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1 Jéssica N. Monte – Turma 106 Endocrinologia INSUFICIÊNCIA ADRENAL A glândula adrenal é um órgão endócrino dividido histologicamente em córtex e medula. A medula adrenal é responsável pela produção de catecolaminas, que é regulada pelo sistema nervoso autônomo. Já o córtex adrenal divide-se em zona glomerulosa, zona fasciculada e zona reticulada. A zona glomerulosa é responsável pela produção de hormônios mineralocorticoides, como a aldosterona, que é regulada pelo eixo renina-angiotensina-aldosterona. A zona fasciculada atua na pro- dução de glicocorticoides, como o cortisol. Já a zona reticulada age na produção de hormônios androgênios. Ambas as zonas fasciculada e re- ticulada são reguladas pelo ACTH, produzido pela hipófise. A insuficiência adrenal consiste no déficit da produção de cortisol e pode ser classificada como primária, secundária ou terciária. Na insuficiência adrenal primária, ocorre destruição ou disfunção do córtex da adrenal. Na secundária, a origem da disfunção está na hipó- fise, e na terciária, no hipotálamo. A insuficiência adrenal está associada a uma elevada incidência de ou- tros distúrbios endócrinos imunológicos e autoimunes. INSUFICIÊNCIA ADRENAL PRIMÁRIA FISIOPATOLOGIA A perda de mais de 90% do córtex de ambas as suprarrenais resulta nas manifestações clínicas da insuficiência adrenocortical. A fase inicial consiste em diminuição da reserva adrenal: a secreção basal de corticoides se encontra normal, porém não aumenta em res- posta ao estresse. Com a perda adicional do tecido cortical, até mesmo a secreção basal de mineralocorticoides e de glicocorticoides se torna deficiente, resul- tando nas manifestações da insuficiência adrenal crônica. Com a diminuição da secreção de cortisol, os níveis plasmáticos de ACTH estão elevados, devido à diminuição da inibição de sua secreção por retroalimentação negativa. A elevação do nível plasmático de ACTH é o indicador mais precoce e mais sensível de insuficiência adrenal primária. 2 Jéssica N. Monte – Turma 106 Endocrinologia ETIOLOGIAS A principal etiologia é a doença de Addison ou adrenalite autoimune. Outras etiologias incluem infecções (fúngicas, tuberculose, HIV e cito- megalovírus), hemorragia adrenal, adrenoleucodistrofia, hiperplasia adrenal congênita, metástases suprarrenais e o uso de medicamentos. DOENÇA DE ADDISON O pico de incidência da doença ocorre durante a quarta década de vida e é mais comum em mulheres. Ocorre a atrofia de ambas as adrenais. No entanto, a camada medular permanece preservada. Com frequência, a doença de Addison é acompanhada por outros dis- túrbios autoimunes. Nesses casos, incluem-se as síndromes poliglandu- lares autoimunes do tipo 1 e 2. SÍNDROME POLIGLANDULAR AUTOIMUNE TIPO 1 A síndrome poliglandular autoimune do tipo 1 é rara e mais comum na infância. Resulta de uma mutação do gene regulador AIRE, com padrão de herança recessivo. Os pacientes apresentam imunodeficiência, com asplenia e suscetibili- dade à candidíase. O fenótipo comum dessa síndrome inclui a doença de Addison, o hipo- paratireoidismo e a candidíase mucocutânea, além da associação ao di- abetes. SÍNDROME POLIGLANDULAR AUTOIMUNE TIPO 2 A síndrome poliglandular autoimune do tipo 2 ou síndrome de Schmidt é a apresentação mais comum da doença de Addison. Seu início pode ocorrer tanto na infância quanto na fase adulta e apresenta susceti- bilidade poligênica relacionada ao HLA. Não está associada à imunodeficiência, mas também tem associação ao diabetes. O fenótipo comum inclui a doença de Addison (obrigatoriamente), o dia- betes melito tipo 1 e a tireoidite (doença autoimune da tireoide). HEMORRAGIA ADRENAL A hemorragia é uma causa rara de insuficiência adrenal. A destruição das suprarrenais por hemorragia resulta em perda súbita da secreção de glicocorticoides e mineralocorticoides, acompanhada de crise adrenal aguda. Seu diagnóstico costuma ocorrer em pacientes críticos, por meio de TC de abdome. A maioria dos pacientes com hemorragia suprarrenal está sendo sub- metida à terapia anticoagulante em virtude de coagulopatia subjacente, ou tem predisposição à trombose. A síndrome do anticorpo fosfolipídio é uma das causas mais comuns de hemorragia adrenal. As manifestações habituais da hemorragia adrenal incluem dor abdo- minal, no flanco ou na lombar, e hipersensibilidade do abdome à palpação. É comum a presença de hipotensão, choque, febre, náuseas, vômitos, confusão e desorientação. 