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Graciliano Ramos: Vida e Obra

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AngústiA 1
Graciliano ramos
�Autor�destA�Análise:�CPV
O AUTOR
 Graciliano Ramos, o primeiro de quinze irmãos, nasceu em em outubro de 1892, em 
Alagoas, onde passou sua infância e parte da adolescência. Sempre visto pela família como 
um sujeito difícil, taciturno e introspectivo. No sertão nordestino, conheceu as dificuldades 
da seca e da pobreza da região.
 Fez os estudos secundários em Maceió, sem, no entanto, cursar nenhuma faculdade. 
O pai vivia do comércio e o filho mais velho foi aventurar-se: esteve, por breve período, 
no Rio de Janeiro, onde, por volta de 1914, trabalhou como revisor e redator nos jornais 
Correio da Manhã e A Tarde.
 Ao saber que três de seus irmãos tinham morrido de febre bubônica, retorna ao Nordeste 
e passa a ser jornalista, fazendo política também. Foi prefeito de Palmeiras dos Índios entre 
os anos de 1928 e 1930.
 De 1930 a 1936 viveu em Maceió, dirigindo a Imprensa e a Instrução do Estado de Alagoas. 
E é de março de 36 a janeiro de 1937 que vive os mais difíceis dias de sua vida: acusado de 
subversivo e comunista, passa dez meses de prisão em prisão, sem saber do que o acusam, sem 
sequer ser ouvido em depoimento ou processado. Desse tempo nasceu mais tarde Memórias 
do Cárcere, um relato que soma a angústia de existir, o medo e a inquietação. 
 Mudou-se para o Rio de Janeiro. Homem problematizado, a mania por higiene o acompanhou. Há quem diga que ao manusear 
dinheiro, o escritor utilizava uma tesoura para não se sujar. Diziam ser um sujeito ríspido, que respondia aos cumprimentos de 
“bom-dia” com um seco “por quê?”. Quando lhe pediam a opinião sobre algum livro, garantia: “Não li e não gostei.”
 Em 1945, com o fim do Estado Novo, o escritor filiou-se ao Partido Comunista. Em 1952, viajou a Rússia e países comunistas 
da Europa, experiência que inspirou seu último livro, Viagem.
 As dificuldades financeiras o acompanharam a vida inteira. Sua produção literária foi lenta e mal remunerada, acumulando 
funções além da de escritor. Nunca se submeteu ao patrulhamento ideológico dos companheiros do Partido Comunista, que 
insistiam para que sua obra se voltasse para um realismo socialista. Graciliano preferia denunciar a miséria brasileira por meio de 
personagens ásperas e uma linguagem sem rebuscamentos.
 No ano de 1953, foi publicado seu livro Memórias do Cárcere. No mesmo ano, depois de retornar ao Rio de Janeiro, morreu 
debilitado pelo câncer no pulmão. No ano seguinte, foi publicado seu livro Viagem, postumamente.
 A obra de Graciliano é representante do Romance Regionalista. Utilizando-se de uma linguagem concisa, sem sentimentalismos, 
sem muitas inovações formais, e com o objetivo de captar, em estilo direto, a vida do homem atormentado e oprimido pelas difíceis 
condições do meio físico e social, o escritor conseguiu, mais do que retratar a realidade de uma região ou de uma época, abordar 
conflitos universais da alma humana. Suas obras já foram traduzidas para o russo, francês, inglês e alemão. E, em 1964, o romance 
Vidas Secas ganhou versão cinematográfica pelas mãos de Nélson Pereira dos Santos.
 Poucos escritores podem dizer que escreveram unicamente sobre o que conheciam. Graciliano foi assim, mas isso não fez dele 
um narrador “espontâneo”, nem de sua prosa um texto solto e fluente. O regionalismo salta aos olhos em suas obras, mas a sua 
universalidade também é mais visível que a de qualquer outro escritor tido como regionalista — sua ligação com o Nordeste nunca 
rendeu livros de fácil exportação ou que provocassem emoções fáceis, advindas do estranhamento da gente do Sul. O engajamento 
social, outra de suas preocupações, não transformou seus livros em panfletos políticos ou obras datadas. Na verdade, a principal 
dimensão de sua obra nunca foi a terra ou mesmo a luta, mas sim o homem. O realismo dos cenários e da ação é tão forte quanto 
o aprofundamento psicológico das personagens, descritas em cada ato cotidiano, permitindo ao leitor 
compreender e justificar até mesmo seus gestos arrebatados, seus atos mais passionais.
 Quatro das suas principais obras foram escritas nos anos 1930, década áurea do romance de 
cunho regional e social. Em Caetés, de 1933, o protagonista João Valério escreve um livro sobre a 
vida dos índios caetés, durante o período colonial, e acaba fazendo analogia entre os antropófagos 
e a sociedade em que vive. Seu segundo romance, São Bernardo, retrata Paulo Honório, um 
proprietário de terras que vai perdendo seu valores humanos em favor de uma visão do mundo baseada 
estritamente no lucro. Casando-se apenas para ter um herdeiro, apaixona-se pela esposa no momento 
em que sua fazenda entra em crise. Angústia, de 1936, escrito no cárcere, apresenta Luís da Silva, 
outro narrador-protagonista dilacerado entre necessidades e sentimentos. Em 1938, recém-saído da 
cadeia, publicou seu maior sucesso, Vidas Secas. Pela primeira vez um romance de Graciliano não é 
narrado em primeira pessoa. Há uma fusão entre o discurso indireto e o pensamento das personagens 
expressos diretamente, especialmente os de Fabiano, o retirante, e de Baleia, sua cadela, a personagem 
mais humanizada do livro. A obra é a mais forte denúncia da condição subumana em que vivem os 
nordestinos despossuídos nos sertões da seca.
FUVEST – 2020 – AngústiA2
CONTEXTO HISTÓRICO
 A Segunda Geração Modernista, compre-endida entre 1930 e 1945, foi profundamente marcada pela quebra da Bolsa de 
Valores de Nova Iorque, em 1929, e pela crise geral então provocada no mundo e, particularmente, no Brasil. A depressão 
econômica gerou a falência de várias instituições e empresas, provocando desemprego e miséria, rompendo as relações 
econômicas estabelecidas no início do século XX. No Brasil, o abalo na exportação de produtos agrícolas, principalmente de 
café, derrubou muitos empresários e fazendeiros.
 A elite brasileira (decadente) e a insatisfação frente ao modelo econômico da democracia oligarco-burguesa determinaram o 
crescimento de ideais e partidos comunistas e socialistas.
 Artistas e intelectuais assimilaram as ideias políticas de esquerda e as obras que produziram a partir de 1930 passaram a 
refletir as preocupações da época. Os autores viam no romance um instrumento de denúncia da opressão e da miséria social, o que 
emprestou à literatura um tom de engajamento político.
 A preocupação dos escritores em evidenciar a decadência das relações sociais, econômicas e políticas fez a Geração de 30 romper 
com as inovações, o otimismo e as perspectivas de mudanças que inspiraram os artistas da Primeira Geração do Modernismo. 
A inovação passa a se realizar pela temática. Com o intuito de retratar grupos e regiões brasileiras esquecidas e excluídas pelo 
desenvolvimento da economia, que se concentrava nos grandes centros urbanos, os chamados Romances Regionalistas traziam, 
em primeiro plano, o homem como vítima das transformações históricas e do meio opressor que se configurava: o universo rural 
ainda em declínio ou já desaparecido, a migração do sertanejo para as grandes cidades e a adaptação deste ao meio urbano repleto 
de desigualdades. A intenção de demonstrar como o meio físico e a realidade política e social determinavam o caráter do homem 
e suas atitudes perante o mundo norteou a literatura da Segunda Geração Modernista no Brasil.
 Para trabalhar a temática social, houve uma retomada da estrutura narrativa do Realismo, em que o romance seria o meio que 
melhor permitiria ao leitor uma análise das condições do homem em sociedade. A linguagem, objetiva e enxuta, visava ao retrato 
direto da realidade humana. O retorno à antiga forma literária (o romance) e a simplicidade da linguagem serviram de mecanismos 
para que os escritores regionalistas da Segunda Geração do Modernismo brasileiro se aprofundassem no conteúdo de suas obras 
e na crítica social.
FOCO NARRATIVO E DISCURSO
 A obra, relatada em 1a pessoa (narrador-personagem), não apresenta divisão estrutural em capítulos: é escrita como um fluxo 
confessional, um relato de arrependimento,uma confissão de um homem desesperado.
 Uma autobiografia de um narrador emocionalmente perturbado, assustado com as proporções de seus próprios atos, um delírio 
que, na estrutura narrativa, apresenta-se como desordenação e fragmentação de ideias, tempo que se estrelaça sem indicação de 
passado e presente. Por isso o monólogo interior (em sua forma radical da stream of consciousness) substitui, frequentemente, 
como técnica narrativa, a narração tradicional:
 “Esse passatempo idiota dá-me um espécie de anestesia: esqueço as humilhações e as dívidas, deixo de pensar.”
 “Quando a realidade me entra pelos olhos, o meu pequeno mundo desaba.”
 “A cadeira perto da cama, o livro fechado sobre a palha. — A calça está rasgada. ‘Cosa o rasgão com uma corda.’ Albertina 
de tal, parteira diplomada. Escuridão. Um estremecimento, uma queda. Ia cair da cama, o chão se abriria, eu rolaria pelos 
séculos dos séculos fora disto. O espírito de Deus boiava sobre as águas.”
* stream of consciousness: fluxo de consciência.
