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PLANO DE NEGÓCIO PARA UMA EMPRESA DE AQUAPONIA NO RIO DE JANEIRO Marcial Pereira Saboya de Castro Projeto de Graduação apresentado ao Curso de Engenharia de Produção da Escola Politécnica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Engenheiro. Orientador: Édison Renato Pereira da Silva, D.Sc. Rio de Janeiro Agosto de 2019 3 Saboya de Castro, Marcial Pereira Plano de Negócio para uma Empresa de Aquaponia no Rio de Janeiro/ Marcial Pereira Saboya de Castro. - Rio de Janeiro: UFRJ/ Escola Politécnica. 2019. VI, 78 p. Orientador: Édison Renato Pereira da Silva, D.Sc. Projeto de Graduação - UFRJ/ Escola Politécnica/ Curso de Engenharia de Produção, 2019. Referências Bibliográficas: p. 74-78 1. Plano de Negócio 2. Aquaponia 3. Análise de Viabilidade Econômica 4 AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer a todos que, de alguma forma, me ajudaram a completar mais esta etapa na minha formação. Agradeço à minha namorada e sempre companheira, Cristiani, por estar junto em todos esses anos, à minha família, em especial meu pai, Marcial, e minha mãe, Yacy, por toda estrutura que me proporcionaram. Às minhas irmãs e meus sobrinhos, pela inspiração e carinho. Agradeço à Cecília, por nunca me deixar desistir. Agradeço a todos os professores da Escola Politécnica com quem tive o prazer e a honra de aprender, em especial ao amigo e professor Édison Renato, pela força para ultrapassar o último obstáculo. Agradeço a meus colegas com quem convivi por todos esses anos - algumas das pessoas mais brilhantes que já conheci - e a todos os meus amigos. Agradeço e dedico este trabalho à memória de pessoas importantes que se foram durante a minha jornada de formação na Escola Politécnica: Professor Luiz Antônio Meirelles (Poli-UFRJ), Professor Edinaldo da Silva Bezerra (UFRRJ), Osmar Marques, Yvonne Cavalcanti, Aila Pereira, Julio Pereira e Clarinha. Agradeço a Deus por ter colocado todas essas pessoas na minha vida. 5 Resumo do Projeto de Graduação apresentado à Escola Politécnica/ UFRJ como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Engenheiro de Produção. Plano de Negócio para uma Empresa de Aquaponia no Rio de Janeiro Marcial Pereira Saboya de Castro Agosto/ 2019 Orientador: Édison Renato Pereira da Silva, D.Sc. Curso: Engenharia de Produção O mundo possui um desafio pela frente para as próximas décadas: produzir alimentos para nutrir uma população que cresce a ritmo forte, utilizando-se dos recursos naturais disponíveis de forma sustentável. Neste cenário, um sistema de produção denominado aquaponia se apresenta como uma alternativa para contribuir para a solução deste problema. Para tanto, é preciso que ele se mostre viável, não apenas em seu nível original de fundo de quintal (literalmente), mas também em escala comercial. Este trabalho se trata de um Plano de Negócio para uma empresa que vai se utilizar desse sistema de produção, situada numa fazenda no município de Vassouras-RJ. Ele lançará mão de uma série de ferramentas da Engenharia de Produção, agrupadas por temas em capítulos: Análise de Mercado, Plano de Marketing, Plano de Operações e Plano Financeiro. A conclusão alcançada é que a empresa em questão é viável de se manter do ponto de vista econômico. Palavras-chave: Plano de Negócio, Aquaponia, Estudo de Viabilidade Econômica. 6 Abstract of Undergraduate Project presented to POLI/UFRJ as a partial fulfillment of the requirements for the degree of Engineer. Business Plan for an Aquaponics Company in Rio de Janeiro Marcial Pereira Saboya de Castro August/ 2019 Advisor: Édison Renato Pereira da Silva, D.Sc. Course: Production Engineering The world faces a real challenge ahead: to produce enough food to nourish a fast growing population, by using available resources in a sustainable way. Against this backdrop, a production system known as aquaponics is presented as an alternative to contribute to the solution for that problem. Therefore, it must prove itself viable, not only in its original backyard level, but also in commercial level. This project is a Business Plan for a new company that will use such production system, located in a farm at Vassouras-RJ, Brazil. It will use a series of Production Engineering tools, grouped by chapters: Market Analysis, Marketing Plan, Operations Plan and Financial Plan. The conclusion is that such company is economically feasible. Keywords: Business Plan, Aquaponics, Financial Statement Analysis. 7 SUMÁRIO SOBRE ESTE TRABALHO 11 1 INTRODUÇÃO 13 1.1 A Produção Mundial de Alimentos 14 1.2 Hidroponia 17 1.3 Aquicultura 19 1.4 Aquaponia 21 1.5 A Instalação da Empresa 23 2 ANÁLISE DE MERCADO 24 2.1 Quadro do Modelo de Negócio 24 2.2 Análise SWOT 28 2.3 Análise das Forças Competitivas 31 2.4 Análise CAMGPEST 36 2.5 Segmentação de Mercado 40 3 PLANO DE MARKETING 42 3.1 Missão 42 3.2 Visão 42 3.3 Valores 42 3.4 Mix de Marketing: Os 4 P’s 42 4 PLANO DE OPERAÇÕES 47 4.1 Análise da Cadeia de Valor 48 8 5 PLANO FINANCEIRO 55 5.1 Investimento Inicial 56 5.2 Custos Operacionais 59 5.3 Receitas 64 5.4 Análise de Viabilidade Econômica 69 6 CONCLUSÃO 72 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 74 9 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Histórico e Estimativa de Crescimento Populacional (Dados: ONU 2019, Gráfico: Autor) ....................................................................................................................... 15 Figura 2: Componentes do Modelo de Negócios. Fonte: Osterwalder (2011). ...................... 25 Figura 3: Quadro do Modelo de Negócio da Empresa. Elaboração própria (utilizando a ferramenta Strategyzer) ..................................................................................... 28 Figura 4: Fonte: Kurzweil e Salado (2019) ............................................................................ 30 Figura 5: Forças que determinam a concorrência no mercado. Fonte: Porter (1986). ........... 32 Figura 6: Histórico de Preços do Arroz em Casca. Fonte: ESALQ/SENAR-RS (2019) ..................................................................................................................................... 45 Figura 7: Organograma. Elaboração própria. ......................................................................... 47 Figura 8: Cadeia de Valor Genérica. Fonte: Porter (1985), apud Kotler (2000) .................... 48 Figura 9: Evolução de Preços do Tomate. Fontes: CEPEA (2019) e CEASA-RJ/ SIMA (2019). ......................................................................................................................... 66 Figura 10: Evolução de Preços da Alface. Fontes: CEPEA (2019) e CEASA-RJ/ SIMA (2019). ......................................................................................................................... 67 Figura 11: Evolução de Preços do kg de Tilápia. Fonte: CEASA-RJ/ SIMA (2019). ........... 68 10 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Custos para Investimento Inicial. Elaboração própria. ................................... 58 Tabela 2: Custos para Investimento em Geração de Energia Fotovoltaica. Elaboração própria. ............................................................................................................................ 59 Tabela 3: Estimativa de Custos Operacionais. Elaboração própria. ............................... 60 Tabela 4: Evolução dos Custos Operacionais em Relação à Capacidade. Elaboração própria. ............................................................................................................................ 63 Tabela 5: Demonstrativo do Resultado (xR$ mil). Elaboração própria. ........................ 69 Tabela 6: Fluxo de Caixa Esperado. Elaboração própria. .............................................. 70 Tabela 7: Indicadores de Viabilidade Econômica. Elaboração Própria. ........................ 70 11 SOBRE ESTE TRABALHO Problema: é viável estabelecer e manter uma empresa situada no município de Vassouras-RJ para produção em escala comercial de peixes, legumes e verduras, de modo social, ambiental e economicamente sustentável, utilizando os métodos de produção da aquaponia? Hipótese: este trabalho estudará a hipótese de que uma empresa nas condições citadas acima é viável e lucrativa. Objetivo: avaliar a viabilidade de criação de uma empresa de aquaponia, com objetivo de comercializar peixes, legumes e verduras, gerando ao final um plano de negócio para a implementação da mesma. Metodologia: o trabalho será conduzido na forma de um plano de negócio para implementação da empresa. Pela definição do SEBRAE (2019), o plano de negócios “é um documento que descreve por escrito os objetivos de um negócio e quais passos devem ser dados para que esses objetivos sejam alcançados, diminuindo os riscos e as incertezas”. Limitação da pesquisa: o presente trabalho não incluirá qualquer tipo de acompanhamento posterior à criação da empresa. Contribuição científica: o trabalho se propõe a servir como um modelo de plano de negócio para novas empresas, especificamente - mas não restrito – nos ramos de comércio de alimentos e produção sustentável. Descrição dos capítulos: O capítulo de introdução fará um resumo do histórico de produção de alimentos em nível mundial e de alguns dos desafios que essa indústria encontrará nos próximos anos. Também serão explicados os conceitos de aquaponia, bem como os motivos que lhe caracterizam como um método de produção sustentável. Em seguida, será feita uma análise do mercado de forma local (Brasil e Rio de Janeiro) e aplicação de técnicas como análise SWOT, Quadro de Modelo de Negócio, análise de forças competitivas, análise CAMGPEST e segmentação de mercado. 