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enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes NOSSA VOZ. NOSSA FORTALEZA. 11O Papel da Escola Hugo Dantas SUMÁRIO 1. Apresentação ........................................................................................... 163 2. Breve contexto ......................................................................................... 164 3. O dever de notificação ............................................................................ 165 4. Identificação de sinais de violência sexual ............................................ 167 5. Educação e o Direito ao Desenvolvimento Sexual Saudável ................ 171 6. A escola e as “novas” formas de violência ............................................. 172 6. A mediação de conflitos no ambiente escolar ....................................... 174 Referências .................................................................................................. 175 Perfis do autor e do ilustrador ................................................................. 176 enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes 163enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes 163 Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo. (Paulo Freire) Apresentação Caro leitor, você já estudou em nosso curso, até aqui, muita coisa: os direitos de crian- ças e adolescentes previstos nos tratados internacionais, na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente; as expressões de violência contra crianças e adolescentes, em especial a violência sexual, bem como as políticas e planos de- senvolvidos pela sociedade e o Estado para enfrentá-la; e o sistema de garantia dos di- reitos de crianças e adolescentes, com en- foque no atendimento e proteção. Neste módulo, conversaremos sobre uma instituição muito importante no desenvolvimento de crianças e adoles- centes: a escola. Ela é um dos primeiros espaços que a criança ou adolescente convivem socialmente, assim como é am- biente de formação de valores, influência de comportamentos e transmissão de conteúdo. Portanto, a escola é tanto um direito, quanto possibilita a efetivação de outros direitos. A respeito da proteção de crianças e adolescentes, a escola possui inúme- ras atribuições: (1) discutir sobre o ECA e demais instrumentos legais de amparo; (2) zelar pelo desenvolvimento psicológico da criança e do ado- lescente estimulando um convívio harmonioso de sua comunidade escolar e garantindo um ensino de qualidade e va- riados projetos de grupos de artes, espor- tes, pesquisas; encaminhar suspeita ou confirmação de violência para as autori- dades competentes; (3) dentre outras que vocês lerão ao longo de nosso diálogo. 164 Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste Iremos estudar com mais profundida- de o papel da escola no enfrentamento à violência sexual contra crianças e adoles- centes. Quais são as responsabilidades dos educadores? Como a escola contribui na prevenção ao abuso e exploração sexual? Como o ambiente escolar pode ser reco- nhecido por crianças e adolescentes para denunciar uma situação de maus-tratos? Ao longo das próximas páginas, vocês verão algumas respostas para essas pergun- tas, bem como outras reflexões que ainda não possuem respostas acabadas. Espera- mos que a leitura contribua para o reconhe- cimento da escola, de seus profissionais, dos estudantes e familiares na proteção de crianças e adolescentes. Boa leitura! Breve contexto Nos fascículos anteriores, foi explicado que o dever de proteção às crianças e aos ado- lescentes é de responsabilidade da famí- lia, da sociedade e do Estado. Essa obri- gação foi incluída no ordenamento jurídico brasileiro sobretudo pela Constituição Fe- deral, em seu artigo 227, e pela publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei Federal nº 8.069/90. Por determinação legal, o Poder Público deverá adotar com prioridade políticas públicas que efeti- vem os direitos das crianças e dos ado- lescentes, bem como que os protejam de qualquer forma de violência e exploração. É importante ressaltar que a Consti- tuição e o ECA, ao se referirem ao “Esta- do”, indicam que o dever de proteção é comum à União, Estados, Distrito Fe- deral e Municípios, abrangendo todos os Poderes da República (Executivo, Le- gislativo e Judiciário). No âmbito do Po- der Executivo, as diversas secretarias de governo devem implementar políticas articuladas e integradas de proteção à violência contra crianças e adolescentes, especialmente visando a concretização dos direitos elencados no