TEMPO NARRATIVO
 Sob o ponto de vista do tempo físico (cronológico), os fatos que motivam a narração de Luís da Silva têm a duração de menos 
de um ano.
 “Foi lá que vi Marina pela primeira vez, em janeiro do ano passado. E lá nos tornamos amigos.”
 Nesse intervalo de tempo, Luís conhce Marina, apaixona-se; perde a namorada, que se deixa envolver pelos galanteios de 
Julião Tavares, e finalmente comete o crime.
 O narrador conta “Foi entre essas plantas que, no começo do ano passado, avistei Marina pela primeira vez, suada, os 
cabelos pegando fogo”, é a partir desse fato que ele começa a contar a sua história, pelo menos no que se refere aos acontecimentos 
cruciais da narrativa. Sob esse ângulo de análise, é possível constatar que Luís da Silva inicia o relato de sua história trinta dias 
após o restabelecimento de seu estado febril causado pelo crime: “Levantei-me há cerca de trinta dias, mas julgo que ainda não 
me restabeleci completamente,” diz o narrador na primeira frase da obra.
 Mais que o enredo, o que interessa em Angústia é a vida interior e a análise psicológica do narrador Luís da Silva. Assim, 
predomina no romance o tempo psicológico. O tumulto psicológico da personagem acaba confundindo presente e passado. As 
lembranças do narrador invadem o presente, fundindo, por meio das mais variadas associações, o presente e o passado. A presença 
de um tríplice tempo — o da narração do presente, o da recordação da infância e do passado e dos devaneios subjetivos (o tempo 
subjetivo interior) — introduz um universo fragmentado e estilhaçado.
 Embora os acontecimentos da narrativa decorram no intervalo de um ano, o narrador nos remete a fatos ocorridos na sua infância 
e juventude. Assim, o tempo se estilhaça, as ideias surgem fragmentadas, soltas, se presentificam com observações pessimistas:
FUVEST – 2020 – AngúSTiA 3
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 “Volto a ser criança, revejo a figura de meu avô, Trajano Pereira de Aquino Cavalcante e Silva, que alcancei velhíssimo, 
os negócios na fazenda andavam mal. E meu pai, reduzido a Camilo Pereira da Silva, ficava dias inteiros manzanzando numa 
rede armada nos esteios do copiar, cortando palha de milho para cigarros, lendo o Carlos Magno, sonhando com a vitória do 
Partido que Padre Inácio chefiava.”
 “Há quinze anos, era tudo diferente: dividia o quarto que morava com Dagoberto, que era estudante e repórter, havia um 
calor infernal e um cheiro de gás invadia o ar.”
 “O carro passa pelos fundos do Tesouro. É ali que trabalha. Ocupação estúpida e quinhentos mil-réis de ordenado.”
 Não obstante as constantes evocações do passado, o tempo faz um movimento circular: a narrativa começa trinta dias após o 
restabelecimento de Luís da Silva e termina nos momentos mais intensos de febre e delírio, ocorridos em consequência do crime. 
Ou seja, a noção de tempo não obedece ao padrão lógico de continuidade temporal.
A NARRATIVA E A LINGUAGEM DO NARRADOR
 Angústia é uma narração desesperada da tentativa de colocar em ordem os fatos e a vida: a decepção amorosa, o ciúme, o 
desejo contido e humilhado, a mulher escolhida pertencendo a outro. O ódio pela perda gera o crime; o assassinato que transtorna 
o narrador-personagem e o põe doente, após matar o adversário.
 Angústia é narrado em primeira pessoa, por um homem atormentado e preso a uma vida medíocre, a uma rotina de onde emerge 
para o drama passional. Tem a obsessão de criar uma obra, um romance e termina pelo relato da própria vida, da experiência 
amarga em que se mete e de onde olha o mundo.
 Não são somente os acontecimentos atuais que ele revolve: é o conjunto terrível de suas lembranças de homem que se confundem: 
a infância desolada, o isolamento, o sentimento de inferioridade, as necessidades físicas, as urgências emocionais.
 Em seu artigo “Angústia, uma teoria do romance de Graciliano Ramos” (Estado de São Paulo, 10/09/2000), o professor 
Ivan Teixeira, da USP, escreveu:
 “Angústia possui estrutura de autobiografia, podendo ser entendido como espécie de diário íntimo, com notável progressão 
no andamento do assunto: origina-se na alucinação decorrente do ciúme e da ideia do crime, passa pela reconstituição de seus 
motivos, até chegar, sempre em meio à memória afetiva, ao crime propriamente dito. Essa ordem decorre da racionalização da 
leitura, que seleciona, corta, ata, intercala e reata, porque vê tudo de fora, depois que tudo foi vivido e relatado pela personagem 
em desespero. Mas ela própria, que sentiu intensamente os acontecimentos que narra, não consegue organizá-los de maneira 
coerente. Para ela, tudo é confuso e caótico, porque, ao falar, ainda se encontra emocionada com o que fala. Cada pormenor 
assume importância desmedida, até mesmo os olhos do gato que a espia do muro, horas depois do crime. O livro é organizado 
de modo a sugerir impressão de desarranjo e absurdo, pois procura representar as categorias subterrâneas de um indivíduo 
atormentado pelo isolamento e pela mania de auto-análise.”
 Tudo é confuso e caótico. É o fluxo de lembranças desordenado que chama a atenção do leitor: o pensamento navega solto, ao 
sabor das recordações que se hierarquizam de acordo com o valor que se dá a elas.
 “Levantei-me há cerca de trinta dias, mas julgo que ainda não me restabeleci completamente. Das visões que me perseguiam 
naquelas noites compridas umas sombras permanecem, sombras que se misturam à realidade e me produzem calafrios.
 Há criaturas que não suporto. Os vagabundos, por exemplo. Parece-me que eles cresceram muito, e, aproximando-se de 
mim, vão gemer peditórios: vão gritar, exigir, tomar-me qualquer coisa. (...)
 Vivo agitado, cheio de terrores, uma tremura nas mãos, que emagreceram. As mãos já não são minhas: são mãos de velho, 
fracas e inúteis. As escoriações das palmas cicatrizaram.”
 O romance é pura memória, uma espécie de diário onde se registram, de forma desordenada, alucinada e aleatória os fatos que 
magoaram o narrador. Some-se a isso a culpa que sente pelo ato cometido e, por fim, acrescente-se a mágoa que, pouco a pouco, 
transforma-se em rancor contra a mulher que um dia amou (ou apenas desejou) e quis para si.
 “Na forma de Angústia, o egoísmo do personagem principal se afirma pela concentração do romance em sua própria pessoa. 
Luís da Silva é todo o romance Angústia. Contando a sua história, Luís da Silva absorve-a em si mesmo. O romance toma, por 
isso, a forma e as dimensões do seu espírito. Torna-se um diário que a personagem escreve posteriormente. A sua memória se 
desdobra em ziguezague e a narração romanesca acompanha fielmente esse ziguezague da memória de Luís da Silva. O seu 
método é o da confissão psicanalítica: uma palavra que explica a outra, um pensamento que esclarece o outro.
 E também o da associação de ideias: uma ideia que atrai outra ideia, uma lembrança que sugere outra lembrança. Luís 
da Silva não vive senão da sua memória e da imaginação. Mas a sua imaginação, no romance, constitui um resultado da 
memória. Luís da Silva conta o queimaginou anteiormente; a sua imaginação já se tornou um fato do passado, um patrimônio 
da memória.” (Álvaro Lins, Os Mortos de Sobrecasaca, Ed. Civilizaçao Brasileira, 1963)
 No romance, o que mais chama a atenção é a impotência do protagonista em sair dos seus delírios. Significativo é o fato de 
que a sequência das últimas páginas do romance está nas primeiras: isso caracteriza uma circularidade, um universo fechado do 
qual o gesto tresloncado de Luís da Silva não conseguiu libertá-lo. Portanto, a ideia central da obra reside nessa impotência do 
protagonista em superar a insignificância da vida e a solidão: a inutilidade de todos os esforços.
 “Levantei-me há cerca de trinta dias, mas julgo que ainda não me restabeleci completamente. Das visões que me perseguiam 
naquelas noites compridas umas sombras permanecem, sombras que se misturam à realidade e me produzem calafrios.
FUVEST – 2020 – AngústiA4
 Há criaturas que não suporto. Os vagabundos, por exemplo. Parece-me que eles cresceram muito, e, aproximando-se de 
mim, vão gemer peditórios: vão gritar, exigir, tomar-me qualquer coisa. (...)
 Vivo agitado, cheio de terrores, uma tremura nas mãos, que emagreceram. As mãos já não são minhas: são mãos de velho, 
fracas e inúteis. As escoriações das palmas cicatrizaram.”
A OBRA
 Angústia, mais do que regionalista, pode ser classificado como um romance existencialista. A narrativa, escrita em primeira 
pessoa, não visa ao retrato objetivo dos acontecimentos e das atitudes do narrador-personagem Luís da Silva, mas ao fluxo de 
consciência e à tentativa de compreensão do narrador de seu próprio “eu” , atormentado pelas figuras do seu passado remoto e 
da sua história recente. Dessa forma, Angústia é uma obra marginal ao Romance Regionalista e, por isso, a mais moderna de 
Graciliano Ramos.