12 Passada esta etapa, o plano de Marketing pretende apresentar a marca e posicionar o mix de marketing da empresa, através dos chamados 4 P’s do Marketing: Produto, Preço, Praça e Promoção. O capítulo seguinte tratará do plano operacional para o início das atividades da empresa. Sua proposta será analisar o comportamento da empresa frente a cada item da chamada Cadeia de Valor, de Porter (1985, apud KOTLER, 2000). Por último, será feito um plano financeiro, que culminará com um estudo de viabilidade econômica, com o objetivo de responder em definitivo à pergunta proposta no problema inicial do trabalho. Ao final, o capítulo de conclusão apresentará uma recapitulação resumida dos planos apresentados de forma consolidada e formulará propostas de futuros trabalhos para complementar o tema. 13 1 INTRODUÇÃO A partir da questão sobre se é viável estabelecer e manter uma empresa situada no município de Vassouras-RJ para produção em escala comercial de peixes, legumes e verduras, de modo social, ambiental e economicamente sustentável, utilizando os métodos de produção da aquaponia, este trabalho estudará a hipótese de que uma empresa nas condições citadas acima é viável e lucrativa. Seu objetivo é avaliar a viabilidade de criação de uma empresa de aquaponia, com objetivo de comercializar peixes, legumes e verduras, gerando ao final um plano de negócio para a implementação da mesma. Ele será conduzido na forma de um plano de negócio para implementação da empresa. Pela definição do SEBRAE (2019), o plano de negócios “é um documento que descreve por escrito os objetivos de um negócio e quais passos devem ser dados para que esses objetivos sejam alcançados, diminuindo os riscos e as incertezas”. Não será incluso qualquer tipo de acompanhamento posterior à criação da empresa. O capítulo de introdução fará um resumo do histórico de produção de alimentos em nível mundial e de alguns dos desafios que essa indústria encontrará nos próximos anos. Também serão explicados os conceitos de aquaponia, bem como os motivos que lhe caracterizam como um método de produção sustentável. Em seguida, será feita uma análise do mercado de forma local (Brasil e Rio de Janeiro) e aplicação de técnicas como análise SWOT, Quadro de Modelo de Negócio, análise de forças competitivas, análise CAMGPEST e segmentação de mercado. Passada esta etapa, o plano de Marketing pretende apresentar a marca e posicionar o mix de marketing da empresa, através dos chamados 4 P’s do Marketing: Produto, Preço, Praça e Promoção. O capítulo seguinte tratará do plano operacional para o início das atividades da empresa. Sua proposta será analisar o comportamento da empresa frente a cada item da chamada Cadeia de Valor, de Porter (1985, apud KOTLER, 2000). 14 Por último, será feito um plano financeiro, que culminará com um estudo de viabilidade econômica, com o objetivo de responder em definitivo à pergunta proposta no problema inicial do trabalho. Ao final, o capítulo de conclusão apresentará uma recapitulação resumida dos planos apresentados de forma consolidada e formulará propostas de futuros trabalhos para complementar o tema. 1.1 A Produção Mundial de Alimentos No final do século XVIII, o economista inglês Thomas Malthus assombrou o mundo com sua teoria exposta na obra “Um Ensaio sobre o Princípio de População” (MALTHUS, 1798), a partir da sua famosa projeção de que o crescimento da população mundial aconteceria em progressão geométrica, enquanto o da produção de alimentos ocorreria em progressão aritmética. Tal perspectiva inevitavelmente geraria um ponto de insustentabilidade, eclodindo na disseminação da fome, miséria e, em última instância, até mesmo em conflitos armados. Atualmente, sabe-se que as projeções da hoje anedótica “Lei de Malthus” não se concretizaram no prazo esperado por ele, ao que se credita principalmente aos avanços tecnológicos na produção de alimentos que continuam ocorrendo desde a revolução industrial. No entanto, os riscos alertados pelo pesquisador estão longe de terem sido completamente afastados num horizonte não muito distante. Apesar de os países desenvolvidos do mundo ocidental já apresentarem há algumas décadas taxas decrescentes de expansão populacional, os países emergentes e, principalmente, os subdesenvolvidos se tornaram os motores que continuam a elevar as taxas de natalidade de forma galopante. Isso gera novas projeções alarmantes para o crescimento da população mundial pelas próximas décadas. A ONU (2019) já projeta 15 que a população mundial alcance a marca de 10 bilhões de pessoas em meados da década de 2050, como se observa na Figura 1. Essa população gigantesca vai continuar a requerer esforços para se conseguir produzir – e distribuir – alimentos de qualidade. Figura 1: Histórico e Estimativa de Crescimento Populacional (Dados: ONU 2019, Gráfico: Autor) Pelo lado da produção de alimentos, os avanços obtidos com a revolução industrial de fato foram fundamentais para se alcançar as colossais quantidades produzidas atualmente. No entanto, esses avanços trouxeram novos desafios a serem superados. Uma das práticas que o avanço tecnológico permitiu foi a utilização de áreas cada vez mais extensas para plantio de uma única espécie (monocultura), de forma a otimizar o uso de recursos – equipamentos, principalmente. A monocultura traz embarcado o problema das pragas, que nada mais são do que uma proliferação natural de animais que se alimentam da espécie vegetal plantada, em quantidade proporcional à abundância daquela planta em uma área concentrada. Para eliminar essas pragas que reduzem a produtividade da colheita, a resposta da tecnologia foi criar compostos químicos que afastasse ou matasse os animais indesejados. O problema gerado é que, não apenas o solo apresenta um maior desgaste de determinados tipos de nutrientes (de acordo com a espécie cultivada em monocultura), como também muitas vezes os 16 químicos presentes nos defensivos agrícolas também geraram efeitos indesejados de longo prazo nos solos, tornando-os menos férteis. Outro fator de longo prazo que a revolução industrial trouxe foi a aceleração das alterações climáticas a nível mundial. Nos casos mais extremos, desertos (FENG e FU 2013) e regiões semiáridas (HUANG et al. 2016) vêm apresentando relevante expansão territorial em todos os continentes do planeta. Além disso, já faz algum tempo que se tem perfeita noção de que o aumento da poluição e a falta de tratamento à água com resíduos tóxicos tem aumentado a incidência de contaminantes, em especial metais pesados, em rios, mares e oceanos (MORMEDE e DAVIES, 2001). Também é universalmente aceito na literatura o efeito nocivo que esses metais pesados incorrem à saúde humana após a ingestão de peixes que tenham absorvido tais substâncias, como mostram os estudos de Afshan et al. (2014) e Bosch et al. (2015). Outro ponto que não pode ser ignorado é a concentração populacional cada vez mais intensa nas áreas metropolitanas, que oferece uma maior dificuldade logística para abastecimento. A segregação cada vez maior das áreas de produção alimentícia dos principais centros de consumo ainda gera uma quantidade absurda de desperdício de alimentos perecíveis. Estudo da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, 2019) estima que um terço da comida produzida para consumo humano anualmente no mundo, cerca de 1,3 bilhão de toneladas, é desperdiçado, representando uma perda de cerca de US$ 990 bilhões. Para piorar, a logística de abastecimento de alimentos ainda gera uma carga considerável de poluição e gases de efeito estufa, contribuindo também para o aquecimento global e alterações climáticas citadas no parágrafo anterior. Além da dificuldade de se produzir alimentos para dezenas de bilhões de pessoas, há ainda o desafio de fazê-lo com qualidade. Uma das equações mais complexas desses desafios está se desenvolvendo atualmente, com uma gigantesca massa populacional em países como China e Índia, onde classes de pessoas que historicamente sempre viveram em condição de pobreza ou miséria e, hoje, começam a ascender socialmente e consumir itens que, até pouco tempo atrás, eram considerados um luxo: proteína animal. Isso traz à tona um fator que vem sido motivo de alerta crescente nos últimos anos: a exploração de peixes a partir da pesca extrativa em oceanos, mares, rios e lagos. 17 Há mais de uma década, Charles Clover (2006) vem alertando para os riscos e efeitos já sentidos da pesca excessiva nos oceanos. Segundo o autor, mais de 2.000 espécies de peixes já foram extintas por causa de práticas abusivas de pesca. Ele ainda mostra estimativas de que, caso não sejam tomadas medidas drásticas de proteção, os oceanos poderão perder completamente sua capacidade de manter e regenerar suas populações íctias até a metade deste século. Dessa forma, a produção comercial de peixes através da criação em cativeiro se torna uma alternativa viável e até mesmo necessária para a preservação de diversas espécies que hoje são fundamentais para a alimentação humana. Também tratando sobre o tema, um relatório da WWF Brasil (2019) cita que um terço das populações pesqueiras do mundo está atualmente sobre-explotadas. Como último fator de preocupação, não se pode deixar de citar o consumo sustentável de água. Temos acompanhado no Brasil nos últimos anos o crescimento de uma crise hídrica, não mais apenas no semiárido nordestino, mas também em regiões que historicamente não sofriam com falta de chuvas, como o estado de São Paulo, afetado por uma grave crise hídrica a partir de 2014 (ESTADÃO, 2014 “Nível da Cantareira cai a 16,4%, novo recorde negativo”). Como se sabe, a agricultura é responsável pela maior parte do consumo de água limpa. No Brasil, a FAO (2015) estima que 60% da água coletada no país são gastos na atividade agropecuária e, desses, 90% são usados na irrigação de plantações. Não bastasse o uso excessivo, grande parte do volume usado na irrigação acaba perdido, seja por evaporação, seja por infiltração no solo sem aproveitamento das plantas, ou ainda escoamento direto. Portanto, não basta simplesmente aprender a produzir mais, é necessário aprender a fazer o uso racional deste recurso imprescindível à agricultura e à sobrevivência da população. Por todos esses motivos explicitados, pode-se concluir que é fundamental que a produção de alimentos passe urgentemente a seguir preceitos de sustentabilidade, a fim de evitar o colapso dos recursos necessários em um futuro não muito distante. 