artigo 227 da Constituição Federal (vida, saúde, ali- mentação, educação, lazer, profissiona- lização, cultura, dignidade, liberdade e convivência familiar e comunitária). A educação, portanto, é um dos di- reitos fundamentais que é garantido à criança e ao adolescente pelo texto cons- titucional. Isso significa que a família, a sociedade e o Estado devem criar condi- ções para que nenhuma criança ou ado- lescente esteja fora da escola. Por um lado, o Poder Público deve investir na educação para que não faltem vagas em escolas públicas para quem precisa; por outro lado, as escolas devem possuir infraestru- tura adequada, projeto pedagó- gico que empolgue os estudantes, professores bem valorizados e com uma carreira estruturada, diver- sidade de projetos, curriculares ou extracurriculares, e devem incentivar uma convivência saudável entre a co- munidade escolar. Nada disso é possível de ser feito sem investimento público. Além da necessária efetivação do di- reito à educação pelo Poder Público, a escola possui uma outra importância na proteção de crianças e adolescen- tes. Ela é responsável por comunicar às autoridades competentes qual- quer caso suspeito de violência ou sua confirmação contra estudantes que possuem menos de 18 (dezoito) anos. Essa responsabilidade existe em virtude de determinação legal que consta no Estatuto da Criança e do Adolescente (lei nº 8.069/90). A seguir, passaremos a explicar as responsabilidades da escola na prevenção e proteção das crianças e adolescentes contra a violência ou maus-tratos. Ou seja, o papel da escola no enfrentamento à violência, em espe- cial a violência sexual. enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes 165enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes 165 O dever DE NOTIFICAÇÃO O ECA, em seu artigo 245, estabelece multa de três a vinte salários de referência (apli- cando-se o dobro em caso de reincidência) para médico ou o responsável por estabele- cimento de atenção à saúde e de professo- res ou responsável por estabelecimento de ensino fundamental, pré-escola ou creche, que deixe de comunicar à autorida- de competente casos de suspeita ou con- firmação de maus-tratos contra criança ou adolescente. A partir da leitura deste artigo, é possível identificar o dever de notifica- ção às autoridades competentes, atribuído por lei aos médicos ou responsáveis por unidades de saúde e aos professores ou responsáveis por estabelecimentos de ensino fundamental, pré-escola ou creche. A notificação dos maus-tratos ou de suspeita de maus-tratos é muito importan- te para interromper o ciclo da violência. Uma criança ou adolescente vítima de vio- lência sexual tende a sofrer por culpa, ter baixa autoestima, dificuldades em desen- volver sua sexualidade de forma saudável e receios em ter relações afetivas de médio e longo prazo. A notificação da violência ou de sua suspeita possibilita a adoção de medidas protetivas necessárias e ade- quadas em prol da vítima criança ou ado- 166 Fundação Demócrito Rocha | Universidade Abertado Nordesteção Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste lescente, além de possibilitar a investiga- ção criminal e a identificação do autor. Já estudamos sobre a definição do dever de notificação e sua importân- cia prática para a proteção da criança ou adolescente vítima de violência sexual. Entretanto, a quem o profes- sor (ou médico) deve notificar? Po- demos encontrar essa resposta no Artigo 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “Os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou ado- lescente serão obrigatoriamente co- municados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais.” A palavra “obrigatoriamente” se des- taca na leitura do artigo 13. A notificação ao Conselho Tutelar pelo professor ou res- ponsável por estabelecimento de ensino não se trata de uma faculdade. Ou seja, não é que ele escolha se irá comunicar ou não. A notificação é um dever atribuído por lei, conforme podemos concluir a par- tir da leitura dos artigos 13 e 245 do Esta- tuto da Criança e do Adolescente. Infelizmente, ainda estamos distan- te da situação ideal no que diz respeito ao entendimento, por parte da escola, de suas responsabilidades no enfrenta- mento à violência sexual contra crian- ças e adolescentes. A omissão da noti- ficação ao Conselho Tutelar, por vezes, ocorre por causa da falta de capacitação enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes 167 TÁ NA LEI e formação específica sobre o fluxo de proteção aos professores, não sendo possível identificar, portanto, o papel da