 O enredo trata do modesto funcionário público Luís, membro de importante família sertaneja nordestina que, à época da 
República Velha (1889 a 1930), entrou em processo de decadência e desintegração após a morte do avô, o coronel Trajano 
Pereira de Aquino Cavalcante e Silva, enforcado por uma cobra, e o assassinato do pai, Camilo Pereira de Silva. Desligado dos 
laços familiares e sociais do sertão — marcados pelas relações rudes e pelo coronelismo — e encantado com a possibilidade de 
mudanças revolucionárias vislumbradas nas grandes cidades, Luís da Silva instala-se na capital de Alagoas, depois de passar por 
enormes dificuldades, como a mendicância e a fome. Em Maceió, sofre uma série de adversidades: dorme em pensões precárias 
e endivida-se junto a colegas e proprietários. No tempo presente do romance, Luís mora em uma casa simples e sem estrutura, 
localizada na periferia da cidade, na companhia de ratos, da sua criada Vitória e de um papagaio. Escreve matérias encomendadas 
pelo governo e, à noite, no quintal da casa, dedica-se à literatura e ao jornalismo revolucionário.
 A ação principal do livro centra-se na paixão obsessiva por Marina, sua vizinha, que, após selar o namoro com Luís, o trai com 
o milionário Julião Tavares, de quem se torna amante por algum tempo. O tormento de Luís é tanto que o conduz ao assassinato 
do rival.
 Luís da Silva, distante das raízes sentimentais do ambiente rural, não se adapta às novas configurações urbanas. Devido à sua 
incompatibilidade em relação às outras personagens e ao sistema, não aceita o mundo e nem a si próprio, o que gera uma tensão do 
começo ao fim do livro e culmina no crime. Educado sob a sociedade sertaneja decadente, o protagonista, motivado pela solidão 
da capital e pela hostilidade da nova realidade, busca resolver o tormento da traição e do ódio por meio da concepção de justiça 
e de moral do sertão, caminho aparentemente oposto ao da moral da sociedade urbana.
 O ódio à futilidade de Marina e ao símbolo de superioridade social de Julião Tavares desperta em Luís um desejo de destruição 
do outro e de si próprio. Ao mesmo tempo em que pragueja a moça, pela índole interesseira dela, e Tavares, pela arrogância e 
sedução inescrupulosa, Luís da Silva se auto-destrói com bebedeiras, noites em claro, perseguição ao casal, críticas a suas próprias 
atitudes e ao seu insignificante papel na sociedade. Por fim, o assassinato leva Luís à febre, ao delírio e à auto-punição. 
 Entretanto, seria uma classificação parcial considerar Angústia somente um Romance Regionalista. Graciliano parte de uma 
temática comum aos escritores de sua geração, mas supera o rótulo do regionalismo, abordando temas humanos universais. É 
claro que o autor não despreza o contexto social e político em que vive a personagem e a constrói como um ser em eterno conflito. 
Porém, a narrativa em primeira pessoa permite a análise dos motivos individuais do ser humano frente à dura realidade que o 
rodeia e contra a qual deve lutar para sobreviver. A intenção do romance, mais do que fornecer o retrato objetivo de uma realidade, 
é investigar a alma humana e os desejos reprimidos pela moral social, independente da época tratada, e descobrir o que há por 
trás de cada ato, conformado ou revoltado, e de cada lembrança da personagem, consciente de sua função medíocre na teia das 
relações sociais. 
 O mergulho do leitor no mundo interior do narrador-personagem é intensificado por dois aspectos fundamentais presentes em 
toda a narrativa. 
 O primeiro é constituído pelas memórias que, a todo momento, interrompem o fluxo narrativo da ação principal. Essas 
reminiscências trazem à tona figuras e acontecimentos do passado remoto de Luís, no sertão e na fazenda do avô, na cidade do 
Rio de Janeiro e em Maceió, e associam-se aos elementos da ação principal. Luís convive com sua memória e imaginação, as 
quais se desdobram em várias outras memórias, na tentativa de explicar seus sentimentos e pensamentos e justificar cada atitude 
que toma em relação a Marina e a Julião Tavares.
 O segundo aspecto, consequente do primeiro, é a oscilação do tempo e do espaço. No fluxo de consciência do narrador, que 
permite o acesso do leitor aos fatos, o tempo e o espaço são relativos e pouco delimitados. Podem estender-se por páginas ou 
encurtar-se, de acordo com os sentimentos despertados em Luís. Essa aparente desordem é a fiel consequência de a narrativa estar 
muito mais voltada para o mundo interior do protagonista do que para o espaço e os fatos reais. O espaço, a passagem do tempo, 
as personagens e os objetos descritos (como o relógio da sala e a corda usada no assassinato) são projeções do estado psicológico 
do narrador.
 O título do livro relaciona-se com a sensação de sufocamento e alucinação transmitida pelas reflexões e pelas lembranças de 
Luís da Silva. Esse estado de delírio acentua-se gradativamente ao longo do texto, conforme o narrador revela sua paixão por 
Marina, sua antipatia e futuro ódio mortal pelo milionário Julião Tavares e pela classe que esse representa. A vertigem atinge seu 
ápice após o crime, no monólogo final do romance, em que, por várias páginas, Luís, em estado febril, remonta toda a sua vida 
em síntese e menciona as figuras que fizeram e fazem parte de sua história.
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 Luís da Silva é um ser angustiado porque sabe de sua condição insignificante entre as pessoas com quem convive, sofre pela 
decadência dos seus laços sertanejos, é oprimido e humilhado pela sociedade na qual depositara esperança de transformação 
revolucionária e, sobretudo, é consciente do seu delírio revoltado e da falta de sentido de sua vida. Luís conhece a miséria moral 
e social à sua volta, assim como percebe a sua impotência diante dela, o que o torna também miserável.
PERSONAGENS
 As personagens de Angústia, assim como as dos outros romances regionalistas brasileiros, representam classes e padrões sociais 
do país, dos anos 1930. Graciliano Ramos tinha por intenção, mais do que apenas retratar os tipos e comportamentos da época, 
desenvolver uma crítica à sociedade que se configurava pelo enriquecimento das cidades e pelo declínio daeconomia agrária. 
Esse processo, ao mesmo tempo que significou a ascensão de uma nova classe (a dos comerciantes e dos empresários urbanos, 
que se submetiam e enriqueciam às custas dos investimentos do capital estrangeiro), resultou no empobrecimento dos homens do 
sertão e dos pequenos funcionários. Tomando as características e as ambições das personagens do romance, é possível perceber 
a denúncia social que o autor se propôs a fazer.
Luís da Silva: narrador-personagem, trinta e três anos, é um homem que teve seus laços familiares cortados devido ao declínio 
da economia rural. Seu avô, o coronel Trajano Pereira de Aquino Cavalcante e Silva, fora um fazendeiro respeitado no sertão de 
Alagoas, cuja fazenda foi lentamente abandonada após sua morte. Luís saiu da fazenda depois do assassinato do pai e foi tentar a 
sorte, primeiro na capital do Rio de Janeiro, onde chegou à mendicância, instalando-se em definitivo em Maceió. É funcionário de 
um jornal e escreve artigos políticos por encomenda. A personagem é um ser insatisfeito e revoltado com sua condição submissa e 
a consciência que tem da sua inferioridade social torna-o extremamente angustiado. É o anti-herói que, em primeira pessoa, relata 
um ano de sua vida. Um homem com os nervos em frangalhos, trinta e cinco, feio, funcionário público: “Trinta e cinco anos, 
funcionário público, (...) Além de tudo, sei que sou feio.”
 “Um sujeito feio: olhos baços, o nariz grosso, um sorriso besta e a atrapalhação, o encolhimento que é mesmo uma desgraça. 
(..) Habituei-me a escrever, como já disse. Nunca estudei, sou um ignorante, e julgo que os meus escritos não prestam. (...) 
Trabalho num jornal. À noite dou um salto por lá, escrevo umas linhas. (...)”
 Luís é produto da sociedade rural em decadência, pertencendo a dois mundos com os quais não consegue se identificar. O 
passado de desagregação da família ruralista a que pertence e o presente urbano em que se insere, não lhe trazem qualquer segurança 
ou compensação. Caracteriza-se como a própria imagem dessa dissolução na ausência significativa dos sobrenomes ancestrais 
importantes: apenas Luís da Silva, enquanto o avô fora Trajano Pereira de Aquino Cavalcante e Silva.
 A constante evocação de um passado decadente envolve a personagem em moticações psico-sociais, que se reúnem num 
complexo gerador e determinantes de suas opções como ser (indivíduo). A liberdade inexiste, tudo se acha previamente decidido 
e Luís da Silva, sem vontade, passivo e submisso, deixa-se envolver por todas as situações, arrastando-se por caminhos sem saída.
 Encurralado, sobrevive, alimentado por uma neurose que tem caminho certo: o crime. Quando imagina Julião Tavares numa 
fornalha “derretendo as banhas”, não está sonhando: é um desejo que ainda quer ver realizado.
 Isolado como pessoa, obcecado pelo ciúme, talvez pudesse respirar como ser social, como um intelectual que possui manuscritos 
guardados, periodicamente revistos, severamente julgados. Mas não, a prisão é a mesma, se não pior. Não existe possibilidade de 
identificação do seu trabalho com o mundo que o esmaga.