3 Jéssica N. Monte – Turma 106 Endocrinologia INFECÇÕES A principal causa de insuficiência adrenal primária por infecção é a tuberculose, ocorrendo em cerca de 5% dos pacientes com tubercu- lose disseminada. O uso da quimioterapia antituberculose pode reverter a insuficiência adrenal, se detectada nos estágios iniciais. As infecções fúngicas sistêmicas podem, em sua maioria, afetar e destruir o córtex adrenal. Entre elas, citam-se a histoplasmose a coc- cidioidomicose. O uso do antifúngico Cetoconazol inibe enzimas esteroidogênicas que são essenciais na biossíntese do cortisol. Assim, o tratamento com o Cetoconazol em pacientes com baixa reserva adrenocortical devido à doença fúngica pode precipitar uma crise adrenal. Nas infecções fúngicas ou por tuberculose, observam-se adrenais au- mentadas, com ou sem áreas de calcificação. A insuficiência adrenal primária parece complicar em cerca de 5% dos pacientes com HIV. Em geral, é causada por infecções oportunistas, como o citomegalovírus. Nesses casos, visualizam-se adrenais atrofia- das e necrosadas. ADRENOLEUCODISTROFIA A adrenoleucodistrofia é uma doença rara ligada ao X que constitui uma importante causa de insuficiência adrenal em homens. Existe associação entre a disfunção do córtex adrenal e a desmielini- zação do sistema nervoso central. Esse distúrbio se caracteriza por níveis anormalmente elevados de áci- dos graxos de cadeia muito longa, em virtude da beta-oxidação defei- tuosa no interior dos peroxissomos. Como cerca de 30% dos pacientes desenvolvem insuficiência adrenal antes do início dos sintomas neurológicos, deve-se proceder com tria- gem para adrenoleucodistrofia em todo homem jovem com insuficiência adrenal primária. NEOPLASIA METASTÁTICA As glândulas adrenais são sítios comuns de metástase de neoplasias pulmonares, renais, do trato gastrintestinal e da mama. Cerca de 20% dos pacientes com metástases adrenais apresentam uma resposta subnormal do cortisol ao ACTH (insuficiência). O envolvimento metastático é bilateral em 50% dos pacientes. Não ocorre insuficiência adrenal quando a metástase é unilateral. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A deficiência de cortisol provoca fraqueza, fadiga, anorexia, náuseas, vômitos, hipotensão, hiponatremia e hipoglicemia. A deficiência de mineralocorticoides pode resultar em desidratação grave, hipotensão, hiponatremia, hiperpotassemia e acidose metabólica. 4 Jéssica N. Monte – Turma 106 Endocrinologia Os principais sintomas da insuficiência adrenal primária consistem em cansaço, fadiga, anorexia, redução de peso, distúrbios gastrintestinais (principalmente náuseas e vômitos) e hiperpigmentação. A hipotensão ocorre em cerca de 90% dos pacientes e é acompa- nhada de sintomas ortostáticos (hipotensão postural) e até mesmo li- potimia ou síncope. Cerca de 30% dos pacientes apresentam desejo de ingestão de sal. A hiperpigmentação ocorre so- mente na insuficiência adrenal primária, devido ao seu eixo de estimulação. Devido à falta de cortisol e ao aumento do ACTH, ocorre maior produção de seus precursores, o CRH e a pró-opiomelanocortina (POMC). A POMC não estimula somente a produção de ACTH, mas também a produção de MSH (hormônio estimulador de melanócitos), levando à hiperpigmenta- ção do paciente com insuficiência adrenal primária. A hiperpigmentação generalizada da pele e das mucosas é o achado físico clássico, sendo maior nas áreas expostas ao sol e é acentuada nas áreasde pressão. A hiperpigmentação da mucosa oral e gengival é precedida pela hiper- pigmentação generalizada da pele. Deve-se suspeitar de insuficiência adrenal diante de aumento da pigmentação das pre- gas palmares, leitos ungueais, mamilos, aréolas e mucosa perivaginal e perianal. As cicatrizes recentes também se tornam hiperpigmentadas. Pacientes mulheres com doença de Addison comumente apresentam amenorreia, diminuição da libido e perda de pelos axilares e púbicos, em consequência da secreção diminuída de androgênios. Podem ocorrer sintomas psiquiátricos, como síndrome cerebral orgâ- nica, depressão, alteração da memória e psicose. EXAMES COMPLEMENTARES Hiponatremia e hipercalemia constituem manifestações clássicas. As manifestações hematológicas consistem em anemia normocítica normocrômica, neutropenia, eosinofilia e linfocitose relativa. As radiografias de abdome revelam calcificação em metade dos paci- entes com doença de Addison tuberculosa. O aumento bilateral das glândulas adrenais, associado à insuficiência, pode ser observado na tuberculose, em infecções fúngicas e na infec- ção pelo citomegalovírus. INSUFICIÊNCIA ADRENAL SECUNDÁRIA 5 Jéssica N. Monte – Turma 106 Endocrinologia FISIOPATOLOGIA A insuficiência