao produzirem, distribuírem e consumirem os bens de que necessitam os indivíduos, relacionam-se uns com os outros, o que origina as relações de produção. Tomadas em seu conjunto e vistas como um sistema estruturante, as relações de produção levam à constituição de um modo de produção. Desenvolvendo relações técnicas de produção, através do processo de trabalho (que congrega a força humana, as ferramentas e as máquinas), os indivíduos dão origem a forças produtivas. Estas, por sua vez, engendram um sistema de produção específico, uma configuração própria do sistema de distribuição, circulação e consumo dos bens. O sistema de produção por seu turno resulta em uma divisão de trabalho que, no sistema capitalista, seria entre proprietários e não proprietários dos meios de produção. O choque e antagonismo entre as forças produtivas e os proprietários dos meios de produção determinariam assim a mudança social. Marx foi o primeiro pensador a perceber a questão de que o lucro do capitalista repousa na exploração do sobretrabalho, ou mais-valia, ou seja, no fato de o empresário capitalista remunerar o trabalhador com um salário aquém do valor social do seu trabalho, apropriando-se assim do valor das horas a mais que este trabalha para além do valor que recebe. Marx chamava atenção ainda para o fato de que, no capitalismo, o trabalho, longe de representar um elemento de autoconstrução do ser humano, como via Hegel, era um fator de alienação do indivíduo, que, após transferir, pelo seu trabalho, suas potencialidades aos bens que produzia, deixava de se identificar nestes, uma vez que eles não lhe pertencem, sendo-lhe estranhos, tanto no plano econômico, quanto no social e psicológico. Sendo externo ao trabalhador, não fazendo parte de sua personalidade, o trabalho alienado assim não traz a realização do trabalhador, mas antes o nega. Imposto e forçado, este trabalho se apresenta como um sofrimento para o trabalhador, pois não pertence a ele e sim ao dono da produção, o proprietário capitalista. Importante também, no pensamento marxista, é sua visão da primazia da infraestrutura sobre a superestrutura, de que já falamos anteriormente, onde as condições formadas pelas relações de produção e forças produtivas determinam tanto a estrutura jurídico-política da sociedade, quanto seu componente ideológico, componente este que serve de justificativa do real e se forma pelo conjunto de concepções, ideias e interesses da classe dominante naquela sociedade. Marx critica assim a ideologia burguesa, que atende, no modo de produção capitalista, aos interesses de mistificação desta classe social, justificando e reificando a ordem existente e sua dominação sobre o proletariado. Apesar de sua visão materialista da história, Marx, entretanto, acreditava que ela tinha uma direção e chegaria a um fim. O fim da história, ou seja, do suceder de transformações sociais que levam às mudanças nos meios de produção, UNIDADE 1 | NASCIMENTO E HISTÓRIA 24 seria quando a humanidade conseguisse engendrar uma sociedade sem classes, uma sociedade comunista. Para tal ele preconizava a tomada de poder pela classe revolucionária no capitalismo, que a seu ver era o proletariado, e a instalação de um modelo redistributivo de Estado, chamado socialista, que, depois de transformar o sistema capitalista como um todo, poderia então passar ao estágio seguinte: o fim da história com a instalação da sociedade sem classes, a sociedade comunista. Sendo um pensamento que se insere na tradição da reflexão marxista da história, a Teoria Crítica se funda nestes e em outros conceitos de Marx, porém não deixou de fazer a crítica do mesmo e de tentar fazê-lo avançar, tanto incorporando ideias e conceitos de pensadores do social posteriores, como também dando contribuições originais a este pensamento. Um destes pensadores foi Max Weber (jurista, economista e sociólogo alemão que viveu de 1864 a 1920). Vejamos então quais as contribuições de suas teorias e propostas metodológicas para o