1.2 Hidroponia É provável que todas as crianças de hoje, a partir de certa idade, já tenham passado na escola pelo experimento de plantar uma semente – normalmente um caroço de feijão – diretamente em um pedaço de algodão mergulhado na água. Elas podem nunca ter ouvido falar no termo hidroponia, mas é esse o nome técnico desta prática. De 18 forma resumida, trata-se de um método de cultivo de vegetais sem contato com o solo. Não precisa ser necessariamente feijão – ao contrário, inúmeras espécies podem ser utilizadas – nem precisa obrigatoriamente do algodão. A água, por outro lado, é imprescindível (daí vem o prefixo hidro no nome), pois é de onde a planta vai extrair todos os nutrientes dos quais precisa para se desenvolver. A lógica por trás da hidroponia é que os vegetais não precisam do solo para crescerem e se desenvolverem. Na verdade, o solo nada mais é do que um meio de sustentação para sua estrutura física, além de uma possível fonte de nutrientes. Por outro lado, sendo provido um meio de sustentação à planta de modo que as raízes permaneçam em contato direto com a água, estas apresentam muito mais facilidade de retirar nutrientes dissolvidos (enquanto eles estiverem presentes no meio) do que se estivessem plantadas no solo. As raízes também se desenvolvem com mais rapidez se não tiverem que gastar energia cavando um material sólido como o solo. Além disso, se a planta tem mais facilidade para captar nutrientes na água, isso significa que ela se desenvolve mais rápido nesse meio do que se plantada diretamente no solo. Diversos experimentos comprovam este fato. Makobo et al. (2009) cita um experimento usando quatro espécies diferentes de tomate com sementes divididas entre um sistema hidropônico e plantio convencional em solo. Em sua conclusão, os autores citam que “os resultados mostram que as plantas no sistema sem-solo [hidropônico] se desenvolveram mais rapidamente e tiveram uma produção maior do que as plantas cultivadas no solo. Além disso, a média de produção que atingiu tamanho comercial foi de 92,1% no cultivo sem solo, enquanto no solo só se atingiu 77,0%”. Portanto, do ponto de vista comercial, este método apresenta diversas vantagens. Em primeiro lugar, ele não depende de uma área com solo fértil - basta ter disponibilidade de água. Climas hostis também podem ser facilmente contornados com estufas ou até mesmo produção indoor. Isso permite cultivar alimentos fora do período normal da safra, o que representa um potencial de otimização do preço de venda. Além disso, o cultivo direto na água dispensa uma série de atividades inerentes à agricultura tradicional, como preparo e manejo do solo, adubação ou eliminação de ervas daninhas. Até mesmo algumas pragas (basicamente as que não voam) são afastadas pela barreira da água. Para completar, ainda tem o crescimento mais rápido do que na agricultura em solo. 19 No entanto, já que as plantas retiram os nutrientes da água ao longo do tempo, o meio pode chegar a se esgotar completamente. Por isso, na hidroponia, é preciso frequentemente misturar à agua diversos nutrientes essenciais às plantas. Alguns desses nutrientes podem representar custos consideravelmente elevados. Mais do que isso, é preciso ainda frequentemente (cerca de uma vez ao mês) trocar toda a água do sistema, pois alguns dos elementos químicos podem atingir níveis tóxicos às plantas. Isso representa mais do que só uma inconveniente atividade extra, uma vez que, dependendo da composição da água a ser descartada, é preciso tomar cuidado com o local de seu despejo, pois pode acarretar em problemas ambientais. A conclusão é que a hidroponia é um método que pode ser comercialmente vantajoso, mas possui uma limitação referente ao uso e despejo da água, o que por sua vez pode representar um risco ao ideal de sustentabilidade que se almeja alcançar na produção de alimentos. 1.3 Aquicultura Aquicultura (ou aquacultura) é um termo que se refere à criação de espécies de animais em ambientes aquáticos controlados. Nele está incluída a piscicultura (especificamente para criação de peixes), mas também carcinicultura (crustáceos), malacocultura (moluscos) entre muitos outros. Os peixes possuem uma peculiaridade que é muito importante do ponto de vista comercial: o seu metabolismo foi lapidado ao longo de milênios de seleção natural para garantir um rápido crescimento, principalmente nas fases mais jovens. A explicação chega a ser intuitiva. Quanto maior o tamanho de um indivíduo no mar, menos espécies são capazes de abocanhá-lo e maiores são as opções de espécies para ele se alimentar. Ou seja, o seu crescimento representa a subida de degraus na escada da cadeia alimentar. Alguns fatores ajudam nisso. Em primeiro lugar, os peixes não precisam gastar energia com sustentação, a própria água oferece isso! Além disso, o ganho energético mais importante é que eles não gastam energia para manter a temperatura corporal, uma vez que eles mantêm a temperatura da água1. 1 Isto pode não se aplicar para algumas espécies que vivem em regiões de frio extremo, mas pode ser considerada uma regra geral para qualquer espécie criada de forma comercial no Brasil. 20 Essas peculiaridades significam que os peixes apresentam uma taxa muito alta de conversão de comida em massa corporal. Shike (2013) apresenta dados de um estudo da taxa de conversão de alimentos entre diferentes grupos de espécies (FCR, sigla em inglês para Feed Convertion Ratio). Os bovinos de corte apresentam uma taxa FCR de 6:1, ou seja, a cada seis unidades de peso de alimento fornecido representam uma unidade de peso de ganho de massa corporal. Mais do que isso, o autor cita que esses valores encontrados não divergem significativamente dos estudos realizados três décadas antes, ao contrário das aves, que tiveram um ganho de eficiência da ordem de 250%, chegando a um FCR de 2:1. Suínos apresentam FCR de 3,5:1, enquanto bagres, segundo o autor, atingem quase 1:1. Delong et al. (2009) cita especificamente a Tilápia como tendo uma taxa de até 1,4:1. Naturalmente, quando se fala de exploração comercial, essa taxa de conversão se torna um atrativo fundamental. Como qualquer criação de animais para engorda, quanto maior a densidade de animais, maior é a produtividade e menores são os esforços de manejo e manutenção. No entanto, altas densidades também representam maiores desafios, especialmente para os peixes. Como é de conhecimento geral, peixes excretam amônia, substância tóxica tanto para animais quanto para plantas. Na natureza, a amônia é diluída a níveis insignificantes nos oceanos e rios caudalosos. Em lagoas e rios de menor vazão, a amônia pode se tornar um limitante à população de peixes do local, mas ela também é metabolizada e eliminada por bactérias e plantas. Já na criação de peixes em confinamento de tanques, a amônia pode representar um sério risco aos animais. A solução passa por criar um sistema de circulação que conduz a água a passar por uma série de filtros que retiram a amônia, assim como restos de comida não ingerida e excrementos sólidos. De acordo com Wheaton (2002), esses dejetos em alta concentração podem ser nocivos ao meio ambiente e devem ter cuidado com a escolha do local e forma de despejo, podendo, em alguns casos, necessitar de tratamentos prévios. Portanto, a aquicultura, assim como a hidroponia, apresenta qualidades com enorme potencial para a prática comercial, entretanto também representa riscos ao caráter de sustentabilidade desejado ao negócio. 21 1.4 Aquaponia Aquaponia nada mais é do que um híbrido entre a aquicultura e a hidroponia, que absorve as vantagens dos dois métodos, enquanto resolve alguns dos principais problemas de ambos. Trata-se de um sistema fechado que circula a água que sai dos tanques de peixes, enviando-a para os meios de cultura hidropônica e, posteriormente, a devolve para os tanques, fechando o ciclo. Como já mencionado, os peixes excretam amônia, que é um composto químico que contém nitrogênio. O nitrogênio, por sua vez, é notadamente um elemento fundamental para o crescimento de vegetais, o que torna a água rica em amônia um nutriente valioso para as plantas. Por sua vez, as plantas irão consumir o nitrogênio presente na água, funcionando como uma espécie de filtro para o tanque de peixes. Desta forma, quando o ciclo se fecha, a água retorna para o tanque livre da substância tóxica. Como se nota, a água do sistema sequer precisa ser trocada – ela apenas precisa ser reposta em pequenas quantidades semanalmente, para repor o volume que tenha sido perdido através da evaporação e do consumo normal do metabolismo dos peixes e plantas. Portanto, um sistema funcional de aquaponia não apresenta dejetos, só saem do sistema os peixes, legumes e hortaliças colhidos para consumo. E os únicos inputs necessários são os alevinos (primeiro estágio de vida dos peixes), os brotos de vegetais, o alimento dos peixes, o oxigênio fornecido ao tanque por meio de uma bomba de aeração e a água de