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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA GRADUAÇÃO 2013.2 AUTORA: SILVANA BATINI COLABORAÇÃO: NATHALIA LAVOURAS Sumário INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA APRESENTAÇÃO DO CURSO .................................................................................................................................... 3 BLOCO I — CRIMES CONTRA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ............................................................................................... 6 Aula 01: Dos crimes cometidos por funcionário público contra a administração pública — conceitos fundamentais .......................................................................................... 6 Aula 02: Peculato ......................................................................................................................... 11 Aula 03: Concussão ..................................................................................................................... 22 Aula 04: Corrupção passiva .......................................................................................................... 28 Aula 05: Dos crimes praticados por particular contra Administração Pública ............................... 38 Aula 06 e 07: Dos crimes nas licitações ........................................................................................ 49 Aula 08 e 09: Refl exões sobre a dogmática dos crimes contra a administração pública após o julgamento da Ação Penal 470 — Mensalão ......................................................... 67 BLOCO II — IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA .......................................................................................................... 80 Aulas 10 e 11: Aspectos fundamentais e a aplicabilidade da lei 8.429/1992 .................................. 80 BLOCO III — FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO E PROCEDIMENTO .......................................................................... 97 Aula 12: O foro por prerrogativa de função no processo penal ..................................................... 97 AULA 13: Foro privilegiado nas ações de improbidade .............................................................. 107 AULA 14: Procedimento nas ações penais originárias dos tribunais — A Lei 8038 .................... 117 INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 3 APRESENTAÇÃO DO CURSO INTRODUÇÃO Esta disciplina tem por objetivo abordar condutas lesivas à Administra- ção Pública, aí incluídos os crimes e os atos de improbidade administrativa, buscando fornecer ao aluno uma visão abrangente do tema, ainda que não exaustiva. No cotidiano do brasileiro são comuns e lamentavelmente frequentes, nos dias de hoje, reportagens noticiando o envolvimento de agentes da adminis- tração pública em esquemas de apropriação indevida de dinheiro público, desvios de recursos, superfaturamento de obras e serviços do governo, frau- des a licitações e outras condutas que se traduzem, na verdade, em ataques à administração pública. Condutas que interferem na atividade constitucional- mente destinada ao Estado de gerir a coisa pública de forma proba e efi ciente, para torná-la fonte de dinheiro fácil para uma minoria de transgressores. A apreensão leiga e profana da questão da “corrupção” não é satisfatória ao téc- nico e estudioso do Direito. Para estes, será sempre indispensável uma com- preensão jurídica do fenômeno e de suas consequências, daí a importância de estudarmos os tipos penais que tão frequentemente vêm sendo manchetes de jornais, de molde a proporcionar ao aluno a possibilidade de reconhe- cer as condutas, saber classifi cá-las dentro do espectro do direito brasileiro, conhecer-lhes as consequências e sobretudo saber contextualizá-las no escopo político-criminal de nosso Estado. O Brasil é constitucionalmente defi nido como um Estado Democrático de Direito. Disto decorre a necessidade do enfrentamento e punição das con- dutas que representam real ameaça às relações recíprocas entre governantes e governados. É senso comum e facilmente aferível o grau de desconforto e descrédito gerado pelas notícias de ataques à administração pública, seja por servidores (aí compreendidos os detentores de cargos eletivos), seja por não servidores, gerando um sensível desequilíbrio entre a liberdade do cidadão e a autoridade do seu representante, restando prejudicada a relação dual de observância pelos governantes dos direitos dos governados e dos governados a consciência dos seus direitos e deveres perante o Estado e a sociedade. A percepção de que o Direito não é respeitado sequer na esfera restrita das rela- ções de poder contamina a sociedade e promove a descrença nos mecanismos institucionais da sociedade. A repressão aos desvios com a coisa púbica, por- tanto, tem a dupla função de proteger a Administração Pública diretamente, em sua imagem, sua destinação de efi ciência e seriedade, e em última análise de proteção da própria ordem jurídica. INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 4 DELIMITAÇÃO DO CONTEÚDO DA DISCIPLINA O curso será dividido em três blocos. No Bloco 1 vamos estudar algumas fi guras típicas dentre os c rimes funcio- nais, propriamente ditos, e alguns praticados por particulares contra a adminis- tração pública. Diante da enorme quantidade de condutas desta espécie tipifi - cadas, tivemos que fazer algumas escolhas. Optamos por eleger os crimes mais graves e os mais rotineiros que, por esta mesma razão, acabam por aparecer com mais frequência nos jornais e televisões, o que nos levará também ao estudo de alguns crimes que estão fora do Código Penal, tratados em leis extravagantes. Buscaremos proporcionar ao aluno uma base de compreensão crítica sobre estes crimes, não apenas com a descrição do conceito fundamental de cada tipo pe- nal, como também pela sua aplicação e persecução nos dias atuais, apontando o estado atual da visão doutrinária e principalmente jurisprudencial do tema. No Bloco 2 a abordagem abandonará o Direito Penal para avançar na Lei de Improbidade Administrativa. Trataremos das condutas defi nidas na Lei n.º 8429/1992 e das ações de improbidade administrativa respectivas, dando foco especial para aquelas que guardam interseção com os crimes anterior- mente estudados. A ideia é permitir uma visão analítica sobre a natureza civil, embora essencialmente sancionatória da lei de improbidade, e suas consequ- ências no plano da política de repressão de tais condutas. Na parte fi nal do curso, o terceiro bloco, trataremos de algumas disposi- ções processuais, de caráter geral, aplicáveisao particular e/ou funcionário público que comete um crime contra Administração Pública ou um ato de improbidade administrativa. Especifi camente, trataremos da questão atinen- te ao foro por prerrogativa de função, ou foro privilegiado, muito frequente nos crimes contra a administração pública, e sua controvertida aplicação nas ações de improbidade administrativa. METODOLOGIA DAS AULAS Cada aula terá como ponto de partida um caso real, retirado de alguma notícia de jornal e/ou vídeo, que será alvo de discussão entre os alunos e professor. O aluno deverá realizar uma leitura prévia da apostila referente à aula do dia para que esteja apto a participar dos debates provocados pelo professor, tornando a aula mais produtiva e interessante para todos da turma. Esta metodologia tem como fi nalidade trabalhar a capacidade do aluno em relacionar o conhecimento teórico proveniente da leitura ao caso concreto, construindo uma análise e refl exão profunda da realidade da aplicação e efi - cácia do direito nos dias atuais, aprimorando sua capacidade de raciocínio lógico-jurídico. INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 5 AVALIAÇÃO A avaliação divide-se em atividades obrigatórias e facultativas. As primei- ras compreendem duas provas dissertativas individuais sobre o conteúdo discutido em sala de aula e sob re a bibliografi a obrigatória. As atividades facultativas, sujeitas exclusivamente à avaliação positiva, são a execução das atividades complementares específi cas de cada aula, a apresentação oral de casos ou de bibliografi a complementar. BIBLIOGRAFIA Recomendamos ao aluno a leitura de um manual de doutrina que o au- xiliará na sedimentação dos conceitos, especialmente no bloco 1 do curso. Sugerimos as obras de Cezar Roberto Bitencourt (Tratado de Direito Penal, Vol. 5, Saraiva) ou de Rogério Greco (Curso de Direito Penal, Vol. 4, Ed. Im- petus). O acompanhamento dos capítulos pertinentes destes autores é leitura obrigatória, salvo quando expressamente indicada outra fonte. Paralelamente poderemos sugerir leitura complementar. No bloco 2 e 3 a leitura obrigatória virá na forma de textos avulsos que serão disponibilizados aos alunos. INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 6 BLOCO I — CRIMES CONTRA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA AULA 01: DOS CRIMES COMETIDOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA — CONCEITOS FUNDAMENTAIS 1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES O Código Penal Brasileiro dedica-se, a partir do Título XI, a tratar dos Crimes contra a Administração Pública, com o fi to de protegê-la das condu- tas lesivas de seus servidores, bem assim, de particulares que se relacionam com a Administração. Dentro do amplo conceito que confere ao tema da Administração Pública, especifi ca ainda condutas lesivas à administração es- trangeira, à administração da