escola nesse fluxo. Uma outra causa bastante comum de omissão de comunicação da violência ou suspeita de violência é a dificuldade em reconhecer nas crianças e nos adoles- centes sinais de violência sexual. É sobre isso que iremos conversar agora. Você sabia que no Ceará existem comissões de atendimento, notificação e prevenção à violência doméstica contra crianças e adolescentes nas escolas públicas e privadas? É o que garante a lei nº 13.230/02. Um dos principais papéis dessas comissões é justamente a notificação às autoridades competentes de situações de suspeita ou confirmação de violência. Identificação de sinais DE VIOLÊNCIA SEXUAL Há uma série de sinais que a criança e o adolescente podem revelar que, na me- dida em que os professores e demais pro- fissionais de um estabelecimento de en- sino possuem capacitação e formação no tema, auxiliam na identificação de violên- cia sexual ou sua suspeita. Tais evidências podem ser corporais, comportamentais, educacionais e/ou de outra natureza. Em geral, os sinais não são isolados, mas podem se expressar de diversas maneiras. O professor, demais profissionais da es- cola ou responsável por estabelecimento deve estar atento para analisar e interpre- tar um conjunto diverso de evidências. Do ponto de vista corporal, a criança ou o adolescente pode apresentar enxa- quecas, enjoos e dores no corpo, que po- dem estar associadas a manchas, cortes ou cicatrizes. O ganho ou perda de peso também devem ser objeto de atenção do professor, assim como problemas re- lacionados à alimentação, como falta de apetite e dificuldades na digestão. Essas evidências corporais podem ter sido cau- sadas pelo próprio autor da violência (no caso de manchas no corpo, por exemplo) ou ser consequência, do ponto de vista psicológico, de traumas e transtornos no desenvolvimento mental da criança ou do adolescente em virtude da situação de violência sexual. Uma outra forma de a criança ou o adolescente expressar uma situação de violência sexual é através de seu com- portamento. Mudanças comportamentais bruscas, assim como oscilações de humor em um curto período de tempo, podem revelar maus-tratos. A depressão, o pânico em estar no escuro, o medo de determina- da pessoa, a baixa autoestima ou o sen- timento de raiva constante também são evidências que devem ser interpreta- das pelo professor ou responsável pelo estabelecimento de ensino. A vergonha excessiva, que se expressa sobretudo em situações onde a criança ou o adolescente estão em contato com seu corpo, também é um sinal relevante para identificação de violência sexual. O constrangimento, in- 168 Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste TÁ NA LEI A existência de um ou mais sinais de violência já estudados não significa necessariamente que ela aconteceu! O educador deve estar atento com as possíveis evidências em seus alunos de forma global, evitando olhar cada sinal de forma separada. clusive, pode estar associado a um sinal corporal que está se tentando esconder do conhecimento de outras pessoas. Já do ponto de vista do rendimento escolar, a criança ou o adolescente pode constantemente não comparecer às au- las ou apresentarem cansaço diferente do padrão esperado. O outro extremo também deve ser observado cuidado- samente, tendo em vista que o fato de a criança ou o adolescente começar a che- gar muito cedo na escola e resistir para voltar para casa pode significar uma situação de abuso sexual praticada no ambiente doméstico ou imediações. Dificuldades no conhecimento, como desconcentração e queda no rendimento escolar (notas baixas), ou pouca partici- pação nas atividades extracurriculares, podem também ser evidências de maus- -tratos cometidos contra estudantes. As evidências que podem se expressar no corpo, comportamento e/ou rendimento escolar da criança e do adolescente devem ser cuidadosamente analisadas e inter- pretadas pelo professor ou responsável por estabelecimento de ensino, que deve ser bastante sigiloso para não expor a intimidade da possível vítima. Os sinais que foram discutidos an- teriormente não são os únicos pos- síveis. São exemplos que devem servir de alerta para os profissio- nais da educação para que a esco- la tenha condição de cumprir seu dever legal através da comunica- ção de violência ou suspeita de violência ao Conselho Tutelar. Não é necessário que o profes- sor ou a direção escolar tenha certeza da violência sexual e de quem a praticou para notificar o enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes 169 órgão competente, tendo em vista que a investigação criminal do fato