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Genética e Imunologia Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Dra. Aline Dal’Olio Gomes Revisão Textual: Profa. Dra. Selma Aparecida Cesarin Introdução à Genética • A Base Molecular da Informação Genética • Propriedades do Material Genético • Estrutura do DNA • Genes e Cromossomos • Replicação Semiconservativa • Reparo do DNA e Mutação Mecanismos de Reparo do DNA • Mutação • Transcrição e Tradução · Apresentar uma visão geral das bases moleculares sobre as quais a Genética se mantém, destacando a natureza e a função do material genético e a relação genótipo-fenótipo. OBJETIVO DE APRENDIZADO Introdução à Genética Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Não se esqueça de se alimentar e se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como o seu “momento do estudo”. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo. No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. UNIDADE Introdução à Genética Contextualização Você já deve ter ouvido falar em alimentos transgênicos, terapia gênica, vacinas recombinantes, sequenciamento do genoma, clones, células-tronco e outros temas que fazem parte do nosso cotidiano. Contudo, o surgimento de tudo isso, e muitas outras coisas, só se tornou possível devido ao desenvolvimento de diversas áreas da Ciência, incluindo a Genética. A Genética é uma ciência que estuda as leis da hereditariedade, ou seja, como as informações contidas nos genes são transmitidas de pais para filhos ao longo de gerações. Contudo, mesmo a herança biológica sendo palco da curiosidade de muitas pessoas desde a pré-história, a Genética desenvolveu-se de maneira expressiva apenas no século XX, sendo, portanto uma ciência relativamente jovem. Gregor Johann Mendel (1822-1884), um monge austríaco, é considerado hoje o pai da Genética por ter sido o primeiro a descobrir as bases fundamentais da herança, mesmo antes da descoberta dos genes. Mendel relatou, em 1865, seus resultados obtidos de experimentos de cruzamentos entre ervilhas de diferentes linhagens. Sua principal teoria era de que as características, como cor e formato das ervilhas, eram resultado de pares de “elementos” hereditários, e que cada par determinava uma característica específica. Essas abordagens iniciais compõem o cerne da Genética Clássica, sendo fundamentais para a Genética Molecular. Apesar das importantes observações de Mendel, suas descobertas não foram reconhecidas por 35 anos, principalmente devido à ausência de um melhor entendimento sobre a estrutura das células e os processos de divisão celular. Contudo, em 1900, com a descoberta desses fatos, os princípios de Mendel puderam ser aplicados e o seu trabalho passou a ser reconhecido por todo o mundo científico. Assim, o ano de 1900 se tornou um marco para o começo da era moderna da Genética. A partir disso, o crescimento da Genética se deu de forma acelerada, passamos dos incompreendidos “elementos” de Mendel para a identificação de biomoléculas relacionadas aos genes e, portanto, a transmissão das características herdáveis. Em 1920, as evidências existentes levaram à conclusão de que o DNA é o material genético, a base química da herança. A partir da descoberta do DNA, a Genética clássica entrou em uma nova fase com o surgimento da Genética Molecular. Hoje, sabemos que os “elementos” de Mendel são os genes que expressam sua informação codificada no DNA das células e graças à tecnologia molecular sabemos como os genes funcionam, como são regulados e como os defeitos genéticos podem ser detectados, modificados ou corrigidos. 