justiça e às fi nanças públicas. De maneira geral, os tipos têm como objetividade jurídica o interesse da normalidade funcio- nal, probidade, prestígio, incolumidade e decoro da Administração Pública. Posto isto, nosso legislador seguiu o modelo tradicional na hora de classifi - car os crimes praticados contra a Administração Pública, separando-os entre aqueles cometidos por funcionários ou por particulares, de forma comissiva ou omissiva, causando ou expondo a perigo de dano a função pública. A par deste rol codifi cado, lei s extravagantes ainda trazem condutas da mesma es- pécie. No presente curso, vamos estudar especifi camente alguns destes crimes tratados na Lei 8666, Lei das Licitações. O Código Penal Brasileiro prevê, do Art. 312 até o Art.326, os crimes cometidos por funcionários públicos contra Administração Pública. Estes crimes tem a característica essencial de serem delicta in offi cio, isto é, são crimes essencialmente funcionais em que a situação de funcionário público é elementar para caracterização do tipo penal em questão. Trata-se de crimes próprios, isto é, exigem que no pólo ativo esteja um funcionário público, na condição de autor, coautor ou partícipe. Por esta razão diante de uma conduta que objetivamente se subsuma à descrição típi ca, mas ausente a condição de funcionário público do agente que a pratica, o fato se torna atípico ou, eventualmente, sofre uma desclassi- fi cação para um crime comum. É o que acontece, por exemplo, nos crimes de prevaricação, previsto no art. 319 do CP, em que se pune o funcionário que retarda ou deixa de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou que o pratique contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. Co mprovando-se que o age nte não exercia cargo, emprego ou função pública, trata-se de absoluta ati- picidade da conduta. Já na hipótese do peculato-furto, por exemplo, disposto no art. 312, §1, do CP, se aquele que subtrair um bem móvel pertencente INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 7 1 Revista da EMERJ, v. 13, nº 52, 2010. p.39. à Administração Pública não ostentar o status de funcionário público estará enquadrado no crime de furto comum, previsto no art. 155, igualmente do CP. A ausência da condição de funcionário público provoca a desclassifi cação do crime para outra espécie. Neste caso, a doutrina classifi ca o crime funcio- nal como um crime funcional impróprio (porque ele guarda uma relação de especi alidade em relação a um tipo mais genérico). 2. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Vamos partir de uma defi nição básica de Administração Pública, latu sensu, que nos ajudará a delimita r, posteriormente, o conteúdo de nossa disciplina. Primeiramente é importante frisar que quando o direito penal ou qual- quer outra ordem normativa sancionatória se volta à tutela da administração pública não pretende proteger diretamente o Estado, mas sim o funciona- mento de seus órgãos, num conceito mais amplo, compreendendo toda a administração estatal dos três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário). Álvaro Mayrink da Costa, desembargador aposentado do TJ/RJ, ao tratar do assunto na palestra proferida na 204ª reunião do Fórum Permanente de Execução Penal — EMERJ, realizada 04.11.2010, citou Sanderlli para escla- recer tal conceito. Segundo ele: “Sanderlli ressalta, numa visão contemporânea, que as funções funda- mentais do Estado objetivam estabelecer novas regras, gerais e abstratas (legislativa), cuidar dos interesses públicos que lhe são próprios (admi- nistrativa), valorar o comportamento humano com patamar normativo (judiciária) e determinar a orientação política (governo). A expressão ad- ministração pública não está empregada no sentido técnico do direito ad- ministrativo ou constitucional dada a maior amplitude, compreensivo da atividade total do Estado e de outros entes públicos. Anoto que o objeto jurídico da tutela penal é a normalidade funcional, a probidade, o prestí- gio e o decoro da administração pública. Por outro lado, observo que o con- ceito de administração pública, quando empregado pelo legislador penal, não tem que obrigatoriamente coincidir com a noção administrativista, entendido em sentido funcional, como o conjunto, historicamente variá- vel, das funções próprias do Estado, objetivando o bom funcionamento da vida comunitária. Portanto, repetindo Chiarotti, a Administração Pública abarca toda a atividade estatal como conjunto de entes que desempenham funções públicas e toda e qualquer atividade desenvolvida para a satisfação do bem comum.”1 INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 8 2 Art. 327, Código Penal Brasileiro: Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transi- toriamente ou sem remuneração, exer- ce cargo, emprego ou função pública. § 1.º — Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestado- ra de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. § 2.º — A pena será aumentada da terça partequando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramen- to de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público. 3 Article 2: Use of terms for the purpo- ses of this Convention: a) Public offi cial shall mean: i) Any person holding a legislative, executive, administrative or judicial offi ce of a State Party, whe- ther appointed or elected, whether permanent or temporary, whether paid or unpaid, irrespective of that person’s seniority; ii) Any other person who performs a public function, including for a public agency or public enterprise, or provides a public service, as defi ned in the domestic law of the State Party and as applied in the pertinent area of law of that State Party; iii) Any other person defi ned as a «public offi cial» in the domestic law of a State Party. Ho- wever, for the purpose of some specifi c measures contained in chapter II of this Convention, «public offi cial» may mean any person who performs a public function or provides a public service as defi ned in the domestic law of the Sta- te Party and as applied in the pertinent area of law of that State Party; 3. FUNCIONÁRIO PÚBLICO Importante também delimitar o conceito de funcionário público adotado no Direito Penal Brasileiro. Inicialmente a persistência da expressão funcioná- rio público, quando a Constituição emprega servidor público. São expressões que, na essência, basicamente se equivalem, mas diferentemente do Direito Administrativo, o funcionário público, para fi ns penais, caracteriza-se pelo exercício da função pública, prevalecendo, no conceito, a natureza da função exercida. A defi nição vem expressa na norma de caráter explicativo constante do art. 327 do CP2, valendo-se de um critério objetivo pelo qual funcioná- rio público é todo aquele no exercício de cargo público (regime estatutário, abrangendo cargos efetivos ou em comissão), emprego público (regime cele- tista, subordinado as normas da CLT) ou função pública (exercício de ativi- dades para fi ns públicos), ainda que transitoriamente ou sem remuneração. Abrange, ainda, os funcionários públicos por equiparação, que seriam aqueles com cargo, emprego ou função em entid ade paraestatal, isto é, em empresas públicas, sociedade de economia mista e fundações. Com a edição da Lei nº. 9.983/2000, houve alteração do §1 do Art. 327, CP, aumentando esse rol para incluir o funcionário que trabalha para empresas prestadoras de serviços contratadas ou conveniadas para execução de atividade típica da Ad- ministração Pública. Contudo, a alteração referida, numa leitura contrária, retira a qualidade de funcionário público daquele que, mesmo trabalhando em empresa contratada ou conveniada ao órgão público, não exerce função típica da Administração. Para se enquadrar na condição de funcionário público para fi ns penais, é preciso que o funcionário esteja no exercício real e efetivo do cargo, função ou emprego público. Os crimes de corrupção, concussão e exercício funcio- nal ilegalmente antecipado, entretanto, podem ser exercidos antes mesmo do inicio do exercício do cargo, fi cando o funcionário responsável a partir da designação ou posse, entendimento este que está de acordo com o art.2º, alínea a, da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção 3 (CNUCC), assinada pelo Brasil em 09 de dezembro de 2003, tendo sido aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº. 348, de 18 de maio de 2005 e, pelo Decreto 5687, de 31 de janeiro de 2006, passou a vigorar no nosso ordenamento, com força de lei. Isso acontece, porquanto o funcionário público, mesmo ainda antes do exercício da função, coloca-se em situação de praticar condutas que desde então podem lesar ou ameaçar de lesão os bens jurídicos tutelados. No mais, via de regra, a condição de funcionário público fi nda com a aposentação ou exoneração do cargo. Por exceção, em alguns delitos, como advocacia administrativa e a violação de segredo, o confl ito de interesses pode subsistir após o desligamento formal do serviço público, o que indica como INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 9 4 Article 12: Private Sector. 2. Measures to achieve these ends may include, inter alia: e) Preventing confl icts of interest by imposing restrictions, as appropriate and for a reasonable period of time, on the professional activities of former public offi cials or on the employment of public offi cials by the private sector after their resignation or retirement, where such activities or employment relate directly to the func- tions held or supervised by those public offi cials during their tenure; 5 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crimes Federais. 