campo da Sociologia Crítica através da Escola de Frankfurt. FIGURA 18 – MAX WEBER FONTE: Disponível em: <http://war.wikipedia.org/wiki/Max_Weber>. Acesso em: 24 jun. 2013. Weber acreditava que se abria para a Sociologia uma possibilidade vedada às outras ciências. Esta possibilidade consistia em conhecer os fenômenos que a disciplina se propunha estudar (e que em Weber era fundamentalmente a ação social), por dentro, isto em função de compartilharmos da natureza destes fenômenos, uma vez que estamos diretamente conscientes de nossas ações, sendo estas subjetivas e dependendo de critérios internos aos indivíduos. TÓPICO 1 | RAZÕES HISTÓRICAS DA GÊNESE E DESENVOLVIMENTO DA “TEORIA CRÍTICA” 25 Assim era possível não só descrever mecanicamente as ações dos indivíduos, mas conhecer suas intenções nas ações que empreendiam. Para tal Weber desenvolveu o conceito de verstehende, que consistia numa ferramenta de análise, não empírica e não positivista, capaz de, através de um exame empático e participatório da ação, levar o pesquisador a compreender os motivos subjacentes nas diferentes ações dos diversos indivíduos. Weber trouxe assim o método hermenêutico para as ciências sociais. Weber era profundamente crítico do rápido processo de industrialização pelo qual a Europa passava em seu tempo e também da constituição da própria modernidade, que se articulava com a expansão do capitalismo. Ele havia percebido a profunda ambivalência do projeto da modernidade, que em sua opinião não apresentava uma orientação firme de como as pessoas poderiam estabelecer um sentido compreensivo para suas existências. Pelo contrário, percebendo o extremo poder da burocracia que se impunha (indispensável para a organização das sociedades industriais modernas), Weber chamava atenção para o fato de que isto estava ligado à diminuição do poder político do cidadão e substituía todo o seu potencial criativo por uma rotina de relações funcionais. Weber denuncia assim o caráter burocrático-racional da dominação na sociedade capitalista. O Estado, na concepção weberiana, funda-se na força e consiste numa comunidade humana que pretende, e tem sucesso nisso, o monopólio legitimado do uso da violência. Sendo o Estado, para Weber, uma relação de indivíduos dominando outros (através do uso legítimo da força) e se configurando enquanto associação compulsória, destinada a organizar a dominação, o Estado necessita, para tal, do reconhecimento de sua autoridade. Na sociedade capitalista esta dominação se basearia, de acordo com Weber, na legitimação legal, expressa nas leis e regras racionalmente elaboradas, e na competência funcional dos membros do aparato burocrático. Dentro desta perspectiva o Estado, em Weber, se configura como mais uma organização burocrática da sociedade moderna. Em sua análise do capitalismo, Weber destaca ainda que este tem sua especificidade caracterizada por uma organização do trabalho voltada para a busca do lucro através do trabalho sistemático, características que o mesmo atribui a raízes religiosas, e, portanto, do âmbito da superestrutura, sendo estas, na visão do autor, da esfera da ética das relações econômicas. Weber credita ao calvinismo e sua doutrina de predestinação (sendo o sinal desta a prosperidade financeira) a ideia de se dedicar ao trabalho e reinvestir a riqueza produzida (em vez de dissipá-la nos prazeres mundanos), o fator que levou ao desenvolvimento desta perspectiva: trabalho duro e busca do lucro, fundamentais para a constituição do capitalismo. UNIDADE 1 | NASCIMENTO E HISTÓRIA 26 Weber chama assim a atenção para o fato de que, no entendimento do capitalismo, é necessário não só lançar o olhar para as formas da sua economia mas também para a ética que a permeia. Em Weber a história tem papel fundamental para a compreensão da sociedade, sendo a pesquisa histórica necessária para o entendimento das diferenças sociais. Weber, entretanto, não acreditava que a sucessão de fatos históricos por si própria fizesse sentido, era