8 9 Para saber mais sobre a descoberta da estrutura do DNA, acesse o link a seguir e leia o texto sobre esse tema: https://goo.gl/lWOhrK Ex pl or Apesar dos conceitos básicos da herança já terem sido elucidados, a genética permanece uma Disciplina em rápida expansão, proporcionando descobertas marcantes no campo da genética médica e da agricultura, que vão desde o surgimento dos testes de paternidade, a criação de clones, a compreensão da base metabólica de centenas de distúrbios hereditários, o melhoramento genético de muitas espécies de plantas e animais de interesse comercial, até a possibilidade de identificação do genoma completo das espécies e formulação de microrganismos capazes de sintetizar substâncias de interesse humano. 9 UNIDADE Introdução à Genética A Base Molecular da Informação Genética A capacidade das células de armazenar, obter e traduzir as instruções genéticas necessárias para manter o organismo vivo é essencial para a manutenção da vida. Essa informação hereditária é transmitida de uma célula à outra durante o processo de divisão celular, e de uma geração a outra por meio das células sexuais. As informações estão estocadas em genes e são convertidas em proteínas que se expressam no fenótipo que observamos em cada indivíduo. A informação presente nos genes é copiada e transmitida de uma célula para as células-filhas milhões de vezes durante a vida de um organismo multicelular, sobrevivendo a esse processo praticamente sem alterações. Que tipo de molécula pode ser capaz de uma replicação tão precisa e quase ilimitada? Como essa imensidão de informações, necessária ao desenvolvimento e manu- tenção dos organismos, está organizada dentro de uma célula? Como a informação contida nos genes é convertida em proteínas? • Fenótipo: características observáveis de um organismo; • Genes: elementos que contêm a informação que determina as características de uma espécie como um todo, bem como as de um indivíduo. Um segmento codificante do DNA; • Genótipo: a constituição genética de um organismo; • Proteínas: macromoléculas que realizam a maioria das funções celulares. Ex pl or Propriedades do Material Genético Mesmo antes da descoberta da estrutura do DNA, já era indicado pelas pesquisas que o material genético deveria exibir três principais propriedades: 1. Se cada célula de um organismo possui a mesma constituição genética, o material genético deve apresentar características na sua estrutura que permitam uma fiel replicação em cada divisão celular; 2. Se o material genético codifica uma imensidão de proteínas expressas pelo organismo, ele deve apresentar um conteúdo informacional; 3. Se as mutações atuam como base para a seleção evolutiva, o material genético deve ser capaz de mudar. Ao mesmo tempo, essa estrutura tem de ser estável para que os organismos possam se basear na informação codificada. 10 11 Estrutura do DNA Toda a informação genética da síntese das diversas proteínas relacionadasà estrutura dos organismos e seus processos fisiológicos está contida em grandes macromoléculas chamadas ácidos nucleicos. Os ácidos nucleicos podem ser de dois tipos: ácido desoxirribonucleico (DNA) que possui esse nome por conter um açúcar desoxirribose em sua estrutura e o ácido ribonucleico (RNA) que contém o açúcar ribose. Em todos os organismos, com exceção dos vírus, o DNA é o único material genético. A molécula de DNA consiste em duas longas cadeias, as fitas de DNA, unidas entre si por pontes de hidrogênio e compostas por quatro tipos diferentes de subunidades nucleotídicas (Figura 1). Cada nucleotídeo do DNA é composto por um açúcar contendo cinco carbonos, a desoxirribose, um grupo fosfato e uma base nitrogenada, que pode ser adenina (A), timina (T), citosina (C) ou guanina (G) (Figura 1). A adenina e a guanina são chamadas de bases purinas, pois apresentam um anel duplo, enquanto a timina e a citosina são pirimidinas, pois apresentam apenas um anel em sua estrutura. As duas longas fitas de DNA se mantêm unidas em uma forma helicoidal por meio de pontes de hidrogênio entre duas bases, assim todas as bases nitrogenadas estão voltadas para o interior da dupla-hélice e o açúcar e fosfato se encontram na porção externa da molécula, formando o esqueleto da estrutura (Figura 1). A ligação entre as