e sua conse- quente responsabilização é atribuição dos órgãos de segurança pública, do Ministé- rio Público e do Poder Judiciário. É necessário que no ambiente es- colar seja discutida a temática do en- frentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes. Esse tema pos- sui uma dupla importância: por um lado, vai no sentido da formação e capacitação dos professores e demais profissionais que trabalham na educação sobre a te- mática, especialmente no dever de noti- ficação ao Conselho Tutelar de suspeita de violência ou a própria violência. Por outro lado, possibilita que a escola seja reconhecida como um espaço seguro e de confiança pela criança ou pelo ado- lescente para denunciar a prática de maus-tratos e/ou de violência sexual. A Lei nº 13.431/2017, trata em seu art. 14, da necessidade das políticas im- plementadas nos sistemas de justiça, segurança pública, assistência social, educação e saúde de adoção de “ações articuladas, coordenadas e efetivas vol- tadas ao acolhimento e ao atendimento integral às vítimas de violência”. Razão pela qual os estados têm criado comis- sões de prevenção e proteção à violên- cia contra crianças e adolescentes tam- bém nas escolas. 170 Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordestea | Universidade Aberta do Nordeste TÁ NA LEI LEI Nº 13.431/2017. TÍTULOIV - DA INTEGRAÇÃO DAS POLÍTICAS DE ATENDIMENTO CAPÍTULO I - DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 13. Qualquer pessoa que tenha conhecimento ou presencie ação ou omissão, praticada em local público ou privado, que constitua violência contra criança ou adolescente tem o dever de comunicar o fato imediatamente ao serviço de recebimento e monitoramento de denúncias, ao conselho tutelar ou à autoridade policial, os quais, por sua vez, cientificarão imediatamente o Ministério Público. Parágrafo único. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão promover, periodicamente, campanhas de conscientização da sociedade, promovendo a identificação das violações de direitos e garantias de crianças e adolescentes e a divulgação dos serviços de proteção e dos fluxos de atendimento, como forma de evitar a violência institucional. Art. 14. As políticas implementadas nos sistemas de justiça, segurança pública, assistência social, educação e saúde deverão adotar ações articuladas, coordenadas e efetivas voltadas ao acolhimento e ao atendimento integral às vítimas de violência. (grifos nossos) DECRETO Nº 9.603, DE 10 DE DEZEMBRO DE 2018 - Regulamenta a Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência. (...) Art. 11. Na hipótese de o profissional da educação identificar ou a criança ou adolescente revelar atos de violência, inclusive no ambiente escolar, ele deverá: I - acolher a criança ou o adolescente; II - informar à criança ou ao adoles- cente, ou ao responsável ou à pessoa de referência, sobre direitos, procedi- mentos de comunicação à autoridade policial e ao conselho tutelar; III - encaminhar a criança ou o adolescente, quando couber, para atendimento emergencial em órgão do sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência; e IV - comunicar o Conselho Tutelar. Parágrafo único. As redes de ensino deverão contribuir para o enfrentamento das vulnerabilidades que possam comprometer o pleno desenvolvimento escolar de crianças e adolescentes por meio da implementação de programas de prevenção à violência. Como já explicado em módulos an- teriores, a visão de “criança-menor”, ou “criança-objeto”, foi confrontada e supe- rada pela compreensão da criança como sujeito de direitos, detentora dos direitos humanos gerais e dos específicos em de- corrência de sua característica geracional. Essa nova perspectiva, aliada à necessida- de de a escola ser um ambiente de dis- cussão acerca dos impactos da violência sexual e suas características, aponta para nós a reflexão da responsabilidade da es- cola no desenvolvimento sexual saudá- vel da criança e do adolescente. enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes 171 Educação e o Direito AO DESENVOLVIMENTO SEXUAL SAUDÁVEL A escola é um espaço privilegiado para se discutir a promoção dos direitos da criança e do adolescente. Através do di- álogo entre todos que fazem parte da comunidade escolar, é possível destacar temas que, por razão de características específicas da idade dos estudantes, atra- vessam seu desenvolvimento. Assim, é possível promover uma cultura de coo- peração e de paz, observando os direitos humanos, e criar condições de se preve- nir as violências, especialmente a sexual. É por reconhecer a importância