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Adaptações à Gravidez Introdução O organismo materno deve se adaptar para a presença do feto em desenvolvimento, possibilitando a continuidade e sucesso da gestação. Essas modificações se dão em nível molecular, bioquímico, hormonal, celular, tecidual, atingindo órgãos e sistemas. No início da gestação, as células trofoblásticas presentes no ambiente intrauterino inicialmente alteram a homeostase local. Em seguida, o funcionamento de quase todos os sistemas e órgãos se adaptam à essa nova condição. A placenta tem função essencialmente endócrina, produzindo diversos hormônios que tem impacto no organismo como um todo. ↳ Estrógeno > angiogênico ↳ Progesterona > vasodilatador Também atua na resposta vascular, por meio da produção de hormônios que agem na quantidade e na composição dos derivados do sangue e na reatividade vascular. ↳ Tromboxano, renina, angiotensina, hormônios adrenais. As principais alterações são no sistema circulatório (hematológico e cardiovascular) e endócrino. Essas alterações interferem em outros órgãos e sistemas e o conjunto de mudanças é a adaptação do organismo materno à gestação. Volume Sanguíneo e Plasmático O volume sanguíneo aumenta cerca de 30% a 50% em relação aos valores pré-gestacionais. A relação volume x minuto também é elevada em até 64%. A hipervolemia gestacional ocorre porque a necessidade de suprimento sanguíneo do útero aumenta na gestação para a nutrição e desenvolvimento fetal. Além disso, é uma proteção para a gestante em relação ao retorno venoso, que é dificultado na gravidez (posições supina e ereta) e também para as perdas sanguíneas que são esperadas no parto. Como dito, o volume plasmático aumenta em até 50%, enquanto o volume de hemácias se eleva em cerca de 30%. Isso caracteriza o estado de hemodiluição, no qual o volume do plasma é maior do que o dos glóbulos vermelhos. Como o plasma (parte líquida) é maior que as hemácias (parte “sólida”), a viscosidade do sangue é menor, o que reduz o trabalho cardíaco. (+ viscoso = + grosso). ↳ Primeiro trimestre > +15% vol. plasmático ↳ Segundo trimestre > +25% vol. plasmático O volume eritrocitário cresce proporcionalmente ao plasmático. Fisiologia da hipervolemia materna: teorias Mudanças na retenção e na excreção de sódio e água, causadas pela vasodilatação sistêmica e do aumento na capacitância dos vasos. Fora do período gravídico, essas alterações de volume implicam diretamente nos valores pressóricos, já que ativam receptores de volume e barorreceptores presentes nos átrios e em grandes vasos. Além disso, a baixa osmolaridade plasmática (hemodiluição) ativa receptores químicos no hipotálamo. Esses estímulos acarretam na secreção de peptídeo atrial natriurético que atua em receptores presentes nos rins, adrenais e vasos, promovendo excreção de Na+ e água, além da vasodilatação. Na gravidez, porém, esse aumento de volemia é progressivo. Como a secreção do peptídeo atrial é um controle rápido da pressão, o aumento de seus níveis séricos não tem o impacto de um organismo não-gravídico, porque o aumento lento da volemia torna os receptores menos sensíveis ao estímulo. Assim, o mecanismo de controle pressórico durante a gestação é o sistema RAA, que atua a longo prazo. Eritrócitos Apesar da hemodiluição, o volume eritrocitário é maior (+ 450ml em grávidas), com incremento no 3º trimestre. A produção de hemácias é acelerada em função do aumento dos níveis plasmáticos de eritropoetina. A concentração de hemoglobina se encontra reduzida, consequência da hemodiluição. ↳ Hb 1º e 3º: mín 11g/dL ↳ Hb 2º: mín 10,5 g/dL Plaquetas e Coagulação Plaquetopenia: =/< 100.000/mm³ Os níveis plaquetários são reduzidos em uma gravidez normal, tanto pelo processo de hemodiluição, quanto pelo alto consumo de plaquetas nesse período. O aumento da produção de tromboxano A2 está associado à maior agregação plaquetária e assim, à redução da contagem plaquetária. A contagem aumenta logo após o parto e retorna aos níveis basais em 3 a 4 semanas. Todos os fatores de coagulação estão elevados na gestação, exceto os fatores XI e XIII. Hipercoagulabilidade da gestação: resistência à proteína C ativada e diminuição dos níveis plasmáticos de proteína S aumentam a coagulabilidade do organismo materno. Essas