bases, ou seja, o pareamento é específico: adenina se pareia sempre com a timina, enquanto a citosina sempre se pareia com a guanina (Figura 1). Assim, quando se conhece a sequência de nucleotídeos de uma fita de DNA, a sequência da outra fita também é conhecida devido ao pareamento específico das bases. Essa característica de complementariedade entre as fitas da dupla-hélice permite que o DNA seja a única molécula capaz de armazenar e transmitir a informação genética ao longo das gerações. A forma como os nucleotídeos estão ligados nas duas fitas complementares confere uma polaridade química inversa à molécula. Como o bom exemplo citado por Alberts et al. (2010), se imaginarmos cada açúcar como um bloco com uma protuberância em um lado (o fosfato ligado no carbono 5) e uma cavidade do outro lado (uma hidroxila ligada ao carbono 3), cada cadeia completa, formada por protuberâncias e cavidades entrelaçadas, terá todas as suas subunidades alinhadas na mesma orientação (Figura 4). Além disso, as duas extremidades da cadeia serão facilmente distinguíveis por apresentarem uma delas, uma cavidade (hidroxila 3’), e a outra, uma protuberância (o fosfato 5’). Essa polaridade oposta é comumente chamada de extremidade 3’ e 5’ e os componentes de cada par de bases só se encaixam na fita dupla-hélice se as duas fitas estiverem na posição antiparalela (5’-3’ e 3’-5’) (Figura 1). 11 UNIDADE Introdução à Genética Essa característica tem uma importante função nos processos de replicação, transcrição e recombinação do DNA. Figura 1 – Arranjo estrutural da dupla-hélice de DNA, destacando a composição dos nucleotídeos, o pareamento específico entre as bases nitrogenadas, a ligação das duas cadeias de DNA por pontes de hidrogênio e a polaridade química inversa das duas fitas de DNA (5’-3’, 3’-5’). Note que o fosfato está ligado no carbono 5 da desoxirribose e o fosfato do nucleotídeo seguinte se liga no carbono 3 do nucleotídeo que o antecede (ver quadrado em destaque) Fonte: aspiregenetics.org Figura 2 – Compactação da molécula de DNA em dupla hélice (topo da figura) até cromossomo Fonte: yourgenotype.com.br 12 13 Genes e Cromossomos O conjunto completo de toda a informação genética (DNA) é chamado de genoma. A maior parte do DNA de um genoma está armazenada no núcleo de cada célula e uma pequena porção na mitocôndria. Toda a molécula de DNA presente no núcleo está acondicionada em forma de vários cromossomos. A molécula de DNA é muito maior do que o cromossomo; desse modo, percebe-se claramente que o DNA é altamente compactado em um cromossomo. Para que isso aconteça, a enorme molécula linear de DNA é enrolada em proteínas associadas (histonas) que dobram e empacotam a fita de DNA em uma estrutura chamada nucleossomo. O nucleossomo dobra-se outras vezes até formar uma estrutura super-heleicoidizada, o cromossomo eucariótico (Figura 2). O DNA e as proteínas associadas formam a cromatina, o arcabouço dos cromossomos. O número de cromossomos no conjunto genômico básico é chamado de número haploide (n) e, normalmente dentro do núcleo de uma célula somática, cada cromossomo possui duas (organismos diploides – 2n) ou mais (poliploides) cópias. Por exemplo, o genoma humano, em seu conjunto básico, está contido em 23 cromossomos de tamanho e formas diferentes (n=23 e 2n=46). A maioria dos animais e plantas é diploide, ou seja, possui dois conjuntos completos de DNA, enquanto os fungos são haploides e procariontes são monoploides, ou seja, possuem uma única molécula de DNA, normalmente circular, acondicionada em um único cromossomo. O conjunto de cromossomos presentes no organismo da mesma espécie possui um número específico de cromossomos (Tabela 1). Tabela 1 – Número de pares de cromossomos (n) em diferentes espécies de plantas e animais Nome comum Espécie Número de pares de cromossomos (n) Mosquito Culex pipiens 3 Mosca doméstica Musca domestica 6 Cebola Allium cepa 8 Sapo Bufo americanos 11 Arroz