da escola na proteção das crianças e dos adolescentes que, desde 2004, o Governo Federal desenvolve o Projeto Escola que Protege. O projeto foi desenvolvido na Se- cretaria de Educação Continuada, Alfabe- tização e Diversidade (SECAD), vinculada ao Ministério da Educação (MEC), e possui a finalidade de “promover ações educati- vas e preventivas para reverter a violência contra crianças e adolescentes.” O projeto Escola que Protege funciona a partir da formação de professores do ensino fundamental por universidades se- lecionadas pelo Ministério da Educação. A parceria firmada entre o MEC e as institui- ções de ensino superior exige que um con- vênio seja celebrado entre a universidade e a secretaria municipal ou estadual de edu- cação. Assim, há uma cooperação entre todos os entes da federação, possibilitan- do uma continuidade da política de capaci- tação de Estado, e não apenas de governo. A formação dos professores através da capacitação sobre os direitos da criança e do adolescente, bem como sobre as vio- lências que podem atingi-los, deve ser tra- duzida no ambiente escolar. O estudante deve confiar na escola como um espaço seguro de diálogo e de proteção, onde seja possível denunciar uma situação de violência sexual sem ser julgado ou sua denúncia ser negligenciada. A convivência harmoniosa e sincera dentro do ambiente escolar possibilita que a criança ou o adolescente relate para seu professor, ou outro profissional da unidade de ensino, uma situação de desconforto ou violência, a qual deve ser comunicada ao Conselho Tutelar para que haja a proteção integral mediante a atuação cooperada da rede de proteção. Como já foi explicado neste módulo, uma das maiores importân- cias da notificação feita pela direção esco- lar é a interrupção do ciclo da violência. Caso a escola cumpra seu papel de discussão sobre as violências que po- 172 Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste172 Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordes criança ou adolescente, mas no contex- to familiar ou comunitário onde a vul- nerabilidade está presente. Ou seja, ao promover a discussão sobre direitos humanos, gênero e diversidade de orientação sexual e proteção a crianças ou adolescentes, a escola está cumprindo, pelo menos, três importantes papéis: (1) capacita seus profissionais para a iden- tificação de sinais de violência e para o diálogo cuidadoso com os estudantes; (2) gera um ambiente de segurança e con- fiança para que a criança ou adolescen- te denuncie uma situação de abuso; e (3) previne o ciclo da violência ao promo- ver a conscientização do estudante sobre seus direitos, especialmente o direito ao desenvolvimento sexual saudável. A importância de discutir os direi- tos sexuais da criança e do adolescente é: reconhecimento de uma situação de violência sexual a qual pode estar submetida a criança ou o adolescente; prevenção a doenças que podem se transmitir sexualmente; e promoção da saúde sexual do estudante com menos de 18 anos. A escola deve ser um lugar seguro e confiável de acesso à educa- ção acerca da sexualidade de crianças e adolescentes, e não submeter-se à re- produção de tabus que impedem o ple- no desenvolvimento da sexualidade e autonomia dos adolescentes. Ela deve intervir, portanto, a partir da realidade concreta de seus alunos e de suas expe- riências cotidianas, possibilitando-os ter acesso a discussões que contribuam para compreensão consciente e madu- ra das consequências de suas escolhas. PUXANDO Prosa A Comissão Gestora Local do Escola que Protege é composta por: secretarias estadual e municipal de educação, Undime, Ministério Público, conselhos estadual e municipal dos direitos da criança e do adolescente, Conselho Tutelar e secretarias de saúde e assistência social. É uma importante iniciativa de articulação da escola com a rede de proteção integral à criança e ao adolescente! A escola e as “novas” FORMAS DE VIOLÊNCIA A atenção com atos de violência praticados contra a criança e o adolescente das redes pública e privada de ensino ampliou-se, do ponto de vista legal, através de leis que buscaram coibir essa prática. A lei de com- bate ao bullying nas escolas, Lei Federal nº 13.663/2018, inclui entre as atribuições das escolas a promoção da cultura de paz ea adoção de medidas de conscientização e prevenção a diversos tipos de violência. O texto acrescenta à lei de diretrizes e bases da educação nacional (LDB - lei 9.393/1996) dispositivos para determinar que as institui- ções de ensino deverão promover medidas de conscientização, de prevenção e de combate a