8ª ed. Ed. Livraria do Advoga- do. p.141 imprescindível a manutenção desta qualidade, mesmo sendo por tempo de- terminado. Neste sentido, o Art.12, 2, e, da CNUCC4 obriga os Estados- -Partes a prevenir os confl itos de interesses, impondo restrições apropriadas, durante um período razoável, às atividade s profi ssionais de ex-funcionários públicos e/ou sua contratação pelo setor privado, quando tais estiverem rela- cionadas com a função pública anteriormente desempenhada. Neste amplo conceito de funcionário público, portanto, enquadram-se todos aqueles que, de qualquer forma atuem na atividade administrativa pú- blica. Desde os mais singelos postos até os mais graduados. Estão, portanto, sujeitos a cometer corrupção, peculato e outros, os concursados, comissio- nados, os que exercem cargos eletivos no Executivo e no Legislativo, e os agentes políticos com vitaliciedade, como juízes e membros do ministério Público. O critério será sempre, portanto, a natureza da atividade e não a natureza do vínculo com o Estado. Por último, é preciso saber que um particular pode vir a responder por um crime funcional, mesmo sem ostentar a condição de funcionário público. Isto é possível nas situações de concurso de pessoas, quando atuar como co- autor ou partícipe. A qualidade de funcionário público comunica-se ao não funcionário, desde que tal circunstância tenha chegado ao seu conhecimento. 5 Aplica-se, pois, a regra do art.30 do CP, a contrario sensu, uma vez que, por ser a qualidade de funcionário público elementar do tipo, comunica-se aos demais autores e coautores. 4. CASOS PARA DEBATE Advogado dativo: servidor público ou não? O Ministério Público ofereceu a denúncia contra um advogado que havia sido designado como defensor dativo em determinado processo criminal. A denúncia narrava que ele teria cobrado honorários advocatícios no valor de R$150 para seu descolamento até a cidade de Erechim, onde estavam encar- cerados os réus do processo em que ele estava atuando. Em primeira instân- cia, o advogado foi condenado pelo crime de concussão e obrigado a prestar serviço comunitário por dois anos. Em seu apelo, o acusado sustentou que a condição de defensor dativo não se enquadra nessa defi nição, visto que ele exerce apenas um “encargo públi- co”. Assim, o fato descrito na denúncia seria atípico, pois o suspeito não pode ser considerado funcionário público, sendo impositiva a absolvição. Você daria provimento ao apelo? Por que? INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 10 Diretor de hospital particular credenciado pelo SUS é funcionário público? O diretor de um hospital particular que atendia a pacientes do SUS foi condenado pelo crime de concussão (art. 316 do CP) por ter cobrado R$ 100 de um paciente pela consulta vinculada ao Sistema Único de Saúde. A pena de dois anos e um mês de restritiva de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos. A defesa do médico recor reu ao Tribunal, afi rmando que ele não era fun- cionário público e, por isso, não poderia ter sido condenado por concussão. Baseou-se no artigo 327 da Código Penal,que considera funcionário públi- co, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remunera- ção, exerce cargo, emprego ou função pública. Com base na jurisprudência dos tribunais superiores, vamos decidir esta questão. INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 11 AULA 02: PECULATO 1. PECULATO — TIPO PENAL Art. 312 — Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena — reclusão, de dois a doze anos, e multa. § 1º — Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário. Peculato culposo § 2º — Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem: Pena — detenção, de três meses a um ano. § 3º — No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se pre- cede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta. Pec ulato mediante erro de outrem Art. 313 — Apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem: Pena — reclusão, de um a quatro anos, e multa. Inserção de dados falsos em sistema de informações Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a in- serção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados cor- retos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Adminis- tração Pública com o fi m de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano: Pena — reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. Modifi cação ou alteração não autorizada de sistema de informa- ções Art. 313-B. Modifi car ou alterar, o funcionário, sistema de in- formações ou programa de informática sem autorização ou solici- tação de autoridade competente: Pena — detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa Parágrafo único. As penas s ão aumentadas de um terço até a me- tade se da modifi cação ou alteração resulta dano para a Administra- ção Pública ou para o administrado. INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 12 2. PECULATO NA IMPRENSA: Gurgel confi rma denúncia de peculato e falsifi cação contra Renan Calheiros O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, confi rmou que o sena- dor Renan Calheiros (PMDB-AL) é acusado dos crimes de peculato, falsida- de ideológica e utilização de documentos falsos, na denúncia apresentada na semana passada ao Supremo Tribunal Federal (STF). Gurgel explicou que o peculato diz respeito ao desvio da verba de repre- sentação a que os senadores têm direito, cujo uso tem que ser comprovado, e que Renan teria usado para fi ns pessoais. “Ele [Renan] comprovou isso com notas frias, o serviço na verdade não foi prestado, por isso caracteriza pecu- lato a apropriação desses recursos públicos, já que não foram utilizados na fi nalidade indicada nas notas”, disse Gurgel. O teor da denúncia foi revelado esta semana pela revista “Época”. Questionado sobre o fato de a denúncia ter sido apresentada uma semana antes da eleição para a presidência do Senad o, que deve ser ocupada por Re- nan, Gurgel declarou: “O Ministério Público não tem como fi car subordina- do às conveniências do calendário político, realmente não tem.” De acordo com ele, havia duas alternativas: oferecer a denúncia antes da eleição para a presidência do Senado, como foi feito, ou aguardar para ofere- cer depois. Se a estratégia tivesse sido outra, falou Gurgel, “certamente se afi r- maria que a PGR não teria oferecido a denúncia antes para evitar qualquer embaraço à eleição do senador Renan”. O procurador concluiu: “Então eu preferi apresentar antes.” Gurgel tam- bém culpou o mensalão pela demora na tramitação do caso — o inquérito contra Renan chegou ao STF em 2007. “Se não tivesse o mensalão, provavel- mente essa denúncia teria sido oferecida antes.” O procurador afi rmou que não chegou a conversar sobre a denúncia com o ministro Ricardo Lewandowski, relator do caso no STF. De acordo com ele, o caso corre em segredo de justiça porque envolve quebra de sigilo fi scal e bancário. Fonte: Economia/Uol http://economia.uol.com.br/noticias/valor-online/2013/02/01/gurgel- -confi rma-denuncia-de-peculato-e-falsifi cacao-contra-renan.htm 3. ESPÉCIES DE PECULATO DO ART. 312 O Código Penal Brasileiro subdividiu o peculato em diversas modalida- des. Nada obstante, todas elas são espécie de crime próprio em relação ao INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 13 6 STJ. RHC 12506/MG, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ªT., LEXSTJ 162, p.259. 7 Exceção no Decreto Lei 201/67 que defi ne crimes praticados por Prefeitos e que prevê expressamente a modali- dade de peculato de uso no art. 1º, II: Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, inde- pendentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: I — apropriar- -se de bens ou rendas públicas, ou des- viá-los em proveito próprio ou alheio; Il — utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos; (...). 8 STJ. HC 94168/MG, Minª. Jane Silva [Drsª. Convocada do TJ/MG], 6ª T., DJ 22/04/2008, p.1. sujeito ativo, exigindo a condição de funcionário público como característica especial do agente — condição que é de caráter pessoal e elementar do crime. 6 Admite-se, no entanto, a comunicação ao particular que tenha concorrido para o ato criminoso, devendo este apenas conhecer a condição de funcioná- rio público do concorrente. Segundo se extrai da redação do Art. 312, caput, o objeto material poderá ser dinheiro (moeda metálica ou papel em curso legal no Brasil ou no estrangeiro), valores (qualquer título, papel de crédito ou documento negociável conversível em dinheiro ou mercadoria, apólices, letras de câmbio, títulos da dívida pública, notas promissórias, cartões de garantia ou crédito), ou outro qualquer bem móvel (toda coisa passível de remoção e dotada de utilidade). Peculato-apropriação É a mais tradicional espécie, prevista na primeir a parte do caput e carac- teriza-se pela apropriação, realizada pelo funcionário público, de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio. E expressão apropriação denota o dolo especial de tornar-se dono da coisa, de inverter o título dominial sobre a coisa, daí estarem excluídas as hipóteses em que o funcionário toma o bem apenas para fazer uso temporário dele (peculato de uso). Neste caso, o fato é atípico7. A mera utilização da coisa, por curto espaço de tempo, seguida da sua devolução, não confi gura ilícito penal, tão somente administrativo, além de ato de improbidade administrativa. 