reposição. Uma particularidade da aquaponia que pode torná-la um importante elemento nos desafios encontrados para os problemas da alimentação da população mundial como um todo é que esse sistema pode ser aplicado nas mais diversas escalas, desde um pequeno modelo no quintal de uma casa ou na varanda de um apartamento até em grandes áreas para escala comercial, independente do clima ou do regime de chuvas da região. Para isso, basta que sejam obedecidas as relações necessárias entre a quantidade de peixes, o volume de alimento fornecido a eles e a área de plantio. Feita esta observação, é importante lembrar que, apesar de todos os benefícios listados, a operação de um sistema de aquaponia não pode ser considerada de absoluta 22 simplicidade. Todos os organismos envolvidos – além dos já citados, há uma importante participação de bactérias, que agem na conversão da amônia em nitritos e, posteriormente, em nitratos, que é de fato a substância que é absorvida e nutre as plantas – exigem um espectro de condições específico envolvendo fatores como temperatura, pH, nível de oxigenação da água, entre outros. Tais espectros podem ser mais ou menos abrangentes para cada um dos organismos, mas a faixa que abrange todos ao mesmo tempo, que é a necessária para a sobrevivência do sistema, é relativamente tênue e não necessariamente abrange o ambiente ótimo para cada organismo. Isso torna imprescindível realizar constantemente uma série de controles sobre os parâmetros de qualidade da água e, eventualmente, adotar medidas corretivas para o ambiente. Casos críticos podem resultar na perda de todos os peixes e, em último caso, até mesmo das plantas. Há de se levar em conta ainda, em especial quando se trata de uma operação com fins comerciais, que um sistema de aquaponia leva um tempo para amadurecer. Inicialmente, é preciso aguardar um período que pode variar de três a cinco semanas, antes de sequer incluir os primeiros peixes e plantas, apenas para atrair e cultivar as bactérias que atuam no processo de nitrificação (SOMMERVILLE et al., 2014). Além disso, antes de se poder capitalizar com a venda de produtos, há de se aguardar ainda o tempo de crescimento e desenvolvimento das plantas – que é mais rápido, especialmente nas hortaliças – e dos peixes – que duram meses ou até mesmo mais de um ano. Em seguida, o sistema vai aos poucos se adaptando e melhorando sua produtividade. Por outro lado, autores como Savidov (2004) citam que, após cerca de seis meses de funcionamento normal, um sistema passa a ter um ganho significativo de produtividade, além de uma capacidade maior de se auto balancear, tornando a operação mais fácil e menos arriscada. Todos esses fatores devem ser considerados no plano de negócios da empresa, para que ele reflita ao máximo possível a realidade que será enfrentada no início das suas operações. 23 1.5 A Instalação da Empresa A empresa será instalada na Fazenda São Francisco do Tinguá, pertencente à família do investidor (autor deste trabalho). Localizada no município de Vassouras, na Região Sul Fluminense, é uma propriedade que está na família desde a década de 1960. A entrada do imóvel, situada na estrada RJ-115, dista cerca de 57 km da unidade do Centro de Abastecimento de Abastecimento de Alimentos (CEASA) de Paty do Alferes- RJ e 115 km da unidade principal do CEASA na Avenida Brasil, Rio de Janeiro, com estradas em boas condições de acesso. A região é conhecida como Vale do Café, por causa da predominância desta cultura no local ainda na época do Brasil Império. Atualmente, no entanto, a principal atividade econômica de origem agropecuária praticada é a pecuária de leite. A Fazenda São Francisco do Tinguá também tem na produção leiteira sua principal atividade. Contando com um rebanho de cerca de 600 cabeças, a produção diária atual é de aproximadamente 4.000 litros, o que a torna a principal fornecedora de leite da unidade da Nestlé em Três Rios-RJ. A propriedade é bem servida de água, contando com diversos córregos perenes de pequeno porte que cruzam ou até mesmo nascem em seus limites. Portanto, a presença de água não apresenta um risco de vir a se tornar uma restrição para a operação ou expansão de capacidade da empresa. Tampouco é a disponibilidade de terras, uma vez que a propriedade possui mais de 500 hectares. A presença da família na região há muito tempo ainda permite o uso de uma rede de contatos para captação de mão de obra. Porém, é importante frisar que não se deve nutrir esperança de encontrar funcionários disponíveis no município e entornos com experiência em criação de peixes, muito menos em aquaponia. Deste modo, o planejamento deve prever a necessidade de treinamento básico a todos os novos funcionários que vierem a ser contratados. 24 2 ANÁLISE DE MERCADO Entrar em um negócio sem conhecer bem seu mercado é agir como um cego num campo de batalha. Por esse motivo, é unanimidade na literatura que o primeiro passo em um Plano de Negócios deve ser entender o mercado em que a empresa será inserida. Para tanto, este capítulo lançará mão de uma série de ferramentas para identificar, diagnosticar e compreender o mercado de atuação da empresa. 2.1 Quadro do Modelo de Negócio Foi pensando em uma tela de pintura (tradução para o termo em inglês “canvas”) que o autor Alexander Osterwalder (2011) imaginou uma ferramenta que sirva como modelo de negócio, mas que seja simples de fazer, de se compreender, de se discutir e de se alterar. Tal qual uma pintura, que qualquer pessoa olhe e compreenda a que o desenho se refere, e ainda possa pegar um pincel para realizar alterações. De forma sucinta, o suíço explica que o Modelo de Negócios “é um esquema para a estratégia ser implementada através das estruturas organizacionais dos processos e sistemas”. O modelo proposto por Osterwalder é dividido em nove componentes básicos que, de acordo com o autor, “mostram a lógica de como uma organização pretende gerar valor”. A seguir, cada um deles será analisado, sob a ótica da empresa objeto de estudo deste trabalho. 25 Figura 2: Componentes do Modelo de Negócios. Fonte: Osterwalder (2011). 2.1.1 Segmentos de Clientes Ao menos inicialmente, a proposta da empresa é atuar no setor B2B, ou seja, fornecer a empresas que vão processar e/ou revender os produtos aos consumidores finais. No início das operações, serão buscados potenciais clientes em locais próximos à produção da empresa, no município de Vassouras-RJ e seu entorno e, posteriormente, com o aumento da escala, será buscada uma expansão para toda a Região Sul- Fluminense e, finalmente, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Os tipos de negócios que representam potencial para se tornarem clientes são: Supermercados Hotéis/ Restaurantes Cooperativas Distribuidoras Feirantes “Pesque e Pague” 26 Existe a possibilidade de se entrar no mercado de varejo com venda direta aos consumidores, mas, para chegar a este ponto, é preciso ter atingido escala de produção e nível de serviço que só serão possíveis após muito tempo de maturidade da empresa, o que foge, portanto, do objeto de estudo deste trabalho. A respeito da possibilidade de exportação de produtos, será necessário um estudo para avaliar as exigências requisitadas nos âmbitos jurídico, fiscal e fitossanitário. De qualquer forma, este tipo de operação também requer um nível de volume de produção relativamente elevado. 2.1.2 Proposta de Valor A proposta de valor da empresa é produzir verduras, legumes e peixes de maneira ambientalmente sustentável através do método de aquaponia. 2.1.3 Canais Inicialmente, venda direta spot e, posteriormente, contratos com definição de periodicidade e volume de entrega 2.1.4 Relacionamento com Clientes Gerar valor aos produtos através do caráter sustentável da produção. Mostrar aos clientes a capacidade de prover volumes de fornecimento seguros e constantes, de forma minimamente ou nada dependentes da época do ano ou clima do local. A partir do momento em que se estabelecer uma produção relativamente constante e confiável, passará a ser viável elaborar contratos de fornecimento de longo prazo. 2.1.5 Fontes de Receitas A fonte de receitas considerada neste trabalho é venda de peixes, verduras e legumes. Há potencial para desenvolver novas fontes no futuro, como fertilizantes orgânicos, alevinos, energia elétrica, entre outros, mas essas possibilidades não estarão incluídas no presente escopo. 27 2.1.6 Recursos Principais Os recursos considerados principais para o bom funcionamento dos processos da empresa são os tanques e encanamentos, funcionários para a alimentação diária dos peixes e o estoque de ração. 2.1.7 Atividades-Chave As atividades-chave podem ser divididas entre atividades de suprimentos e de operações corriqueiras. Entre as de suprimentos, estão a aquisição de alevinos e o fornecimento de ração. Já as operações do dia-a-dia envolvem a alimentação dos peixes, colheita de legumes e verduras, despesca e monitoramento periódico das condições da água no sistema. 2.1.8 Parcerias Principais A empresa identifica três grupos de parceiros-chave. Em primeiro lugar, os clientes com potencial de elaboração de contratos de longo prazo. Pelo lado dos suprimentos, o fornecedor de ração para peixes e o fornecedor de alevinos também se enquadram nesta categoria. 2.1.9 Estrutura de Custos A estrutura de custos tem como principais fatores relevantes os seguintes itens: Ração Energia elétrica Mão de obra Alevinos e sementes Serviços prestados Mais à frente, no Capítulo 5 – Plano Financeiro, esses fatores serão abordados com maior profundidade, explicando sua função e estipulando valores para cada um dos itens. A Figura 3 mostra o esboço do Quadro do Modelo de Negócios da empresa, elaborado utilizando a ferramenta Strategyzer (disponível na internet gratuitamente no endereço < https://platform.strategyzer.com/>). 