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AULA 12 - APLICAÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE - DIREITO PENAL

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DA APLICAÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE:
34.1. CONCEITO
A atividade de aplicar a pena, exclusivamente judicial, consiste em fixála, na sentença, depois de superadas todas as etapas do devido processo legal, em quantidade determinada e respeitando os requisitos legais, em desfavor do réu a quem foi imputada a autoria ou participação em uma infração penal.
Cuida-se de ato discricionário juridicamente vinculado. O juiz está preso aos parâmetros que a lei estabelece. Dentro deles poderá fazer as suas opções, para chegar a uma aplicação justa da pena, atento às exigências da espécie concreta, isto é, às suas singularidades, às suas nuanças objetivas e principalmente à pessoa a quem a sanção se destina. É o que se convencionou chamar de teoria das margens, ou seja, limites mínimo e máximo para a dosimetria da pena. Todavia, é forçoso reconhecer estar habitualmente presente nesta atividade do julgador um coeficiente criador, e mesmo irracional, em que, inclusive inconscientemente, se projetam a personalidade e as concepções da vida e do mundo do juiz.1
34.2. PRESSUPOSTO
A aplicação da pena tem como pressuposto a culpabilidade do agente, constituída por imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Ausente a culpabilidade, será impossível a imposição de pena, qualquer que seja a sua modalidade (privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa). Mas, na hipótese de inadequação da pena, poderá o réu suportar uma medida de segurança, se for maior de 18 anos de idade e dotado de periculosidade.
Conclui-se, pois, que enquanto a culpabilidade é pressuposto de aplicação da pena, a periculosidade funciona como pressuposto de aplicação da medida de segurança.
A pena, no direito brasileiro, deve ser aplicada mesmo quando o condenado, posteriormente ao crime e por qualquer motivo, não mais dependa de ressocialização. Justifica-se esse posicionamento pela adoção da teoria mista ou unificadora da pena, que possui, além da finalidade preventiva especial, a prevenção geral como objetivo (intimidação da coletividade) e, principalmente, o caráter retributivo (obrigatoriedade de punição
34.3. SISTEMAS OU CRITÉRIOS PARA APLICAÇÃO DA PENA
A história recente do Direito Penal brasileiro indica a existência de dois sistemas principais para a aplicação da pena privativa de liberdade: um bifásico e outro trifásico.
Para o critério bifásico, idealizado por Roberto Lyra, a pena privativa de liberdade deveria ser aplicada em duas fases distintas. Na primeira fase, o magistrado calcularia a pena-base levando em conta as circunstâncias judiciais e as atenuantes e agravantes genéricas. Em seguida, incidiriam na segunda fase as causas de diminuição e de aumento da pena.2
Esse sistema encontrou ressonância nos pensamentos de José Frederico Marques e de Basileu Garcia.3
Por sua vez, o critério trifásico, elaborado por Nélson Hungria, sustenta a dosimetria da pena privativa de liberdade em três etapas. Na primeira, o juiz fixa a pena-base, com apoio nas circunstâncias judiciais. Em seguida, aplica as atenuantes e agravantes genéricas, e, finalmente, as causas de diminuição e de aumento da pena.
O art. 68, caput, do Código Penal filiou-se ao critério trifásico. De fato, “a pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento”.
Entretanto, para a pena de multa adotou-se o sistema bifásico (CP, art. 49, caput e § 1.º). Fixa-se inicialmente o número de dias-multa e, após, calcula-se o valor de cada dia-multa.
Para Alberto Silva Franco, a reforma da Parte Geral do Código Penal pela Lei 7.209/1984, embora acolhendo o critério trifásico, foi além: criou uma quarta fase, ou seja, a da substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos ou pela pena pecuniária.4
Por questões didáticas, analisaremos cada um dos fatores que influem na aplicação da pena, para, em seguida, enfrentarmos detalhadamente o critério trifásico e cada um de seus estágios.
34.4. ELEMENTARES E CIRCUNSTÂNCIAS
Elementares, ou elementos, são os fatores que compõem a estrutura da figura típica, integrando o tipo fundamental. É o caso de “alguém” no crime de homicídio (CP, art. 121, caput). Por outro lado, circunstâncias são os dados que se agregam ao tipo fundamental para o fim de aumentar ou diminuir a quantidade da pena, tais como o “motivo torpe” e o “relevante valor moral”, qualificadora e privilégio no homicídio doloso, respectivamente. Formam o tipo derivado.
As elementares normalmente encontram-se descritas no caput do tipo penal, enquanto as circunstâncias estão nos parágrafos a ele vinculados. Excepcionalmente, entretanto, o legislador prevê elementares fora do caput, como se verifica no crime de excesso de exação, descrito pelo art. 316, § 1.º, do Código Penal, independente do delito de concussão tipificado pelo seu caput.
A forma mais segura para distinguir se determinado fator previsto em lei constitui-se em elementar ou circunstância se faz pelo critério da exclusão. Se a sua retirada resultar na atipicidade do fato ou na desclassificação para outro delito, trata-se de elementar. Mas se subsistir o mesmo crime, alterandose somente a quantidade da pena, cuida-se de circunstância.
34.4.1. Classificação das circunstâncias
No campo da aplicação da pena, as circunstâncias podem ser legais ou judiciais.
Circunstâncias legais são as previstas no Código Penal e pela legislação penal especial. São suas espécies as qualificadoras, as atenuantes e agravantes genéricas e as causas de diminuição e de aumento da pena.
Circunstâncias judiciais, de outro lado, são as relacionadas ao crime e ao agente, e alcançadas pela atividade judicial (dependem da valoração do magistrado), em conformidade com as regras previstas no art. 59, caput, do Código Penal. Têm natureza residual ou subsidiária, pois somente incidem quando não configuram circunstâncias legais.
No tocante à compensação entre as circunstâncias legais e as circunstâncias judiciais, entende-se ser possível essa operação somente quando dentro da mesma fase, sob pena de se frustrar o sistema trifásico estabelecido em lei. Exemplo: na primeira fase, o magistrado pode compensar os maus antecedentes (circunstância judicial desfavorável ao réu) com o comportamento inadequado da vítima (circunstância judicial favorável ao réu).
É vedada a compensação envolvendo fases distintas.5 Exemplo: o juiz não pode compensar a personalidade desajustada do réu (circunstância judicial desfavorável: 1.ª fase) com a menoridade relativa (atenuante genérica: 2.ª fase).