 Na ânsia de libertar-se das baneiras asfixiantes, é dominado pela ideia fixa de vingança: após o rompimento torna-se 
monomaníaco — só destruindo o seu rival, e Julião Tavares personifica tudo aquilo que ele não é, tudo aquilo que o conduziu 
a uma vida inútil e sem sentido —, é possível recuperar o equilíbrio perdido, afirmar-se como homem autêntico, superar a sua 
condição de coisa inerte e desprezível. O assassínio lhe parece a única maneira de sentir uma liberdade sempre desejada e 
jamais alcançada, a única forma real, possível de realização humana:
 “Nas redações, na repartição, no bonde, eu era um trouxa, um infeliz, amarrado. Mas ali, na estrada deserta, (Julião Tavares) 
voltar-me as costas como a um cachorro sem dentes! Não. Donde vinha aquela grandeza? Por que aquela segurança? Eu era 
um homem. Ali eu era um homem ... A obsessão ia desaparecer. Tive um deslumbramento. O homenzinho da repartição e 
do jornal não era eu ... Tinham-me enganado. Em trinta e cinco anos haviam-me convencido de que só me podia mexer pela 
vontade dos outros. Os mergulhos que meu pai dava no poço da Pedra, a palmatória do mestre Antônio Justino, os berros do 
sargento, a grosseria do chefe da repartição, a impertinência macia do diretor, tudo virou fumaça.”
 “O proprietário da casa, o diretor da repartição, o chefe da redação são homens que me dominam sem mostrar o focinho, 
manifestam-se pelo arame, num pedaço de papel.”
 Mata o rival: o inimigo tangível, símbolo de tudo o que ele odeia. Ou seja, Julião Tavares funciona como uma projeção 
das suas frustrações, dos seus recalques e dos seus desejos reprimidos. Imediatamente após o assassinato, Luís da Silva diz 
“veio-me a certeza de que me havia tornado velho e impotente. — Inútil, tudo inútil.”
Julião Tavares: rico bacharel, metido a patriota discursador. Gordo, carão redondo e vermelho, representa o chato, o intragável 
conquistador barato: seduzia as moças pobres, abandonando-as a seguir. Luís conhece-o, uma noite, no Instituto Histórico, passa 
a odiá-lo pelo seu jeito acanalhado: “Tudo nele era postiço, era dos outros.” Logo depois de engravidar e abandonar Marina, já 
está de amante nova, mocinha pobre dos arrabaldes. É assassinado por Luís da Silva.
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Marina: “Cabelos de milho, unhas pintadas, beiços vermelhos e o pernão aparecendo ...” É uma jovem mulher, vulgar, 
ambiciosa e extremamente interesseira. Vizinha e namorada do protagonista. Depois de gastar as economias do noivo em um enxoval 
irrealizado, deixou-se seduzir por Julião Tavares sem qualquer resistência. Grávida, é abandonada pelo “amigo” de Luís da Silva.
Seu Ramalho: pai de Marina, homem decente e sistemático, é um sujeito prático e de poucas palavras. Desgosta-lhe o 
comportamento da filha. Quer que ela arrume um emprego para ajudar nas despesas da casa. É ele quem primeiro alerta Luís sobre 
a futilidade de Marina avisando-o de que a filha não é “grande coisa”.
D. Adélia: mãe de Marina, é uma senhora muito simples e recatada. Fora bem bonita na juventude, mas o tempo encarregou-se 
de lhe tirar a beleza e a disposição. Submissa ao marido, queixa-se frequentemente de tudo e, segundo a visão do narrador, é a 
responsável pela “perdição da filha”. Ao contrário do marido, justifica todas as ações da filha. Estimula-a a um casamento de 
conveniência e joga-a de encontro a Julião, quando descobre que ele é rico.
Vitória: empregada de Luís da Silva. Velha, maníaca, lê todos os dias as notícias de saídas e chegadas de navios. Tagarela com 
o papagaio, mudo, a quem pretende ensinar palavras. Furta moedas encontradas pela casa e, junto com seu salário, enterra no 
fundo do quintal, na horta, ao lado dos pés de alface. “A voz é áspera e desdentada. E, acompanhando a cadência, tremem as 
pelancas do pescoço de peru, tremem os pêlos do buço e as duas verrugas escuras. É terrivelmente feia.”
Seu Ivo: pobre coitado que viaja por todo lado, “entra nas casas sem se anunciar” e está sempre faminto. É dele que o narrador 
recebe, como presente, a corda com a qual enforcará Julião.
Moisés: judeu amigo do protagonista. Credor de Luís, envergonha-se de cobrar o amigo. É socialista e pessimista inveterado.
 Cada personagem, por suas características e seus comportamentos, permite que seja identificada como pertencente a uma 
determinada camada social do Brasil. Luís da Silva identifica-se com a população sertaneja em declínio e em processo de 
empobrecimento, a qual não consegue adaptar-se aos novos modelos econômicos e sociais da vida urbana. Marina e seus pais, sobretudo 
D. Adélia, representam uma classe desfavorecida, mas cujos interesses centram-se em uma possível ascensão social, mais do 
que econômica. Vitória e Ivo são seres excluídos da economia do país: a criada trabalha em troca do escasso dinheiro que 
Luís pode lhe oferecer, mas nada gasta; e o andarilho, privado de qualquer bem, sobrevive por meio das esmolasrecebidas nas 
cidades. Enfim, Julião Tavares, o milionário negociante, insere-se nos padrões sociais de pessoas que enriqueceram devido à 
transferência do capital do campo para a cidade. Às custas do declínio da economia rural, os centros urbanos passam a centralizar 
o dinheiro do país. Julião Tavares faz parte do seleto grupo de pessoas que, além de usufruir do capital, tornam-se exploradoras 
do trabalho que cabe a figuras como Luís da Silva, seu Ramalho, Marina e Vitória desempenhar. 
 
ENREDO
 O livro foi escrito por Luís um mês depois do crime e do delírio febril, lançando mão do recurso de flashback. O narrador 
confidencia os detalhes dos seus pensamentos e de suas ações e os sentimentos que resultaram dos acontecimentos ocorridos.
 Para narrar sua história com Marina e Julião Tavares, Luís traz ao fluxo narrativo principal suas memórias sertanejas, as quais 
intervêm nos fatos mais recentes e quebram a linearidade da narração, que possui dois processos de memória: a do passado distante 
e rural e a do passado próximo e urbano, de pouco mais de um ano atrás, quando Luís vê Marina pela primeira vez.
 No início do romance, Luís, um mês após se recuperar da febre, ainda com as mãos machucadas pela corda usada no enforcamento 
de Julião Tavares, comenta seu dia a dia sem grandes interesses: o trabalho na repartição pública; o encontro no fim da tarde com 
seus colegas Pimentel e Moisés (esse, judeu e revolucionário, com quem Luís já se endividara); os passeios pela cidade e pelos 
cafés; o atraso no pagamento do aluguel a dr. Gouveia; a rotina com a criada Vitória, que enterra seus trocados ao pé da cerca do 
quintal e se distrai com as notícias do porto e com as conversas com o papagaio; e a leitura de artigos e livros. Luís não consegue 
se ater às ações cotidianas. Seus afazeres são sempre interrompidos pela lembrança de Julião Tavares e de Marina e pela memória 
dos acontecimentos do sertão e das dificuldades por que passara depois de chegar à cidade.
 No primeiro parágrafo do livro, o narrador, no ritmo em que flui sua consciência, conta ao leitor sua infância, sua trajetória 
pelo sertão e pelas cidades, sua paixão, seu ódio, seus pensamentos e o crime:
	 Levantei-me	há	 cerca	de	 trinta	dias,	mas	 julgo	que	ainda	não	me	 restabeleci	 completamente.	Das	 visões	 que	me	
perseguiam	naquelas	noites	compridas	umas	sombras	permanecem,	sombras	que	se	misturam	à	realidade	e	me	produzem	
calafrios.(...)
	 Impossível	trabalhar.	Dão-me	um	ofício,	um	relatório,	para	datilografar,	na	repartição.	Até	dez	linhas	vou	bem.	Daí	
em	diante	a	cara	balofa	de	Julião	Tavares	aparece	em	cima	do	original,	e	os	meus	dedos	encontram	no	teclado	uma	
resistência	mole	de	carne	gorda.	E	lá	vem	o	erro.(...)
	 Não	consigo	escrever.	Dinheiro	e	propriedades,	que	me	dão	sempre	desejos	violentos	de	mortandade	e	outras	destruições	
(...),	dr.	Gouveia,	Moisés,	homem	da	luz,	negociantes,	políticos,	diretor	e	secretário,	tudo	se	move	na	minha	cabeça,	como	
um	bando	de	vermes,	em	cima	de	uma	coisa	amarela,	gorda	e	mole	que	é,	reparando	bem,	a	cara	balofa	de	Julião	Tavares	
muito	aumentada. Graciliano Ramos. Angústia. Posfácio de Silviano Santiago. 60a ed. Rio, São Paulo: Record, 2004.
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 Além da memória obsessiva do crime que cometera, do qual o leitor só tomará conhecimento no final do romance, o trecho 
acima deixa evidente o espírito revolucionário de Luís ao identificar, com raiva, as figuras representantes de uma sociedade desigual 
e opressora.
 O narrador começa a entranhar-se nas lembranças do passado remoto e do passado recente, oscilando entre os tempos e entre 
os espaços e fazendo comparações entre os seus desejos e pensamentos:
	 O	poço	da	Pedra	era	uma	piscina	enorme.(...)	Quando	eu	ainda	não	sabia	nadar,	meu	pai	me	 levava	para	ali,	
segurava-me	um	braço	e	atirava-me	num	lugar	fundo.	Puxava-me	para	cima	e	deixava-me	respirar	um	instante.	Em	
seguida	repetia	a	tortura.(...)
	 Se	eu	pudesse	fazer	o	mesmo	com	Marina,	afogá-la	devagar,	trazendo-a	para	a	superfície	quando	ela	estivesse	perdendo	
o	fôlego,	prolongar	o	suplício	um	dia	inteiro...
Graciliano Ramos. Angústia. op. cit..