28 Figura 3: Quadro do Modelo de Negócio da Empresa. Elaboração própria (utilizando a ferramenta Strategyzer) 2.2 Análise SWOT O conceito de SWOT, acrônimo inglês para “Strenghs/ Weaknesses/ Opportunities/ Threats” (Forças/ Fraquezas/ Oportunidades/ Ameaças) já é difundido no meio acadêmico e empresarial há bastante tempo. Ghemawat (2007) cita que um congresso de política empresarial em Harvard, no ano de 1963, “ajudou a difundir o conceito tanto na academia como na prática de gerenciamento”, embora ele já circulasse entre os teóricos pelo menos desde o início da década. De forma bastante autoexplicativa, esta ferramenta busca identificar as características, sejam elas positivas ou negativas, potenciais ou efetivas, ambientais ou inerentes à empresa, de modo que se possa antever e se preparar para adversidades futuras. 2.2.1 Forças Uma das grandes forças do negócio da empresa é a localização. O fato de se situar no município de Vassouras a coloca ao alcance do mercado da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, uma zona urbana de mais de 13 milhões de habitantes 29 (segundo a estimativa do IBGE para 2018). Essa proximidade significa para a empresa um diferencial em termos de qualidade e frescor dos produtos oferecidos. Outra vantagem é a vasta disponibilidade que a fazenda onde a empresa vai se localizar propicia, em termos de volume e qualidade da água, além de espaço físico. Esses fatores representam um potencial para significativos aumentos de capacidade ao longo do tempo. 2.2.2 Fraquezas Uma das fraquezas identificadas é a falta de experiência do Gestor no mercado. Como já mencionado na introdução ao assunto, a aquaponia apresenta riscos de perda significativa de produtos através de falhas na manutenção do sistema. A empresa pretende mitigar esses riscos através da automação de ações de monitoramento e controle, que permitam antecipar problemas a tempo de usar soluções que evitem que o sistema entre em colapso que resulte em morte de peixes e plantas. Outra fraqueza inerente ao uso de um sistema de aquaponia é a falta de mão de obra qualificada, além da escassez de consultoria técnica especializada. De fato, a empresa terá que estabelecer um processo de treinamento de novos funcionários, partindo do princípio que qualquer novo colaborador terá que passar por uma instrução que cubra desde os princípios mais básicos das operações. A padronização de processos e a elaboração de protocolos de operação servirão para garantir que o aprendizado adquirido seja aplicado nas funções do dia-a-dia do trabalho. Por fim, outra fraqueza identificada é a possibilidade de excesso de produtos, em especial as hortaliças, que têm menor valor agregado. De fato, as formas de se resolver tal situação seriam reduzir o preço praticado ou prospectar novos clientes. Para o caso de um produto de pouco valor de mercado, buscar clientes em regiões mais afastadas pode nem mesmo compensar os ganhos de receitas com esse produto. Portanto, para contornar essa potencial fraqueza, um dos objetivos de Pesquisa e Desenvolvimento da empresa é adaptar ao sistema de aquaponia a cultura de vegetais que podem ser utilizados na alimentação do gado da fazenda, já que este apresenta uma demanda muito grande em relação à capacidade de produção da empresa. Esta possibilidade é factível de acordo com a literatura referente à aquaponia, como será mostrado mais à frente neste trabalho, numa abordagem mais aprofundada sobre o tema no Capítulo 5 – Plano Financeiro. 30 2.2.3 Oportunidades São muitas as oportunidades oferecidas por este mercado, de forma que serão explicitadas algumas das principais. Uma delas é a demanda por alimentos mais saudáveis, como atestado pelo instituto Euromonitor International em pesquisa citada por Kurzweil e Salado (2019), que diz que “20% dos brasileiros estão dispostos a pagar mais por produtos naturais”. Figura 4: Fonte: Kurzweil e Salado (2019) Uma característica importante da produção de alimentos utilizando o sistema de aquaponia é a relativa estabilidade da produção ao longo do ano, uma vez que o mesmo não depende de aspectos de sazonalidade como temperatura e regime de chuvas, ao contrário da agricultura convencional. Desta forma, o sistema apresenta uma forte oportunidade do ponto de vista financeiro, que é a oferta de produtos agrícolas em períodos de entressafra, onde os volumes comercializados são significativamente menores e os preços acabam aumentando de forma drástica. Outra oportunidade que estará ao alcance da empresa é a possibilidade de exportação de produtos. Em países desenvolvidos, o mercado de produtos orgânicos e saudáveis é ainda mais robusto que no Brasil (MASCARAQUE, 2019, ou SHORT et al. 2017), além de trazer uma vantagem pela desvalorização cambial do Real frente a moedas como o Dólar, o Euro ou a Libra. No entanto, essa possibilidade envolve uma série de adequações e registros para obter as licenças necessárias, de forma que a entrada em potenciais mercados estrangeiros não será abordada no escopo deste trabalho. 31 2.2.4 Ameaças A principal ameaça ao negócio diz respeito à volatilidade de preços inerente ao comércio de qualquer produto de origem agropecuária. É um fato que legumes e verduras variam seu valor constantemente, de acordo principalmente com a disponibilidade de produtos no mercado. Em relação ao comércio de peixes, essa regra não é diferente (PESAGRO RIO, 2019). No entanto, há muitos autores, como Bernstein (2011), que relatam ser possível cultivar diversas espécies de peixes e vegetais em sistemas de aquaponia. Por isso, apesar de o presente trabalho se basear em um número restrito de produtos (tilápia, tomates e hortaliças), está entre os desafios de a empresa desenvolver o cultivo de produtos alternativos que obtenham maior valor de mercado, além de processos que permitam o cultivo de diferentes vegetais ao longo do ano, para aproveitar os períodos de alta dos preços de cada uma das espécies. 2.3 Análise das Forças Competitivas No início da segunda metade do século XX, o meio acadêmico – sobretudo norte-americano – dedicou grandes esforços à pesquisa sobre as diferenças entre os segmentos da indústria. O principal motivo de intriga era a falta de compreensão sobre a causa de alguns mercados apresentarem forte concorrência, enquanto outros conseguiam manter um estágio mais brando de competição, apresentando naturalmente resultados mais consistentes. Ghemawat (2007) revela que, nessa época, inúmeros estudos empíricos foram realizados para tentar estabelecer correlação entre o nível de concorrência e diversas variáveis estruturais. O trabalho definitivo sobre o tema foi desenvolvido apenas na virada da década de 1980, quando o professor de Harvard Michael Porter publicou seu famoso livro Estratégia Competitiva. Ele afirmou que: “A intensidade da concorrência em uma indústria não é uma questão de coincidência ou de má sorte. Ao contrário, a concorrência em uma indústria tem raízes em sua estrutura econômica básica e vai além do comportamento dos atuais concorrentes. O grau da concorrência de uma indústria depende de cinco forças competitivas básicas (...). O conjunto destas forças determina o potencial de lucro final na indústria, que é medido em termos de retorno a longo prazo sobre o capital investido”. (PORTER, 1986) A Figura 5, adaptada da mesma fonte, mostra de maneira esquemática as forças às quais o autor se refere. 32 Figura 5: Forças que determinam a concorrência no mercado. Fonte: Porter (1986). A seguir, serão analisadas cada uma das forças descritas, sob o ponto de vista de como elas podem impactar no mercado ao qual será inserida a empresa objeto deste Plano de Negócio. 2.3.1 Rivalidade entre Concorrentes A concorrência encontrada se divide em cada tipo de produto. Isso porque não foi identificado, até o momento desta pesquisa, nenhum produtor que pratique a aquaponia com fins comerciais no estado do RJ. Entretanto, há uma variedade de produtores de legumes e hortaliças capilarizados por todo o território, sobretudo em pequenos negócios de agricultura familiar. Também se observa uma crescente disseminação da aquicultura, especialmente na Região Sul Fluminense. Segundo relatório do FIPERJ (2011), a aquicultura comercial no estado vem sendo desenvolvida desde o início dos anos 1980. De forma geral, no agronegócio, há um espírito muito forte de coletividade entre produtores. A explicação é simples: com raras exceções, é praticamente impossível um único produtor ser capaz de fornecer todo o volume necessário de um determinado produto agropecuário, seja ele um tipo de hortaliça, legume, carne ou leite, para suprir 33 exclusivamente um mercado de toda uma região. É importante ressaltar que isso não se refere apenas a regiões de grandes metrópoles como Rio de Janeiro ou São Paulo, mas é válido também em pequenas cidades de 20 a 50 mil habitantes. As exceções citadas são produtos de nicho muito específico, como por exemplo algumas espécies de trufas ou cogumelos, que requerem condições de produção muito específicas, mas cujos mercados têm escala extremamente reduzida em contraste com os produtos mais tradicionais. Além disso, é praticamente impossível que um único fornecedor seja capaz de suprir integralmente a necessidade de todos os tipos de produtos naturais vendidos, por exemplo, por uma rede de supermercados. Desta maneira, um grande produtor de leite de uma região não é visto pelo seu vizinho – também grande produtor de leite – como uma ameaça à oferta do seu produto. Pelo contrário, em uma região emergente, é de interesse dos locais que novos produtores surjam e cresçam, pois isso pode, entre outros benefícios, fomentar a instalação de indústrias de processamento naquela região, o que tende a elevar os preços praticados dos produtos em questão. Assim, não é raro que produtores de determinados segmentos agropecuários de uma região se reúnam para disseminar boas práticas, organizar compras coletivas, dividir informações de preços e alinhar estratégias para negociar com as indústrias clientes dos seus produtos, que tendem a ser sempre o lado mais forte na negociação. Como já foi explicado anteriormente, a estratégia da empresa não contempla, num horizonte visível, a entrada no mercado de varejo com um ponto de venda próprio para seus produtos. Caso contrário, seria necessário avaliar uma nova gama de competidores, desde feiras livres e pequenas mercearias até hortifrútis e redes de supermercados, que teriam um perfil bem mais agressivo e sem qualquer resquício do caráter colaborativo encontrado na concorrência entre produtores. 