Oryza sativa 12 Rã Rana pipiens 13 Crocodilo Alligator mississipiensis 16 Gato Felis domesticus 19 Rato Mus musculus 20 Macaco Macaca mulata 21 Trigo Triticum aestivum 21 Homem Homo sapiens 23 Batata Solanum tuberosum 24 Cavalo Equus caballus 32 Cachorro Canis familiaris 39 Galinha Gallus domesticus 39 Carpa Cyprinus carpio 52 13 UNIDADE Introdução à Genética Cada célula de um organismo diploide, com exceção das células sexuais e das hemácias que não possuem DNA, possui 2 cópias de cada cromossomo, uma herdada da mãe e outra do pai. Os membros de um par de cromossomos são chamados de cromossomos homólogos, porque são idênticos. No homem, o único par de cromossomos não homólogos é o cromossomo sexual do macho, no qual o cromossomo Y é herdado do pai e o cromossomo X é herdado da mãe. Assim, cada célula humana contém 22 pares de cromossomos comuns a ambos os sexos (são os cromossomos autossomos) e 1 par de cromosso- mos sexuais (XY no sexo masculino e XX no feminino). As sequências de DNA de um par de homólogos geralmente são iguais, assim elas possuem os mesmos genes (sequências específicas de DNA) nas mesmas posições relativas. A representação do conjunto completo de cromossomos é chamada de cariótipo (Figura 3). Anormalidades cromossômicas (perda ou alteração) podem ser detectadas no cariótipo por diferenças no padrão das bandas ou no padrão coloração dos cromossomos. Figura 3 – Cariótipo humano – cromossomos ordenados artificialmente de acordo com a sua numeração. Os cromossomos de um indivíduo do sexo masculino foram isolados de uma célula em divisão mitótica e por isso, estão altamente compactados. A coloração permite uma identificação precisa ao microscópio óptico Fonte: Carr, 2008 Em todos os organismos, os cromossomos carregam os genes, segmentos do DNA, que contém as instruções para produzir uma determinada proteína ou até mesmo moléculas de RNA. Entretanto, além dos genes, os cromossomos de eucariotos possuem um excesso enorme de DNA intercalante que parece não conter informação relevante. A quantidade de DNA intercalante entre os genes resulta nos variados tamanhos de genoma entre as diferentes espécies (o genoma humano é 200 vezes maior do que o da levedura Saccharomyces cerevisiae, mas é 30 vezes menor do que de algumas plantas e dos anfíbios), mesmo entre organismos similares que apresentam praticamente o mesmo número de genes, entre os peixes ósseos, por exemplo, o genoma pode variar centenas de vezes. Essa porção intercalante do DNA ainda não teve sua utilidade comprovada. 14 15 Outra fonte de variação do genoma entre as espécies é a presença de íntrons, regiõesnão codificantes do gene. O tamanho da região codificante (éxons) de um gene é geralmente constante entre as espécies, ao passo que o tamanho e a frequência dos íntrons é variável. Replicação Semiconservativa Antes de cada processo de divisão celular (apresentado no volume II), as células devem duplicar seu DNA com extrema precisão. A característica de complemen- tariedade das fitas de DNA, discutida anteriormente, é a base para o processo de replicação. Se as duas fitas de DNA forem separadas, rompendo as pontes de hidro- gênio entre os pares de base nitrogenadas, cada fita parental isolada servirá como molde para a síntese de uma nova fita filha de DNA complementar (Figura 4). Como cada uma das fitas complementares da dupla-hélice é conservada, esse mecanismo é chamado de replicação semiconservativa. Mas como isso ocorre (Figura 5)? Durante o processo de replicação, a molécula de DNA possui uma região no qual a dupla-hélice é desenrolada para produzir as duas fitas únicas que servirão como moldes para a cópia de DNA. Essa região recebeu o nome de forquilha de replicação devido à sua estrutura em forma de Y. Na forquilha de replicação, há a presença de enzimas, como helicase, topoisomerase e a DNA-polimerase III. A helicase é responsável por romper as pontes de hidrogênio abrindo a dupla-hélice, a