34.5. AGRAVANTES GENÉRICAS E CAUSAS DE AUMENTO DA PENA
As agravantes genéricas são assim chamadas por estarem previstas taxativamente na Parte Geral do Código Penal (arts. 61 e 62) e serem aplicáveis aos delitos em geral.6 A exasperação da pena, que deve respeitar o limite máximo cominado pelo legislador, é definida pelo juiz no caso concreto, uma vez que a lei não indica a quantidade de aumento. Incidem na segunda fase de aplicação da pena.
As causas de aumento da pena, obrigatórias ou facultativas, por sua vez, situam-se na Parte Geral (exemplos: arts. 70, 71, 73 e 74), na Parte Especial do Código Penal (exemplos: arts. 155, § 1.º, 157, §§ 2.º e 2º-A, 158, § 1.º, 317, § 1.º, etc.), e também na legislação especial (exemplos: Lei 9.613/1998 – Lavagem de Dinheiro, art. 1.º, § 4.º, e Lei 11.343/2006 – Drogas, art. 40, etc.). São previstas em quantidade fixa (exemplo: aumenta-se a pena de um terço) ou variável (exemplo: aumenta-se a pena de 1/6 a 2/3), podendo elevar a pena concreta acima do limite máximo legalmente estipulado pelo legislador. Aplicam-se na terceira fase da dosimetria da pena, e são também chamadas de qualificadoras em sentido amplo.
34.6. CAUSAS DE AUMENTO DA PENA E QUALIFICADORAS
As causas de aumento da pena, utilizáveis na terceira fase da aplicação da pena, funcionam exclusivamente como percentuais para a elevação da reprimenda, em quantidade fixa ou variável.Encontram previsão tanto na Parte Geral como na Parte Especial do Código Penal, e também na legislação especial.
Já as qualificadoras têm penas próprias, dissociadas do tipo fundamental, pois são alterados os próprios limites (mínimo e máximo) abstratamente cominados. Ademais, no caso de crime qualificado o magistrado já utiliza na primeira fase da dosimetria da pena a sanção a ele correspondente. Finalmente, estão previstas na Parte Especial do Código Penal e na legislação especial, mas não, em hipótese alguma, na Parte Geral.
34.7. ATENUANTES GENÉRICAS E CAUSAS DE DIMINUIÇÃO DA PENA
As atenuantes genéricas recebem essa denominação por estarem localizadas, exemplificativamente, na Parte Geral do Código Penal (arts. 65 e 66) e serem aplicáveis aos delitos em geral.7 O abrandamento da pena, que deve observar o limite mínimo cominado pelo legislador,8 é definido pelo juiz no caso concreto, uma vez que a lei não indica a quantidade de diminuição. Têm lugar na segunda fase de aplicação da pena.
As causas de diminuição da pena, obrigatórias ou facultativas, estão previstas na Parte Geral (exemplos: arts. 16, 21, caput, in fine, 24, § 2.º, 26, parágrafo único, etc.) e na Parte Especial do Código Penal (exemplos: arts. 121, § 1.º, 155, § 2.º, etc.), bem como na legislação especial (exemplos: Lei 7.492/1986 – Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, art. 25, § 2.º, Lei 11.343/2006 – Drogas, art. 33, § 4.º, etc.), em quantidade fixa (exemplo: diminui-se a pena de 1/3) ou variável (exemplo: diminui-se a pena de 1/3/ a 2/3). Podem reduzir a pena abaixo do mínimo legal, e incidem na terceira fase de aplicação da pena.
34.8. O CRITÉRIO TRIFÁSICO
O art. 68 do Código Penal adotou o critério ou sistema trifásico. Impõe-se a dosimetria da pena privativa de liberdade em três fases distintas e sucessivas.
Cada etapa de fixação da pena deve ser suficientemente fundamentada pelo julgador. Permite-se, assim, a regular individualização da pena (CF, art. 5.º, XLVI), além de conferir ao réu o exercício da ampla defesa, pois lhe concede o direito de acompanhar e impugnar, se reputar adequado, cada estágio de aplicação da pena. Na visão do Supremo Tribunal Federal:
A necessidade de fundamentação dos pronunciamentos judiciais (inciso IX do art. 93 da Constituição Federal) tem na fixação da pena um dos seus momentos culminantes. Garantia constitucional que submete o magistrado a coordenadas objetivas de imparcialidade e propicia às partes conhecer os motivos que levaram o julgador a decidir neste ou naquele sentido. O dever de motivação no trajeto da dosimetria da pena não passou despercebido à reforma penal de 1984. Tanto que a ele o legislador fez expressa referência na Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal, ao cuidar do sistema trifásico de aplicação da pena privativa de liberdade.9
A ausência de fundamentação leva à nulidade da sentença (CF, art. 93, IX),10 ou, pelo menos, à redução da pena ao mínimo legal pela instância superior. Com efeito, prevalece o entendimento de que a aplicação da pena no mínimo legal prescinde de motivação, em face da inexistência de prejuízo ao réu.11
A análise do Código Penal autoriza a extração de algumas regras inerentes ao critério trifásico:
a) na pena-base o juiz deve navegar dentro dos limites legais cominados à infração penal, isto é, não pode ultrapassar o patamar mínimo nem o patamar máximo correspondente ao crime ou à contravenção penal pelo qual o réu foi condenado.
b) se estiverem presentes agravantes ou atenuantes genéricas, a pena não pode ser elevada além do máximo abstratamente cominado nem reduzida aquém do mínimo legal.
c) as causas de aumento e de diminuição são aplicáveis em relação à reprimenda resultante da segunda fase, e não sobre a pena-base. E, se existirem causas de aumento ou de diminuição, a pena pode ser definitivamente fixada acima ou abaixo dos limites máximo e mínimo abstratamente definidos pelo legislador.12
d) na ausência de agravantes e/ou atenuantes genéricas, e também de causas de aumento e/ou de diminuição da pena, a pena-base resultará como definitiva.
Concluída a operação relativa à dosimetria da pena, a etapa seguinte consiste em determinar o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade: fechado, semiaberto ou aberto.
Após, o magistrado deve analisar, na própria sentença condenatória, eventual possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou multa. E se não for cabível a substituição, mas a pena for igual ou inferior a 2 (dois) anos, exige-se manifestação fundamentada acerca da pertinência ou não da suspensão condicional da pena (sursis), se presentes os requisitos legais.
Depois de concretizada a sanção penal, o juiz fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido (CPP, art. 387, inc. IV).13
Finalmente, se não foi possível a substituição ou a suspensão condicional da pena privativa de liberdade, o magistrado, na sentença, decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta (CPP, art. 387, § 1.º).