2.3.2 Poder de Barganha do Fornecedor Sob o ponto de vista do fornecedor de ração para peixes, o mercado dispõe de algumas marcas competidoras, tanto nacionais como estrangeiras. A estratégia inicial será usar a mesma marca que atualmente já fornece a ração para as vacas da fazenda onde será instalada a empresa, que tem reputação pela qualidade de seus produtos. Desta forma, aproveita-se o custo reduzido de frete, que já é otimizado com as grandes quantidades fornecidas para o gado, além da frequência já estabelecida de entrega de 34 produtos. No futuro, é possível substituir a ração por alimentos produzidos na própria fazenda. Essa medida deve ser tomada aos poucos, mas tem potencial para chegar a substituir a totalidade do volume de ração, representando uma redução de custos e mitigação de riscos referentes à flutuação do mercado. Para a aquisição de alevinos, o mercado é formado por diversos pequenos produtores pulverizados. Em pesquisa na internet, encontram-se alguns espalhados pelo estado do Rio de Janeiro. Muitos desses pequenos produtores podem não ter capacidade de fornecimento constante. Em conversa com um produtor de peixes da região, foi identificado que existe uma coordenação entre produtores do Sul Fluminense para regularmente buscar lotes de alevinos provenientes de um fornecedor de boa reputação no estado do Paraná, de onde o custo do frete se tornaria proibitivo caso cada comprador precisasse realizar sua encomenda de forma individual. No futuro, também é possível passar a procriar as espécies nas próprias instalações da empresa, de modo a não mais depender da compra de alevinos. Entretanto, a criação voltada para reprodução é uma atividade consideravelmente complexa, acarretando em novos custos, de modo que pode não fazer sentido do ponto de vista financeiro. A oferta de sementes também é suprida por uma gama de produtores brasileiros de médio a grande porte, com atuação nacional, além de pequenos produtores focados em mercados regionais, mas com menor confiabilidade sobre a qualidade dos produtos e a capacidade de fornecimento regular. Como as sementes não apresentam problemas para estoque, a estratégia a ser adotada pela empresa é a de fazer compras planejadas para suprir a demanda de um ano inteiro, de forma que possa cotar de uma vez com diversas das empresas de boa reputação no mercado, para garantir o suprimento de produtos de qualidade com um preço competitivo. Há autores como Ashworth (2002) que defendem a prática de obter suas próprias sementes para o plantio da próxima safra. No entanto, pelo teor do seu livro, aparentemente suas técnicas são voltadas para pequenos produtores, em geral que não têm objetivos comerciais. De forma geral, a literatura, como Stone (2016), costuma defender que, tendo em vista o baixo custo de suprimento de sementes, dificilmente se torna economicamente vantajoso adotar essa prática, exceto na hipótese de não haver disponibilidade de fornecimento para a sua região de alguma espécie indispensável. 35 2.3.3 Ameaça de Novos Entrantes A produção de alimentos é um mercado que não oferece barreiras significativas à entrada de novos competidores. Tendo isso em vista, a diferenciação que a empresa apresenta se baseia na questão da sustentabilidade na sua produção. Alimentos produzidos sem critérios de sustentabilidade, como por exemplo com uso de agrotóxicos ou organismos geneticamente modificados tendem a ter uma depreciação no mercado. No entanto, nada impede que um concorrente também possa produzir alimentos sustentáveis. Nesse caso, se ele utilizar métodos tradicionais ou mesmo hidroponia, que são práticas notadamente menos eficientes do que aquaponia, a empresa terá nessa eficiência o seu diferencial competitivo. Se, em último caso, um concorrente passar a praticar um método hoje desconhecido que seja mais eficiente do que a aquaponia, resta ver se esse método pode ser aprendido e replicado. Sendo possível, a empresa poderia tomar a decisão de no futuro adaptar sua estrutura para este novo método, desde que obedeça aos preceitos originais da sustentabilidade social, ambiental e econômica. Tendo isso em vista, é importante ressaltar mais uma vez que, dado o tamanho do mercado objetivado (seja o regional, no início das operações da empresa, ou a capital do estado), a empresa não terá capacidade de suprir toda a sua demanda com exclusividade. Desta forma, não existe a noção de rivalidade entre competidores ao ponto de precisar torcer pelo fracasso de um concorrente para facilitar seu sucesso. Longe disso, a disseminação e o crescimento dos produtores que se dispõem a ofertar alimentos cultivados de maneira sustentável é muito bem vinda e será apoiada pela empresa. 2.3.4 Ameaça de Produtos Substitutos Qualquer um dos produtos que vier a ser produzido pela empresa poderá ser feito também por outros produtores. Uma alternativa de proteção seria investir em pesquisa genética para obtenção de uma nova espécie ou híbrido que poderia vir a ser patenteada, mas isso está completamente fora do escopo de atuação da empresa. Da mesma forma, praticamente qualquer produto – dentro do escopo de produtos da empresa - que venha a ser oferecido por concorrentes e que mostre potencial para 36 obter sucesso comercial também poderia passar a ser cultivado. A exceção ocorre nos tubérculos e raízes. Bernstein (2011) cita que esses são os grupos de espécies com maior dificuldade de serem produzidas na aquaponia e, quando cultivadas com sucesso, geralmente apresentam formas distorcidas do padrão, o que pode representar um fator de rejeição ou depreciação do mercado. Como tais itens (batatas, beterraba, mandioca, cenoura, entre outros) não têm particular destaque entre os de maior valor de mercado, isso não representa um risco para a empresa. É importante lembrar que, dentro dos preceitos de sustentabilidade que regem as diretrizes da empresa, organismos geneticamente modificados (transgênicos) não serão avaliados como possibilidades para o mix de produtos cultivados. 2.3.5 Poder de Barganha dos Clientes Ao optar pela venda exclusivamente ao mercado B2B, escolhe-se concorrer em um ambiente mais populoso, porém menos agressivo. Por outro lado, perde-se poder de barganha nas negociações com clientes. A maior desvantagem ocorre na relação com as grandes redes de supermercados e com as distribuidoras de alimentos. No entanto, elas possuem demanda praticamente ilimitada e frequente, além de boa estrutura financeira, o que os torna potenciais alvos para elaboração de parcerias de suprimento de longo prazo, o que só será possível após algum tempo de operação da empresa. Já para o início das operações, a estratégia de entrada é prospectar hotéis e restaurantes localizados próximos à empresa, enquanto ainda não houver estrutura para fornecimento de grandes quantidades em frequência confiável. Empresas popularmente conhecidas como “Pesque e Pague” são comuns no interior do Rio de Janeiro, especialmente nas regiões de serra. Um produtor de peixes consultado durante a pesquisa diz que elas tendem a oferecer os preços mais caros, mas têm a péssima reputação de atrasar pagamentos ou até mesmo dar calotes. 2.4 Análise CAMGPEST Proposta pela professora da Poli/UFRJ Maria Alice Ferruccio (2015), a ferramenta CAMGPEST (acrônimo com as iniciais de cada um dos fatores da sua análise) destaca-se das demais por uma característica singular. Além de simplesmente 37 identificar fatores externos ou internos à companhia que têm potencial para influenciar o seu desempenho, também é preciso estabelecer um grau de intensidade relativa a cada um dos itens levantados. Esse grau é definido numa escala de 1 a 3, onde 1 representa um potencial de influência fraco e 3 representa um potencial de influência forte. A análise também inclui a identificação de cada item como uma ameaça (A) ou uma oportunidade (O), dependendo se o potencial de impacto é negativo ou positivo, respectivamente. É curioso observar que um mesmo fator pode apresentar mais de um aspecto, podendo até mesmo ter uma oportunidade e uma ameaça. CULTURAL Em relação ao fator cultural, foram identificados itens de maior relevância, com potencial de impactos opostos. Como oportunidade, há o aumento na percepção de valor por parte dos consumidores a respeito da qualidade de produtos, em especial os riscos à saúde inerentes aos produtos não orgânicos. Em algumas culturas, como o tomate, isso é ainda mais evidenciado. Também há uma preferência cada vez mais exacerbada em relação à sustentabilidade: a forma como ocorreu a produção, o uso consciente dos recursos naturais e a valorização do produtor próximo ao mercado consumidor, cujos produtos têm um impacto ambiental menor em função da logística de distribuição. Por outro lado, há um