topoisomerase impede a maior helicoidização da molécula de DNA, enquanto a DNA-polimerase III sintetiza o DNA das duas fitas novas. À medida que a DNA-polimerase avança, a dupla-hélice é continuamente desenrolada na frente da enzima para expor mais as fitas de DNA que atuarão como moldes. No entanto, é importante lembrar que as fitas de DNA estão orientadas em sentido antiparalelo, sendo assim, uma fita deve ser polimerizada na direção 5’-3’ e outra na direção 3’-5’. Para isso seria necessária a atuação de duas polimerases diferentes, mas todas as enzimas polimerases descobertas polimerizam a molécula de DNA apenas na direção 5’-3’. Desse modo, ambas as fitas são construídas no mesmo sentido. A síntese da fita que está sendo copiada no sentido 5’-3’ ocorre continuamente, sendo esta chamada de fita contínua. A fita que está sendo copiada no sentido 3’-5’, fita descontínua, aumenta pela síntese de pequenos fragmentos (sintetizados no sentido 5’-3’). Esses trechos curtos de DNA recém-sintetizados são chamados de fragmentos de Okazaki. Por fim, esses fragmentos são unidos pela enzima DNA-ligase produzindo uma nova fita completa de DNA. Outro importante ponto no processo de replicação é que a DNA-polimerase III apenas amplia uma cadeia, mas não começa o processo. 15 UNIDADE Introdução à Genética Figura 4 – A dupla-hélice de DNA atua como molde para a síntese de uma nova fita filha de DNA Fonte: Aberts et al. (2010) Desse modo, para que a polimerase atue é necessário um iniciador (primer), uma cadeia curta de nucleotídeos que se liga à fita molde. Na fita contínua, apenas um iniciador é necessário, já na fita descontínua, cada fragmento de Okazaki possui seu próprio iniciador. Os primers são produzidos pela enzima primase, um tipo de RNA polimerase, que sintetiza um pequeno trecho (8 a 12 nucleotídeos) de RNA complementar a uma região iniciadora. Essa cadeia de RNA é então ampliada pela DNA-polimerase III. Após a replicação, a DNA-polimerase retira os primers e preenche os espaços com DNA. O processo de replicação do DNA é bem mais conhecido em organismos procariontes do que em eucariontes; contudo, existem grandes indícios que permitem concluir que esse processo é basicamente o mesmo em ambos, com apenas alguns aspectos únicos em organismos eucariontes. Por exemplo, a síntese de DNA ocorre em um trecho pequeno e específico do ciclo celular, diferente dos procariontes, em que o processo ocorre continuamente. Além disso, os cromossomos eucarióticos possuem múltiplas origens de replicação e utilizam duas diferentes polimerases para síntese de cada uma das fitas de DNA, ao invés de usar dois complexos catalíticos de uma DNA polimerase como em procariontes. Ex pl or Figura 5 – Processo de replicação semiconservativa do DNA, ilustrando as proteínas que atuam na forquilha de replicação e a diferença do processo de síntese entre as fitas contínua (líder) e descontínua com os fragmentos de Okazaki Fonte: djalmasantos.wordpress.com 16 17 Reparo do DNA e Mutação Mecanismos de Reparo do DNA A replicação do DNA é altamente precisa e fiel, ocorrendo poucos erros ao longo de todo o processo; cerca de um erro a cada bilhão de pares de bases. Essa alta precisão é necessária para manter a carga de mutação em um nível tolerável, principalmente em genomas grandes como os de mamíferos e isso só é possível devido a uma variedade de mecanismos de reparo. O mecanismo de revisão e reparo mais importante é feito pela atividade de exonuclease da própria DNA polimerase, que examina as fitas crescentes de DNA durante a sua síntese, eliminando qualquer base mal pareada e corrigindo-a. Adicionalmente, existem duas outras vias comuns de reparo que reconhecem bases danificadas, como bases desaminadas, oxidadas etc. A primeira é chamada de reparo por excisão de base e envolve uma série de enzimas que são capazes de reconhecer um tipo específico de base anormal na molécula de DNA e retirá-la para que em seguida