todos os tipos de violência, espe- cialmente intimidação sistemática (bullying) e ainda estabelecer ações destinadas a pro- mover a cultura de paz nas escolas. Com o surgimento e popularização da internet e dos smartphones, desde muito cedo a criança está conectada no ambien- te virtual e sujeita a entrar em contato com pessoas que não conhece pessoalmente. Se é verdade que a escola deve utilizar a tec- nologia para melhorar seu processo educa- cional, ela também deve se atualizar para prevenir e proteger a criança ou adolescente dem ser praticadas contra crianças e adolescentes, ela não estará apenas ca- pacitando seus profissionais para que identifiquem sinais de abuso. Ela efetiva- rá a proteção e a prevenção a possíveis maus-tratos através da conscientização dos estudantes sobre seus direitos e sobre práticas que não são aceitáveis pelo nosso ordenamento jurídico. Ao longo do curso, foi explicado que as diversas formas de violência podem se expressar de maneira articulada. A violência sexual pode ser praticada ao mesmo tempo da violência psicológica, fazendo muitas vezes com que a criança ou o adolescente não tome consciência de uma possível situação de abuso a qual pode estar sofrendo. Alertar os es- tudantes sobre estes riscos através de discussões na escola pode evitar que o ciclo da violência seja iniciado, possi- bilitando intervir não só na vida daquela enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes 173enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes 173 e junho de 2016 com mais de 110.000 (cen- to e dez mil) jovens com menos de 18 anos de diversos países, um em cada quatro jo- vens já receberam mensagens de conte- údo sexual; 12% já enviaram este tipo de conteúdo; e cerca de 8,4% sofreram com algum conteúdo explícito repassado sem autorização. Ou seja, um número relevante de adolescentes tiveram seu direitos à inti- midade e à privacidade violados. Este problema impacta, em especial, as meninas, que estão nas redes sociais e mí- dias digitais, mas têm pouca informação sobre como se proteger. Foi possível chegar a essa conclusão a partir de pesquisa reali- zada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), que criou, junto com o Fa- cebook, o Projeto Caretas. Esta ação consis- te em uma experiência virtual onde crianças e adolescentes interagiram com uma perso- nagem fictícia que os relatou uma situação de vazamento de fotos íntimas pelo ex-na- morado. Com um ano de projeto, quase um milhão de pessoas, notadamente meninas, interagiram com a personagem virtual. A escola, portanto, deve se enxergar como um espaço favorável para se ter uma discussão sincera sobre a sexualidade dos adolescentes, visando a prevenção à violência sexual. É importante que o diálo- go seja honesto e que evite o julgamento moral, tendo em vista os impactos nega- tivos que podem recair sobre o próprio desenvolvimento sexual do estudante. A partir de experiências concretas e do re- conhecimento da autonomia da criança e do adolescente, a escola deve buscar sua proteção integral, e não contribuir para o agravamento da violência. PUXANDO Prosa O QUE É O BULLYING? A definição legal de bullying é “todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo com o objetivo de intimidar ou agredir alguém, causando-lhe dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas” (lei 13.185/15). A assimetria que separam agressor e vítima, em muitos casos, está conectada a desigualdades e preconceitos estruturais em nossa sociedade, como o machismo, racismo, discriminação contra pessoas gordas, etc. Deve haver, portanto, discussões no ambiente escolar sobre estas questões com o objetivo de promover valores voltados à solidariedade e ao reconhecimento no outro(a), efeti- vando a cidadania e o respeito. Importante Tendo como base esta interação, o Unicef aplicou um questionário para 14 mil adolescentes de 13 a 18 anos do sexo feminino. Foi possível extrair dados importantes para entender o sexting e as violências que podem ocorrer a partir desta prática, senão vejamos: - 35% das garotas já enviaram vídeos ou fotos íntimas para alguém; - 80% já receberam pedidos de envio de vídeos ou fotos íntimas; - Mais de 70% já receberam conteúdos com esse teor sem pedir; - 10% já tiveram fotos ou vídeos vazados e não contaram com nenhuma rede de amparo; - 35% não contaram para ninguém do vazamento do conteúdo; - apenas 2% conversaram com algum docente de sua escola. - Ao serem questionadas sobre a existência deste tipo de discussão na escola, 7 a cada 10 adolescentes manifestaram-se em sentido contrário. Ou seja, a ausência