fator cultural com potencial de impacto negativo. Trata-se de uma série de movimentos de consumidores que defendem o fim do consumo de proteína animal, como vegetarianos e veganos. Se esses grupos um dia já foram tratados como nichos muito específicos, é inegável que eles vêm crescendo consideravelmente nos últimos anos, inclusive apresentando significativo espaço na mídia convencional e nas redes sociais. AMBIENTAL Do ponto de vista ambiental, que é um fator cada vez mais presente no interesse popular, nas políticas governamentais e na mídia, a aquaponia se mostra uma importante alternativa para superar, de forma sustentável, o desafio do aumento da produção de alimentos a fim de nutrir a população que tende a crescer consistentemente nas próximas décadas. Portanto, este fator se torna claramente uma grande oportunidade para a empresa. MERCADOLÓGICO 38 Ao frequentar supermercados e hortifrútis, é fácil constatar como os produtos orgânicos apresentam um preço premium em relação aos demais. Isso mostra que o mercado está claramente disposto a pagar mais por essa diferenciação. Essa característica, naturalmente, também representa uma oportunidade para a empresa, conforme será descrito com maior profundidade na seção de precificação do Capítulo 5 – Plano Financeiro. GEOGRÁFICO A localização da empresa representa mais uma grande oportunidade para a empresa. Situada no município de Vassouras, a cerca de 115 km do Rio de Janeiro, segunda maior Região Metropolitana do Brasil, com cerca de 13 milhões de habitantes, segundo o censo 2010 do IBGE. POLÍTICO Uma das ameaças à empresa é a pressão que algumas entidades ambientalistas fazem sobre os governos por todo o mundo, com o objetivo de aumentar (ou criar) a regulamentação sobre o uso da água em áreas rurais. Apesar desse risco, como já foi explicado, o sistema de aquaponia consome relativamente pouca água, em comparação com a agricultura convencional. Dessa forma, a concorrência da empresa estaria ainda mais exposta aos potenciais efeitos negativos que esse fator acarreta. ECONÔMICO No cenário econômico, há uma expectativa generalizada de retomada do crescimento da economia, após a concretização das reformas (em especial a previdenciária e a tributária) propostas pelo Governo. O estado do Rio de Janeiro, afundado em uma crise ainda mais profunda, também apresenta sinais de que pode aproveitar essa onda de recuperação, especialmente se for puxado pela sua principal empresa, a Petrobrás. SOCIAL Sob a ótica social, infelizmente é impossível dissociar a imagem do Rio de Janeiro com a violência. Para agravar o quadro, situações que costumavam ficar restritas a determinadas áreas principalmente na Região Metropolitana e na Baixada Fluminense têm cada vez mais se espalhado pelo interior do estado, até mesmo em cidades 39 pequenas. Esse é um risco que lamentavelmente atinge qualquer negócio instalado no estado. TECNOLÓGICO Existe uma oportunidade gerada pela tecnologia que é a geração de energia elétrica, em especial utilizando o sistema fotovoltaico. Por ser um campo em que tem havido muito investimento em todo o mundo, novas tecnologias vêm sendo lançadas no mercado, trazendo benefícios em termos de custos e eficiência energética. Como será descrito mais à frente de forma mais minuciosa, a empresa possui planos para lançar mão desta tecnologia num futuro próximo O Quadro 1 mostra, de forma resumida, esses fatores descritos. A cada um dos itens foi atribuído um grau de intensidade, representado na quarta coluna. Os graus 1, 2 e 3 representam, respectivamente, potenciais de impacto baixo, médio e alto. O aspecto positivo ou negativo desses impactos é apresentado na terceira coluna, respectivamente pelas letras “O” (Oportunidade) e “A” (Ameaça). 40 Quadro 1: Análise CAMGPEST Fonte: Adaptado de Ferruccio (2015) 2.5 Segmentação de Mercado A segmentação de mercado é uma ferramenta que tem como objetivo orientar as empresas a definir seu público alvo (FERRUCCIO, 2015). Com essa definição, a empresa pode ter um melhor conhecimento dos seus clientes e suas demandas, para dosar seus esforços de maneira mais eficiente. Sua classificação, partindo do mais amplo até o mais restrito, é dividida em: Mercado Potencial: qualquer consumidor que possa ter interesse no produto Mercado Disponível: além do interesse, o consumidor pode realizar a compra Mercado Disponível Qualificado: além de poderem comprar, possuem uma característica desejada pela empresa Mercado Alvo: foco da empresa ao projetar o produto Mercado Penetrado: reais consumidores do produto Desta forma, a segmentação de mercado para a empresa estudada neste Plano de Negócio pode ser explicada no Quadro 2. FATOR ITEM A/O GRAU Aumento da conscientização dos consumidores a respeito da necessidade de consumir produtos saudáveis e produzidos com práticas sustentáveis O 3 Aumento do número de consumidores que defendem o fim do consumo de proteína animal (vegetarianos, veganos, etc.) A 2 Ambiental O mundo precisa descobrir e disseminar práticas de produção sustentável de alimentos em larga escala O 3 Mercadológico O mercado está disposto a pagar mais por produtos orgânicos e sustentáveis O 3 Geográfico Localização próxima (115 km) do mercado do RJ com seus 13 milhões de habitantes O 3 Político Possibilidade de maior ingerência do governo sobre o uso de água na agricultura O 1 País vive um momento de retomada do crescimento da economia O 1 Estado do RJ também apresenta sinais de recuperação, assim como a Petrobrás, sua principal empresa O 2 Social Risco de alastramento da violência da RM do RJ para o interior e zonas rurais A 3 Tecnológico Perspectiva de redução de custos de sistemas de geração de energia solar O 1 Cultural Econômico 41 Quadro 2: Segmentação de Mercado. Mercado Potencial Brasil e todos os países com os quais tenhamos relações comerciais que permitam importação de alimentos Mercado Disponível Região Metropolitana do Rio de Janeiro e Região Sul Fluminense Mercado Disponível Qualificado Empresas de processamento, distribuição ou revenda de alimentos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro e Região Sul Fluminense Mercado Alvo Empresas de processamento, distribuição ou revenda de alimentos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro e Região Sul Fluminense cujo público está disposto a pagar um prêmio por produtos saudáveis e sustentáveis produzidos localmente Mercado Penetrado Inicialmente, restaurantes e pequenos mercados locais em Vassouras e arredores (Miguel Pereira, Barra do Piraí, Valença e Mendes). Posteriormente, restaurantes, distribuidores, feirantes e redes de supermercados na Região Metropolitana do RJ e Sul Fluminense Fonte: Adaptado de Ferruccio (2015) A expansão da prospecção de clientes, a partir do município de Vassouras, sede da empresa, até o mercado da Região Metropolitana do Rio de Janeiro será feita em etapas, acompanhando os já previstos aumentos de capacidade produtiva para os próximos anos. Esses temas serão abordados com mais detalhes nos próximos capítulos. 42 3 PLANO DE MARKETING O Plano de Marketing é uma ferramenta que tem como objetivo delinear as ações que serão implementadas para a atuação da empresa no mercado. Kotler (2000) define que “é o instrumento central para direcionar e coordenar o esforço de marketing”. A primeira etapa é a determinação da marca. A empresa se chamará Green Fish, com o objetivo de salientar o caráter sustentável do negócio, além de apresentar o principal produto comercializado, os peixes. Em seguida, é importante definir a missão, a visão e os valores que irão direcionar as ações da empresa, ao longo de toda a sua atuação no mercado. 3.1 Missão Oferecer produtos de qualidade ao mercado do Rio de Janeiro de maneira social e ambientalmente sustentável. 3.2 Visão Ser uma referência no mercado fluminense em termos de fornecimento de peixes e alimentos de qualidade. Disseminar a prática da aquaponia como um modelo viável, eficiente e sustentável de produção de alimentos, seja em escala familiar como de maneira comercial. 3.3 Valores Sustentabilidade no uso dos recursos naturais, em especial a água, respeito máximo aos clientes e difusão da prática de aquaponia. 3.4 Mix de Marketing: Os 4 P’s Uma vez que já foram determinadas essas diretrizes, é preciso avaliar como esses fatores serão desdobrados dentro de cada um dos itens que formam o Mix de Marketing (MCCARTHY, 1968). São os chamados “4 P’s do Marketing”: Produto, Preço, Praça e Promoção. 