alterações do mecanismo de coagulação são mediadas pelos processos hormonais relacionados aos altos níveis de estrógeno e progesterona oriundos do tecido placentário. Metabolismo do Ferro As necessidades de ferro durante o período gravídico-puerperal aumentam consideravelmente. O consumo e a perda de ferro que ocorrem nessa fase não permitem que a gestante mantenha os níveis de hemoglobina e o estoque de ferro dentro da normalidade. Eventos que contribuem para a deficiência de ferro: ↳ Consumo pela unidade fetoplacentária. ↳ Utilização para produção de hemoglobina e mioglobina para aumento da massa eritrocitário e da musculatura uterina. ↳ Depleção por perdas sanguíneas. ↳ Depleção pelo aleitamento. Devido à essa alta demanda e consumo, a maioria das gestantes que não tiver a suplementação adequada apresentará anemia ferropriva. Adaptações Hemodinâmicas As adaptações circulatórias são necessárias para comportar a hipervolemia da gravidez. Aumento do débito cardíaco: a elevação do volume sistólico e da frequência cardíaca (+15 – 20 bpm) eleva o débito em cerca de 50%. Essas mudanças iniciam na 5º semana de gravidez e atingem seu ápice no pós-parto imediato (+80%). Pós-parto: aumento do retorno venoso e consequentemente da pré-carga (quantidade de sangue que chega no coração) após a descompressão dos vasos pélvicos pelo útero. A posição supina pode reduzir o débito cardíaco em 25% a 30%, por conta da compressão da veia cava e redução do retorno venoso. Fatores que impedem aumento da PA, mesmo com aumento da volemia: • Prostaciclina • Óxido nítrico • Circulação uteroplacentária • Redução da RVP • Promoção de vasodilatação Também ocorrem mudanças a nível bioquímico: o aumento da produção de prostaciclina em relação ao tromboxano A2 resulta em vasodilatação sistêmica. Associada aos altos níveis de progesterona durante toda a gestação, a prostaciclina é capaz de gerar e manter a vasodilatação sistêmica. Além disso, ela também provoca refratariedade (“retardo”) nos estímulos vasoconstritores da angiotensina II e catecolaminas. A produção endotelial de óxido nítrico aumenta durante a gestação, corroborando para a vasodilatação periférica. A resistência vascular também é diminuída devido ao surgimento da circulação uteroplacentária. Coração • Hipertrofia do V.E (maior força de ejeção necessária para retorno venoso) • Elevação do diafragma devido ao aumento do útero e resistência da musculatura abdominal • Desenvolvimento da rede vascular do útero, aumentando a demanda sanguínea para essa região Adaptações Endócrinas A produção placentária de substâncias similares aos hormônios maternos altera os eixos: • Hipotálamo-hipófise-adrenal • Hipotálamo-hipófise-ovário • Hipotálamo-hipófise-tireoide Os próximos tópicos serão específicos para alterações da hipófise, tireoide, paratireoide, adrenais e ovários maternos. Hipotálamo As concentrações de diversos hormônios hipotalâmicos sofrem aumento durante o período gestacional, porque a placenta secreta variantes idênticas aos hormônios: • GnRH (liberador da gonadotrofina) • CRH (liberador da corticotrofina) • TRH (hipotalâmico estimulador da tireoide) • GHRH (liberador do hormônio do crescimento) • Somatostatina Hipófise O órgão sofre hipertrofia e hiperplasia, sobretudo em sua porção anterior. Adeno-Hipófise ● Prolactina ↳ Preparação das glândulas mamárias para a produção de leite pós-parto ● GH –hormônio do crescimento ↳ 1° trimestre: produção e secreção normais ↳ 2º e 3º trimestre: aumento progressivo por conta da produção e secreção pelo sinciciotrofoblasto. ● HCG – gonadotrofina coriônica humana ↳ Interfere na função tireoidiana, realizando retroalimentação negativa com o TSH ● MSH – melanotrófico da hipófise ↳ Sua produção e secreção são aumentadas pelos níveis de progesterona ● ACTH – hormônio adrenocorticotrófico ↳ Aumento progressivo em função da produção hipofisária e placentária Neuro-Hipófise ● Ocitocina ↳ Mantém seus níveis constantes durante a gestação, chegando ao ápice na fase ativa e no período expulsivo do trabalho de parto. ● ADH – antidiurético ↳ Seus níveis séricos não são modificados, apenas seu limiar de liberação. ↳ O sangue da gestante é hemodiluído, logo, sua osmolaridade (concentração de soluto) é menor. Logo, como um mecanismo de adaptação, o limiar