uma DNA polimerase preencha. A segunda via, a de reparo por excisão de nucleotídeo, remove lesões maiores. Nesse caso, um complexo multienzimático verifica o DNA à procura de distorções na dupla-hélice ao invés de uma alteração específica de base. Quando uma lesão volumosa é encontrada, uma enzima nuclease de excisão cliva os dois lados da distorção e retira os nucleotídeos contendo as bases danificadas. O espaço resultante na fita recém-sintetizada é, então, corrigido pela DNA-polimerase. Mutação Nem sempre o processo de revisão e reparo é eficiente, de modo que em uma baixa frequência, 1) alguns nucleotídeos podem ser incorporados e mantidos erroneamente nas cadeias crescentes de DNA e 2) trechos de nucleotídeos podem ser deletados, duplicados ou rearranjados na estrutura geral da molécula. Essas alterações tem potencial para interferir e modificar a informação codificada pelos genes e são chamadas de mutações. Assim, a mutação refere-se a qualquer mudança herdável no genótipo de um organismo e, portanto em seu fenótipo. A mutação é a principal responsável pela variação genética entre os organismos, atuando como a base para a evolução. Se não houvesse a mutação, todos os genes seriam de uma única forma, o que impossibilitaria a evolução dos organismos e sua adaptação às mudanças ambientais. Ao mesmo tempo, se as mutações ocorressem com frequência elas interfeririam na precisão da transferência da informação genética ao longo das gerações. 17 UNIDADE Introdução à Genética Além disso, a maioria das mutações com efeitos fenotípicos é deletéria aos orga- nismos, por isso a taxa de mutação está também sob controle genético e existem mecanismos que regulam o nível de mutações que ocorrem nas várias condições. As mutações podem ocorrer em todas as células e em todos os genes dos organismos durante qualquer estágio da vida. A capacidade de essa mutação resultar em efeitos imediatos e produzir uma alteração fenotípica depende da sua dominância, do tipo de célula em que ocorre e do estágio de vida do organismo. Se uma mutação ocorre em uma célula somática (qualquer célula responsável pela formação de tecidos e órgãos), a característica mutante resultante só ocorrerá nos descendentes dessa célula. Se uma mutação dominante ocorre em uma célula germinativa (célula sexual), seus efeitos serão expressos na prole. As mutações gênicas podem também surgir espontaneamente, quando ocorrem naturalmente sem causa conhecida, ou induzidas após a exposição a agentes físicos e químicos que causam alterações no DNA, como luz ultravioleta, radiação ionizante, agentes químicos tóxicos etc. As mutações espontâneas podem serreflexo do processo de replicação do DNA ou de lesões espontâneas e de ocorrência natural no DNA. Toda a informação genética codificada na molécula de DNA é traduzida em uma gama de proteínas com ação catalítica, estrutural ou reguladora que participam de vários processos metabólicos no organismo. Em uma célula eucariótica, o DNA está localizado no núcleo e as proteínas no citoplasma, de modo que a informação genética não é transferida diretamente do DNA para a proteína. Portanto, há a necessidade de uma molécula intermediária nesse processo. Quando a célula precisa de uma determinada proteína, uma sequência específica de nucleotídeos do DNA é copiada sob a forma de RNA, sendo esta a molécula responsável por direcionar a síntese proteica. Assim como o DNA, o RNA é um ácido nucleico, mas há algumas diferenças entre eles (Figura 6): 1. O RNA é uma cadeia unifilamentar de nucleotídeos e não uma dupla-hélice como o DNA; 2. O RNA possui o açúcar ribose na composição de seus nucleotídeos e não desoxirribose como no DNA; 3. O nucleotídeos do RNA podem ser compostos por 4 bases nitrogenadas diferentes, a adenina, citosina, guanina e a uracila (U) que está no lugar da timina presente na molécula de DNA. A uracila se pareia com a adenina do mesmo modo que a timina; 4. O RNA, diferentemente do DNA, pode atuar como enzima catalisando reações biológicas. 