43 3.4.1 Produto A estratégia da empresa é começar suas atividades oferecendo uma gama simples de produtos, composta basicamente por tomates, hortaliças e tilápias. A explicação para esse mix é simples: esses são os produtos mais cultivados usando técnicas de aquaponia e, portanto, a literatura sobre o tema é rica em detalhes como, por exemplo, proporções seguras entre a quantidade de peixes por metro cúbico de água, a área de camas de cultivo e a densidade de plantio. Esse conhecimento teórico é fundamental para a Green Fish poder dar seus primeiros passos de forma segura, estruturando seus processos, enquanto faz experiências – em menor escala – de culturas e espécies que tenham maior valor de mercado. Entre os vegetais, a escolha de hortaliças (alface, rúcula, manjericão, entre outras) se dá pela sua rápida resposta de crescimento na presença de nitrogênio, que é farto no sistema de aquaponia. Isso ajudará no ganho de escala para entrar em clientes que requerem um volume maior. Já o tomate representa um produto de maior valor agregado em relação às hortaliças, em especial nos períodos fora da safra da agricultura convencional. Como ilustração deste fato, temos inúmeros casos de reportagens veiculadas na mídia nos últimos anos mostrando o aumento do preço do tomate como o grande “vilão da inflação” de alimentos desde antes da recessão de 2014 (ver FINANCIAL TIMES, 2013 “Rousseff endangered by price of tomatoes", ou ESTADÃO, 2015 “Tomate, o vilão da inflação. De novo”). Por outro lado, a escolha da tilápia como espécie para criação de peixes também é uma tendência no meio da aquaponia. O principal motivo é o fato de que essa espécie consegue se adaptar adequadamente a uma vasta gama de climas e temperaturas, além de apresentar uma grande eficiência de conversão de alimento em massa corporal, o que reflete em um crescimento rápido (DUDLEY, 2018). Isso tudo seria relevado se a tilápia não tivesse, também, uma forte aceitação no mercado. Ao contrário, ela aparece há mais de dez anos seguidos entre as quatro espécies de peixes mais consumidas nos Estados Unidos, segundo relatório anual do instituto norte americano National Fisheries Institute (2018). No Brasil, dados do Anuário da Piscicultura 2019 da Associação Brasileira de Piscicultura (PEIXEBR, 2019) indicam que a tilápia representou 55,4% da produção de peixe de cultivo (portanto, excluído o volume obtido através de pesca 44 extrativista) no país no ano de 2018. A mesma publicação aponta que a espécie é a mais consumida no Brasil e está presente em todos os estados da federação. Entretanto, conforme já mencionado, um dos objetivos de médio prazo para a empresa é migrar seu mix de produtos para alternativas que possam agregar maior valor na sua venda. Em termos de peixes, há espécies como pirarucu, pacu e tambaqui que já são ordinariamente criadas em cativeiro no Sudeste brasileiro, até mesmo em sistemas de aquaponia. Embora seu mercado seja mais restrito que o de tilápias, elas têm definitivamente valor de mercado superior. Entre as espécies de maior valor agregado estão o salmão e crustáceos como camarões e lagostas. Destas, apenas o camarão tem histórico de criação em cativeiro em larga escala no Brasil. Para as demais, seria necessário estudar a viabilidade biológica e econômica de adaptação e criação em um sistema de aquaponia. Caso bem sucedido, seria um grande potencial de produto premium para a empresa. 3.4.2 Preço Em se tratando de produtos agropecuários, não há como fugir da flutuação de preços ditada pela sazonalidade da agricultura convencional, que ora inunda o mercado com grandes volumes de um mesmo produto ofertados ao mesmo tempo em que acabam por derrubar os preços, ora catapultam preços quando os produtores não conseguem mais suprir a demanda. Há estratégias que permitem obter um prêmio em cima do preço de mercado – e o caráter sustentável e livre de agrotóxicos da aquaponia certamente é um desses diferenciais – mas mesmo assim, não há como fugir da depreciação em momentos de queda generalizada de preços. O gráfico da Figura 6 mostra um exemplo dessa flutuação, com a flutuação de preços no período de agosto de 2017 a julho de 2019 do arroz em casca (ESALQ/SENAR-RS, 2019). No Capítulo 5 – Plano Financeiro, serão apresentados gráficos e números para os produtos que virão a ser comercializados pela Green Fish. 45 Figura 6: Histórico de Preços do Arroz em Casca. Fonte: ESALQ/SENAR-RS (2019) 3.4.3 Praça A proposta da Green Fish é atuar no mercado B2B, isto é, como fornecedora para outras empresas, como restaurantes, mercados, distribuidores, cooperativas, feirantes e revendedores. O motivo para não entrar no segmento de varejo é o aumento dos fatores de risco envolvidos na atuação desse mercado, tais como aumento dos custos fixos, caráter mais predatório da concorrência, necessidade de um mix muito grande de produtos, todos com um giro muito rápido, além da necessidade de um investimento inicial muito mais significativo em termos de preparo do local de venda, criação e divulgação da marca. Além disso, a prospecção de clientes começará nos arredores da fazenda onde a empresa será instalada, no município de Vassouras-RJ. Trata-se de uma cidade pequena, com pouco menos de 35 mil habitantes (segundo o censo do IBGE de 2010), mas com uma quantidade de restaurantes e mercados locais suficientes para atender com sobras à oferta de seus produtos durante os estágios iniciais. As redes de contatos do Gestor e sua família com comerciantes da região também servirão para facilitar a entrada nesse mercado. À medida que a empresa for ganhando escala, poderá passar a aumentar sua participação no próprio município, bem como passar a atuar em cidades maiores da Região Sul Fluminense, como Barra do Piraí (100 mil habitantes, 21 km de Vassouras), Três Rios (81 mil habitantes, 63 km), Valença (76 mil habitantes, 34 km) Resende (127 46 mil habitantes, 111 km) ou Volta Redonda (272 mil habitantes, 50 km) [Fontes: Censo do IBGE de 2010, Google Maps 2019]. Posteriormente, quando a Green Fish já tiver obtido uma escala mais relevante, além de já dominar a produção de itens de maior valor agregado, o objetivo é passar a atender a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, em especial a capital, onde a demanda por produtos de qualidade – e a maior concentração de restaurantes gourmet - permitirá a adoção de preços mais atrativos. Naturalmente, a expansão para esses mercados representará um aumento nos desafios em termos logísticos para a empresa, o que, em algum momento, fatalmente resultará na necessidade de contratação de um ou mais funcionários para realizar entregas de produtos. 3.4.4 Promoção A prospecção de clientes, inicialmente, será feita de forma pessoal com os representantes dos restaurantes e comércios que tenham interesse em adquirir os produtos da empresa. Essas reuniões serão feitas pelo Gestor, com base em seu conhecimento do mercado da região. Posteriormente, caso seja identificado um aumento no interesse e na divulgação “boca a boca” das atividades da Green Fish, poderá ser analisada a criação de um website e redes sociais para servirem de canal de publicidade oficial. 47 4 PLANO DE OPERAÇÕES O Plano de Operações deve descrever a estruturação da empresa, bem como o modo como ocorrerá seu funcionamento, uma vez iniciadas suas atividades. Inicialmente, é preciso identificar a estrutura organizacional da empresa, através do Organograma. O Organograma da Green Fish, conforme representado pela Figura 7, é composto por um gestor, quatro áreas e duas assessorias. Figura 7: Organograma. Elaboração própria. Para o início das operações, será mantida uma estrutura enxuta, com a atuação apenas do Gestor – que é o investidor e autor deste trabalho – e um funcionário. O Gestor acumulará inicialmente as funções de Logística, Comercial e Compras, enquanto o funcionário será responsável pelas Operações. O Assessor Técnico será terceirizado, através de consultoria de especialista na área de Zootecnia ou Veterinária. O Assessor Jurídico-Contábil também será terceirizado através da contratação de uma firma especializada. Em função das características da produção de escala reduzida e intermitência de outputs durante o início das operações da empresa, o acúmulo de funções do Gestor não deverá representar um gargalo para o desenvolvimento da mesma. Ao contrário, ter um funcionário exclusivo para as áreas de Logística, Comercial e Compras significaria um gasto desnecessário com um recurso que ficaria ocioso por grande parte do tempo. Na verdade, é esperado que, com o incremento natural da escala de produção, venha a se tornar necessário primeiramente aumentar a equipe do setor de Operações, antes mesmo de vir a se precisar alocar recursos dedicados às demais três áreas. A partir daí, será possível passar a treinar um dos funcionários de Operações em rotinas de 48 outras áreas (Logística, por exemplo), para que ele possa, no futuro, assumir em definitivo essa área. Dessa forma, o Gestor poderá aos poucos desaglomerar as funções inicialmente acumuladas, podendo passar a se concentrar no gerenciamento e planejamento estratégico da empresa. 4.1 Análise da Cadeia de Valor Uma vez determinada a estrutura da empresa, é necessário identificar como será a atribuição de cada um dos elementos dentro das atividades da Green Fish. Para isso, será utilizada a ferramenta da Análise da Cadeia de Valor, sugerida por Porter (1985, apud KOTLER, 2000). Figura 8: Cadeia de Valor Genérica. Fonte: Porter (1985), apud Kotler (2000) 4.1.1 Logística de Entrada De acordo com o modelo de Porter, a Logística de Entrada envolve todos os processos que vão desde o recebimento de insumos e matérias-primas até a sua destinação para uso nas operações da empresa. Esses processos serão realizados pelos funcionários de Operações, de acordo com procedimentos e locais de armazenagem determinados em conjunto com o Gestor, mas não devem representar parte significativa da rotina dos funcionários, em comparação com as atividades operacionais do dia-a-dia. No caso estudado, o principal insumo recorrente, em função da sua quantidade e frequência de reposição, será a ração para peixes. O principal cuidado que sua armazenagem requer é evitar a aproximação de animais como ratos e gambás. Infraestrutura Recursos Humanos Desenv. Tecnológico Aquisição/ Compras Logística Interna Operações Logística Externa Marketing e Vendas Serviços Atividades Primárias A ti v id ad es d e S u p o rt e Margem 49 A armazenagem de sementes não requer grandes esforços. Basta um armário em local fresco e ao abrigo da luz, além de um cuidado para registrar corretamente a espécie de cada cultura. Já os alevinos, não requerem armazenagem, pois a sua chegada já inicia imediatamente o processo de adaptação aos tanques e estrutura da empresa. 4.1.2 Operações As operações no dia-a-dia da empresa consistem principalmente em ações de alimentação
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