 Luís revela as figuras que fizeram parte de sua mocidade, a morte do pai, Camilo Pereira da Silva, e a solidão que se instalou 
depois disso, tendo de perambular pelas cidades para garantir sua sobrevivência:
	 Via	a	casa	da	fazenda,	arruinada,	os	bichos	definhando	na	morrinha,	o	chiqueiro	bodejando,	relâmpagos	cortando	o	
céu.(...)	Desde	esse	dia	tenho	recebido	muito	coice.(...)	Aquilo	agora	tinha	outro	dono.(...)	Que	estaria	fazendo	a	alma	de	
Camilo	Pereira	da	Silva?	Provavelmente	rondava	a	casa,	entrava	pelas	portas	fechadas,	olhava	as	prateleiras	vazias.	As	
outras	almas	mais	antigas,	Trajano,	seu	Evaristo,	sinha	Germana,	não	me	atemorizavam;	mas	aquela,	tão	próxima,	ainda	
agarrada	ao	corpo,	dava-me	tremuras.	O	suor	corria-me	pelo	rosto.	Como	estariam	os	pés	de	Camilo	Pereira	da	Silva?	
Certamente	estavam	inchados,	verdes,	com	pedaços	ficando	pretos.
Graciliano Ramos. Angústia. op. cit.
 E, nesse movimento de oscilação temporal, o protagonista começa a relatar o dia em que viu Marina pela primeira vez e 
suas impressões sobre ela (era	uma	sujeitinha	vermelhaça,	de	olhos	azuis	e	cabelos	tão	amarelos	que	pareciam	oxigenados), 
ao mesmo tempo em que recupera outros acontecimentos do passado e descreve sua rotina no tempo presente.
	 Ainda	não	contei	que	moro	na	rua	do	Macena,	perto	da	usina	elétrica.	Ocupado	em	várias	coisas,	frequentemente	
esqueço	o	essencial.	Que,	para	mim,	a	casa	onde	moramos	não	tem	importância	grande	demais.	Tenho	vivido	em	inúmeros	
chiqueiros.(...)	Não	esperem	a	descrição	destas	paredes	velhas	que	dr.	Gouveia	me	aluga,	sem	remorso,	por	cento	e	vinte	
mil-réis	mensais,	fora	a	pena	de	água.(...)
	 Afinal,	para	a	minha	história,	o	quintal	vale	mais	que	a	casa.	Era	ali,	debaixo	da	mangueira,	que,	de	volta	da	repartição,	
me	sentava	todas	as	tardes,	com	um	livro.	Foi	lá	que	vi	Marina	pela	primeira	vez,	em	janeiro	do	ano	passado.	E	lá	nos	
tornamos	amigos.
Graciliano Ramos. Angústia. op. cit.
 Desde o primeiro momento, Luis encanta-se e deixa-se dominar por Marina, apesar de achar a moça frívola e fútil pelos 
interesses materiais demonstrados por ela e pela admiração que a mesma tem por d. Mercedes, uma vizinha espanhola vaidosa, 
amante de um oficial que a visita de madrugada. Marina mostra-se também muito vaidosa e interessada em luxos e riquezas, o 
que irrita Luís, na medida em que ele vai se apaixonando por ela. Leia um trecho em que o narrador, num momento de reflexão, 
evidencia sua criação sertaneja, rude e machista, comparando Marina às prostitutas que circulavam pela rua da Lama:
	 Para	o	diabo.	Aqui	me	preocupando	com	aquela	burra!	Unhas	pintadas,	beiços	pintados,	biblioteca	das	moças,	preguiça,	
admiração	a	d.	Mercedes.	—	total:	rua	da	Lama.	Acaba	na	rua	da	Lama,	sangrando	na	pedra-lipes.	Vamos	deixar	de	
besteira,	seu	Luís.	Um	homem	é	um	homem.
Graciliano Ramos. Angústia. op. cit.
 Na época em que se aproximara de Marina, Luís conheceu Julião Tavares, com quem logo se indispôs. Mesmo assim, o 
milionário passou a frequentar a casa e a vizinhança de Luís, pedindo artigos a este e vendendo favores às pessoas.
	 Conheci	esse	monstro	numa	festa	de	arte	no	Instituto	Histórico.(...)	Pelo	meio	da	função	um	sujeito	gordo	assaltou	a	
tribuna	e	gritou	um	discurso	furioso	e	patriótico.(...)	À	saída	deu-me	um	encontrão,	segurou-me	um	braço	e	impediu	que	
me	despencasse	pela	escada	abaixo.(...)
	 Conversa	vai,	conversa	vem,	fiquei	sabendo	por	alto	a	vida,	o	nome	e	as	intenções	do	homem.	Família	rica.	Tavares	
&	Cia.,	negociantes	de	secos	e	molhados,	donos	de	prédios,	influentes	da	Associação	Comercial,	eram	uns	ratos.(...)
	 Dias	depois	fez-me	uma	visita.	Em	seguida	familiarizou-se.(...)
	 —	Que	diabo	vem	fazer	esse	sujeito?	murmurei	com	raiva	no	dia	em	que	Julião	Tavares	atravessou	o	corredor	sem	
pedir	licença	e	entrou	na	sala	de	jantar,	vermelhoe	com	modos	de	camarada.
Graciliano Ramos. Angústia. op. cit.
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 São descritas, no meio do romance, as personagens que convivem com o protagonista na vizinhança: d. Rosália, cujo marido 
está sempre viajando, e sua criada Antônia; Lobisomem, apelido dado pelas bocas más, e suas três filhas; o homem que enche 
dornas; e a mulher que lava garrafas. Mas é com os pais de Marina que Luís tem mais contato. D. Adélia é uma mulher submissa 
e desencantada; seu Ramalho, um homem seco e humilde, que conhece o caráter leviano da filha e adverte Luís.
 Depois de firmar o namoro com Marina e endividar-se para lhe dar dinheiro para o enxoval, um dia, ao voltar do trabalho, Luís 
surpreende a noiva com Julião Tavares à janela. Inicia-se aí o processo de desilusão e de auto-destruição do narrador.
 A	roupa	do	 intruso	era	bem	 feita,	os	 sapatos	brilhantes.	Baixei	a	cabeça.	Os	meus	 sapatos	novos	estavam	mal	
engraxados,	cobertos	de	poeira.	Pés	de	pavão.(...)
	 Lembrei-me	da	fazenda	de	meu	avô.	As	cobras	se	arrastavam	no	pátio.(...)	Certo	dia	uma	cascavel	se	tinha	enrolado	
no	pescoço	do	velho	Trajano,	que	dormia	no	banco	do	copiar.	Eu	olhava	de	longe	aquele	enfeite	esquisito.	A	cascavel	
chocalhava,	Trajano	dançava	no	chão	de	terra	batida	e	gritava:	—	‘Tira,	tira,	tira.’.
Graciliano Ramos. Angústia. op. cit.
 Este é o primeiro momento em que Luís pensa em exterminar Tavares, visto que, ao se sentir traído, vem-lhe à memória a 
morte do avô enforcado por uma cobra.
 O protagonista, na tentativa de livrar-se da angústia e da raiva provocadas pelo prenúncio da traição, sai a perambular pelas 
ruas e pelos bares suburbanos, deita-se com uma prostituta de quem tem pena, embebeda-se.
 Marina, no primeiro instante, nega a Luís a traição, dissimulando e pedindo mais dinheiro para comprar tapetes e outros objetos 
do enxoval.
 Assim,	acabei	de	encalacrar-me.	Marina	recebeu	os	panos	friamente,	 insensível	ao	sacrifício	que	eu	fazia,	aquela	
ingrata.	Se	eu	não	tivesse	cataratas	no	entendimento,	teria	percebido	logo	que	ela	estava	com	a	cabeça	virada.	Virada	
para	um	sujeito	que	podia	pagar-lhe	camisas	de	seda,	meias	de	seda.(...)	Nem	olhou	os	pobres	trapos,	que	ficaram	em	
cima	de	uma	cadeira,	esquecidos.
Graciliano Ramos. Angústia. op. cit.
 Pouco a pouco, Marina afasta-se de Luís e aproxima-se de Julião Tavares, o qual algumas tardes visitava a moça. O narrador 
procura, então, outras mulheres em seus dias (a	mulher	dos	olhos	agateados) e em sua memória, relembrando as moças, todas 
com pouca importância, com quem já havia se relacionado.
 Tavares, enfim, seduz Marina e começa a namorá-la, inclusive dentro da casa de seu Ramalho. A ideia do assassinato instalava-
se gradativamente na mente de Luís. Associações ocorriam-lhe enquanto esse observava um cano preso à parede de sua casa, 
ouvindo os rumores da conversa entre Julião Tavares e Marina na casa vizinha:
 O	cano	estirava-se	como	uma	corda	grossa	bem	esticada,	uma	corda	muito	comprida.(...)	A	voz	precipitada	de	Marina	
era	ininteligível;	a	de	Julião	Tavares	percebia-se	distintamente	e	causava-me	arrepios:	fazia-me	pensar	em	gordura,	em	
brancura,	em	moleza,	em	qualquer	coisa	semelhante	a	toicinho	cru.	Pescoço	enorme,	sem	ossos,	tudo	banha.(...)	Se	o	
homem	se	calasse,	as	minhas	apoquentações	diminuiriam.(...)	E	olhava	com	insistência	o	cano	que	se	estirava	ao	pé	da	
parede,	como	uma	corda.
Graciliano Ramos. Angústia. op. cit.