18 19 Figura 6 – Diferenças na estrutura do DNA e RNA Fonte: bio.miami.edu Existem três principais tipos de moléculas de RNA com importante papel na expres- são gênica: RNA mensageiro (RNAm), transportador (RNAt) e ribossômico (RNAr). Veremos a importância de cada um deles nos próximos tópicos. Transcrição e Tradução Duas etapas estão envolvidas com a expressão da informação genética (do DNA à proteína: 1) transcrição, transferência da informação genética do DNA ao RNA e 2) tradução, transferência da informação do RNA à proteína. O processo de transferência da informação genética: DNA RNA Proteína é conhecido como o Dogma Central da Genética Molecular. Transcrição Como vimos, o primeiro passo para a transferência da informação genética é sintetizar uma molécula de RNA que seja complementar à sequência de bases da molécula de DNA. Esse RNA é chamado de RNA mensageiro (RNAm). Consideremos a transcrição de um segmento cromossômico específico que constitui um gene. Inicialmente, as duas fitas de DNA são separadas e uma delas atua como molde para a síntese de RNAm. A sequência de nucleotídeos do RNAm é determinada pela complementariedade do pareamento de bases com a molécula de DNA, portanto, A pareia com T no DNA, C pareia com G, G pareia com C e U do RNAm pareia com A do DNA (Figura 7). Os nucleotídeos da cadeia de RNAm são unidos por ligação fosfodiéster pela enzima RNA-polimerase, que atua de modo semelhante a DNA-polimerase. 19 UNIDADE Introdução à Genética Em procariotos, uma única RNA-polimerase catalisa a transcrição, enquanto eucariotos possuem três: RNA-polimerase I, II e III. A fita de RNAm não permanece ligada por pontes de hidrogênio à fita molde de DNA assim, a sua liberação sob a forma de fita simples é quase imediata. Além disso, como esses RNAm são provenientes de uma região específica do DNA, sua cadeia é bem menor que a de uma molécula de DNA. Desse modo, muitas cópias de RNAm podem ser sintetizadas a partir do mesmo gene em um espaço curto de tempo. Figura 7 – Esquema geral da transcrição Fonte: knowgenetics.org De acordo com o que já foi mencionado, um gene é uma região específica da molécula de DNA que codifica a informação de uma determinada proteína. Portanto, para que a RNA-polimerase possa transcrever um gene é necessário que ela reconheça o seu início e término no genoma. Para isso, existe uma sequência específica no DNA, chamada de promotor, situada próxima ao início da região de transcrição, que é reconhecida pela RNA-polimerase. Essa sequência é sempre conservada. Em eucariontes, fatores de transcrição reconhecem e se ligam à região promotora no DNA, formando um complexo de iniciação que é então reconhecido pela RNA-polimerase (Figura 8). Os fatores de transcrição devem interagir com os promotores na sequência correta para iniciar efetivamente a transcrição. Do mesmo modo que há uma sequência específica sinalizando o início da transcrição, há também um sinal de término. Em geral, após a transcrição em procariontes ocorre a síntese de uma sequência auto complementar no RNAm; assim, a fita de RNAm se dobra sobre ela mesma nessa região, interrompendo a ação da RNA-polimerase e reestabelecendo a dupla fita de DNA. Em eucariotos, ocorre uma clivagem do transcrito primário (RNAm), proveniente da ação da RNA- polimerase II, em uma região 11 a 30 nucleotídeos à frente de uma sequência conservada de término. Em seguida, são adicionadas caudas poli (A) (cerca de 200 A) que aumentam a estabilidade da molécula de RNAm, além de auxiliarem no seu transporte do núcleo para o citoplasma. Por fim, as sequências não codificantes de proteína presentes nos genes, os íntrons, são removidos do transcrito e as 20 21 sequências codificantes, os éxons, são unidas. Desse modo, a molécula de RNAm madura se torna pronta para sair do núcleo por meio do poro nuclear, sendo direcionada ao citoplasma, no qual o