8 A consumação, assim, ocorre no momento em que o agente retira a coisa da esfera de disponibilidade da vitima ou a emprega em fi ns diversos daqueles próprios ou regulares, ainda que não haja dano efetivo a Administração Pú- blica e nem que resulte em proveito próprio ou para terceiros. É importante acrescentar que se utiliza o termo “posse” no sentido amplo, abrangendo também a disponibilidade jurídica da coisa, sem necessidade de apreensão material. Visto tratar-se de crime funcional impróprio, caso ausente a elementar do tipo ligada à condição de funcionário público, desclassifi ca-se a conduta para apropriação indébita (art. 168) e não mais de peculato-apropriação. Peculato-desvio Crime instantâneo que se confi gura com a ação de desviar, isto é, mudar de direção, alterar o destino ou a aplicação, o bem móvel de que tem o agente a posse, empregando-o em fi m diverso ao que se destinava, não se exigindo INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 14 9 Exceção no Decreto Lei 201/67que defi ne crimes praticados por Prefeitos e que prevê expressamente a modali- dade de peculato de uso no art. 1º, II: Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, inde- pendentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: I — apropriar- -se de bens ou rendas públicas, ou des- viá-los em proveito próprio ou alheio; Il — utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos; (...). 10 STJ. HC 94168/MG, Minª. Jane Silva [Drsª. Convocada do TJ/MG], 6ª T., DJ 22/04/2008, p.1. para sua confi guração o fi m específi co de apropriação inerente da modalidade peculato-apropriação. Em relação ao momento da consumação há duas posições: a primeira sus- tenta ocorrido o crime, independentemente de proveito efetivo por parte do agente ou prejuízo para a vítima. Entretanto, a segunda corrente e a adota- da pelo STJ (AgRg. No Ag. 905635/SC, Rel. Min. Nilson Naves, 6ª T., j. 16/09/2008) sustenta que o peculato na modalidade desvio, por tratar-se de crime material, exige o prejuízo efetivo para administração pública para sua consumação. Peculato-furto Cuida-se de crime de peculato em sua forma imprópria em que o agen- te, valendo-se da facilidade que a qualidade de funcionário público lhe proporciona, subtrai ou concorre para subtração de bem pertencente à Administração Pública. Para confi guração do delito peculato-furto, nestes termos, o agente não pode ter a posse do bem, exigindo-se, todavia, que a sua qualidade de funcionário facilite a prática da subtração, tanto por ele, quanto por terceiro. A distinção entre esta modalidade e a prevista no Código Penal no Art. 155 é a qualidade de funcionário público, elemento especializante. O desvalor da conduta é maior no furto cometido ou facilitado por funcionário público em detrimento da Administração Pública por não levar em conta apenas o aspecto patrimonial como também a moralidade administrativa, por meio da quebra ou abuso de confi ança pública. Exige-se dolo na conduta do agente, dirigido à vontade de ter a coisa como sua. Se inexistente, a conduta será atí- pica, podendo, eventualmente, tratar-se de hipótese de peculato de uso (vide nota anterior), que não é crime à luz do CP9. A mera utilização da coisa, por curto espaço de tempo, seguida da sua devolução, não confi gura ilícito penal, tão somente administrativo, além de ato de improbidade administrativa. 10 Peculato-culposo Ocorre sempre que o agente público, que tenha o dever de guarda sobre o bem de propriedade da administração, aja de forma descuidada, oportuni- zando a subtração ou apropriação do bem por terceiro, funcionário público ou não. Um exemplo seria no caso do funcionário que, por negligência, es- quece de trancar porta de um estabelecimento em que são guardados bens públicos e, consequentemente, estes são furtados. INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 15 11 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal, v. IX, p.354. É a única modalidade em que a reparação do dano antes do trânsito em julgado resulta na extinção de punibilidade. No entanto, para esse efeito, a reparação deverá ser completa, ainda que levada a efeito por terceiro, caso em que, igualmente, se extingue a punibilidade. 4. AÇÃO PENAL A ação penal sempre será pública e incondicionada, não precisando, para ser proposta, aguardar eventual julgamento da ação civil de improbidade ad- ministrativa proposta em virtude da mesma situação fática. A competência sempre será da Justiça Federal nos casos em que atinja os bens, interesses e serviços da União, bem como suas autarquias e empresas públicas. Não sendo este o caso, a competência entrará na esfera da Justiça Estadual. No que tange à modalidade culposa, compete, inicialmente, ao Juizado Especial Criminal o processo e o posterior julgamento. Ademais, será possível a confecção de proposta de suspensão condicional do processo. 5. ART. 313 — PECULATO MEDIANTE ERRO DE OUTREM Modalidade mais rara e, neste caso, o dolo do funcionário é supervenien- te à conduta de terceiro que, por erro, entrega àquele o bem. O dever do servidor neste caso é sanar o erro, comunicando a quem de direito. Se não o faz, incide no crime. Assim sendo, para caracterização do tipo penal em comento é necessário que o agente saiba que se apropria indevidamente de coisa que lhe foi entregue por erro. Não há previsão para modalidade culposa. Igualmente, o erro mencionado no texto do dispositivo deve ser considerado como qualquer entendimento equi vocado da realidade por parte da vitima. Assim, nas palavras de Nelson Hungria: “É indiferente a causa do erro: ignorância, falso conhecimento, de- satenção, confusão, etc. Pode ele versar: a) sobre a competência do fun- cionário para receber; b) sobre a obrigação de entregar ou prestar; c) so- bre o quantum da coisa a entregar (a entrega é excessiva, apropriando-se o agente do excesso). O tradens pode ser um extraneus ou mesmo outro funcionário (também no exercício de seu cargo). Pode acontecer que o funcionário accipiens venha a dar pelo erro do tradens só posteriormen- te ao recebimento, seguindo-se, só então, a indébita apropriação (dolus superveniens)”. 11 INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 16 12 STJ. HC 1000062/SP, Relª. Minª. Lauri- ta Vaz, 5ª T., j. 29/04/2009. 6. ARTS. 313-A E 313-B— PECULATO ELETRÔNICO Os delitos incluídos pela Lei n.º 9.983, de 14 de julho de 2000, trouxe- ram consigo uma inovação em relação ao seu modus operandi, já que se refe- rem a quem se utiliza de sistemas informatizados ou bancos de dados. Essa nova forma de incriminação tem por objetividade jurídica a Administração Pública, particularmente a segurança do seu conjunto de informações e ban- co de dados, inclusive no meio informatizado que, para a segurança de toda a coletividade, devem ser modifi cadas somente nos limites legais. (A) Inserção de dados falsos em sistema de informações Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fi m de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano: Pena — reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. São duas as condutas descritas no caput do artigo: a primeira, quando o funcionário autorizado insere (introduzir, colocar, acrescentar) ou facilita a terceiro o acesso, físico ou virtual, ao sistema, de modo que consiga inserir dados falsos. A segunda espécie, quando há alteração (modifi car, mudar) ou exclusão (retirar, suprimir, apagar) indevida de dados verdad eiros. Exige-se um especial fi m de agir: a comprovação da vontade livre e cons- ciente do funcionário na inserção de dados falsos em banco de dados com intuito de defraudá-lo para obter a vantagem indevida, seja para si ou para outrem, ou para causar prejuízo à terceiro. O crime é próprio e exige que o sujeito ativo seja um funcionário público detentor de uma peculiaridade: que tenha acesso a uma área restrita, median- te senha ou qualquer outro comando, que não seja autorizada para outros funcionários. Entretanto, nada impede que aja em concurso com outro fun- cionário não autorizados ou com particular, devendo todos responder pelo mesmo crime. Se o funcionário publico não autorizado praticar alguma das condutas descritas no caput do Art. 313-A, por si só, responderá pelo crime previsto no Art. 297 ou 299 do Código Penal. 12 É crime formal, não precisando, portanto, do dano efetivo para sua con- sumação. INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 17 13 -RHC 116197 / DF — DISTRITO FEDE- RAL / RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS / Relator(a): Min. LUIZ FUX / Julgamento: 11/06/2013 Órgão Julgador: Primeira Turma (B) Modificação ou alteração não autorizada de sistema de informação Art. 313-B. Modificar ou alterar, o funcionário, sistema de infor- mações ou programa de informática sem autorização ou solicitação de autoridade competente: Pena — detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa. Parágrafo único. As penas são aumentadas de um terço até a metade se da modifi cação ou alteração resulta dano para a Administração Pú- blica ou para o administrado. Nesta fi gura o sujeito ativo poderá ser qualquer funcionário e não apenas o autorizado, como determina o Art. 313-A, CP. Além disso, neste caso o dolo é simplesmente o de modifi cação do sistema, ausente o especial fi m de agir. Cuida-se, portanto, de crime de perigo, que busca proteger apenas a inte- gridade dos sistemas e programas de informática da Administração Pública. Em tese, até mesmo a alteração ou modifi cação que for feita para o aperfei- çoamento do sistema, sem a prévia autorização, poderá confi gurar o crime em questão. O fato de causar dano é apenas causa de aumento de pena, nos moldes do parágrafo único. 