34.9. A PRIMEIRA FASE DA DOSIMETRIA DA PENA: FIXAÇÃO DA PENA-BASE
Para o cálculo da pena-base o juiz se vale das circunstâncias judiciais indicadas pelo art. 59, caput, do Código Penal.14 Posteriormente, sobre essa pena-base incidirão as atenuantes e agravantes genéricas (2.ª fase), bem como as causas de diminuição ou de aumento da pena (3.ª fase).
Nessa etapa, ainda que todas as circunstâncias sejam extremamente favoráveis ao réu, a pena-base não pode ser inferior ao mínimo abstratamente cominado ao crime. E, de igual modo, mesmo sendo as circunstâncias judiciais inteiramente contrárias ao acusado, a pena-base deve respeitar o máximo legalmente previsto. Em suma, o juiz está adstrito aos parâmetros legais, não podendo ultrapassá-los.15
Essas circunstâncias são também conhecidas como inominadas, porque a lei não lhes fornece nomenclatura específica, ao contrário do que fez com as circunstâncias legais. Têm caráter residual ou subsidiário, pois apenas podem ser utilizadas quando não configurarem elementos do tipo penal, qualificadoras ou privilégios, agravantes ou atenuantes genéricas, ou ainda causas de aumento ou de diminuição da pena, todas elas preferenciais pelo fato de terem sido expressamente definidas em lei.
Em razão disso, o julgador, ao determinar a quantidade de pena aplicável, deve ter a prudência de evitar o bis in idem como corolário da utilização, ainda que impensada, por duas ou mais vezes, de uma mesma circunstância para elevar a reprimenda.16 Exemplo: em crime de lesões corporais cometido contra uma senhora de 90 (noventa) anos de idade, o magistrado fundamenta a exasperação da pena-base em decorrência da covardia e da superioridade de forças do agente. Depois, impõe na segunda fase a agravante genérica contida no art. 61, II, “h”, do Código Penal (crime contra pessoa maior de 60 anos). É patente a dupla punição pelo mesmo fato, pois tais circunstâncias são ínsitas ao crime praticado contra a pessoa idosa. Não podem funcionar simultaneamente como circunstância judicial e agravante genérica.
Quando o preceito secundário do tipo penal cominar penas alternativas (exemplo: detenção ou multa), o magistrado deve, previamente à dosimetria da pena, optar por qual delas irá aplicar. E se o crime imputado for qualificado, inicia-se a fixação da pena-base a partir da pena correspondente à qualificadora.
Na hipótese de estarem presentes duas ou mais qualificadoras (exemplo: homicídio qualificado pelo motivo torpe, pelo meio cruel e pelo recurso que dificultou a defesa do ofendido – CP, art. 121, § 2.º, I, III e IV), o magistrado deve utilizar uma delas para qualificar o crime, e as demais como agravantes genéricas, na segunda fase, desde que encontrem correspondência nos arts. 61 e 62 do Código Penal. Em outras palavras, a circunstância que funciona como qualificadorado crime deve ser também prevista como agravante genérica. E se não houver essa correspondência, as demais qualificadoras passam a funcionar como circunstâncias judiciais desfavoráveis, incidindo na fixação da pena-base (1.ª base).17
Mas também há posicionamentos sustentando que, em qualquer hipótese, as demais qualificadoras atuam como circunstâncias judiciais desfavoráveis, influenciando na dosimetria da pena-base (1.ª fase).
E, finalmente, há entendimento minoritário no sentido de que, na pluralidade de qualificadoras, somente uma pode ser empregada pelo julgador desprezando-se as demais, pois a função a elas correlata (aumentar a pena em abstrato) já foi desempenhada. Essa posição encontra forte resistência, uma vez que a sua aplicação prática viola o princípio da isonomia constitucionalmente consagrado. De fato, pessoas em situação diversa receberiam igual tratamento pelo magistrado responsável pela fixação da pena privativa de liberdade.
O art. 59, caput, do Código Penal contém 8 (oito) circunstâncias judiciais, as quais devem ser enfrentadas pelo magistrado fundamentadamente, sob pena de nulidade da sentença. Não é suficiente a indicação genérica dessas circunstâncias. Exige-se a análise específica de cada uma delas, reportando-se o julgador aos elementos dos autos da ação penal relativos a elas. De fato, se a pena-base for majorada sem fundamentação, estará configurado o excesso de pena, reclamando sua diminuição pela instância superior. Convencionou-se chamar-se essa tarefa judicial de redimensionamento da pena.18
Somente quando todas as circunstâncias judiciais forem favoráveis ao réu a pena deve ser fixada no mínimo legal. Em verdade, se uma delas lhe for desfavorável, o juiz deve elevá-la acima do piso.19 E, nesse contexto, se diversas circunstâncias inominadas apresentarem-se como prejudiciais ao acusado, nada impede a imposição da pena máxima, ou então, próxima do máximo legal. Todavia, instalou-se na prática forense o raciocínio equivocado pelo qual a pena-base equivale à pena mínima, o que não se compactua com o espírito da legislação penal.
Em consonância com a cultura da pena mínima reinante no Brasil, a jurisprudência se firmou no sentido de que, quando imposta a reprimenda em seu patamar mínimo, prescinde-se de fundamentação judicial. É a posição consolidada inclusive no Supremo Tribunal Federal: “A jurisprudência do Supremo é assente no sentido de não reconhecer a nulidade do tópico da decisão que, como na espécie, fixa a pena no mínimo legal, haja vista não haver como se comprovar qualquer prejuízo ao réu”.20
Discordamos dessa ideia, pois, além do direito do réu acerca da fundamentação, existe também o direito da sociedade em saber as razões que levaram o Poder Judiciário a aplicar a pena privativa de liberdade em seu patamar mínimo. O Direito Penal constitui-se em ramo do Direito Público, e, portanto, insuscetível de ser moldado apenas pelo interesse de uma das partes (réu) da relação processual. Para nós, a aplicação da pena deve ser sempre suficientemente motivada, nos moldes do art. 93, IX, da Constituição Federal, independentemente da sua quantidade em concreto.