preciso que o pesquisador tivesse uma compreensão deles, através de um esforço interpretativo, dando-lhes sentido. Em seus estudos, Weber tentou definir a especificidade da civilização ocidental e como as diferentes configurações de sociedades são capazes de fornecer sentido às vidas e ações dos indivíduos que a compõem, procurando também fazer uma análise histórico-comparativa das formas de dominação e da racionalidade própria do Ocidente (KALBERG apud KUPER; KUPER, 1999, p. 906-910). Outro pensador que serviu de fonte teórica para os estudos desenvolvidos no Instituto de Pesquisa Social foi Freud (austríaco, médico e fundador da psicanálise, que viveu de 1856 a 1939) e é dele que trataremos a seguir. FIGURA 19 – SIGMUND FREUD FONTE: Disponível em: <http://ponderthat.net/3-top-psychologists- that-influence-today/>. Acesso em: 24 jun. 2013. Freud em seus trabalhos delineou uma cartografia da mente dividindo nosso aparelho psíquico em três instâncias diversas, a saber; o id, o ego e o superego, chamando atenção para o fato de que a maior parte da vida de nossa psique reside em processos inconscientes. O inconsciente, entretanto, não só determina o consciente, como é parte significativa de nossa personalidade. TÓPICO 1 | RAZÕES HISTÓRICAS DA GÊNESE E DESENVOLVIMENTO DA “TEORIA CRÍTICA” 27 Segundo a concepção freudiana, o id estaria presente desde o nascimento e consistiria na instância primeira da psique. O id seria regido pelas pulsões, isto é, pelos impulsos do corpo e pelos desejos inconscientes mais básicos, primitivos e instintivos, notadamente a sexualidade (chamada por Freud de libido), e seria governado pelo princípio do prazer, segundo o qual se busca aquilo que traz a satisfação e se evita o que a impede. O id assim desconheceria as imposições do real, as normas e regras sociais, buscando fazer com que o indivíduo satisfaça de forma imediata seus impulsos, a qualquer custo. A área de atuação do id seria os sonhos, vistos como uma forma pura do inconsciente, e sendo o mesmo causa oculta, tanto do pensamento, quanto da conduta humana. Já o superego, também do domínio do inconsciente, estabelece relação com a realidade externa ao indivíduo, ao censurar e controlar aqueles impulsos instintivos do id, sendo ele mesmo, o superego, um produto do processo de socialização, que introjeta no indivíduo as regras e normas do grupo social e familiar ao qual pertence, aprendendo então as condutas socialmente aceitas, que formarão o núcleo das forças inconscientes responsáveis pela repressão aos impulsos do id que entram em choque com as regras sociais. O superego constituirá, assim, não só a consciência moral do indivíduo, como também sua própria idealização, ou seja, sua autoimagem, produto da aprovação social ao seu comportamento. Por fim temos o ego, a instância consciente, ou em vias de se tornar consciente, da vida de nossa psique, que está presente em nossas interações sociais e com o mundo e que, não obstante receber pressões das dimensões inconscientes anteriormente vistas, a saber: o id e o superego, rege-se pelo princípio de realidade, contrabalançando as imposições de satisfação imediatas dos desejos impostas pelo id. O ego assim capacita o indivíduo a lidar com as demandas da realidade e medeia os conflitos entre seus desejos internos e seu senso moral. FIGURA 20 – O ID, O SUPEREGO E O EGO FONTE: Disponível em: <http://tremdos7.wordpress.com/2013/01/19/id-ego-e- superego-superficialidade-e-medo/>. Acesso em: 24 jun. 2013. UNIDADE 1 | NASCIMENTO E HISTÓRIA 28 A partir de estudos clínicos de casos de histeria, Freud desenvolveu a perspectiva de que os traumas, neuroses e muitos dos problemas mentais que os indivíduos apresentam eram causados pela repressão do impulso sexual na infância. Segundo Freud, a energia sexual, que ele chamou de libido, passa por diferentes fases ao longo do desenvolvimento psicossexual da criança. Haveria uma fase oral, quando o bebê sente prazer em sugar, seja o seio da mãe seja a