7. QUESTÕES CONTROVERTIDAS PARA O DEBATE: Princípio da Insignificância e Peculato Sobre o tema da insignifi cância, o STF acabou sedimentando balizas para sua aplicação, exigindo, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.13 Considerando-se estas premis- sas e a natureza do crime em estudo, você considera aplicável o princípio em questão ao crime de peculato? JURISPRUDÊNCIA EMENTA 1: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃOPÚBLICA. PECULATO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBI- LIDADE. PRECEDENTES. 1. O entendimento fi rmado nas Turmas que compõem a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que não se aplica o princípio da insignifi cância aos crimes contra a Admi- INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 18 nistração Pública, ainda que o valor da lesão possa ser considerado ínfi mo, uma vez que a norma visa resguardar não apenas o aspecto patrimonial, mas, principalmente, a moral administrativa. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ. HC 1275835 SC 2011/0212116-0, Relator: Ministro ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ), Data de Julgamento: 11/10/2011, T5 — QUINTA TURMA, Data de Pu- blicação: DJe 01/02/2012) EMENTA 2: EMENTA: RECURSO ESPECIAL. PENAL. ARTS. 71 E 155, § 4º, CP. FURTO Q UALIFICADO. CONTINUIDADE DELITIVA. BOLSA FAMÍLIA. SAQUES FRAUDULENTOS. PRINCÍPIO DA IN- SIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. CONDUTA TÍPICA PERPE- TRADA CONTRA PROGRAMA ESTATAL QUE BUSCA RESGATAR DA MISERABILIDADE PARCELA SIGNIFICATIVA DA POPULAÇÃO. MAIOR REPROVAÇÃO. CONTINUIDADE DELITIVA. NÚMERO DE INFRAÇÕES IMPLICA MAIOR EXASPERAÇÃO DE PENA. AUSÊN- CIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. 1. Estagiário de órgão público que, valendo-se das prerrogativas de sua função, apropria-se de valores subtraídos do programa bolsa-família subsume-se perfeitamente ao tipo penal descrito no art. 312, § 1º, do Cód igo Penal — peculato-furto —, porquanto estagiário de empresa pública ou de entidades congêneres se equipara, para fi ns penais, a servidor ou funcionário público, lato sensu, em decorrência do disposto no art. 327, § 1º, do Código Penal. 2. No caso, a ora recorrente foi denunciada e condenada por furto qualifi cado, descrito no art. 155, § 4º, II, e 71 do Código Penal, portanto, a meu ver, as instâncias de ori- gem contraditaram a melhor hermenêutica jurídica. 3. Indevida a incidência do princípio da insignifi cância em decorrência de duplo fundamento: pri- meiro, o quantum subtraído, qual seja, R$ 2.130,00 (dois mil, cento e trinta reais), não pode ser considerado irrisório; e, segundo, além de atentar contra a Administração Pública, o delito foi praticado em desfavor de programa de transferência de renda direta — Programa Bolsa Família — que busca resgatar da miserabilidade parcela signifi cativa da população do País, a tornar mais de- sabonadora a conduta típica. 4. Na continuidade delitiva, leva-se em conside- ração o número de infrações praticadas pelo agente ativo para a exasperação da pena (art. 71 do CP). 5. Ausência de prequestionamento. Súmula 211/STJ. 6. Recurso especial improvido.(STJ/ Sexta Turma/ Rel. Sebastião Reis Júnior/ RESP 201200210342DJE DATA:06/08/2012..DTPB) INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 19 EMENTA 3: CRIMINAL. HC. PECULATO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA DE PLANO. ATIPICIDADE. INOCORRÊNCIA. DELITO FORMAL. MOMENTO CONSUMATIVO. DESTINAÇÃO DIVERSA AO BEM PÚBLICO. MAQUINÁRIO NÃO DEVOLVIDO. INEXISTÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE ÂNIMO DE RESTITUIÇÃO DO BEM. POS- SIBILIDADE DE CORREÇÃO DA CAPITULAÇÃO LEGAL. ORDEM DENEGADA. A falta de justa causa para a ação penal só pode ser reconhe- cida quando, de pronto, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, evidenciar-se a atipicidade do fato, a ausência de indí- cios a fundamentarem a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade. O peculato consuma-se no momento em que o funcionário público, em razão do cargo que ocupa, dá destino diverso ao dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, empregando-os com fi ns que não os próprios ou regulares, sendo irrelevante que o agente ou terceiro obtenha vantagem com a prática do de- lito. Precedentes. Evidenciado que a máquina retro-escavadeira não chegou a ser devolvida ao órgão público, tendo sido apreendida em razão de mandado judicial, no momento da realização do preparo do terreno particular, não resta demonstrado o ânimo dos acusados em restituir o bem. A brusca inter- rupção do feito, conforme pleiteado, não se faz possível em sede de habeas corpus, pois o enquadramento da conduta do acusado ao tipo descrito na denúncia pode ser modifi cado durante a instrução processual, sob o pálio do contraditório e da ampla defesa. V. Ordem denegada. (STJ. HC 37202 RJ 2004/0106274-6, Relator: Ministro GILSON DIPP, Data de Julgamento: 02/03/2005, T5 — QUINTA TURMA, Data de Pu- blicação: DJ 28.03.2005 p. 298) EMENTA 4: RECURSO ESPECIAL. PECULATO. DESCLASSIFI- CAÇÃO PARA APROPRIAÇÃOINDÉBITA. CARACTERIZAÇÃO DA EMENDATIO LIBELLI. POSSIBILIDADE DE O TRIBUNAL DAR NOVA CLASSIFICAÇÃO AOS FATOS JURÍDICOS NARRADOS NA DENÚNCIA.1. Sobrevindo o aditamento à denúncia, o julgador fi ca adstrito aos seus limites, ou seja, aos fatos tal como narrados no aditamento, então à capitulação jurídica indicada pelo Ministério Público. 2. A desclassifi cação do crime de peculato para o crime de apropriação indébita caracteriza emendatio libelli, passível de ser feita pelo Tribunal de Justiça, desde que não implique reformatio in pejus. 3. Denunciado o agente pelo crime do art. 312 do Código Penal, não há vedação à desclassifi cação da conduta e à condenação pelo crime do art. 168, § 1º, inciso III, do Código Penal, na hipótese de não estar confi gu- rada a elementar do tipo “funcionário público”, até porque a resposta penal do delito de apropriação indébita é menor que a do crime de peculato.312Código Penal168§ 1ºIIICódigo Penal4. Recurso especial provido. INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 20 (STF. Resp 1221433 MG 2010/0190551-5, Relator: Ministro MARCO AU RÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 23/04/2013, T5 — QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/04/2013) EMENTA 5: PENAL E PROCESSUAL PENAL. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 5º, XLVI E 9 3, IX, DACONSTITUIÇÃO REPUBLICANA. IN- COMPETÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR. DELITO DE PECU- LATO DESVIO. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. AUSÊNCIA. EXAME DOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS. SÚMULA N.º 7/STJ. PENALIZAÇÃO DA AGENTE NASEARA ADMINISTRATIVA. INDE- PENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS. PENA PRIVATIVADE LIBERDADE REDUZIDA AO MÍNIMO LEGAL. IMPOSIÇÃO DE UMA ÚNICA SANÇÃORESTRITIVA. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 44, § 2º, DO CÓDIGOPENAL. REPRIMENDASALTERNATIVAS NÃO IMPUGNADAS. SÚMULA N.º 284/STF.AGRAVO REGIMEN- TAL DESPROVIDO.72841. Consoante fi rme orientação jurisprudencial, não se afi gura possível apreciar, em sede de recurso especial, suposta ofensa a artigos da Constituição Federal. O prequestionamento de matéria essen- cialmente constitucional pelo STJ implicaria usurpação da competência do STF. Constituição Federal2. No delito de peculato desvio previsto no art. 312, 2ªparte, do Código Penal, o elemento subjetivo do tipo consiste em desviar, em prov eito próprio ou alheio, o bem móvel de que de que tem o agente a posse, empregando-o em fi m diverso ao que se destinava, não se exigindo para sua confi guração o fi m específi co de apropriação inerente ao peculato apropriação previsto no art. 312,caput, 1ª parte, do Diploma Penalista.312Código Penal3121ª3. Tendo as instâncias ordinárias, após de- tida análise dos autos, constatado que a agravante desviava verbas de outras contas correntes para as contas correntes dos outros dois co-acusados, o que confi gura o crime de peculato desvio, entendimento em sentido contrário a fi m de se afi rmar que a sentenciada não teria agido com dolo, demandaria revolvimento do material fático/probatório dos autos, vedado na presente seara recursal a teor do disposto na Súmula n.º 7/STJ.4. A penalização do empregado na via administrativa com consequente demissão por justa cau- sa, não obsta sua condenação no âmbito penal, dada à independência das instâncias.5. A redução da pena privativa de liberdade importou em conse- quente diminuição das sanções restritivas substitutas, já que serão cumpridas por menor tempo de forma proporcional à sanção corporal imposta.6. Na condenação igual ou inferior a 1 (um) ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a 1 (um) ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos.7. In casu, tendo sido a pena imposta à agravante em 2 (dois) anos de reclusão, inviável a fi xação de INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 21 tão somente uma pena restritiva de direitos, ante o disposto no art. 44, § 2º, CP. Precedentes.44§ 2ºCP8. Não tendo a defesa impugnado especifi camente as sanções restritivas impostas à sentenciada, incide, na espécie, o óbice con- tido no Enunciado Sumular n.º 284/STF.9. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ. AgRg nos EDcl no REsp 11273768 PR 2011/0202897-0, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 13/03/2012, T5 — QUIN- TA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/03/2012) INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 22 AULA 03: CONCUSSÃO 1. TIPO PENAL Art. 316 — Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena — reclusão, de dois a oito anos, e multa. 