É necessário, na fixação da pena-base, o respeito ao princípio da proporcionalidade, evidenciado pela relação lógica entre o número de circunstâncias judiciais prejudiciais ao réu e a elevação da pena mínima legalmente prevista. Na linha de raciocínio do Supremo Tribunal Federal:
Consignou que as circunstâncias judiciais (CP, art. 59) são alvo de críticas por parte da doutrina e da própria jurisprudência quanto à indeterminação do seu conteúdo e quanto à falta de parâmetros objetivos para o cálculo da penabase. Aduziu a necessidade de observância da proporcionalidade entre a penabase aplicada e as circunstâncias judiciais valoradas, a partir das peculiaridades do caso concreto, pelo julgador. No ponto, asseverou que a proporcionalidade seria estabelecida entre a quantidade de circunstâncias judiciais desfavoráveis ao agente e a majoração da pena mínima definida no tipo penal.21
Vejamos cada uma das circunstâncias judiciais elencadas pelo art. 59, caput, do Código Penal. Algumas dizem respeito ao agente (culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade e motivos do crime), e outras se relacionam à infração penal (circunstâncias, consequências e comportamento do ofendido).
34.9.1. Culpabilidade
A partir da Reforma da Parte Geral do Código Penal pela Lei 7.209/1984, essa circunstância judicial substituiu as expressões “intensidade do dolo” e “grau da culpa”, previstas originariamente no art. 42 do Código Penal como relevantes para a aplicação da pena-base. O legislador agiu corretamente, pois com a adoção do sistema finalista, o dolo e a culpa passaram a ser considerados no interior da conduta, integrando a estrutura do fato típico. Destarte, tais elementos não mais se relacionam com a aplicação da pena.22
A culpabilidade deve ser compreendida como o juízo de reprovabilidade, como o juízo de censura que recai sobre o responsável por um crime ou contravenção penal, no intuito de desempenhar o papel de pressuposto de aplicação da pena. E, nesse ponto, equivocou-se o legislador, pois todos os envolvidos em uma infração penal, desde que culpáveis, devem ser punidos. Em outras palavras, a culpabilidade relaciona-se com a possibilidade de aplicação da pena, mas não com a sua dosimetria.
Portanto, teria sido mais feliz o legislador se tivesse utilizado a expressão “grau de culpabilidade” para transmitir a ideia de que todos os agentes culpáveis, autores ou partícipes de um ilícito penal, serão punidos, mas os que agiram de modo mais reprovável suportarão penas mais elevadas. Para o Supremo Tribunal Federal:
A circunstância judicial “culpabilidade”, disposta no art. 59 do CP, atende ao critério constitucional da individualização da pena. Com base nessa orientação, o Plenário indeferiu habeas corpus em que se pleiteava o afastamento da mencionada circunstância judicial. Consignou-se que a previsão do aludido dispositivo legal atinente à culpabilidade mostrar-se-ia afinada com o princípio maior da individualização, porquanto a análise judicial das circunstâncias pessoais do réu seria indispensável à adequação temporal da pena, em especial nos crimes perpetrados em concurso de pessoas, nos quais se exigiria que cada um respondesse, tão somente, na medida de sua culpabilidade (CP, art. 29). Afirmou-se que o dimensionamento desta, quando cotejada com as demais circunstâncias descritas no art. 59 do CP, revelaria ao magistrado o grau de censura pessoal do réu na prática do ato delitivo. Aduziu-se que, ao contrário do que sustentado, a ponderação acerca das circunstâncias judiciais do crime atenderia ao princípio da proporcionalidade e representaria verdadeira limitação da discricionariedade judicial na tarefa individualizadora da pena-base.23
Com amparo nessa circunstância judicial, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a possibilidade de exasperação da pena-base aplicada a policial civil responsável pelo crime de concussão, na situação em que o agente público vale-se da autoridade inerente ao seu cargo para exigir vantagem indevida de pessoa envolvida na prática de crimes:
É legítima a utilização da condição pessoal de policial civil como circunstância judicial desfavorável para fins de exasperação da pena base aplicada a acusado pela prática do crime de concussão. [...] A Turma afirmou que seria possível, no que se refere à culpabilidade (CP, art. 59), promover, em cada caso concreto, juízo de reprovabilidade maior tendo em consideração a condição de policial civil do agente. O delito previsto no art. 316 do CP seria de mão própria, porém, presentes as circunstâncias do art. 59 do CP, se poderia levar em conta, quando do juízo de reprovabilidade, a qualidade específica ou a qualificação do funcionário público. Dentro do Estado Democrático de Direito e do país que se almeja construir, o fato de uma autoridade pública — no caso, uma autoridade policial — obter vantagem indevida de alguém que esteja praticando um delitocomprometeria de maneira grave o fundamento de legitimidade da autoridade, que seria atuar pelo bem comum e pelo bem público. Portanto, aquele que fosse investido de parcela de autoridade pública — fosse juiz, membro do Ministério Público ou autoridade policial — deveria ser avaliado, no desempenho da sua função, com escrutínio mais rígido.24
34.9.2. Antecedentes
São os dados atinentes à vida pregressa do réu na seara criminal. Dizem respeito a todos os fatos e acontecimentos que envolvem o seu passado criminal, bons ou ruins. Em suma, os antecedentes se revelam como o “filme” de tudo o que ele fez ou deixou de fazer antes de envolver-se com o ilícito penal, desde que contidos em sua folha de antecedentes.
Todos os demais fatores relacionados à sua vida pretérita, que não os indicados na folha de antecedentes, devem ser analisados no âmbito da conduta social, também circunstância judicial prevista no art. 59, caput, do Código Penal.25
E o que são maus antecedentes?
No passado, o Supremo Tribunal Federal entendia que inquéritos policiais e ações penais contidas na folha de antecedentes do réu podiam caracterizar maus antecedentes, ainda que estivessem em curso, é dizer, mesmo sem condenação transitada em julgado.26 Isso porque uma anotação criminal não surge imotivadamente na vida de alguém, e, quando existente, representa um antecedente negativo no aspecto criminal.
