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Tópicos em Ciências Sociais: Questões Contemporâneas Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. Silvio Pinto Ferreira Junior Revisão Textual: Prof.ª Esp. Márcia Ota Identidade Cultural e Cidadania Identidade Cultural e Cidadania • Discutir a formação da identidade cultural desde as tradições até sua vulnerabilidade perante o mundo globalizado. OBJETIVO DE APRENDIZADO • A Identidade Cultural; • Construção da Identidade; • Cidadania; • Identidade Cultural e Cidadania. UNIDADE Identidade Cultural e Cidadania Contextualização Para iniciar esta Unidade, a partir da charge exposta abaixo reflita sobre a questão da identidade cultural e cidadania. Figura 1 Há diferenças entre as culturas ocidental e oriental? Por que existe intolerância quando uma cultura não reconhece a outra? 8 9 A Identidade Cultural Em ciências sociais, as temáticas que permeiam as discussões a respeito de iden- tidade cultural são crscentes. Em essência, uma homogeneização das identidades ou novas identidades vem sendo construída, de forma acelerada, depois do processo de globalização no final dos anos 1980. Para iniciarmos nossa análise, vamos emprestar de Stuart Hall, suas três concep- ções muito diferentes de identidade do: sujeito do iluminismo, sujeito sociológico e sujeito pós-moderno. Segundo Hall, há uma modificação na identidade do sujeito com o passar do tempo. Vejamos o que nos apresenta o autor: • Sujeito do iluminismo: o indivíduo nascia com uma essência que se desenvolvia ao longo de sua existência. Portanto, o indivíduo nascia com determinadas ca- racterísticas, e com elas conviveria até o fim de sua vida, permanecendo com a mesma essência do seu nascimento. Essa era uma concepção bastante individu- alista de identidade; • Sujeito sociológico: este sujeito tem um núcleo essencial, um ‘eu interior’, mas que é modificado à medida que o indivíduo interage com o meio social. Portanto, sua identidade está em construção constante, uma vez que, tanto o indivíduo quanto a sociedade, estão em perene mutação. O sujeito sociológico reflete a complexidade do mundo moderno, cujas transformações são rápidas, constantes e interativas; portanto, a construção de sua identidade acompanha essas transformações; • Sujeito pós-moderno: com a pós-modernidade, as identidades passaram a ser fragmentadas. O sujeito constrói, destrói e reconstrói identidades durante toda a vida. Sendo assim, torna-se difícil compreender a identidade do sujeito pós- -moderno, quando esta é efêmera. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos e não estão unificadas ao redor de um ‘eu’. O sujeito pós- -moderno compõe sua identidade a partir do ‘externo’, ou seja, a identidade é uma construção histórica, externa e não biológica. Apontada esta abordagem de Stuart Hall sobre a construção da identidade, cons- tatamos que a ‘identidade’ se modifica com o tempo. Portanto, fazemos interpre- tações diversas sobre ‘identidade do sujeito’ ou ‘identidade cultural’, de acordo com a história, bem como, com o passar da história, percebemos uma modificação da construção dessas identidades. Nos atentaremos, então, à ‘identidade’ que diz respeito ao sujeito contemporâneo. O sujeito de hoje tem diante de si um mundo bem diferente daquele sujeito do século XVII a que Hall se referiu como ‘sujeito do iluminismo’, por exemplo. Vivemos em concentrações urbanas, passamos pela revolução industrial, por duas grandes guerras e inúmeras crises, vivemos a revolução tecnológica propagada pela globali- zação, tudo em apenas um século. Enfim, todos esses fatos influenciaram na maneira como foi sendo construída a identidade do sujeito contemporâneo. 