 Obcecado pelo ciúme, pela inveja e pela raiva, Luís dedica vários momentos à perseguição do casal, seguindo Marina e 
Julião Tavares pela cidade. Atormentado pelo desalento da solidão e da exclusão que sempre sentiu em sua vida, num processo 
de autodegradação, o narrador recorda as humilhações das quais fora vítima ao migrar para o mundo urbano:
 Além	disso,	eu	necessitava	beber	muito,	sentia	preguiça,	passava	horas	no	café,	esbagaçando	dinheiro.	O	ordenado	
voava,	as	dívidas	cresciam.
	 Naquele	momento,	porém,	não	pensava	em	nada	disso.	Pensava	na	miséria	antiga	e	tinha	a	impressão	de	que	estava	
amarrado	de	cordas,	sem	poder	mexer-me.(...)	A	fome	triturava-me	a	barriga,	uma	fome	de	muitos	dias,	enganada	com	
pedaços	de	pão	e	cálices	de	aguardente.
Graciliano Ramos. Angústia. op. cit.
 O narrador também confidencia sua visão do amor e como se comporta em relação aos seus desejos. Luís é um homem de 
natureza rural, recalcado e repressor da sua própria excitação, menos por preconceito do que por não saber lidar com o delírio 
amoroso. No trecho em que comenta os suspiros advindos da casa de d. Rosália, que recebia a visita do marido, Luís confessa que 
se entretém com os barulhos, aos quais associa lembranças de Marina e de sua avó na fazenda:
 Agora	não	podia	arredar-me	dali.(...)	Que	me	importava	que	Marina	fosse	de	outro?	As	mulheres	não	são	de	ninguém,	
não	têm	dono.	Sinha	Germana	fora	de	Trajano	Pereira	de	Aquino	Cavalcante	e	Silva,	só	dele,	mas	há	que	tempo!	Trajano	
possuíra	escravos,	prendera	cabras	no	tronco.	E	os	cangaceiros,	vendo-o,	varriam	o	chão	com	a	aba	do	chapéu	de	couro.	
Tudo	agora	diferente.	Sinha	Germana	nunca	havia	trastejado:	ali	no	duro,	as	costas	calejando	a	esfregar-se	no	couro	
cru	do	leito	de	Trajano.	—	‘Sinha	Germana!’	E	sinha	Germana,	doente	ou	com	saúde,	quisesse	ou	não	quisesse,	lá	estava	
pronta,	livre	de	desejos,	tranquila,	para	o	rápido	amor	dos	brutos.	Malícia	nenhuma.	Como	a	cidade	me	afastara	de	meus	
avós!	O	amor	para	mim	sempre	fora	uma	coisa	dolorosa,	complicada	e	incompleta.
Graciliano Ramos. Angústia. op. cit.
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 O recalque de Luís, mais do que simples repressão, é fruto da não identificação com os valores das sociedades com as quais 
conviveu. Não é um homem poderoso como fora seu avô, mas sim uma insignificante e pobre figura, em meio a tantas outras, na 
vasta paisagem urbana. Luís não encontra respostas aos seus desejos em parte alguma: nem em sua educação e no seu passado, 
nem em seu presente. Esse desencontro entre o protagonista e o amor constitui um dos motivos para a consumação do crime: 
Luís mata o homem que o impede de realizar sua satisfação.
 O afastamento de Luís e Marina prolonga-se por muitos meses, mas a agonia do narrador não se ameniza com o tempo. Pelo 
contrário, quanto mais Luís esmiuça os fatos e suas lembranças de outros tempos, mais sua imaginação é tomada pelo romance 
da moça com Julião Tavares.
 Certos	atos	aparecem	inexplicáveis.	Até	as	feições	das	pessoas	e	os	lugares	por	onde	transitei	perdem	a	nitidez.	Tudo	
aquilo	era	uma	confusão,	em	que	avultava	a	ideia	de	reaver	Marina.	Mais	de	um	mês,	quase	dois	meses	em	intimidade	
com	o	outro.	Procurei	por	todos	os	meios	uma	nova	aproximação.	O	despeito,	a	raiva	que	senti	naqueles	dias	compridos,	
uns	restos	de	amor	próprio,	tudo	se	sumiu.
Graciliano Ramos. Angústia. op. cit.
 O trecho permite perceber a intensificação do desespero do narrador anulando-se frente ao sentimento de traição e humilhação. 
Ele perde o resto do amor próprio. Conforme se encaminha para o final, o romance adquire uma atmosfera sombria, como se 
a degradação de Luís se fortalecesse a ponto de dominá-lo por completo. O estado de delírio vai se acentuando e o narrador 
passa a perseguir o casal com maior frequência, cada vez mais inconformado com a destacada posição social e as atitudes 
de Julião Tavares, contrastantes com a sua posição medíocre e submissa na sociedade. Luís, aos poucos, conscientiza-se do 
ínfimo valor que tem perante os outros, como se Tavares lhe roubasse o prestígio, social e amoroso, que ele poderia vir a 
conquistar. O assassinato mais fortemente se anuncia.Um esbarrão acidental de Luís em uma mulher grávida na rua leva-o 
à imagem onírica da gravidez de Marina:
 A	aba	do	meu	chapéu	de	palha	bateu-lhe	na	testa,	provavelmente	feriu-a.(...)	Era	uma	mulher	gorda,	amarela,	mal	
vestida,	com	uma	barriga	monstruosa.	Não	sei	como	podia	andar	na	rua	conduzindo	aquela	gravidez	que	estava	por	dias.
(...)	Com	uma	das	mãos	segurava	o	braço	de	umacriança	magra	e	pálida,	com	a	outra	escondia	o	olho	e	um	pedaço	da	
cara.(...)	Com	certeza	já	vinha	recebendo	encontrões,	e	aquele,	demasiado	rude,	lhe	esgotara	a	paciência.	Andar	no	meio	
da	multidão,	aos	emboléus,	com	semelhante	barriga!	Só	muita	necessidade.(...)
	 Agora	havia	duas	imagens	distintas:	uma	barriga	que	se	alargava	pela	cidade	e	a	mulher	que	mostrava	apenas	um	
pedaço	de	cara.	Nessa	parte	visível,	endurecida	pelo	sofrimento,	pouco	a	pouco	se	esboçavam	as	feições	de	Marina.	Os	
cabelos,	que	a	mulher	tinha	grisalhos,	tornavam-se	louros.	A	bochecha	era	pintada,	a	metade	da	boca	excessivamente	
vermelha,	o	olho	único	muito	azul.
	 Eu	fervia	de	raiva.	Se	tivesse	encontrado	Julião	Tavares	naquele	dia,	um	de	nós	teria	ficado	estirado	na	rua.
Graciliano Ramos. Angústia. op. cit.
 Mais uma vez, Luís cogita matar Julião Tavares. Ao saber que a gravidez de Marina era um fato, escutando-a conversar 
com d. Adélia enquanto tomava banho, o narrador aumenta seu ódio por Tavares. Parodoxalmente a isso, sua preocupação, sua 
atração e seu zelo por Marina crescem. Para Luís, Marina merecia compaixão, e Tavares, a morte como justiça. No romance, 
o narrador declara essa sentença recordando a relação de posse que seu avô tinha sobre as pessoas da fazenda. Numa inversão 
dos papéis sociais e tomado pela sensação de superioridade a Julião Tavares, Luís declara:
	 Julião	Tavares	devia	morrer.	Não	procurei	investigar	as	razões	desta	necessidade.	Ela	se	impunha,	entrava-me	na	
cabeça	como	um	prego.(...)
	 Marina	era	instrumento	e	merecia	compaixão.(...)	Julião	Tavares	também	era	instrumento,	mas	não	senti	pena	dele.	
Senti	foi	o	ódio	que	sempre	me	inspirou,	agora	aumentado.(...)	vio-o	roxo,	os	olhos	esbugalhados,	a	língua	fora	da	boca.	
Pensei	muitas	vezes	nos	bíceps	do	homem	acaboclado	que	ensinava	capueira	ao	rapaz,	no	alto	do	Farol.	Por	uma	aberração,	
imaginava	que	aqueles	músculos	eram	meus.
	 Os	músculos	de	mestre	Domingos	eram	do	velho	Trajano.	Os	músculos	e	o	ventre	de	Quitéria	também.	Sinha	Germana	
concebia	e	paria	no	couro	de	boi,	a	que	o	atrito	e	a	velhice	tinham	levado	o	cabelo.
Graciliano Ramos. Angústia. op. cit.
 Logo depois, Luís ganha de seu Ivo, andarilho que sempre o visitava a pedir comida, um pedaço de corda, presente ao 
qual reage com fúria, como se quisesse afastar da mente a ideia e a possibilidade cada vez mais facilitada do assassinato. Em 
posse da corda, Luís traz à lembrança vários crimes e várias imagens de defuntos que presenciara no sertão e carrega a todos 
os lugares o objeto, guardado no bolso do paletó.
 Uma tarde, enquanto seguia Marina, Luís a vê entrando na casa de uma parteira, em um bairro afastado, para realizar um 
aborto. Muito preocupado, o protagonista espera pela moça durante horas. Na saída, Luís a segura pelo braço, xinga-a e a leva 
de volta à cidade. Esse acontecimento foi o estopim para que o narrador decidisse pelo assassinato de Julião Tavares.
 Luís descobre a casa da nova amante do milionário e, uma noite, persegue-o. Espera-o por horas até que ele saia e retome, 
a pé, a estrada de ferro. Há névoa na paisagem descrita, numa alusão ao estado psíquico atormentado de Luís.