Contudo, ultimamente, o Pretório Excelso tem decidido que maus antecedentes são unicamente as condenações definitivas que não caracterizam reincidência, seja pelo decurso do prazo de 5 anos após a extinção da pena (CP, art. 64, I), seja pela condenação anterior ter sido lançado em consequência de crime militar próprio ou político (CP, art. 64, II), seja finalmente pelo fato de o novo crime ter sido cometido antes da condenação definitiva por outro delito. Vale a pena conferir o seguinte julgado:
Inquéritos policiais ou ações penais sem trânsito em julgado não podem ser considerados como maus antecedentes para fins de dosimetria da pena. Esse o entendimento do Plenário que, em conclusão de julgamento e por maioria, desproveu recurso extraordinário. O Colegiado explicou que a jurisprudência da Corte sobre o tema estaria em evolução, e a tendência atual seria no sentido de que a cláusula constitucional da não culpabilidade (CF, art. 5.º, LVII) não poderia ser afastada. Haveria semelhante movimento por parte da doutrina, a concluir que, sob o império da nova ordem constitucional, somente poderiam ser valoradas como maus antecedentes as decisões condenatórias irrecorríveis. Assim, não poderiam ser considerados para esse fim quaisquer outras investigações ou processos criminais em andamento, mesmo em fase recursal. Esse ponto de vista estaria em consonância com a moderna jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Ademais, haveria recomendação por parte do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, no sentido de que o Poder Público deveria abster-se de prejulgar o acusado. [...] O lançamento, no mundo jurídico, de enfoque ainda não definitivo e, portanto, sujeito a condição resolutiva, potencializaria a atuação da polícia judiciária, bem como a precariedade de certos pronunciamentos judiciais. Nesse sentido, uma vez admitido pelo sistema penal brasileiro o conhecimento do conteúdo da folha penal como fator a se ter em conta na fixação da pena, a presunção deveria militar em favor do acusado. O arcabouço normativo não poderia ser interpretado a ponto de gerar perplexidade.27
No Superior Tribunal de Justiça é pacífico o entendimento no sentido de que responder a processo criminal não significa ter maus antecedentes, uma vez que só se considera o réu culpado após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Além disso, o agente não pode ser prejudicado pela simples existência de inquéritos policiais, em curso ou arquivados, ou de ação penal, em andamento ou com a pretensão punitiva julgada improcedente, ou ainda com a transação penal concedida no âmbito dos Juizados Especiais Criminais. Essa posição restou consolidada na Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça: “É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”.28
Na mesma direção, preceitua o art. 20, parágrafo único, do Código de Processo Penal, com a redação conferida pela Lei 12.681/2012: “Nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes a instauração de inquérito contra os requerentes”.
É importante destacar que, para fins de caracterização dos maus antecedentes, basta a existência de uma condenação penal definitiva, pouco importando o momento da sua concretização. Em outras palavras, embora exista um delito anterior, o trânsito em julgado da condenação dele decorrente pode ser posterior à prática do novo crime, no qual será considerada a circunstância judicial desfavorável. Como já decidido pelo Supremo Tribunal Federal:
A dosimetria da pena é matéria sujeita a certa discricionariedade judicial. O Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras absolutamente objetivas para a fixação da pena. [...] Condenações transitadas em julgado após o cometimento dos crimes objeto da condenação são aptas a desabonar, na primeira fase da dosimetria, os antecedentes criminais para efeito de exacerbação da pena-base (CP, art. 59).29
Vale frisar, é imperioso que exista uma condenação definitiva por fato anterior ao crime cuja pena se esteja a individualizar. Essa ilação extrai-se do próprio nome da circunstância judicial – “antecedente”. Na dicção do Superior Tribunal de Justiça:
No cálculo da pena-base, é impossível a consideração de condenação transitada em julgado correspondente a fato posterior ao narrado na denúncia para valorar negativamente os maus antecedentes, a personalidade ou a conduta social do agente.30
No tocante à validade da condenação anterior para fins de maus antecedentes, o Código Penal filiou-se ao sistema da perpetuidade, ou seja, o decurso do tempo após o cumprimento ou extinção da pena não elimina esta circunstância judicial desfavorável, ao contrário do que se verifica na reincidência (CP, art. 64, I). Em apertada síntese, não há para aos maus antecedentes regra análoga àquela contida em relação à reincidência. Esta é a nossa posição, amparada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal: “O Plenário asseverou que o transcurso do quinquênio previsto no art. 64, I, do CP não seria óbice ao acionamento do art. 59 do mesmo diploma”.31
A 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal, todavia, já decidiu que os maus antecedentes também desaparecem após 5 anos do cumprimento ou da extinção da pena:
As condenações transitadas em julgado há mais de cinco anos não poderão ser caracterizadas como maus antecedentes para efeito de fixação da pena, conforme previsão do art. 64, I, do CP [“Para efeito de reincidência: I – não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação”]. Esse é o entendimento da Segunda Turma, que, em conclusão de julgamento e por maioria, concedeu a ordem em “habeas corpus” para restabelecer a decisão do tribunal de justiça que afastara os maus antecedentes, considerada condenação anterior ao período depurador (CP, art. 64, I), para efeito de dosimetria da pena. A Turma afirmou que o período depurador de cinco anos teria a aptidão de nulificar a reincidência, de forma que não poderia mais influenciar no “quantum” de pena do réu e em nenhum de seus desdobramentos. Observou que seria assente que a “ratio legis” consistiria em apagar da vida do indivíduo os erros do passado, já que houvera o devido cumprimento de sua punição, de modo que seria inadmissível atribuir à condenação o “status” de perpetuidade, sob pena de violação aos princípios constitucionaise legais, sobretudo o da ressocialização da pena. A Constituição vedaria expressamente, na alínea b do inciso XLVII do art. 5.º, as penas de caráter perpétuo. Esse dispositivo suscitaria questão acerca da proporcionalidade da pena e de seus efeitos para além da reprimenda corporal propriamente dita. Nessa perspectiva, por meio de cotejo das regras basilares de hermenêutica, constatar-se-ia que, se o objetivo primordial fosse o de se afastar a pena perpétua, reintegrando o apenado no seio da sociedade, com maior razão dever-se-ia aplicar esse raciocínio aos maus antecedentes. Ademais, o agravamento da pena-base com fundamento em condenações transitadas em julgado há mais de cinco anos não encontraria previsão na legislação pátria, tampouco na Constituição, mas se trataria de uma analogia “in malam partem”, método de integração vedado em nosso ordenamento.32
Em outras palavras, a Suprema Corte aplicou o sistema da temporariedade para a circunstância judicial em estudo, partindo da premissa de que se a reincidência (mais grave) desaparece após cinco anos da extinção da pena, igual raciocínio deve ser utilizado para os maus antecedentes, pois revestem-se de menor gravidade.
34.9.3. Conduta social
Também conhecida como “antecedentes sociais”, é o estilo de vida do réu, correto ou inadequado, perante a sociedade, sua família, ambiente de trabalho, círculo de amizades e vizinhança etc.33
Deve ser objeto de questionamento do magistrado tanto no interrogatório como na colheita da prova testemunhal. Se necessária para a busca da verdade real, pode ser ainda determinada a avaliação do acusado pelo Setor Técnico do juízo (avaliação social e psicológica).