2. A CONCUSSÃO NA IMPRENSA — CASOS PARA ESTUDO Preso em fl agrante auditor fi scal do TCE/MT por crime de concussão O Ministério Público Estadual, por meio do Grupo de Atuaçã o Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco), prendeu em fl agrante na tarde de hoje (18.09) o auditor público externo do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso (TCE/ MT), xxxx. Pesa contra ele a acusação do crime de concussão (extorsão praticada por servidor público).De acordo com os promotores do Gaeco, o servidor público estaria exigindo a quantia de R$40 mil do presidente da Câmara Municipal de Ja- ciara, zzz, para emitir relatório favorável da auditoria referente às contas do exercício 2012, de modo a não apresentar irregularidades durante seu julgamento em 2013. Ao perceber que estava sendo vítima de concussão, o presidente da Câma- ra entrou em contato com o Gaeco há cerca de duas semanas pedindo pro- vidências. Foi orientado a ceder a pressão caso fosse procurado novamente. No dia de ontem (18.09), houve um novo contato por parte do auditor que estabeleceu que o pagamento deveria ser feito em duas parcelas de R$ 20 mil, sendo a primeira na data de hoje(18.09) e a segunda parcela em 30 dias. O parlamentar foi instruído pelo auditor a colocar o dinheiro dentro de uma caixa, constando o seu nome como destinatário, e enviá-la de ônibus de Jaciara para Cuiabá. A prisão aconteceu no momento em que o servidor público retirou o volume na rodoviária de Cuiabá, em cujo interior estaria a quantia exigida como propina. O funcionário foi encaminhado para a delegacia de Polícia Fazendária de Cuiabá para confecção do auto de prisão em fl agrante e fi cará a disposição da Justiça. Caso condenado, ao servidor poderá ser imposta a pena de 2 a 8 anos de reclusão, além de perda da função pública. Fonte: JusBrasil http://mp-mt.jusbrasil.com.br/noticias/100064856/preso-em-fl agrante- -auditor-fi scal-do-tce-mt-por-crime-de-concussao INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 23 SALINÓPOLIS: MP denuncia vereadora por crime de concussão O Ministério Público do Estado, por meio do promotor de justiça, de- nunciou a vereadora de Salinópolis, Fulana de Tal, e mais duas pessoas, pelo crime de concussão, que ocorre quando o agente público exige, para si ou para outra pessoa, vantagem indevida. A pena prevista é de reclusão, de dois a oito anos, e multa. Fulana de Tal é vinculada ao mesmo partido pelo qual o atual prefeito de Salinópolis, foi eleito. Porém, após o prefeito mudar de partido, a vereadora assumiu papel de oposição e passou a cobrar da administração pública trans- parência total de tudo que estivesse relacionado à esfera pública. Com isso, Fulana passou a presidir a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), instau- rada para averiguar os supostos atos ilícitos do prefeito. Como a vereadora denunciada possuía muitas dívidas, passou a tirar pro- veito do fato de o prefeito estar sendo investigado pela Câmara Municipal e se ofereceu para votar conforme os interesses dele. A intenção de Fulana, nessa situação, era arrecadar dinheiro para quitar suas dividas com o partido, pedir concessão de um carro e dinheiro para investir na próxima campanha eleitoral. Com isso, a parlamentar solicitou ao prefeito, por intermédio do também acusado Sicrano, uma quantia de cem mil reais para não votar pelo afastamento do prefeito na votação da Câmara, mas o prefeito entregou ape- nas vinte e cinco mil reais para a vereadora. Apesar do valor inferior, com a quantia em mãos, Fulana disse em seu discurso na Câmara que gostaria apenas dos esclarecimentos dos fatos. Posteriormente, a vereadora entrou em contato novamente com o prefeito cobrando os setenta e cinco mil reais res- tante, porém, dessa vez, quem intermediou a ação foi a assessora da vereado- ra, Beltrana. O prefeito denunciou o caso à policia, que determinou que o Núcleo de Inteligência Policial (NIP) tomasse conta do caso. Com a autorização da justiça os telefones das acusadas e das vítimas foram grampeados e assim, a partir de uma conversa entre ambas as partes, foi comprovado a participação dos acusados no crime. Fulana e Beltrana foram presas em fl agrante delito quando recebiam o res- tante da quantia solicitada. Em defesa, os acusados falaram que estavam ten- tando comprovar as falcatruas do prefeito, porém, fi cou claro para a polícia que se o intuito dos acusados fosse realmente denunciar o prefeito, isso teria sido feito no momento em que os vinte e cinco mil reais foram entregues. Fonte: JusBrasil http://mp-pa.jusbrasil.com.br/noticias/3143846/salinopolis-mp-denun- cia-vereadora-por-crime-de-concussao INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 24 14 STJ. RHC 10853 RS 2000/0142597-8, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 17/05/2001, T5 — QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 01/04/2002 p. 187. 3. SOBRE O CRIME A concussão é uma espécie de extorsão praticada pelo funcionário públi- co. A conduta típica é a do funcionário que, valendo-se do temor genérico da autoridadeque ostenta, exige (ordenar; reclamar imperiosamente; impor como obrigação) vantagem indevida para si ou para outrem. O verbo n úcleo do tipo — exigir — pressupõe um vítima que possa a vir, eventualmente a ceder por temer represálias por parte do funcionário em decorrência de sua condição de autoridade, embora a capitulação da vítima não seja elementar do tipo. O núcleo do tipo penal, deste modo, é a exigência de vantagem inde- vida em ra zão do emprego, cargo ou função pública que o funcionário exerce. Trata-se de crime funcional impróprio já que, ausente a condição de fun- cionário público no polo ativo, a fi gura pode se deslocar para o tipo previsto no artigo 158 do CP. Admite a participação ou coautoria de particular nos casos, por exemplo, em que a ocorrência da exigência acontece por intermé- dio do particular, em conluio com funcionário público. O sujeito passivo, sempre será o Estado e, secundariamente, o particular intimidado. Isso porque a conduta descrita ofende principalmente o interesse estatal no que diz respeito ao normal desenvolvimento de sua atividade. A espécie visa a proteger o normal desenvolvimento dos encargos funcio- nais, por parte da Administração Pública e na conservação e tutela do decoro desta. De forma secundária, protege a liberdade do particular e, eventual- mente seu patrimônio, a depender da natureza da exigência efetuada. 14 3.1 Exigência O ato de exigir denota imposição, ordem, determinação. Poderá ser expli- cito, isto é, se feito de maneira clara, ou implícito, realizado de forma velada. Nas palavras de Nelson Hungria: “Essa exigência pode ser formulada diretamente, a viso aperto ou facie ad faciem, sob ameaça explicita, ou implícitas represálias (imedia- tas ou futuras), ou indiretamente, servindo-se o agente de interposta pessoa, ou de velada pressão, ou fazendo supor, com maliciosa ou falsas interpretações, ou capciosas sugestões, a legitimidade da exigência. Não se faz mister a promessa de infl igir um mal determinado: basta o temor genérico que a autoridade inspira.” De todo o modo, direta ou indiretamente, o indispensável é que a exi- gência se formule em razão da função do agente. Poderá, ainda, não estar no INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 25 15 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito Penal, v.3, p.315. 16 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crimes Federais. 8ª ed. Ed. Livraria do Advoga- do. p.162 exercício de sua função, mas o simples status de funcionário público já basta para o comportamento se confi gurar típico. 3.2 Vantagem indevida A forma mais comum de concussão é com recebimento de vantagem eco- nômica indevida, entretanto, poderá ocorrer nos casos em que a vantagem tenha natureza distinta, como, por exemplo, casos de se exigirem favores sexuais, remoção ou promoção, entrega de bens em espécie, etc. Isto porque o crime de concussão, seguindo o entendimento de Júlio Fabbrini Mirabe- te15, não está no Títul o do Código Penal correspondente aos crimes contra o patrimônio, o que nos permite ampliar o raciocínio, a fi m de entender como vantagem indevida, mesmo aquelas sem natureza patrimonial (sentimental, moral, sexual, etc.). Em suma, tratando-se de elemento normativo do tipo, a vantagem inde- vida deverá ser analisada no caso concreto. 3.3 Consumação e tentativa Tratando-se de crime formal, a mera exigência da vantagem indevida é su- fi ciente para consumação do crime em questão. Não é necessário, portanto, que a vítima ceda diante da exigência e entregue a vantagem. Neste sentido, fi cou consignado no Resp. 215459/MG: “o crime capitulado no art. 316, caput, do Código Penal é formal, e consuma-se com a mera imposição do paga- mento indevido, não se exigin do consentimento da pessoa que a sofre e, sequer, a consecução do fi m visado pelo agente. O núcleo do tipo é o verbo exigir, sendo formal e de consumação antecipada”. O caráter formal do crime levou parte da doutrina e da jurisprudência a rechaçar a possibilidade de confi guração da tentativa. A questão não é pací- fi ca, visto que alguns doutrinadores reconhecem a possibilidade da tentativa, desde que, no caso concreto, seja possível o fracionamento iter criminis. Des- ta maneira, segundo orientação de José Paulo Baltazar Junior, “a tentativa é de difícil ocorrência, mas o dado decisivo para admiti-la ou não depende de ser o crime unissubsistente ou plurissubsistente, ou seja, se a conduta pode ou não ser fracionada e não de se tratar de crime formal ou não. Assim, no caso de proposta de concussão — ou de corrupção — feita por carta, bilhete, correio eletrônico ou por interposta pessoa, a tentativa seria possível.” 