9 UNIDADE Identidade Cultural e Cidadania Bem, os argumentos de Hall nos permitem refletir sobre as diversas formas de interpretarmos a ‘identidade cultural’. Por exemplo, podemos nos referir à identidade cultural, tomando como base o sujeito. Analisando-o, podemos obter algumas referências da sua identidade cultural como: o lugar onde nasceu, a origem de sua família, sua etnia, religião, experiências vividas, etc.; todas essas referências conferem ao sujeito um complexo conjunto de características que lhe são próprias e que o diferencia de todos os outros, pois não haverá ninguém mais com experiências idênticas. Um outro exemplo é tratar a identidade cultural como referindo-se a um grupo. Muitas vezes, relacionada aos símbolos e aspectos nacionalistas. Atribuímos iden- tidades específicas aos americanos, aos franceses, aos japoneses, aos brasileiros e assim por diante. Tais características estão relacionadas à língua, aos sotaques, à culinária, aos hábitos cotidianos, à higiene, à religião, etc. No entanto, a possibilidade de conhecer outras culturas e de falar com pessoas do mundo todo pela internet, fez com que também compreendêssemos a identidade cultural de uma forma global, ou seja, para estarmos inseridos na sociedade global e em rede, precisamos estar aparelhados com todos os demais indivíduos. Segundo Canclini: Costuma-se afirmar que a industrialização da cultura é o que mais tem contribuído para sua homogeneização. Sem dúvida, a criação de formatos industriais até para algumas artes tradicionais e para a literatura, a difusão maciça facilitada pelas novas tecnologias de reprodução e comunicação, o reordenamento dos campos simbólicos num mercado controlado por poucas redes de gestão, quase sempre transnacionais, tudo tende à for- mação de públicos-mundo com gostos semelhantes. (2003, pg. 133) Com a globalização, o acesso, a velocidade e o custo das informações tornou-se mais abrangente e viável a milhões de pessoas no mundo todo. Algumas culturas, como a americana, por exemplo, exploram a seu favor os recursos midiáticos disse- minando pelo mundo todo, hábitos, maneiras de pensar, comportamentos, etc.; que lhe são próprios. Quem nunca foi ao cinema assistir a um filme americano, cujos efeitos especiais em terceira dimensão surpreendeu a todos? Assim como o cinema, consumimos música, seriados, fast-food, roupas, etc.; muito parecidos ao que vemos em tudo o que é distribuído pelos americanos pela indústria cultural. Com as TVs a cabo, aparelhos portáteis e a internet, esse acesso aumentou de forma espetacular. Nesse sentido, a aculturação americana parece definir os paradigmas da cultura pós-moderna e globalizada. Canclini nos descreve uma formação cultural de identidade que está se tornando superficial no sentido de que a homogeneização dos traços culturais ocupa um importante espaço do que seria justamente o mais interessante, as diferenças cul- turais. O aprendizado com o ‘outro’ e todo o universo de novidades e informações que esse ‘outro’ traz consigo na sua identidade cultural está se tornando cada vez mais escasso e distante da realidade. 10 11 Uma outra reflexão a ser feita sobre a identidade cultural está ligada ao ‘lugar’. No mundo contemporâneo tomado pelos grandes centros urbanos e formação cres- cente de megacidades, o confronto cultural nestes espaços é inevitável. Conforme ainda aponta Canclini : A que lugar eu pertenço? A globalização nos leva a reimaginar a nossa localização geográfica e geocultural. As cidades, e sobretudo as megaci- dades, são lugares onde essa questão se torna intrigante. Ou seja, espaços onde se apaga e se torna incerto o que antes se entendia por ‘lugar’. Não são áreas delimitadas e homogêneas, mas espaços de interação em que as identidades e os sentimentos de pertencimento são formados com re- cursos materiais e simbólicos de origem local, nacional e transnacional . (2003, pg. 153) À medida que tudo parece mais simples na compreensão das identidades cultu- rais pela rede, quando estas diferenças são colocadas ao vivo e em cores de forma inusitada, muitas vezes, o sentimento de aversão ao ‘outro’, ao diferente, é expres- sado com preconceito, discriminação e intolerância. Antes de entrarmos no campo das reflexões sobre diversidade cultural, vejamos oque o sociólogo espanhol Manuel Castells nos apresenta a respeito da construção da identidade. Construção da Identidade A forma como um povo se diferencia dos demais está representada pela cultura. Assim, a