De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, “na dosimetria da pena, os fatos posteriores ao crime em julgamento não podem ser utilizados como fundamento para valorar negativamente a culpabilidade, a personalidade e a conduta social do réu”.34
É preciso cuidado para não confundir a conduta social com os maus antecedentes, os quais se limitam ao passado do réu no âmbito criminal. Mais do que isso, deve-se ter muita atenção para não se valorar duplamente um mesmo dado fático como conduta social e mau antecedente, afastando-se o inaceitável bis in idem. Na lúcida advertência do Supremo Tribunal Federal:
Em conclusão de julgamento, a Segunda Turma deu provimento a recurso ordinário para determinar ao juízo de execução competente que redimensione a pena-base de condenado a quatro anos e onze meses de reclusão em regime inicial semiaberto, pela prática do delito de furto qualificado. Cuidava-se de habeas corpus no qual se alegava afronta ao princípio do ne bis in idem, uma vez que o tribunal de origem não poderia ter valorado a conduta social com elementos próprios e típicos dos maus antecedentes e da reincidência. O Colegiado afirmou que a decisão impugnada teria considerado negativamente circunstâncias judiciais diversas com fundamento na mesma base empírica, qual seja, os registros criminais, a conferir-lhes conceitos jurídicos assemelhados. Apontou que, antes da reforma da parte geral do CP/1984, entendia-se que a análise dos antecedentes abrangeria todo o passado do agente, a incluir, além dos aludidos registros, o comportamento em sociedade. Com o advento da Lei 7.209/1984, a conduta social teria passado a ter configuração própria. Introduzira-se um vetor apartado com vistas a avaliar o comportamento do condenado no meio familiar, no ambiente de trabalho e no relacionamento com outros indivíduos. Ou seja, os antecedentes sociais do réu não mais se confundiriam com os seus antecedentes criminais. Tratar-se-ia de circunstâncias diversas e, por isso mesmo, a exasperação da pena-base mediante a invocação delas exigiria do magistrado a clara demonstração de subsunção da realidade fática ao preceito legal, dentro dos limites típicos. Concluiu que teria havido indevida desvalorização plural de circunstâncias — as quais possuiriam balizas próprias — com justificativa na mesma base fática.35
34.9.4. Personalidade do agente
É o perfil subjetivo do réu, nos aspectos moral e psicológico, pelo qual se analisa se tem ou não o caráter voltado à prática de infrações penais. O Superior Tribunal de Justiça faz importante advertência sobre o tema:
Havendo registros criminais já considerados na primeira e na segunda fases da fixação da pena (maus antecedentes e reincidência), essas mesmas condenações não podem ser valoradas para concluir que o agente possui personalidade voltada à criminalidade. A adoção de entendimento contrário caracteriza o indevido bis in idem.36
34.9.5. Motivos do crime
São os fatores psíquicos que levam a pessoa a praticar o crime ou a contravenção penal.
Só tem cabimento essa circunstância judicial (favorável ou desfavorável ao réu) quando a motivação não caracterizar elementar do delito, qualificadora, causa de diminuição ou de aumento da pena, ou atenuante ou agravante genérica.37 Exemplo: o motivo fútil é qualificadora do homicídio (CP, art. 121, § 2.º, II) e agravante genérica para os demais crimes (CP, art. 61, II, “a”). Destarte, se fútil o motivo, será utilizado como qualificadora ou agravante genérica, conforme o caso, e não como circunstância judicial desfavorável, evitando-se o bis in idem.
Os motivos do crime não se confundem com o dolo e a culpa. Aqueles são dinâmicos, mutáveis, desvinculados do tipo penal e revelam os desejos do agente. Podem ou não ser alcançados com a prática da infração penal. Exemplo: “A” mata “B”, seu colega de trabalho, com o propósito de conseguir a única vaga de chefe da empresa (motivo torpe). No entanto, “C”, até então desconhecido, vem a ser promovido ao disputado cargo. O dolo e a culpa, alocados no fato típico, por outro lado, são estáticos e vinculados ao tipo penal, e é irrelevante para sua caracterização o móvel da conduta. Exemplo: “A” efetua disparos de arma de fogo contra “B”, matando-o. Seja qual for o motivo, o dolo está configurado.
34.9.6. Circunstâncias do crime
São os dados acidentais, secundários, relativos à infração penal, mas que não integram sua estrutura, tais como o modo de execução do crime, os instrumentos empregados em sua prática, as condições de tempo e local em que ocorreu o ilícito penal, o relacionamento entre o agente e o ofendido etc. Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça já admitiu a elevação da pena-base em estelionato no qual a vítima nutria plena confiança no agente:
O cometimento de estelionato em detrimento de vítima que conhecia o autor do delito e lhe depositava total confiança justifica a exasperação da pena-base. De fato, tendo sido apontados argumentos idôneos e diversos do tipo penal violado que evidenciam como desfavoráveis as circunstâncias do crime, não há constrangimento ilegal na valoração negativa dessa circunstância judicial.38
Não há lugar para a gravidade abstrata do crime, pois essa circunstância já foi levada em consideração pelo legislador para a cominação das penas mínima e máxima.39
As circunstâncias do crime vinculam-se ao aumento da pena, pois as circunstâncias favoráveis ao réu devem ser aceitas como atenuantes genéricas inominadas, na forma do art. 66 do Código Penal: “A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei”. Justifica-se essa conclusão pela natureza residual das circunstâncias judiciais.
34.9.7. Consequências do crime
Envolvem o conjunto de efeitos danosos provocados pelo crime, em desfavor da vítima, de seus familiares ou da coletividade.
Essa circunstância judicial deve ser aplicada com atenção: em um estupro, exemplificativamente, o medo provocado na pessoa (homem ou mulher) vitimada é consequência natural do delito, e não pode funcionar como fator de exasperação da pena, ao contrário do trauma certamente causado em seus filhos menores quando o crime é por eles presenciado. Como alerta o Superior Tribunal de Justiça: “Não é possível a utilização de argumentos genéricos ou circunstâncias elementares do próprio tipo penalpara o aumento da pena-base com fundamento nas consequências do delito”.40
Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que os elevados custos da atuação estatal para apuração da conduta criminosa e o enriquecimento ilícito logrado pelo agente não constituem motivação idônea para a valoração negativa do vetor “consequências do crime” na primeira fase da dosimetria da pena.41
34.9.8. Comportamento da vítima
É a atitude da vítima, que tem o condão de provocar ou facilitar a prática do crime. Cuida-se de circunstância judicial ligada à vitimologia, isto é, ao estudo da participação da vítima e dos males a ela produzidos por uma infração penal.