de informação sobre a Internet e seus vários usos aumenta a possibilidade da prática de violências, agravando- se pela ausência de orientação sobre a rede de proteção e os direitos da criança e do adolescente. contra violências que são praticadas atra- vés do uso da Internet e das redes sociais. Atualmente, uma atividade relativa- mente comum é o sexting, que consiste no compartilhamento de conteúdo erótico por aplicativos de mensagens e por redes so- ciais. Esta relação é praticada sobretudo por adolescentes. Segundo estudos do Journal of the American Medical Association Pediatri- cs que analisou dados de 39 (trinta e nove) pesquisas realizadas entre janeiro de 1990 174 Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste A mediação de conflitos NO AMBIENTE ESCOLAR A escola é uma instituição privilegiada para o processo de educação necessário para a prevenção aos diversos tipos de violên- cia, tendo em vista que atua diretamente com o conhecimento, valores, atitudes e a consolidação de hábitos. Por isso, deve desenvolver suas atividades educacionais e pedagógicas de forma não-violenta e voltadas à prevenção da violência, efeti- vando a cidadania e os direitos humanos. Um método que pode ser utilizado dentro do ambiente escolar para atingir tais obje- tivos é a mediação de conflitos. A mediação de conflitos consiste em um método em que as partes envolvidas em uma situação de conflito buscam res- tabelecer o diálogo por intermédio de uma figura denominada “mediador”. Esta prática pode ser utilizada para a resolução de conflitos rotineiros através da compre- ensão, construindo soluções que atendam às necessidades dos envolvidos. É impor- tante que o mediador possua habilidades de comunicação e escuta, bem como seja capacitado para exercer a função. O método da mediação de conflitos é bastante eficaz em situações de bullying e desentendimentos dentro do ambiente escolar com menor gravidade. A media- ção ocorre através de reuniões, nas quais o mediador precisa exercer uma escuta qualificada sem parcialidade e se dispor a contribuir com as partes para identificar as resoluções de seus problemas. Portan- to, um dos objetivos da mediação de con- flitos é proporcionar o desenvolvimento de competências emocionais, sociais e de comunicação nos sujeitos envolvidos. Outro grande objetivo da mediação é a prevenção de conflitos. Como a comuni- cação é exercitada dentro da comunidade escolar e o diálogo mais franco passa a ser possível, as relações se modificam e a me- diação passa a cumprir um papel não só na solução dos conflitos, mas na sua prevenção. Nos casos de suspeita ou confirma- ção de violência sexual contra crianças e adolescentes, não recomenda-se uti- lizar a mediação de conflitos, sobretudoquando o autor for um adulto. Como já foi abordado em módulos anteriores, há um procedimento específico previsto em lei sobre o acolhimento e atenção da ví- tima, bem como sobre a investigação e responsabilização do autor da violência. Entretanto, a mediação de conflitos, na medida que promove a cultura de paz e fortalece os vínculos no ambiente es- colar, é importante para a prevenção dos enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes 175 Referências Bibliográficas ANDI (Agência de Notícia dos Direitos da Infância). Violência sexual: A responsabilidade da escola na proteção de crianças e adolescentes. CONANDA: s/d. Disponível em: <https://www.direitosdacrianca.gov.br/ migrados/old/migracao/temas-prioritarios/ violencia-sexual/abuso-sexual/pauta-violencia- sexual-a-responsabilidade-da-escola-na- protecao-de-criancas-e-adolescentes>. Acesso em 03 de outubro de 2019. BRASIL. Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP. Diálogos e Mediação de Conflitos nas Escolas. Guia Prática para Educadores. Editorial/Redação: NUNES, Antônio Carlos Ozório. Brasília/DF, 2014. ESCOLA QUE PROTEGE: Enfrentando a violência contra crianças e adolescentes / Vicente de Paula Faleiros, Eva Silveira Faleiros, Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2008, 2ª edição. LUZ, Fernando; PAIVA, Leila; ROSENO, Renato. Proteger e responsabilizar: O desafio da resposta da sociedade e do Estado quando a vítima da violência sexual é criança ou adolescente. SANTOS, Benedito Rodrigues dos; IPPOLITO, Rita. Guia escolar: identificação de sinais de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. Seropédica/RJ: EDUR, 2011. SILVEIRA, Athus. O que é sexting? Techtudo, 2019. Disponível em: <https://www.techtudo. com.br/noticias/2019/03/o-que-e-sexting-saiba- tudo-sobre-a-pratica-de-sexo-por-mensagens. ghtml>. Acesso em 06 de outubro de 2019. UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) Brasil. CARETAS - Adolescentes e o risco de vazamentos de imagens íntimas da Internet. 