forma como esse povo se reconhece e é reconhecido pelos outros é o que determina a sua identidade cultural. Segundo Castells, “entende-se por identidade a fonte de significado e experi- ência de um povo” (1999, pg. 22). Continua: No que diz respeito a atores sociais, entendo por identidade o processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o (s) qual (ais) prevalece (m) sobre outras fontes de significado. Para um determinado indivíduo ou ainda um ator coletivo, pode haver identidades múltiplas . (1999, pg. 22) Do ponto de vista sociológico, toda e qualquer identidade é construída. O que preci- samos refletir neste caso é como, a partir de que, por quem e para que isso acontece. A construção da identidade cultural se vale da história, da geografia, biologia, religião, instituições produtivas e reprodutivas, memória coletiva, tradições e por fantasias pessoais. Assim, todos os significados destes materiais são processados pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades, reorganizando-os em função de sua visão de tempo e espaço. 11 UNIDADE Identidade Cultural e Cidadania Há um ponto em comum entre cultura e tradição. A palavra tradição tem origem latina tradere, que significava transmitir ou dar qualquer coisa a alguém para ser guardada. No contexto jurídico da República Romana, tradere tinha referência nas leis que regula- vam as heranças. Uma propriedade, na antiguidade, era passada de geração em geração, pois o herdeiro tinha obrigação de protegê-la e conservá-la. Atualmente, tradição é um termo que se opõe ao moderno. Portanto, há uma carga neste termo que o relaciona ao atraso, ao ultrapassado, ao arcaico. Castells, considerando que a construção da identidade sempre ocorre em um con- texto marcado pelas relações de poder, propõe uma distinção entre três formas e ori- gens de construção de identidades: legitimadora, de resistência e de projeto. Vejamos: Identidade Legitimadora É introduzida pelas instituições dominantes da sociedade com a finalidade de raciona- lizar e expandir sua dominação sobre os atores sociais. A identidade legitimadora dá origem a uma sociedade civil, cujo conjunto de organizações e instituições estruturam os atores sociais e os organizam. O Estado, como instituição suprema, organiza e relaciona os aparatos do poder em torno de uma identidade semelhante (cidadania, democracia, etc.), não expondo a intenção de uma dominação internalizada e legitimação de uma identidade imposta, padronizada e não-diferenciada. Figura 2 Fonte: Getty Images Podemos citar como exemplo, as cores da bandeira de um país, e carregar ne- las os simbolismos que identificam um povo. Na figura acima, vemos a bandeira americana. As 50 estrelas da bandeira representam todos os Estados. Já as faixas (nas cores vermelha e branca), simbolizam as 13 colônias que deram origem aos Estados Unidos. A cor vermelha presente na bandeira simboliza valor e resistência, 12 13 a cor branca representa a pureza e o azul simboliza a justiça e a perseverança. Já a imagem da estátua da liberdade carrega o significado de uma sociedade livre. Identidade de Resistência Identidade criada por atores que se encontram em situação desvalorizada perante uma cultura dominante. São resistentes a esta dominação, sobrevivendo da constru- ção de uma identidade, até mesmo oposta, àquela institucionalizada. A identidade de resistência leva à formação de comunidades formadas por um sentimento de inferioridade, discriminação ou desvalorização. O sentimento de exclusão injusta é que define este tipo de identidade. Trata-se, em outras palavras, da construção de uma identidade defensiva rever- tendo o julgamento de valores ao passo que reforça os limites da resistência. Desta forma, questionamos se as sociedades permanecem como tais ou se fragmentam em uma diversidade de tribos chamadas ‘comunidades’. Exemplo, comunidades islâmicas na França. Figura 3 Fonte: dw.de Na imagem acima, vemos a curiosidade de uma mulher ocidental diante da mu- lher muçulmana em uma estação de trem na França. A convivência entre culturas diferentes é, muitas vezes, tolerada. Para muitos europeus, os muçulmanos levaram o terrorismo para o continente. Identidade de Projeto É construída quando os atores sociais, ou seja, os sujeitos coletivos, constroem uma nova identidade a partir da utilização de qualquer tipo de material cultural ao seu alcance. Entendemos aqui por sujeito, o indivíduo criador de uma história pessoal, atri- buidor de significado a todo um conjunto de experiências da sua vida individual. O sujeito é o ator social e agente transformador; portanto, exerce ação e a coloca em movimento e em diálogo como instrumento de transformação social. 