Nesse sentido, aquele que abertamente manuseia grande quantidade de dinheiro em um ônibus, por exemplo, incentiva a prática de furtos ou roubos por ladrões. E a mulher que, interessada em lucros fáceis, presta favores sexuais mediante remuneração em estabelecimento pertencente a outrem, colabora para o crime de favorecimento da prostituição, tipificado pelo art. 228 do Código Penal.42
Fácil concluir, portanto, que se trata de circunstância judicial neutra ou então favorável ao réu, mas que nunca pode ser utilizada para prejudicá-lo. Como destaca o Superior Tribunal de Justiça: “O comportamento da vítima apenas deve ser utilizado em benefício do réu, devendo tal circunstância ser neutralizada no caso de não interferência do ofendido na prática do crime”.43
34.10. A SEGUNDA FASE DA DOSIMETRIA DA PENA: ATENUANTES E AGRAVANTES
Atenuantes e agravantes são circunstâncias legais, de natureza objetiva ou subjetiva, não integrantes da estrutura do tipo penal, mas que a ele se ligam com a finalidade de diminuir ou aumentar a pena.
Podem ser genéricas, quando previstas na Parte Geral do Código Penal, e aplicáveis à generalidade dos crimes, ou específicas, se contidas em leis extravagantes, e aplicáveis somente a determinados crimes, tal como se verifica no art. 298 da Lei 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro), em relação aos crimes de trânsito (agravantes), e no art. 14 da Lei 9.605/1998, no tocante aos crimes ambientais (atenuantes).
As agravantes genéricas, prejudiciais ao réu, estão previstas nos arts. 61 e 62 do Código Penal em rol taxativo, não se admitindo analogia in malam partem. Contrariamente, as atenuantes genéricas, favoráveis ao acusado, encontram-se descritas em rol exemplificativo. Com efeito, nada obstante o art. 65 do Código Penal apresente relação detalhada de atenuantes genéricas, o art. 66 abre grande válvula de escape ao estatuir que “a pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei”. Destarte, qualquer circunstância relevante e favorável ao réu, seja anterior ou posterior ao crime, pode atuar como fator judicialmente discricionário de abrandamento da pena.
Atenuantes e agravantes são de aplicação compulsória pelo magistrado, que não pode deixar de levá-las em conta, quando presentes, na dosimetria da pena.
No tocante às agravantes genéricas, o art. 61, caput, do Código Penal dispõe que são “causas que sempre agravam a pena”, enquanto estabelece o art. 62, caput, do Código Penal que “a pena será ainda agravada”. Mas para evitar o bis in idem, veda-se a sua utilização quando já funcionarem como elementar do tipo penal, ou ainda como qualificadora ou causa de aumento da pena.
As agravantes serão inócuas, ainda que muitas delas estejam presentes, quando a pena-base já tiver sido fixada no máximo legalmente previsto. Com efeito, embora sempre agravem a pena, tais circunstâncias não podem elevá-la acima do teto cominado em abstrato, pois não integram a estrutura típica e, como o legislador não previu expressamente o percentual de exasperação da pena, a atividade judicial que criasse uma nova reprimenda para determinada infração penal violaria o princípio da separação de poderes do Estado (CF, art. 2.º), uma vez que estaria inovando no plano legislativo.
Nos crimes dolosos contra a vida, de competência do Tribunal do Júri, as agravantes e atenuantes não são indagadas aos jurados, mas aplicadas diretamente pelo juizpresidente, desde que tenham sido alegadas nos debates entre as partes (CPP, art. 492, I, “b”).
O Código Penal, em seu art. 61, I, trata da reincidência, agravante genérica cuja amplitude e complexidade reclamam análise isolada.
No inciso II, o art. 61 elenca diversas agravantes genéricas e, de acordo com o posicionamento dominante nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial, aplicam-se exclusivamente aos crimes dolosos (e também aos preterdolosos, pois tais delitos têm a fase inicial caracterizada pela presença do dolo),44 já que seria incompatível a incidência nos crimes culposos, não se justificando a elevação da pena quando produzido involuntariamente o resultado naturalístico.
Já decidiu o Supremo Tribunal Federal, contudo, no julgamento histórico do navio Bateau Mouche, que tais agravantes também recaem sobre os crimes culposos:
Não obstante a corrente afirmação apodíctica em contrário, além da reincidência, outras circunstâncias agravantes podem incidir na hipótese de crime culposo: assim, as atinentes ao motivo, quando referidas à valoração da conduta, a qual, também nos delitos culposos, é voluntária, independentemente da não voluntariedade do resultado: admissibilidade, no caso, da afirmação do motivo torpe – a obtenção do lucro fácil –, que, segundo o acórdão condenatório, teria induzido os agentes ao comportamento imprudente e negligente de que resultou o sinistro.45
Finalmente, o art. 62 do Código Penal cuida das agravantes no concurso de pessoas.
As atenuantes genéricas também são de incidência obrigatória. De fato, diz o art. 65, caput, que “são circunstâncias que sempre atenuam a pena”. Consequentemente, quando presentes devem ser aplicadas pelo juiz, salvo quando já funcionarem como causa de diminuição da pena.
Além disso, as atenuantes genéricas, ainda que existam muitas delas no caso concreto, serão ineficazes quando a pena-base (1.ª fase) for fixada no mínimo legal. Como não integram a estrutura do tipo penal, e não tiveram o percentual de redução previsto expressamente pelo legislador, a aplicação da pena fora dos parâmetros legais representaria intromissão indevida do Poder Judiciário na função legiferante. Tais motivos levaram o Superior Tribunal de Justiça a editar a Súmula 231: “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”.46
Recorde-se que as atenuantes genéricas estão previstas no Código Penal em rol exemplificativo, porque, além das expressamente definidas pelo art. 65, o art. 66 consagra as atenuantes inominadas, não indicadas pela lei.
A lei não estabelece o percentual de aumento ou de diminuição da pena no tocante às agravantes ou atenuantes genéricas. Na prática forense, todavia, consagrou-se o entendimento de que o aumento ou a diminuição deve ser de 1/6 sobre a pena-base, por se tratar do menor índice estipulado pela legislação penal (Código Penal e leis especiais) para as causas de aumento e de diminuição da pena.47
34.10.1. Reincidência (art. 61, I, do CP)
34.10.1.1. Introdução
A pena, no Brasil, apresenta uma dupla finalidade: retributiva e preventiva. Essa última divide-se em geral e especial.
A prática de uma nova infração penal, com a caracterização da reincidência (também chamada de recidiva), revela o não cumprimento da pena quanto às suas finalidades. Falhou na tarefa retributiva, pois o condenado não se atemorizou suficientemente com o castigo, ao ponto de descumprir novamente a lei penal, suportando o risco de ser mais uma vez privado de sua liberdade ou de seus bens. A pena mostrou-se insuficiente, justificando uma nova punição, agora mais grave.