16 A natureza formal do crime gera algumas consequências na confi guração do fl agrante. Como já visto a mera exigência torna o tipo consumado e, sen- do assim, o recebimento da vantagem é apenas parte da progressão criminosa, INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 26 17 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crimes Federais. 8ª ed. Ed. Livraria do Advoga- do. p.163 18 Art. 109 da CF. respondendo o agente por crime único. Desta maneira, nas ocasiões em que a vítima avisa a policia que está sofrendo o achaque, é comum preparar-se uma situação de fl agrante, quando do recebimento da vantagem. Debate-se sobre se trataria ou não de hipótese de prisão em fl agrante, já que, com a anterior exigência da vantagem, o crime estaria consumado. Em termos processuais, há três soluções: “(a) Nulidade da prisão em fl agrante, por tratar-se mero exaurimento, uma vez que o crime já havia se consumado por ocasião da exigência ou solicitação (STF, HC 80.033-5, Pertence, 1ª T., u., DJ 19.5.00); (b) Regularidade da prisão em fl agrante, entendendo-se que há progressão criminosa, e que o agente responde pelo crime na modalidade receber, na qual foi fl agrado (STJ, HC 2467/RJ, Assis Toledo, u. 5ª T., DJ 24.4.94); (c) regularidade da prisão em fl agrante, na modalidade fi cta.”17 Em suma, independente da posição que se adote, a prisão, em todo caso, só subsistirá se estiverem presentes os pressupostos da prisão preventiva, elen- cados no art. 310, §ú, CP. No mesmo sentido, também não há possibilidade de falar-se em crime im- possível nas situações de fl agrante esperado, pois, mesmo não tendo recebido a vantagem indevida, o crime confi gurou-se com a exigência (STF, RECR 82.074/PR, Bilac Pinto, 1ª T., DJ 17.10.77). 4. AÇÃO PENAL A ação penal será sempre púbica e incondicionada. Compete à Justiça Fe- deral processar e julgar os delitos quando praticados por funcionário público federal, no exercício de suas funções e com estas relacionadas18. Isto posto, a competência será da Justiça Federal sempre que os envolvidos forem servi- dores federais e não será afetada mesmo se a vitima secundária for particular. JURISPRUDÊNCIA EMENTA 1: ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO DISCIPLINAR. OBSER- VÂNCIA DO DEVIDO PROCES SO LEGAL, CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. ESFERA ADMINISTRATIVA E PENAL. INDEPEN- DÊNCIA. 1. Hipótese em que os recorrentes foram excluídos da Polícia Militar do Estado do Ceará em razão de Processo Administrativo Discipli- nar que apurou conduta tipifi cada como crime (concussão). 2. O processo administrativo disciplinar transcorreu em estrita obediência aos preceitos INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 27 constitucionais e legais, com o exercício regular do contrad itório e da ampla defesa. 3. Não cabe ao Judiciário imiscuir-se no mérito do ato administrati- vo, circunscrevendo-se seu exame apenas aos aspectos da legalidade do ato. Precedentes do STJ. 4. As esferas penal e administrativa são independentes e autônomas e a única vinculação admitida entre elas ocorre se o acusado for inocentado na Ação Penal em face da negativa da existência do fato ou quando não reconhecida a autoria do crime, o que não é o caso dos autos. Nessa linha: RMS 37.964/CE, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Tur- ma, DJe 30.10.2012;RMS 32.641/DF, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ acórdão Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 11.11.2011. 5. Recurso ordinário não provido.(STJ, Segunda Turma, Rel. Herman Benjamin, DJE DATA:07/03/2013..DTPB) EMENTA 2: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CONCUSSÃO (ARTIGO 316 DO CÓDIGO PENAL). DEFENSOR DA- TIVO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. DESEMPENHO DE FUNÇÃO PÚBLICA. ENQUADRAMENTO NO ARTIGO 327 DO CÓDIGO PENAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. De acordo com o artigo 134 da Constituição Federal, a defesa em juízo das pessoas necessitadas é incumbên- cia da Defensoria Pública, considerada instituição essencial à função jurisdi- cional do Estado. Trata-se, portanto, de função eminentemente pública, pois destinada à garantir a ampla defesa constitucionalmente prevista em favor de todos os acusados em processo penal, independentemente da capacidade fi - nanceira de contratação de um profi ssional habilitado. 2. Embora não sejam servidores públicos propriamente ditos, pois não são membros da Defensoria Pública, os advogados dativos, nomeados para exercer a defesa de acusado ne- cessitado nos locais onde o referido órgão não se encontra instituído, são con- siderados funcionários públicos para fi ns penais, nos termos do artigo 327 do Código Penal Doutrina. 3. Tendo o recorrente, na qualidade de advogado dativo, exigido para si vantagem indevida da vítima, impossível considerar a sua conduta atípica como pretendido no reclamo. 4. A simples ausência de juntada aos autos da nota promissória que comprovaria a exigência indevi- da feita pelo recorrente não conduz à falta de justa causa para a persecução criminal, uma vez que o referido documento pode ser anexado ao processo até a conclusão da instrução criminal, sem prejuízo de que a materialidade delitiva seja comprovada por outros meios de prova admitidos. 5. Recurso improvido. (STJ, Quinta Turma, Rel Jorge Mussi, RHC 201201180621, DJE DATA:05/06/2013..DTPB) INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 28 AULA 04: CORRUPÇÃO PASSIVA 1. TIPO PENAL Art. 317 — Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena — reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. § 1º — A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qual- quer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional. §2º — Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou infl uên- cia de outrem: Pena — detenção, de três meses a um ano, ou multa. 2. A CORRUPÇÃO PASSIVA NA IMPRENSA TJ-ES condena juiz por corrupção passiva Por Victor Vieira Acusado de ser mandante do assassinato de um colega, o juiz aposen- tado Fulano de Tal foi condenado nessa quarta-feira (24/4) a cinco anos e seis meses de prisão, por corrupção passiva. No entendimento da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, fi cou provado que o réu participava de um esquema de venda de sentenças e benefícios a detentos com a ajuda de um parente. Em outro processo, Fulano é alvo de suspeitas de planejar a execução do juiz Alexandre Martins em março de 2003. O desembargador Adalto Dias Tristão, que relatou o caso, refor mou a de- cisão da 9ª Vara Criminal da Comarca de Vitória, que havia absolvido o juiz. Segundo o TJ-ES, o réu facilitava a progressão de regime e alvarás de soltura para presos em troca de dinheiro. “Ao que nos sugere, o Ministério Público, a cooptação do juiz da ª Vara Criminal Fulano de Tal visava criar uma rede de assistência jurídica e proteção aos membros das organizações criminosas que porventura fossem levadas aos tribunais”, afi rma o desembargador. As denúncias do Ministério Público capixaba revelam que um interno da Casa de Detenção de Vila Velha chegou a comprar a liberdade por R$ 20 mil. Após delatar o esquema ilegal, segundo os autos, outro preso foi perse- guido pelos colegas de cela. Para o relator, houve prática de corrupção passiva INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 29 19 STJ — RHC: 7717 SP 1998/0040571- 2, Relator: Ministro GILSON DIPP, Data de Julgamento: 17/09/1998, T5 — QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 19/10/1998 p. 115. — crime praticado por servidor contra a administração pública, previsto no artigo 317 do Código Penal. Embora não seja funcionário público, o parente do juiz, Sicrano de Tal, também foi condenado por corrupção passiva porque tinha conhecimento da qualidade funcional do outro réu. De acordo com as denúncias, há indícios de que a dupla tenha benefi ciado detentos entre março de 1998 e junho de 2011. Pela pluralidade de condutas, o desembargador reconheceu o concurso material, que corresponde à aplica- ção cumulativa de penas de reclusão e de detenção. Além dos cinco anos e meio de prisão, o juiz também foi condenado a pagar multa de dois salários mínimos. Seu cúmplice recebeu pena idêntica e a defesa ainda poderá entrar com recurso. Fonte: Consultor Juridico — ConJur http://www.conjur.com.br/2013- -abr-25/juiz-acusado-matar-colega-condenado-corrupcao-passiva 3. SOBRE O CRIME O crime de corr upção passiva funciona como uma espécie de “acordo” entre o funcionário público e um terceiro, por meio do qual aquele vende ou negocia um ato de ofício. Trata-se de um tipo penal muito parecido com o crime de concussão, já anteriormente estudado, mas ainda assim as diferenças são relevantes. É que na concussão, o funcionário exige a vantagem, impondo temor e intimidação, e na corrupção, ele apenas solicita ou aceita. Não há temor im- posto, há pedido simples ou acordo de vontades. O tipo é misto alternativo, e as condutas podem ser: solicitar (pedir, pro- curar, buscar, manifestar o desejo de receber), ou receber (tomar, obter, entrar na posse), ou aceitar promessa (concordar, estar de acordo) de vantagem in- devida. Nas duas ultimas hipóteses há necessariamente uma atuação bilateral, isto é, sempre existirá a fi gura do corruptor e do corrompido, podendo a iniciativa partir do particular, seguindo-se da concordância do funcionário. Já o elemento subjetivo, nas três hipóteses descritas no núcleo do tipo, é o dolo, precisando provar a vontade do agente em receber, solicitar ou aceitar vantagem indevida para si ou para outrem. É crime próprio quanto ao sujeito ativo, podendo ser cometido apenas por servidor em razão de sua função pública, mesmo que a vantagem só seja recebida após o agente ter deixado a função pública. É possível a participação de particular no delito de corrupção passiva, face à comunicabilidade das condições de caráter pessoal elementares do crime.19 Caso a iniciativa de oferecer ou promover vantagem indevida ao funcionário público decorra do particular, ele responderá por corrupção ativa, tratando- INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 30 20 HUNGRIA, Nelson, Comentários ao Código Penal, v. IX, p. 368-369. 