13 UNIDADE Identidade Cultural e Cidadania A construção de uma identidade consiste em um projeto de vida diferente, muitas vezes, partindo de uma identidade oprimida; porém, expandindo-se no sentido de transformação da sociedade como uma extensão de um projeto de identidade. Figura 4 Fonte: Wikimedia Commons Exemplo, as feministas que fizeram frente ao patriarcalismo, ao modelo de família patriarcal, e assim, a toda a estrutura de produção e reprodução, sexualidade e per- sonalidade, sobre a qual as sociedades se estabelecem. Contudo, podemos dizer que, cada um de nós, no decurso da socialização, desen- volve um sentido de identidade e a capacidade de agir e pensar de forma independente. Portanto, ainda que consideremos a identidade cultural um conjunto de coisas que compõem um indivíduo ou grupo social, esta é constantemente transformada, modificada e acrescida de novos elementos através do tempo. O conceito de identidade cultual para as ciências sociais é multifacetado, podendo ser abordado de diversas maneiras. Aqui, apresentamos apenas duas abordagens a partir das identidades de Stuart Hall e de Manuel Castells. Cidadania Optamos aqui por tratar de cidadania na sequência das singelas reflexões acerca das identidades culturais feitas anteriormente, pelo fato de que este é também um argumento a ser tratado em ciências sociais com relevância. Também por estar diretamente ligada ao exercício de direitos e deveres, objetivando uma sociedade mais equilibrada, a cidadania compõe a construção da identidade cultural. É importante, então, refletir sobre cidadania, principalmente porque o termo toma formas que muitas vezes se afastam do seu significado. Por exemplo, depois da redemocratização do Brasil, em 1985, muitos políticos, intelectuais, jornalistas, 14 15 etc., passaram a utilizar o termo como sinônimo de povo. Ao invés de os discursos expressarem ‘o povo quer’, ‘o povo precisa’, diz-se ‘a cidadania quer’, ou seja, a cida- dania tomou forma e virou gente. Vejamos como, no caso do Brasil, o termo ‘cidadania’ tomou formas e signifi- cados diferentes ao longo de sua história. Mas, antes de mais nada, façamos uma conceituação de cidadania e cidadão . Cidadania: é o exercício dos direitos e deveres civis, políticos e sociais estabelecidos na constituição. Praticar uma boa cidadania implica que os direitos e deveres estejam interli- gados, e o respeito e cumprimento de ambos contribuam para uma sociedade cada vez mais equilibrada; Cidadão: é o indivíduo que convive em sociedade e estabelece relações recíprocas com um grupo de indivíduos. É o habitante da cidade que goza de seus direitos civis e políticos e desempenha seus deveres perante o Estado ao qual pertence. Você provavelmente já deve ter ouvido falar em cidadania, cujo sentido estava diretamente ligado a direitos civis, políticos e sociais. Neste sentido, o cidadão pleno seria aquele capaz de gozar de todos estes direitos. Do contrário, cidadão incompleto ou privadode cidadania plena, seriam aqueles que possuíssem apenas alguns direitos. Já os indivíduos sem qualquer direito, seriam os não-cidadãos. Se cidadania está diretamente ligada aos direitos civis, políticos e sociais garantidos por uma Constituição, vejamos o que significa cada um destes direitos: Direitos Civis Correspondem aos direitos fundamentais à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei. Os direitos civis, portanto, foram conquistas sucessivas desde a revolução francesa, cujo lema era ‘liberdade, igualdade e fraternidade’. Portanto, os direitos civis são a matriz da liberdade individual. Os direitos civis estão diretamente ligados ao cidadão em sua individualidade, ou seja: o direito de escolher o trabalho, do lugar para morar, o direito de ir e vir, de manifestar o pensamento, enfim. São direitos garantidos por uma justiça acessível a todos. Garantem as relações civilizadas entre as pessoas e a harmonia da sociedade como um todo. Direitos Políticos Diz respeito à participação política cidadã no governo da sociedade. Os direitos políticos estão diretamente ligados a ações políticas que representam desenvolvimento para o Estado como um todo e para o bem de todos. 15 UNIDADE Identidade Cultural e Cidadania Os direitos políticos são limitados a uma parcela da população apta a dar sua contri- buição para as transformações sociais. Portanto, é pelas demonstrações políticas que se exerce tal direito, como por exemplo: organizar partidos políticos, votar e ser votado. É por meio do exercício dos direitos políticos que estruturamos a organização do aparelho do estado, pela representatividade que o voto nos garante no Congresso Federal, no parlamento, nas câmaras de deputados e vereadores, etc. Sem a partici- pação política do cidadão, a democracia fica comprometida. Direitos Sociais São aqueles que têm por objetivo garantir aos indivíduos condições materiais tidas como imprescindíveis para o pleno gozo dos seus direitos. Os direitos sociais tendem a exigir do Estado uma intervenção na ordem social que assegure os critérios de justiça distributiva. Diferentemente dos direitos civis e políticos, os direitos sociais se realizam por meio de atuação do estado com a finalidade de diminuir as desigualdades sociais, por isso tendem a possuir um custo excessivamente alto e a se realizar em longo prazo. Aqui, incluem-se os direitos à educação, à saúde, à moradia, à aposentadoria, etc. Por isso, depende-se de uma máquina do estado eficiente, cujo poder executivo seja abrangente e objetive reduzir as desigualdades. Essas breves definições, que apresentamos acima, inferem que a cidadania está diretamente ligada aos direitos e estes, como sabemos, foram conquistas históricas. Portanto, a cidadania é um exercício constante no processo da transformação histó- rica de uma sociedade. Tudo isso quer dizer, então, que a cidadania está ligada com a relação das pessoas com o Estado e com a nação. É neste ponto que se cruzam as duas temáticas centrais aqui discutidas: identidade cultural e cidadania. Segundo José Murilo de Carvalho: Da cidadania como a conhecemos fazem parte então a lealdade a um Estado e a identificação com uma nação. As duas coisas também nem sempre aparecem juntas. A identificação com a nação pode ser mais forte do que a lealdade ao estado, e vice-versa. Em geral, a identidade nacional se deve a fatores como religião, língua e, sobretudo, lutas e guerras contra inimigos comuns. A lealdade ao estado depende do grau de participação na vida política. A maneira como se formaram os Estado- -nação condiciona assim a construção da cidadania. (2004, pg. 12) Cada país seguiu o seu próprio caminho para construção de sua cidadania. O ponto ideal de cidadania plena, como já dissemos, seria a o gozo dos direitos civis, políticos e sociais. 16 17 O percurso de cada país foi ímpar e, no caso do Brasil, também. Vejamos a Inglaterra como exemplo. A ordem das conquistas dos cidadãos, por conta de todo um procedimento histórico, foi sequencialmente a cidadania de direito civil, de acordo com o momento vivido na Europa com a revolução Francesa que influenciou o continente; a cidadania de direitos políticos, por conta da industrialização e da consolidação dos Estado-nação, das guerras, crises, etc., e por fim, a cidadania de direitos sociais, adquiridos com as lutas das então chamadas ‘minorias’ sociais. Essa sequência ocorre diferente em cada país. No Brasil, os direitos sociais pre- cederam os outros. Identidade Cultural e Cidadania Respeitar outras culturas e tradições, também, é um exercício de cidadania. Quando falamos de um cidadão