processo de tradução ocorre. Figura 8 – Início do processo de transcrição em eucariotos Fonte: studyblue.com Traduç ão e o Código Genético O processo de tradução envolve a transferência da informação genética de RNA à proteína. Sendo o RNA constituído por uma combinação de 4 bases nitrogenadas e as proteínas por 20 aminoácidos, não é plausível que a tradução seja uma relação direta entre nucleotídeos e aminoácidos. Desse modo, um aminoácido é determinado por um ou mais códons e cada códon possui 3 nucleotídeos (trinca de bases) (Tabela 2). O conjunto desses códons é chamado de código genético e é utilizado universalmente para todos os organismos. O processo de tradução ocorre no citoplasma, mais especificamente nos ribossomos. Os ribossomos são organelas formadas pela associação de RNAs ribossomais (RNAr) que e se encontram divididos em uma subunidade grande e outra pequena. Durante a tradução, as duas subunidades se unem sobre uma molécula de RNAm. A subunidade menor do RNAr possui uma região com a qual o RNA transportador (RNAt) pode se parear ao RNAm, enquanto a subunidade maior catalisa as ligações peptídicas que irão unir os aminoácidos. O RNAt possui uma trinca de nucleotídeos, o anticódon, que é complementar e faz pares de base com a sequência códon do RNAm. Existem de 1 a 4 RNAt para cada um dos 20 aminoácidos. O RNAm é então conduzido através do ribossomo e assim que seus códons encontram os sítios ativos dos ribossomos, a sequência de nucleotídeos do RNAm é traduzida em aminoácidos com a utilização dos RNAt que atuam como adaptadores 21 UNIDADE Introdução à Genética nesse processo, adicionando cada aminoácido na sequência correta à extremidade da cadeia polipeptídica em construção. Assim que o ribossomo encontra um códon de término a proteína é liberada (Figura 9). Tabela 2 – O código genético 2a Base U C A G 1a B as e U UUU Fenilalanina (Fen)UUC UUA Leucina (Leu)UUG UCU Serina (Ser) UCC UCA UCG UAU Tirosina (Tir)UAC UAA Codão de finalização UAG Codão de finalização UGU Cisteína (Cis)UGC UGA Codão de finalização UGG Triptofano (Trp) U C A G 3 a Base C CUU Leucina (Leu) CUC CUA CUG CCU Prolina (Pro) CCC CCA CCG CAU Histidina (His)CAC CAA Glutamina (Glu)CAG CGU Arginina (Arg) CGC CGA CGG U C A G A AUU Isoleucina (Ile)AUC AUA AUG Metionina (Met)Codão de iniciação ACU Treonina (Tre) ACC ACA ACG AAU Asparagina (Asn)AAC AAA Lisina (Lis)AAG AGU Serina (Ser)AGC AGA Arginina (Arg)AGG U C A G G GUU Valina (Val) GUC GUA GUG GCU Alanina (Ala) GCC GCA GCG GAU Ácido aspártico (Asp)GAC GAA Ácido glutâmico (Glu)GAG GGU Glicina (Gli) GGC GGA GGG U C A G Fonte:Adaptado de brainly.com.br Figura 9 – Visão geral do processo de transcrição e tradução. Note que a sequência de RNAm atua tanto para a síntese de proteínas quanto de outras moléculas de RNA, como RNAr e RNAt Fonte: efp-ava.cursos.educacao.sp.gov.br 22 23 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Cromossomo X https://goo.gl/FTgMr7 Livros Ciência do DNA MICLOS, D. A.; FREYER, G. A.; CROTTY, D. A. A. Ciência do DNA. 2.ed. Porto Alegre: ArtMed, 2005. Vídeos A Descoberta do DNA https://youtu.be/zaSzjTkaM18 Estrutura do DNA e Replicação https://youtu.be/8kK2zwjRV0M Transcrição e Tradução https://youtu.be/oxBPO_xTFD4 Leitura O Código Genético Expandido https://goo.gl/Eb0zoQ Saiba mais sobre o DNA https://goo.gl/jZ94vJ 23 UNIDADE Introdução à Genética Referências ALBERTS, B., Johson, A., Lewis, J., Raff, M., Roberts, K., Walter, P. Biologia molecular da célula. 5ª edição. Porto Alegre: Artmed. GRIFFITHS, A. J. F. et al. Introdução à genética. 9.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009. SNUSTAD, D. P.; MICHAEL, J.; SIMMONS, M. J. Fundamentos de genética. 6.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013. WATSON, J. D.; BAKER, T. A.; BELL, S. P., GANN, A.; LEVINE, M., LOSICK, R. Molecular biology of the gene. 7.ed. Porto Alegre: ArtMed, 2015. 24
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