chupeta, uma fase anal, quando a criança aprende a controlar o esfínctere sua defecação, e, por fim a fase fálica, quando a criança começa a manipular seus genitais. Durante estas fases a criança dirige sua sexualidade ainda ao seu ego. Na etapa seguinte do desenvolvimento infantil a libido é investida pela primeira vez para além do ego, aí então no progenitor de sexo diferente do da criança. Freud sustenta em suas obras a ideia da existência do que chamou de “Complexo de Édipo”, uma preferência velada do filho pela mãe e uma aversão pelo pai (e vice-versa, isto é, preferência da filha pelo pai e rejeição pela mãe), que cessaria a partir da identificação da criança com o pai e, portanto, com a sua inserção na cultura e a realização de sua diferenciação em relação aos pais, levando à sua constituição enquanto sujeito e inaugurando o fim do reinado dos impulsos e instintos, com a crescente racionalização e coerência da pessoa, através do controle do superego. O pensamento de Freud possibilita uma crítica à estrutura repressora da sociedade moderna, através do uso do conceito denominado princípio de realidade, que, como vimos, rege o ego e que é passível de provocar no indivíduo uma neurose resultante das tensões de seu cotidiano e das imposições sociais, dentro da perspectiva de que o superego é histórica, social e culturalmente produzido. Suas obras forneceram também, pelas contribuições teóricas que trouxeram, ferramentas para o estudo, pela Teoria Crítica, das bases do comportamento irracional e do autoritarismo (POLLOCK apud KUPER; KUPER, 1999, p. 316-318). Terminando com Freud, acreditamos ter relacionado e destacado os principais pensadores que, através de suas contribuições, formaram o manancial teórico de que falávamos que veio a formar a matéria-prima do pensamento crítico que constitui a Sociologia Crítica. Com isto fechamos este primeiro tópico. 29 Começamos nosso texto chamando atenção para o fato de ser a Sociologia a ciência social que mais deve o seu projeto à modernidade. Tendo que explicar a relação entre o indivíduo e a sociedade, a Sociologia surge como parte do processo de racionalização e positivação do mundo. Entendemos este como resultado do projeto dos filósofos iluministas e do avanço da ciência durante a Revolução Industrial. Comprometida com a nova ordem, a Sociologia, ao expor a artificialidade e arbitrariedade das instituições sociais, acaba dando espaço para a crítica social, o que levou, ao longo do processo histórico da disciplina, ao surgimento da Sociologia Crítica. Esta passa a questionar certos paradigmas, como a razão e o positivismo científico, faz a denúncia das contradições do sistema capitalista e propõe novos modelos destinados a servir de estímulo revolucionário às mudanças sociais. Relacionamos então o surgimento deste campo de pensamento à produção teórica do Instituto de Pesquisa Social, onde teve gênese a Teoria Crítica. Passamos então a relacionar aqueles acontecimentos históricos que, a nosso ver, exerceram alguma influência no pensamento do que se costuma designar Escola de Frankfurt. Seriam estes: a falência do Estado liberal, que levou à Primeira Guerra Mundial e à desorganização social, política e econômica da Alemanha; a Revolução Bolchevique, que levou à criação de um Estado socialista e depois ao processo de stalinização; a necessidade do sistema acadêmico alemão de conhecimentos que representassem uma síntese, daí a expansão da Sociologia neste momento; a Grande Depressão, que acabou levando ao desenvolvimento do Estado de Bem-Estar Social; a ascensão dos regimes nazifascistas na Europa e, por fim, o aparecimento e crescente importância da mídia de massa e da cultura de massa. Em seguida listamos os teóricos e os conceitos desenvolvidos por eles, que contribuíram com o campo de reflexão que forma a base de elaboração teórica dos pensadores que desenvolveram a Teoria Crítica, sendo eles: Kant, que faz a crítica ao pensamento racional, procurando ver os limites da razão e