2019. Disponível em: <https://www. unicef.org/brazil/relatorios/adolescentes-e-o- risco-de-vazamento-de-imagens-intimas-na- internet>. Acesso em 06 de outubro de 2019. diversos tipos de violência cometidos contra crianças e adolescentes. O papel do mediador no ambiente escolar, com seu olhar capacitado, pode contribuir para identificar e se antecipar a situações de vulnerabilidades e riscos sociais. Assim, promove a prevenção de violências e garante a proteção social das crianças e adolescentes, contribuin- do para uma cultura de bem-estar nas escolas. As práticas de mediação de con- flitos nas escolas, portanto, podem con- tribuir para a formação de um ambiente propício ao diálogo, onde crianças e ado- lescentes se sintam acolhidas e seguras para relatar situações de violência sexu- al. Em muitos casos, o professor exerce a função de mediador. É importante que essa experiência seja precedida de ca- pacitação para potencializar sua capa- cidade de identificar sinais de violência, gerir conflitos e sugerir soluções. Neste contexto, destacam-se os proje- tos de lei que tramitam nas Casas Legis- lativas que preveem a implantação de equipes multiprofissionais nas escolas. Recentemente, foi aprovado na Câmara de Deputados o Projeto de Lei 3688/00, que “dispõe sobre a prestação de servi- ços de psicologia e serviço social nas redes públicas de educação básica”, que entretanto foi vetado pela Presidência. A atuação destes profissionais nas escolas possui uma grande importância no senti- do de aproximar a escola das demais en- tidades integrantes da rede de proteção à criança e ao adolescente, em especial me- diante a notificação ao Conselho Tutelar. FICA A Dica Você conhece a plataforma Círculos em Movimento: construindo comunidades escolas restaurativas? Esse projeto possui o objetivo de difundir a justiça restaurativa e a cultura de paz nas escolas através da prática dos Círculos de Construção de Paz. Seu desenvolvimento abrange 2 eixos: disponibilização de conteúdo em plataforma digital e mobilização institucional, com apoio nos órgãos do Sistema de Justiça e da educação, para difundir a plataforma. Está prevista para o biênio 2019/2020 a implantação de projetos pilotos nos estados do Amapá, Ceará e Rio Grande do Sul. A base teórica e metodológica da plataforma é de autoria das professoras estadounidenses Carolyn Boyes Watson e Kay Pranis. Confira a plataforma no site: http:// circulosemmovimento.org.br Realização NOSSA VOZ. NOSSA FORTALEZA. Apoio HUGO DANTAS (autor) É graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Integra a Comissão de Edu- cação da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Ceará e a Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (RENAAP). É assessor jurídico na Assembleia Legislativa do Ceará. RAFAEL LIMAVERDE (ilustrador) É ilustrador, chargista e cartunista (premiado internacionalmente) e xilogravurista. Formado em Artes Visuais pelo Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia do Ceará (IFCE). Escreve e possui livros ilustrados nas principais editoras do Ceará e em editoras paulistas. EXPEDIENTE: FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA João Dummar Neto Presidente André Avelino de Azevedo Diretor Administrativo-Financeiro Raymundo Netto Gerente Editorial e de Projetos Emanuela Fernandes e Aurelino Freitas Analistas de Projetos UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE Viviane Pereira Gerente Pedagógica Marisa Ferreira Coordenadora de Cursos Joel Bruno Designer Instrucional CURSO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES Valéria Xavier Concepção e Coordenadora Geral Leila Paiva Coordenadora de Conteúdo Amaurício Cortez Editor de Design e Projeto Gráfico Miqueias Mesquita Designer/Diagramador Rafael Limaverde Ilustrador Mayara Magalhães Revisora Beth Lopes Produtora ISBN: 978-85-7529-936-4 (Coleção) ISBN: 978-85-7529-947-0 (Fascículo 11) Este fascículo é parte integrante do Programa de Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, em decorrência do Termo de Fomento celebrado entre a Fundação Demócrito Rocha e a Câmara Municipal de Fortaleza, sob o nº 001/2019. Todos os direitos desta edição reservados à: Fundação Demócrito Rocha Av. Aguanambi, 282/A - Joaquim Távora Cep 60.055-402 - Fortaleza-Ceará Tel.: (85) 3255.6037 - 3255.6148 - Fax (85) 3255.6271 fdr.org.br fundacao@fdr.org.br
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