de osmolaridade para a liberação do ADH é menor na gestante do que em não-gestantes. ↳ O sangue já é fisiologicamente menos concentrado. Se o limiar permanecesse o mesmo, o estímulo para a sede não corresponderia, de fato, a uma necessidade fisiológica. O corpo se adapta a menor osmolaridade e por isso o limiar é alterado. Tireoide A regulação da tireoide é alterada na gravidez por conta das seguintes modificações: ● Redução dos níveis séricos de iodo ↳ Aumento do consumo periférico ↳ Aumento da TFG (pode haver excreção urinária) ● Retroalimentação negativa com hCG ● Aumento na produção e glicosilação da TBG (globulina transportadora dos hormônios tireoidianos) ↳ Os estrógenos produzidos pela placenta além de aumentar a glicolisação, também reduzem a metabolização hepática da TGB. ↳ Com seus níveis circulantes aumentados, as frações livres (e utilizáveis) de T3 e T4 são reduzidas pelo aumento das frações ligadas à TGB. Paratireoide ● Paratormônio ↳ 1º trimestre: redução ↳ 2º e 3º: aumento progressivo A demanda de Ca+ é maior durante a gestação (300mg/dia) para a formação do esqueleto fetal. As alterações no metabolismo do cálcio se dão por: ● Aumento da TFG ↳ Contribui para maior excreção de cálcio urinário ● Hemodiluição ↳ Leva a um decréscimo na produção de albumina, que fisiologicamente, liga-se a 50% do cálcio total. ↳ Como a albumina reduz, os níveis séricos de cálcio também decrescem proporcionalmente. ↳ Essa alteração não tem um impacto ao ponto de necessitar de suplementação, haja vista que os níveis de cálcio iônico (utilizável) permanecem. O paratormônio também tem um papel importante nesse processo, que será descrito adiante. ● Calcitriol ↳ Sofre uma elevação resultante da estimulação por hormônios placentários (estrógeno, lactogênio placentário) ↳ Aumenta a absorção de Ca+ pelo sistema digestório Eu não aguento mais, juro que foi a última tutoria que procrastinei tanto. Só queria dormir. Adrenais ● Hipercortisolismo ↳ Decorre da redução da excreção e aumento da meia-vida do cortisol. ↳ A unidade fetoplacentária produz CRH e ACTH, contribuindo para esse aumento. ● Hiperaldosteronismo ↳ Mantém o balanço eletrolítico de sódio, apesar da hipervolemia, realizando o controle da P.A ● Andrógenos adrenais ↳ Níveis circulantes reduzidos devido ao consumo e metabolização em estrógeno placentário Ovários ● Progesterona ↳ É produzida pelo corpo lúteo até a 7º semana de gravidez, período no qual o trofoblasto se desenvolve o suficiente para sua autonomia hormonal. ● Relaxina ↳ Se associa a mecanismos de relaxamento sistêmico das fibras de colágeno e musculares, responsáveis pela acomodação da gestação e pelo processo de parto. ● Andrógenos (androstenediona e testosterona) ↳ Produção elevada, mas a placenta tem mecanismos de proteção fetal que os converte em estradiol. Carboidratos e Lipídeos A gravidez gera um deslocamento no metabolismo dessas substâncias. Preferencialmente, a mãe utiliza os lipídeos como fonte de energia e desvia os carboidratos para o feto. Na fase anabólica da gestação, que dura até a 26º semana de gestação, o aporte energético é direcionado para reservas maternas. ↳ Redução da glicemia em jejum ↳ Redução da glicemia basal materna ↳ Armazenamento de gordura ↳ Glicogênese hepática Já na fase catabólica, que se estende até o parto, a mulher começa a mobilizar suas reservas energéticas para o crescimento fetal, visando o crescimento e desenvolvimento adequado do feto. É marcada principalmente por: ● Resistência periférica à insulina ↳ Observada a partir de 26 semanas de gestação, com o aumento progressivo do hormônio lactogênico placentário. ↳ A sensibilidade materna à insulina é reduzida de 40% a 70% e permite a hiperglicemia. ● Hiperglicemia ↳ Favorece o transporte de glicose pela placenta, que é por difusão facilitada. ↳ O metabolismo da gestante passa a utilizar os lipídeos como fonte energética, permitindo o desvio de glicose para o feto. Proteínas Acúmulo de aproximadamente 1000g de proteína no termo da gestação. ↳ 500g são direcionadas para o feto e seus anexos ↳ 500g são destinadas a suprir as necessidades da musculatura uterina hipertrofiada, do desenvolvimento mamário, da hipervolemia plasmática e da hiperplasia dos eritrócitos.
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