norte-americano, ou de um cidadão japonês, do italiano, ou de um cidadão brasileiro, não estamos falando exatamente da mesma coisa. Há uma identificação cultural do sujeito com o ‘lugar’ de nascimento e, assim, essa identificação lhe compõe todo um conjunto de especificidades relacionadas à sua pátria. Nesse sentido, tomemos um cidadão nascido na França, cujos pais são de origem iraniana. Esse cidadão francês carrega consigo a identidade cultural da origem de seus pais como: religião, língua, culinária, vestimentas, etc. Este cidadão foi modifi- cado e contribui também com a modificação do país que o acolheu. Ainda que um cidadão seja educado em um outro país, trabalhe, constitua sua vida, carrega-se uma identidade cultural que é antecedente ao Estado. A incompreensão da pluralidade cultural na sociedade contemporânea, muitas vezes, é ocasionada pela separação destes dois elementos que compõem o sujeito: sua identidade cultural e sua cidadania. Nos últimos anos, somos surpreendidos com notícias de atentados terroristas, em que a carga do que se divulga sobrecarrega a identidade cultural do suspeito ou cri- minoso. O que quer dizer é se um muçulmano é acusado de um atentado terrorista, todos os muçulmanos parecem carregar a culpa ou viverão sob olhares suspeitos. Essa carga negativa que se dá às identidades culturais que não fazem parte de um determinado padrão cultural de aceitação, e aqui estamos falando de norte-americanos e europeus como modelo de cultura hegemônica, sobrecarrega na intolerância em relação às demais culturas. Essa é uma discussão constante nos dias atuais. A ONU, a UNESCO e diferentes órgãos vêm promovendo, com base nos direitos humanos, a tolerância, o respeito e a valorização da importância da manutenção das diversidades culturais. 17 UNIDADE Identidade Cultural e Cidadania Muitos países que foram fornecedores de mão de obra imigrante no passado, por exemplo, estão tendo dificuldades de lidar com a diversidade cultural em seu próprio território, hoje receptores de um número cada vez mais crescente de imigrantes. A justificativa para explicar a resistência aos imigrantes parece ser a proteção da identidade cultural de seu povo (do lugar que os recebe). No entanto, os direitos do cidadão protegidos pelo Estado devem estar em acordo com o contexto atual. Com a globalização, as facilidades de locomoção, as crises, guerras, etc., as pessoas estão se movimentando pelo mundo em busca de uma vida melhor. É ne- cessário ampliar o debate a respeito de como a sociedade contemporânea está se apresentando multifacetária, e como as pessoas, os países, o direito, as relações sociais, estão se adaptando a estas transformações que tantas vezes são suposta- mente compreendidas na teoria; porém, na prática, são conflitantes. Em Síntese Vimos aqui a convergência entre dois tópicos importantes no estudo das ciências sociais: a identidade cultural e a cidadania. Procuramos apresentar algumas reflexões a respeito da construção das identidades cul- turais e da cidadania, com apoio de teóricos como, Stuart Hall e Manuel Castells, que ajudaram a compreender cada uma destas importantes temáticas que tanto servem às ciências sociais. No entanto, é ainda um exercício constante lidar com culturas que pouco conhecemos. Ainda que tenhamos avançado como cidadãos,existe um longo percurso a percorrer que melhor poderá ser trilhado com um olhar mais brando, curioso e tolerante. 18 19 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Leitura Globalização, cultura e identidade https://bit.ly/3d6m6uN Memória e identidade https://bit.ly/2KJKtCg Direitos humanos https://bit.ly/2yUrjqE Política social, educação e cidadania https://bit.ly/2y2v5ON 19 UNIDADE Identidade Cultural e Cidadania Referências CANCLINI, N. A globalização imaginada. São Paulo: ILUMINURAS, 2003. CASTELLS, M. O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 1999. GIDDENS, A. O mundo na era da globalização. Lisboa: Editorial Presença, 2000. HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. 20
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