FUVEST – 2020 – AngústiA10
 Julião	Tavares	flutuava	para	a	cidade,	no	ar	denso	e	leitoso.	Estaria	longe	ou	perto?	Aparecia	vagamente	nos	pontos	
iluminados,	em	seguida	o	nevoeiro	engolia-o,	e	eu	tinha	a	impressão	de	que	ele	ia	voar,	sumir-se.
Graciliano Ramos. Angústia. op. cit.
 Durante a obstinada perseguição, Luís exalta as lembranças do sertão, a força e o modo de lutar dos sertanejos, as tocaias 
montadas por seu avô e pelo cangaceiro José Baía, a quem invoca para garantir coragem naquela sua tocaia solitária. Nesse 
momento, Luís divide-se entre o homem fraco e oprimido da cidade e o homem duro e valente do campo.
 Desejei	que	Julião	Tavares	fugisse	e	me	livrasse	daquele	tormento.(...)	Pensei	em	gritar,	avisá-lo	de	que	havia	perigo,	
mas	o	grito	morreu-me	na	garganta.	Não	grito:	habituei-me	a	falar	baixinho	na	presença	dos	chefes.(...)	Ao	mesmo	tempo	
encolerizei-me	por	ele	estar	pejando	o	caminho,	a	desafiar-me.	Então	eu	não	era	nada?	Não	bastavam	as	humilhações	
recebidas	em	público?	No	relógio	oficial,	nas	ruas,	nos	cafés,	virava-me	as	costas.	Eu	era	um	cachorro,	um	ninguém.(...)		
Nas	redações,	na	repartição,	no	bonde,	eu	era	um	trouxa,	um	infeliz,	amarrado.	Mas	ali,	na	estrada	deserta,	voltar-me	as	
costas	como	a	um	cachorro	sem	dentes!	Não.(...)	Eu	era	um	homem.	Ali	eu	era	um	homem.
Graciliano Ramos. Angústia. op. cit.
 Num salto, Luís enlaça o pescoço do inimigo. Tomado pelo seu papel de justiceiro e esquecido de sua insignificância no 
mundo urbano, sente-se superior a todos os moradores da cidade, os quais, segundo ele, haviam-no enganado e dominado por 
trinta e cinco anos. Sua vingança está consumada. Morto Julião Tavares, Luís amarra a corda no pescoço do defunto e o pendura 
em um galho de árvore a fim de simular um suicídio. Esse movimento é que fornece às mãos do narrador os machucados citados 
no início do romance.
 Porém, a sensação de liberdade e de alívio dura pouco. Logo, Luís sofre novamente com o pavor da prisão, mecanismo urbano 
de justiça, diante do qual voltaria a ser ninguém. Exausto, arrasta-se pela estrada em direção à cidade, sem noção das horas. É 
madrugada. No caminho, suas memórias dos acontecimentos e das figuras do sertão intensificam-se e misturam-se rapidamente 
às memórias de Marina e dos dois romances que ela teve. Entrelaçam essa oscilação a febre e o delírio que escravizam Luís e o 
fazem remontar toda a sua história numa espécie de transe. No extenso monólogo final, elementos se combinam aleatoriamente, 
em desordem temporal e espacial. Luís entreva-se na cama, doente, em surto febril, e só um mês depois de se levantar é que 
começa a escrever o romance que acabamos de comentar.
 O livro finaliza-se no próprio delírio, não há uma explicação final e objetiva do narrador. Permanece apenas a sensação de 
que o narrador não saiu do estado febril e inconsciente ao terminar de escrever sua história. A atmosfera de sonho fica suspensa 
e a angústia de Luís da Silva, expressa em imagens pinceladas por ele, transfere-se para o leitor, que se depara com a ausência 
de um desfecho que dissipe a sombra dos sentimentos, dos pensamentos e da culpa do narrador-personagem.
 Após citar visões embaçadas de todas as personagens mencionadas ao longo do romance, Luís termina:
 (...)	Acomodavam-se	todos.(...)	Milhares	de	figurinhas	insignificantes.	Eu	era	uma	figurinha	insignificante	e	
mexia-me	com	cuidado	para	não	molestar	as	outras.(...)	Íamos	descansar.	Um	colchão	de	paina.
Graciliano Ramos. Angústia. op. cit.
TRECHO ANALISADO
 Por	que	seria	que	o	peitilho	de	Julião	Tavares	brilhava	tanto	e	não	se	amarrotava?	Julião	Tavares	ficava	duro	como	
um	osso	fraturado	envolvido	em	gesso,	tinha	o	espinhaço	aprumado	em	demasia,	olhava	em	frente,	com	segurança,	a	vinte	
passos.	O	peitilho	da	camisa	absolutamente	chato.
	 A	minha	camiseta	entufa	no	peito,	é	um	desastre.	Quando	caminho,	a	cabeça	baixa,	como	a	procurar	dinheiro	no	
chão,	há	sempre	muito	pano	subindo-me	na	barriga,	machucando-se,	e	é	necessário	puxá-lo,	ajeitá-lo,	sujeitá-lo	com	
o	cinto,	que	se	afrouxa.	Estes	movimentos	contínuos	dão-me	a	aparência	de	um	boneco	desengonçado,	uma	criatura	
mordida	 pelas	 pulgas.(...)	 Também	 não	 é	 possível	manter	 a	 espinha	 direita.	O	 diabo	 tomba	 para	 a	 frente,	 e	 lá	 vou	
marchando	como	se	fosse	encostar	as	mãos	no	chão.	Levanto-me.	Sou	um	bípede,	é	preciso	ter	a	dignidade	dos	bípedes.	
Um	 cachorro	 como	 Julião	 Tavares	 andar	 empertigado,	 e	 eu	 curvar-me	 para	 a	 terra,	 como	 um	 bicho!	Desentorto	 o	
espinhaço.	Que	é	que	pode	me	acontecer?	Se	dr.	Gouveia	passar	por	mim,	finjo	não	vê-lo.	É	impossível	pagar	o	aluguel	
da	casa.	Não	pago.	Hei	de	furtar?	Dr.	Gouveia	que	se	lixe.	Se	o	governador	e	o	secretário	me	encontrarem,	é	como	se	não	
encontrassem.	Não	os	enxergo,	na	rua	sou	um	homem.(...)	Sou	um	bípede.	É	isto,	um	bípede.	Masnão	é	necessário	que 
dr.	Gouveia,	o	governador	e	o	secretário	apareçam	na	rua.	Aliás	é	bom	que	eu	não	veja	essas	criaturas	exigentes.	Se	elas	
desejarem	qualquer	coisa	de	mim,	falarão	longe:	escreverão	um	bilhete	ou	darão	uma	ordem	para	o	jornal,	ao	Pimentel,	
pelo	telefone.	Mandarei	um	mês	do	aluguel	da	casa,	se	puder,	ou	escreverei	mais	uma	coluna	que	já	escrevi	centenas	de	
vezes	e	reproduzo	sempre,	substituindo	palavras.	Esses	homens	dominam-me	sem	mostrar	o	focinho:	manifestam-se	pelo	
arame,	num	pedaço	de	papel.
Graciliano Ramos. Angústia. op. cit.
 As reflexões acima ocorrem no momento em que Luís, da janela de sua casa, avista a limousine de Julião Tavares, o qual 
vem buscar Marina para a última apresentação de uma companhia lírica que estava em Maceió. Nesse trecho, é possível perceber 
recursos muito utilizados pela Segunda Geração Modernista, como a linguagem simples e longe de radicalismos.
FUVEST – 2020 – AngúSTiA 11
A
N
G
Ú
S
T
IA
 A inovação em Angústia dá-se pelo conteúdo: um ser 
humano, produto de uma sociedade oligárquica desaparecida, 
tenta, de modo desajeitado, adaptar-se a uma nova estrutura 
social, cujos valores e cuja moral são diferentes dos que o 
formou. Nessa tentativa de inclusão, o homem debate-se 
contra a sua própria consciência, pois ele sabe que será sempre 
excluído dos novos meios políticos e econômicos.
 As constantes comparações que o narrador-personagem 
faz entre os homens e os bichos, recurso característico do 
Naturalismo, evidenciam a consciência angustiada do homem 
frente às fúteis relações sociais que se formam à sua volta e 
contra as quais nada consegue fazer. Luís da Silva, pela maneira 
como descreve suas atitudes, é quase um rato, semelhante 
àqueles com os quais ele convive em sua casa: curva-se para 
o chão e para as pessoas de poder social, envergonha-se de 
si mesmo, não consegue olhar de frente para as criaturas 
exigentes, não se sente digno da convivência com elas. Prefere 
sumir diante delas, mesmo sabendo da frivolidade de caráter 
que domina todos.
 Mesmo quando tenta se considerar um ser digno de 
respeito, resume-se a um bípede, classificação animalizante 
e reducionista que o separa dos homens dotados de cultura e 
conhecimento.
 O momento de realização de Luís no romance é 
o enforcamento a que submete Julião Tavares. Nesse 
acontecimento, os dois lutam como dois animais, pela força e 
flexibilidade física. O protagonista dá o bote como fez a cascavel 
com seu avô Trajano. Foi a única possibilidade de o narrador 
ver a justiça feita em relação às leviandades de Tavares.
 Luís é um ser desprovido do acesso à justiça, à moral e 
ao dinheiro. E a sua consciência dessa situação faz que ele se 
considere ainda mais impotente, mais submisso e mais revoltado.
BIBLIOGRAFIA
— Ramos, Graciliano - Angústia, Livraria Martins Editora, São Paulo, 
1964, 9a ed.