aventando uma teoria acerca do processo de conhecimento; Hegel, que elabora uma concepção da dialética e do movimento histórico; Marx, que aprimora o conceito de dialética, desenvolve uma visão materialista da história e seu movimento, percebe a existência da mais-valia, critica a alienação do trabalho capitalista e preconiza a construção de uma sociedade sem classes; Weber, que faz uma crítica ao positivismo nas ciências sociais, elaborando o conceito de verstehende, e ao projeto da modernidade, questionando as possibilidades da sociedade moderna de prover sentido à existência, denuncia o capitalismo pelo seu sistema de dominação, caracterizando-o a partir de sua ética econômica e, finalmente, Freud, que contribui com sua visão particular da mente, da origem dos traumas psíquicos e com a construção do modelo do “Complexo de Édipo”. RESUMO DO TÓPICO 1 30 Caro(a) acadêmico(a), com base no que você estudou neste tópico, responda às seguintes perguntas: 1 No que consiste a modernidade? 2 A que se propõe a Sociologia? 3 Em que processo se insere a gênese e o desenvolvimento da Sociologia? 4 Como podemos caracterizar o projeto iluminista e qual seu legado para a sociedade moderna? 5 Que fatores contribuíram para a constituição do mito do progresso e quais as suas consequências? 6 De que maneira a Sociologia atendia às demandas da ordem estabelecida pelo Estado moderno e como esta disciplina abriu espaço para o pensamento crítico? 7 No que se constitui a Sociologia Crítica e o que ela propõe? 8 Relacione os acontecimentos históricos que estão ligados ao desenvolvimento da Teoria Crítica, caracterizando cada um deles. 9 Pesquise as diferenças entre os diferentes modelos de Estado (liberal, nazifascista, socialista e do bem-estar social) relacionando suas respectivas características. 10 Em sua opinião, por que devemos conhecer o período histórico em que se inscreve o nascimento e desenvolvimento da Teoria Crítica? 11 De que maneira você acredita que a mídia de massa e a cultura de massa nos afetam hoje? 12 Por que Kant advoga uma crítica à razão? 13 Qual o modelo proposto por Kant para entendimento do processo de conhecimento? 14 Qual a crítica que faz Hegel a Kant? 15 Como Hegel percebia a relação razão/realidade? AUTOATIVIDADE 31 16 Qual o entendimento de Hegel do movimento da história? 17 Como podemos caracterizar a dialética hegeliana? 18 Qual a crítica de Marx à dialética em Hegel? 19 No que consiste o materialismo histórico? 20 O que é mais-valia? 21 Qual a visão de Marx do trabalho e como ela se articula com seu conceito de alienação? 22 Na visão de Weber qual a possibilidade que se abria somente à Sociologia na investigação do real e como seu conceito de verstehende está implicado com esta? 23 Qual a crítica que Weber fazia ao projeto da modernidade? 24 Qual o caráter e em que se apoia a dominação na sociedade capitalista, segundo Weber? 25 De acordo com Weber, qual é a especificidade do capitalismo e para onde devemos lançar o olhar, além das formas de sua economia, para compreendê-lo? 26 Para Weber como o pesquisador social deve lidar com os fatos históricos na construção da teoria sociológica? 27 Como Freud descreve a mente, quais suas partes constituintes e quais as características de cada uma delas? 28 Qual perspectiva adveio a Freud a partir de seus estudos clínicos sobre a histeria? 29 No que consiste o “Complexo de Édipo”? 30 Qual o conceito freudiano que permite uma crítica à estrutura repressora da sociedade moderna? 