adrenal secundária ocorre devido à disfunção na produ- ção de ACTH hipofisário. A redução do ACTH leva à redução na produção do cortisol e de andro- gênios. No entanto, não ocorre alteração na produção de aldosterona, uma vez que esta é controlada pela renina. Nos estágios iniciais, os níveis de ACTH e de cortisol podem ser normais, mas ocorre comprometimento da reserva de ACTH, de modo que as respostas do ACTH e do cortisol ao estresse são reduzidas. Com a perda adicional da secreção basal de ACTH e atrofia das zonas fasciculada e reticulada do córtex, há um comprometimento de todo o eixo hipófise-adrenal. Ocorre não só uma redução da responsividade do ACTH ao estresse, mas também uma diminuição da responsividade adrenal à estimulação aguda com ACTH exógeno. ETIOLOGIAS A principal causa de insuficiência adrenal secundária é a interrupção abrupta de terapia com glicocorticoides exógenos sistêmicos de uso crônico. Outras causas incluem pan-hipopituitarismo, apoplexia hipofisária, sín- drome de Sheehan e doenças granulomatosas. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Como a secreção de aldosterona pela zona glomerulosa costuma ser preservada, não ocorrem manifestações da deficiência de mineralo- corticoides – não há distúrbios hidroeletrolíticos nem hipotensão impor- tantes. As manifestações proeminentes consistem em fraqueza, letargia, fa- tigabilidade fácil, anorexia, náuseas, vômitos, artralgias e mialgias. Como há deficiência de ACTH, não se observa hiperpigmentação cutâ- nea. Pode ocorrer hiponatremia, mas que não é acompanhada pelo hiperca- lemia. A hipoglicemia é mais comumente encontrada na insuficiência adrenal secundária do que na primária. DIAGNÓSTICO O diagnóstico se dá por meio da dosagem de cortisol basal as 8 horas da manhã (devido ao ciclo circadiano do cortisol). Níveis inferiores a 3 confirmam o diagnóstico, enquanto níveis superi- ores a 19 o descartam. Resultados intermediários, entre 3 e 19, levam à necessidade do teste de estimulação rápida com dose baixa de ACTH. Nesse teste, níveis de ACTH superiores a 20 descartam a doença, enquanto níveis inferiores a confirmam. Esse teste não permite dife- renciar as causas primárias e secundárias. Para isso, deve-se dosar o ACTH plasmático: níveis elevados indicam insuficiência adrenal primária, que deve ser seguida por TC de abdome; já níveis normais ou reduzidos indicam insuficiência adrenal secundária, que deve ser seguida por RNM de hipófise. 6 Jéssica N. Monte – Turma 106 Endocrinologia TRATAMENTO O tratamento da insuficiência adrenal é feito por meio da reposição de glicocorticoide. Essa reposição pode ser feita por meio da Hidrocorti- sona ou da associação entre Prednisona e Fludrocortisona. A dose de reposição deve ser mantida na menor quantidade necessária para proporcionar ao paciente uma sensação de bem estar. O aparecimento de sinais cushingoides indica tratamento excessivo. A hiperpigmentação invariavelmente diminui, mas pode não desapare- cer por completo. CRISE ADRENAL AGUDA Representa um estado de insuficiência aguda que ocorre em pacientes com doença de Addison expostos ao estresse de infecção, trauma- tismo, cirurgia ou desidratação. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Com frequência, ocorre hipotensão e choque hipovolêmico. Pode ocorrer dor abdominal, imitando uma urgência de abdome agudo. É comum a presença de desidratação, náuseas e vômitos, apatia e alteração da consciência. Outros achados que sugerem o diagnóstico são hiponatremia, hiperca- lemia, linfocitose, eosinofilia e hipoglicemia. TRATAMENTO O tratamento da crise adrenal deve ser baseado na regra dos 5Ss: Support (suporte); Saline (solução salina): correção da depleção de volume e da hipotensão. Sugar (glicose): correção da hipoglicemia. Steroides (esteroides): a administração parental de Hidrocortisona é a preparação de glicocorticoide mais comumente utilizada. Search (pesquisa): deve-se procurar encontrar e tratar as causas da descompensação da doença. PREVENÇÃO O paciente deve ser informado sobre a necessidade de tratamento permanente e a necessidade de aumento da dosagem do medicamento diante de situações de estresse, como infeções, traumas, cirurgias ou desidratação. O paciente deve utilizar permanentemente um cartão ou pulseira de identificação, para que, em caso de acidente ou colapso, os médicos que o atenderem terem conhecimento da necessidade de infusão de Hidrocortisona 100mg IV para a reanimação do paciente, além da repo- sição de volume, que sozinha não será suficiente.
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