— Puccinelli, Lamberto - Graciliano Ramos, Edições Quíron/Mec, 
1975
— Brayner, Sônia - Graciliano Ramos, Coleção Fortuna Crítica 2, 
Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1977
— Cândifo, Antônio - Formação da Literatura Brasileira, 2 vols, 
Editora Itatiaia/Edusp, Belo Horizonte, 1975
— Cândido, Antônio e Castello, Aderaldo - Presença da Literatura 
Brasileira, Difel, 1976
— Todovov, Tzvetan - As Estruturas Narrativas, Editora Perspectiva, 
São Paulo, 1970
EXERCÍCIOS
01. (PUC-SP) Otto Maria Carpeaux, analisando o romance de 
Graciliano Ramos, afirma: “Após ter lido Angústia até o fim, é 
preciso rever as primeiras páginas, para compreendê-las.”
 Isso se justifica porque o romance apresenta
 a) um mundo fechado em si mesmo, mas com linhas narrativas 
independentes e soltas.
 b) estrutura circular em que início e fim se tocam em relação de 
causa e efeito.
 c) relação temporal em que o passado e o presente se interpenetram, 
dando ao texto uma estrutura labiríntica.
 d) narração em terceira pessoa, com linha narrativa ondulatória.
 e) desordem na sequência narrativa como consequência do distúrbio 
mental que acometera a personagem.
02. (PUC-SP) O crítico Álvaro Lins, analisando o romance Angústia, 
de Graciliano Ramos, assim se expressa: 
 “As personagens são projeções da personagem principal. Julião 
Tavares e Marina só existem para que Luís da Silva se atormente 
e cometa o seu crime. Tudo vem ao encontro do personagem 
principal — inclusive o instrumento do crime.”
 De acordo com esse texto e considerando a trama do romance, é 
possível depreender-se que
 a) Luís da Silva e Julião Tavares são projeções de um mesmo 
sentimento, qual seja o de destruição e morte de Marina.
 b) Luís da Silva, acometido por uma crise de ciúme, mata Marina, 
a vizinha por quem nutria uma paixão recalcada.
 c) o instrumento do crime ocorrido na narrativa foi um pedaço 
de cano que, segundo Luís da Silva era uma	arma	terrível,	sim	
senhor,	rebenta	a	cabeça	dum	homem.
 d) Julião Tavares seduz Marina, ex-namorada de Luís da Silva, 
e este se vinga, estrangulando-o com um pedaço de corda, 
presente de Seu Ivo.
 e) traído e espezinhado no orgulho de homem por Julião Tavares, 
Luís da Silva usa uma cobra como instrumento para enforcar 
o rival.
03. (UF-RS/2015) Leia a seguinte afirmação sobre a obra de Graciliano 
Ramos e avalie se ela está correta ou incoreta.
 Justifique sua resposta.
 No romance Angústia, Luís da Silva narra seu dilema de ou 
casar-se com a vizinha Marina ou mudar-se para o Rio de Janeiro 
para trabalhar como funcionário público.
FUVEST – 2020 – AngústiA12
04. (ITA-SP) Leia o texto seguinte:
Graciliano	Ramos:
Falo	somente	com	o	que	falo:
Com	as	mesmas	vinte	palavras
girando	ao	redor	do	sol
que	as	limpa	do	que	não	é	faca:
de	toda	uma	crosta	viscosa,
resto	de	janta	abaianada,
que	fica	na	lâmina	e	cega
seu	gosto	da	cicatriz	clara.
(...)
João Cabral de Melo Neto
 a) No poema, João Cabral faz referência ao estilo de Graciliano 
Ramos. Destaque um trecho do excerto acima e comente a 
caracterização feita pelo autor do poema.
 b) Justifique a colocação dos dois pontos após o nome Graciliano 
Ramos no título do poema.
05. (UNICAMP-SP) Leia o seguinte trecho extraído do romance 
Angústia:
	 Onde	andariam	os	outros	vagabundos	daquele	tempo?	Naturalmente	
a	fome	antiga	me	enfraqueceu	a	memória.	Lembro-me	de	vultos	
bisonhos	que	se	arrastavam	como	bichos,	remoendo	pragas.	Que	
fim	teriam	levado?	Mortos	nos	hospitais,	nas	cadeias,	debaixo	dos	
bondes,	nos	rolos	sangrentos	das	favelas.	Alguns,	raros,	 teriam	
conseguido,	 como	 eu,	 um	 emprego	 público,	 seriam	 parafusos	
insignificantes	na	máquina	do	Estado	e	estariam	visitando	outras	
favelas,	desajeitados,	ignorando	tudo,	olhando	com	assombro	as	
pessoas	e	as	coisas.	Teriam	as	suas	pequeninas	almas	de	parafusos	
fazendo	voltas	num	lugar	só.
Graciliano Ramos, Angústia. 
 a) No momento da narração, a posição social do narrador-
personagem difere de sua condição de origem? 
 Responda sim ou não e justifique.
 b) Na citação anterior, o termo parafusos remete ao verbo 
parafusar que, além do significado mais conhecido, também 
tem o sentido de pensar, cismar, refletir, matutar.
 Como esses dois sentidos podem ser relacionados ao modo de 
ser do narrador-personagem ?
 c) De que maneira o segundo sentido do verbo parafusar está 
expresso na técnica narrativa de Angústia ?
06. (UNICAMP-SP) O texto abaixo, extraído de Angústia, romance de 
Graciliano Ramos, descreve um encontro entre três personagens.
	 Ao	chegar	à	Rua	do	Macena	recebi	um	choque	tremendo.	Foi	a	
decepção	maior	 que	 já	 experimentei.	 À	 janela	 da	minha	 casa,	
caído	para	 fora,	 vermelho,	 papudo,	 Julião	Tavares	pregava	os	
olhos	em	Marina,	que,	da	casa	vizinha,	se	derretia	para	ele,	tão	
embebida	que	não	percebeu	a	minha	chegada.	Empurrei	a	porta	
brutalmente,	o	coração	estalando	de	raiva,	e	fiquei	de	pé	diante	
de	Julião	Tavares,	sentindo	um	desejo	enorme	de	apertar-lhe	as	
goelas.	O	homem	perturbou-se,	sorriu	amarelo,	esgueirou-se	para	
o	sofá,	onde	se	abateu.
	 —	Tem	negócio	comigo?
	 A	cólera	engasgava-me.Julião	Tavares	começou	a	falar	e	pouco	
a	pouco	serenou,	mas	não	compreendi	o	que	ele	disse.	Canalha.
 a) Quem é o narrador desta passagem?
 Que vínculos existem entre o narrador, Marina e Julião Tavares?
 b) Transcreva expressões do trecho acima nas quais está 
caracterizada a reação emocional do narrador à conversa que 
presencia.
 c) De que maneira essas expressões antecipam o desfecho do 
romance?
07. (UNICAMP-SP) Em Angústia de Graciliano Ramos, 
encontramos sequências instigantes:
	 Penso	em	indivíduos	e	em	objetos	que	não	 têm	relação	com	os	
desenhos:	processos,	orçamentos,	o	diretor,	o	secretário,	políticos,	
sujeitos	remediados	que	me	desprezam	porque	sou	um	pobre-diabo.	
	 Tipos	bestas.	Ficam	dias	inteiros	fuxicando	nos	cafés	e	preguiçando,	
indecentes.	(...)
	 Fomos	morar	na	vila.	Meteram-me	na	escola	de	seu	Antônio	Justino,	
para	desasnar,	pois,	como	disse	Camilo	quando	me	apresentou	
ao	mestre,	eu	era	um	cavalo	de	dez	anos	e	não	conhecia	a	mão	
direita.	Aprendi	leitura,	o	catecismo,	a	conjugação	dos	verbos.	O	
professor	dormia	durante	as	lições.	E	a	gente	bocejava	olhando	
as	paredes,	esperando	que	uma	réstia	chegasse	ao	risco	de	lápis	
que	marcava	duas	horas.	Saíamos	em	algazarra.
 a) Que processos permitem as construções preguiçando e desasnar 
na língua?
 b) Se substituirmos preguiçando por descansando e desasnar 
por aprender, observamos uma relação diferente com a poesia 
da língua. Explicite essa diferença.
 c) O uso de desasnar pode nos remeter, entre outras palavras, 
a desemburrecer e desemburrar. No Dicionário Houaiss, o 
verbete desemburrar apresenta como acepções tanto “livrar-
se da ignorância” quanto “perder o enfezamento” e marca sua 
etimologia como des + emburrar. 
 Seguindo nossa consulta, encontramos no verbete emburrar 
o ano de 1647 que, segundo a Chave do Dicionário Houaiss, 
indica a “data em que [essa palavra] entrou no português”. A 
fonte dessa datação é a obra Thesouro	da	lingoa	portuguesa	
composta	pelo	Padre	D.	Bento	Pereyra, publicada em Lisboa.
 Embora desemburrecer não apareça no dicionário, 
encontramos emburrecer, cuja entrada no português , segundo 
o Houaiss, data de 1998, atestada pela obra de Celso Pedro 
Luft Dicionário	Prático	de	Regência	Verbal, publicada em 
São Paulo.
 O verbete desasnar data de 1713, atestado pela obra 
Vocabulário	portuguez	e	latino	de	Rafael	Bluteau, publicada 
em Coimbra-Lisboa.
 Tendo em vista as observações acima apresentadas — a presença 
ou não desses verbetes no dicionário, as datas de entrada no 
português e as fontes que atestam essas entradas — o que se 
pode compreender sobre a relação entre o dicionário e a língua?

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