32 33 TÓPICO 2 A ESCOLA DE FRANKFURT UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO No tópico anterior vimos os acontecimentos históricos no momento da fundação e durante os primeiros anos do Instituto de Pesquisa Social que, de alguma maneira, influenciaram seu aparecimento e afetaram seu desenvolvimento. Também explicitamos as teorias, conceitos e pensadores que formaram o campo de preocupações e debates da Teoria Crítica. No presente tópico, procuraremos articular a história do próprio Instituto de PesquisaSocial, em suas diferentes etapas, com a história de seu tempo e com a produção teórica de seus pesquisadores e colaboradores. Em nosso itinerário seguiremos a obra de Freitag (1986, p. 9-30), que foi aluna de Habermas e grande divulgadora da Teoria Crítica no Brasil, na Universidade Nacional de Brasília, onde leciona Sociologia, já há alguns anos. 2 HISTÓRIA DO INSTITUTO DE PESQUISAS SOCIAIS Fundado em 1923, e funcionando desde 1924 em um prédio próprio, vinculado à Universidade de Frankfurt, mas mantendo autonomia financeira e acadêmica em relação a esta, dedicando-se inteira e exclusivamente à reflexão e à pesquisa, o Instituto de Pesquisa Social, suas instalações e a maioria de seus pesquisadores e colaboradores lograram sobreviver à perseguição nazista e aos bombardeiros da guerra nos sombrios e turbulentos anos que se seguiram à sua fundação, com a ascensão de Hitler ao poder e a consequente Segunda Guerra Mundial. UNIDADE 1 | NASCIMENTO E HISTÓRIA 34 FIGURA 21 – O PRÉDIO DO INSTITUTO HOJE FONTE: Disponível em: <http://alquimiadoverbo.zip.net/arch2008-03- 23_2008-03-29.html>. Acesso em: 24 jun. 2013. O Instituto era formado por típicos socialistas de cátedra, especialistas e estudiosos do pensamento marxista de formação acadêmica (a maioria doutores), uma espécie rara em uma época em que os marxistas estavam envolvidos com a militância partidária e rejeitavam o trabalho acadêmico. Seu primeiro diretor foi Carl Gruenberg, historiador e especialista no pensamento de Marx, que esteve à frente do Instituto até 1930. Gruenberg declarava-se pertencer ao grupo daqueles que seriam “[...] adversários da ordem econômica, social e jurídica ultrapassada historicamente [...]” a saber, o capitalismo, e se dizia adepto do marxismo ressaltando que “[...] ao falar de marxismo, não quero propor a concepção político-partidária, mas permanecer dentro de um espírito puramente científico [...]” (WIGGERSHAUS, 2002, p. 58). Durante o seu período à frente do Instituto de Pesquisa Social, Gruenberg editou uma revista, Archiv für die Geschichte des Sozialismus und der Arbeiterbewegung, dedicada ao registro da história do socialismo e do movimento operário. Esta publicação tinha uma orientação de cunho fortemente documental e dedicada à descrição, a partir de perspectiva marxista, das mudanças estruturais que estavam se dando na organização do sistema capitalista, notadamente no que diz respeito à relação capital-trabalho e nas lutas, reivindicações e movimentos operários. Em 1930, Gruenberg, em função de problemas de saúde, é substituído à frente do Instituto de Pesquisa Social por um jovem filósofo formado em Frankfurt, e que assumira a cátedra de Filosofia Social: Max Horkheimer. Sob a direção de Horkheimer o Instituto de Pesquisa Social muda seu foco, passando a se constituir realmente enquanto centro de pesquisa e dedicando-se a proceder a uma análise crítica dos problemas do modo de produção capitalista, privilegiando seu olhar sobre a superestrutura da sociedade, especialmente o seu componente ideológico. TÓPICO 2 | A ESCOLA DE FRANKFURT 35 FIGURA 22 – HORKHEIMER NO ANO QUE ASSUMIU A DIREÇÃO DO INSTITUTO FONTE: Disponível em: <http://www.uncommondescent.com/ philosophy/horkheimer-on-darwinism/>. Acesso em: 24 jun. 2013. Como decorrência desta mudança o Instituto cria uma nova revista, que viria a substituir a Archiv e que se chamava Zeitschrift für Sozialforschung (Revista de Pesquisa Social). Editada durante nove anos, de 1932 a 1941, esta revista passa a publicar e divulgar a produção intelectual dos pesquisadores e críticos filiados ao Instituto, tendo como editor o próprio Horkheimer, que procura assegurar sua publicação, mesmo no exílio. Horkheimer era professor universitário (embora não desse importância à legitimação da academia) e intelectual marxista, dedicado a refletir sobre a especificidade do capitalismo moderno a partir das condições históricas de seu tempo, em especial aquelas apresentadas pela Alemanha