21 GRECO, Rogério: Código Penal Co- mentado, 7ª edição, p. 975. -se de exceção à teoria monista que rege a matéria de concurso de agentes. A bilateralidade não é, pois, essencial, já que poderá ocorrer hipótese em que o funcionário solicite a vantagem, sem que isso seja aceito pelo particular, ou então, ao contrário, que a oferta seja recusada pelo funcionário, como veremos mais adiante. Ressaltando que o delito de corrupção é, em regra, unilateral, tanto que legalmente existem duas formas autônomas, conforme a qualidade do agente. A existência do crime de corrupção passiva não pres- supõe, necessariamente, o de corrupção ativa. (STJ, CE, Apn. 224/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 26/02/2004, p. 138) Não se aplica o principio da insignifi cância ao delito do Art. 327, posição consolidada na jurisprudência, vide RHC 8357 GO 1999/0009250-3,STJ, Relator: Ministro EDSON VIDIGAL, Data de Julgamento: 14/04/1999, T5 — QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 25.10.1999, tendo em vista tratar-se de crime contra a administração pública e o elevado grau de reprovabilidade acerca da ofensa ao bem juridicamente tutelado. O ato de ofício objeto da corrupção precisa ser identifi cado, mas é irrele- vante que o ato funcional (comissivo ou omissivo) sobre que versa a venalidade seja ilícito ou licito, isto é, contrário, ou não aos deveres do cargo ou função, como bem ponderou Hungria20. Nos casos em que o ato praticado pelo funcionário público for ilícito, isto é, ato em contrariedade ao ser dever de ofi cio, ele será mera causa de aumento, confi gurando-se a chamada corrupção própria, prevista no Art. 317, §1, CP. 3.1 Corrupção Privilegiada É a modalidade mais branda do crime de corrupção passiva, caracterizan- do-se nas situações que o agente deixa de praticar ou retarda ato d e ofi cio, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou infl uência de outrem. É o famoso “quebra galho”. 4. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA No que tange a consumação, a corrupção passiva poderá consumar-se em três momentos distintos, dependendo da maneira de como o crime será rea- lizado. Nas palavras de Rogério Grecco21: “Na primeira modalidade, o delito se consuma quando o agente, efetivamente, solicita, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 31 22 Código Penal, “Art. 316. Exigir, para si ou para outrem, direta ou indireta- mente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena — reclusão, de dois a oito anos, e multa.”; “Art. 317. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vanta- gem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena — reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.” 23 Neste sentido Nelson Hungria, Ma- galhães Noronha, Damásio de Jesus, entre outros. vantagem indevida, que, se vier a ser entregue, deverá ser considerada mero exaurimento do crime. Por meio da segunda modalidade prevista no tipo, ocorrerá a con- sumação quando o agente, sem que tenha feito qualquer solicitação, receber vantagem indevida. O ultimo comportamento típico diz respeito ao fato de o agente tão-somente aceitar promessa de tal vantagem.” 5. AÇÃO PENAL A ação penal sempre será pública e incondicionada, não precisando, para ser proposta, aguardar eventual julgamento da ação civil de improbidade ad- ministrativa proposta em virtude da mesm a situação fática. A competência sempre será da Justiça Federal nos casos em que atinja os bens, interesses e serviços da União, bem como suas autarquias e empresas públicas. Não sendo este o caso, a competência entrará na esfera da Justiça Estadual. Vale ressaltar que nos casos dos militares, a competência será da Justiça Comum, uma vez que o crime de corrupção não está previsto no Código Penal Militar. No que tange à modalidade privilegiada, compete, inicialmente, ao Jui- zado Especial Criminal o processo e o posterior julgamento. Ademais, será possível a confecção de proposta de suspensão condicional do processo. 6. QUESTÃO RELEVANTE NA COMPARAÇÃO COM A CONCUSSÃO: Em 2003, a pena dos crimes de corrupção passiva e ativa (artigos 317 e 333 do Código Penal, respectivamente) passou de 1 a 8 anos de reclusão, para 2 a 12 anos de reclusão, por força da alter ação implementada pela Lei 10.763/03. A nova escala penal equiparou o crime de corrupção ao crime de prevaricação, até então o mais grave dos delitos contra a administração públi- ca. A lei alteradora, que partiu do Projeto 116/2002 do Senado tramitou de forma veloz e, como não poderia deixar de ser, criou um impasse lógico no sistema dos crimes ditos funcionais. É que o crime de concussão, previsto no artigo 316 do mesmo Código permaneceu com uma pena inferior de dois a oito anos de reclusão. O impasse decorre do fato de que o crime de concussão descreve a conduta do funcionário público constranger alguém, com a fi nali- dade de obter vantagem indevida, enquanto o crime de corrupção descreve as condutas de solicitar ou receber (ou ainda aceitar promessa) de vantagem22. Na comparação entre os dois tipos, segundo a doutrina mais tradicional23, temos que o verbo constranger remete ao emprego da força física ou moral INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 32 como meio de obtenção da vantagem buscada, onde o administrado fi gurará sempre como vítima de intimidação. Estes elementos estão ausentes do crime de corrupção. Essencialmente falando, pois, o delito de concussão é muito mais grave que o de corrupção que remete, antes, a um acordo ou tentativa de acordo entre servidor e administrado. A alteração pontual do artigo 317 tornou o crime de corrupção mais grave que aquele cometido com emprego da vis, o que não se justifi ca sob nenhum aspecto. A leitura dos projetos de lei que geraram a nova norma nos autoriza dizer que o que ocorreu foi puramente descuido e falta de visão de conjunto, já que em nenhum momento houve qualquer projeto de alteração da pena da concus- são. Aqui se verifi ca o défi cit legal de racionalidade no plano jurídico-formal. O engano talvez decorra da simplifi cação com que o tema foi tratado no Congresso. Enquanto do ponto de vista jurídico-legal, o crime de corrupção passiva é exclusivamente aquele descrito no tipo do artigo 317 do Códi- go Penal (corrupção estrito senso), a linguagem leiga e popular trata todo e qualquer crime contra a administração pública genericamente de corrupção (corrupção em sentido lato). A mensagem simbólica de agravar a penalidade dos ataques à coisa pública atropelou, mais uma vez, a boa técnica, fazendo com que o legislador empre- gasse de forma leiga o termo corrupção, alterando a pena somente do tipo que assim se denomina, e deixando de fora outros tipos até mais graves. Veja- -se que também houve a quebra da racionalidade legal no plano lingüístico. No momento em que escrevemos este texto, por pressão de manifestantes que saíram às ruas em junho de 2013 reclamando, entre tantas outras coisas, o combate à corrupção, o Senado passou a discutir um novo projeto de lei tornando os crimes de corrupção passiva, concussão e peculato, crimes he- diondos. No mesmo projeto se pretende alterar a pena de concussão, para que passe a ser de 4 a 8 anos. Ainda assim, como se vê, sem nenhuma lógica em relação ao crime de corrupção passiva. 7. CASO CONCRETO PARA DEBATE: Prefeito de determinada cidade do interior foi denunciado pelo MP, pe- rante o Tribunal de Justiça do Estado, porque foi demonstrado que o alcaide recebera de presente um carro modelo Honda Civic, 0 km, presente este que fora dado por um empreiteiro que tinha diversos contratos com a Prefeitura local. A denúncia não narra nenh um ato específi co do Prefeito praticado em contrapartida pelo presente. A defesa alega que sem a demonstração do ato de ofício o crime de corrupção não se perfaz. Analise a questão à luz da juris- prudência dos tribunais superiores e da doutrina. INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FGV DIREITO RIO 33 JURISPRUDÊNCIA EMENTA 1: PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. ALÍNEAS “A” E “C”, ART. 105, CF. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. COR- RUPÇÃO ATIVA E CORRUPÇÃO PASSIVA, NAS MODALIDADES DE “DAR” E “RECEBER”. CONCURSO NECESSÁRIO. CONTINÊN- CIA. REUNIÃO DOS PROCESSOS. FORO COMPETENTE. TRIBU- NAL DE JUSTIÇA. DETERMINAÇÃO EM RAZÃO DA PRERROGA- TIVA DE FORO PELA FUNÇÃO DE UM DOS CO -RÉUS. MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. INOCORRÊNCIA. NEGATIVA DE VIGÊNCIA A LEI FEDERAL (ART. 76, III, CPP). INOCORRÊNCIA. ABSOLVI- ÇÃO DO CO-DENUNCIADO DETENTOR DA PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 81, DO CPP. PEDIDO INCIDENTAL DE DECRETAÇÃO DA EXTINÇÃO DA PU- NIBILIDADE DE UM DOS RECORRENTES.
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