pós-Primeira Guerra Mundial. De grande envergadura intelectual e formação filosófica sólida (com teses de doutorado e livre-docência sobre Kant e Hegel), Horkheimer logrou aglutinar em torno de si, no Instituto de Pesquisa Social, pensadores como Pollock (cofundador do Instituto de Pesquisa Social, sociólogo e economista alemão que viveu de 1894 a 1970), Wittfogel (historiador e sociólogo alemão que viveu de 1896 a 1988), Fromm (filósofo, sociólogo e psicanalista alemão que viveu entre 1900 e 1980), Gumperz, Adorno, Marcuse, Benjamin (filósofo e sociólogo alemão que viveu de 1892 a 1943) e outros. Em face de sua preocupação com a crescente e implacável ascensão do movimento nazista (com Hitler à frente) na Alemanha, e seu antissemitismo declarado, Horkheimer foi prevenido o bastante para criar, já em 1931, filiais UNIDADE 1 | NASCIMENTO E HISTÓRIA 36 do Instituto fora da Alemanha, em Genebra, Londres e Paris. É para esta última cidade que transfere a redação da revista, que lá permanece até a invasão nazista na França, ainda que seus redatores já tivessem emigrado a este tempo para os Estados Unidos. Sua decisão se mostrou largamente acertada, previdente e até mesmo profética, pois apenas dois anos depois, em 1933, o governo nazista decreta o fechamento do Instituto em Frankfurt, alegando que assim procedia por este ameaçar a segurança do Estado alemão, interditando seu prédio e apreendendo os sessenta mil volumes que constituíam seu acervo bibliográfico. Neste período de sua primeira fase, de criação e consolidação, o Instituto é marcado pela filosofia de Horkheimer e se inspirava fortemente na visão de Reich (médico que havia sido aluno de Freud e que viveu de 1897 a 1957) e Fromm, que haviam procurado conciliar a teoria freudiana com a marxista. A produção intelectual dos membros do Instituto neste tempo não se restringia aos diferentes artigos publicados na revista, tendo sido produzidos diversos estudos onde se procurava conciliar a pesquisa empírica com os avanços teóricos propostos então. Entre as obras mais significativas e importantes deste período está o “Studien zu Autoritaet und Familie” (“Estudos sobre Autoridade e Família”), que se realizou sob a coordenação de Horkheimer e Fromm em vários países da Europa. A obra constituía-se uma análise empiricamente orientada acerca da estrutura da personalidade da classe operária europeia, classe esta que, de acordo com os pensadores do Instituto, havia perdido a consciência de sua missão histórica e teria se submetido a maneiras de exploração e dominação que se mostravam totalmente avessas à sua necessidade de emancipação política, social e econômica. Deste mesmo período data um ensaio de Horkheimer, de natureza histórica e psicológica, no qual o então diretor do Instituto refletia sobre como integrar na pesquisa análises acerca da produção capitalista, do nível macroteórico, portanto, com o estudo do indivíduo sexualmente reprimido, do nível micro, através da mediação imposta pela estrutura familiar, esta de caráter autoritário. Com Horkheimer, portanto, o interesse do Instituto em documentar como a classe operária enfrentava as crises do capitalismo (próprio da fase anterior, com Gruenberg à frente do Instituto), se transforma em uma análise teórica do porquê esta não haver assumido seu destino histórico de classe revolucionária, procurando explicar este fato a partir da conjunção específica entre a macroestrutura capitalista e as microestruturas da família proletária e burguesa. Em 1933, com a revista já sendo editada em Paris, Horkheimer consegue transferir as atividades do Instituto para Genebra. Este passa a funcionar então sob TÓPICO 2 | A ESCOLA DE FRANKFURT 37 o nome de Société Internationale de Recherches Sociales congregando tanto Horkheimer quanto Pollock, Tillich (filósofo que havia sido orientador da tese de Adorno e que viveu de 1886 a 1965), Fromm e outros. No ano seguinte, com o apoio de Nikolas
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