Por esse motivo, não se pode falar em dupla punição pelo mesmo fato. O reincidente não é punido duas vezes pelo mesmo fato. Ao contrário, já foi apenado pelo crime anterior, pressuposto da reincidência, e posteriormente pelo novo delito, com a pena agravada. Trata-se de punição mais rigorosa daqueleque novamente demonstrou não se intimidar com a autoridade estatal.
Além disso, a pena também deixou a desejar na missão de prevenção especial, revelando não ter ressocializado satisfatoriamente seu destinatário. É o fracasso do Estado no cumprimento de uma finalidade que lhe foi constitucional e legalmente atribuída, mas que, por motivos diversos e de conhecimento notório, não é desempenhada a contento.
Destarte, o fundamento da reincidência é claro: o recrudescimento da pena resulta da opção do agente por continuar a delinquir.
Em síntese, é constitucional a opção do legislador de incluir a reincidência no rol das agravantes genéricas. Esta é a posição encampada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. Vale a pena acompanhar o teor da decisão:
É constitucional a aplicação da reincidência como agravante da pena em processos criminais (CP, art. 61, I). Essa a conclusão do Plenário ao desprover recurso extraordinário em que alegado que o instituto configuraria bis in idem, bem como ofenderia os princípios da proporcionalidade e da individualização da pena.
Registrou-se que as repercussões legais da reincidência seriam múltiplas, não restritas ao agravamento da pena. Nesse sentido, ela obstaculizaria: a) cumprimento de pena nos regimes semiaberto e aberto (CP, art. 33, § 2.º, b e c); b) substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direito ou multa (CP, artigos 44, II; e 60, § 2.º); c) sursis (CP, art. 77, I); d) diminuição de pena, reabilitação e prestação de fiança; e e) transação e sursis processual em juizados especiais (Lei 9.099/95, artigos 76, § 2.º, I, e 89).
Além disso, a recidiva seria levada em conta para: a) deslinde do concurso de agravantes e atenuantes (CP, art. 67); b) efeito de lapso temporal quanto ao livramento condicional (CP, art. 83, I e II); c) interrupção da prescrição (CP, art. 117, VI); e d) revogação de sursis e livramento condicional, a impossibilitar, em alguns casos, a diminuição da pena, a reabilitação e a prestação de fiança (CP, artigos 155, § 2.º; 170; 171, § 1.º; 95; e CPP, art. 323, III).
Consignou-se que a reincidência não contrariaria a individualização da pena. Ao contrário, levar-se-ia em conta, justamente, o perfil do condenado, ao distingui-lo daqueles que cometessem a primeira infração penal. Nesse sentido, lembrou-se que a Lei 11.343/2006 preceituaria como causa de diminuição de pena o fato de o agente ser primário e detentor de bons antecedentes (art. 33, § 4.º).
Do mesmo modo, a recidiva seria considerada no cômputo do requisito objetivo para progressão de regime dos condenados por crime hediondo. Nesse aspecto, a lei exigiria o implemento de 2/5 da reprimenda, se primário o agente; e 3/5, se reincidente. O instituto impediria, também, o livramento condicional aos condenados por crime hediondo, tortura e tráfico ilícito de entorpecentes (CP, art. 83, V). Figuraria, ainda, como agravante da contravenção penal prevista no art. 25 do Decreto-Lei 3.688/41. Influiria na revogação do sursis processual e do livramento condicional, assim como na reabilitação (CP, artigos 81, I e § 1.º; 86; 87 e 95).
Considerou-se que a reincidência comporia consagrado sistema de política criminal de combate à delinquência e que eventual inconstitucionalidade do instituto alcançaria todas as normas acima declinadas. Asseverou-se que sua aplicação não significaria duplicidade, porquanto não alcançaria delito pretérito, mas novo ilícito, que ocorrera sem que ultrapassado o interregno do art. 64 do CP. Asseverou-se que o julgador deveria ter parâmetros para estabelecer a pena adequada ao caso concreto. Nesse contexto, a reincidência significaria o cometimento de novo fato antijurídico, além do anterior.
Reputou-se razoável o fator de discriminação, considerado o perfil do réu, merecedor de maior repreensão porque voltara a delinquir a despeito da condenação havida, que deveria ter sido tomada como advertência no que tange à necessidade de adoção de postura própria ao homem médio.
Explicou-se que os tipos penais preveriam limites mínimo e máximo de apenação, somente alijados se verificada causa de diminuição ou de aumento da reprimenda. A definição da pena adequada levaria em conta particularidades da situação, inclusive se o agente voltara a claudicar. Estaria respaldado, então, o instituto constitucional da individualização da pena, na medida em que se evitaria colocar o reincidente e o agente episódico no mesmo patamar.
Frisou-se que a jurisprudência da Corte filiar-se-ia, predominantemente, à corrente doutrinária segundo a qual o instituto encontraria fundamento constitucional, porquanto atenderia ao princípio da individualização da pena. Assinalou-se que não se poderia, a partir da exacerbação do garantismo penal, desmantelar o sistema no ponto consagrador da cabível distinção, ao se tratar os desiguais de forma igual. A regência da matéria, harmônica com a Constituição, denotaria razoável política normativa criminal.48
34.10.1.2. Conceito
Em conformidade com o art. 63 do Código Penal: “Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”.
Cuida-se, assim, da prática de novo crime depois da condenação definitiva, no Brasil ou no exterior, pela prática de crime anterior.
34.10.1.3. Requisitos
Da análise do art. 63 do Código Penal despontam três requisitos imprescindíveis para a configuração da reincidência, ordenados cronologicamente:
a) um crime, cometido no Brasil ou em outro país;
b) condenação definitiva, isto é, com trânsito em julgado, por esse crime; e
c) prática de novo crime.
Destarte, a reincidência depende, obrigatoriamente, de ao menos dois crimes: um anterior, em cuja ação penal já foi proferida sentença condenatória, com seu respectivo trânsito em julgado, e outro posterior ao trânsito em julgado. Com a prática desse novo crime será tratado como reincidente, com todas as consequências rigorosas daí decorrentes.49
Portanto, somente existe reincidência quando o novo crime tiver sido praticado depois do trânsito em julgado da condenação anterior. Logo, se for cometido na data do trânsito em julgado, não estará caracterizada a recidiva. E, ainda, não haverá reincidência se o agente praticar os dois crimes na mesma ocasião e forem julgados pela mesma sentença.50
Além disso, não há falar em reincidência quando a denúncia (ou queixacrime) pelo novo crime não contém a data exata do fato, apta a demonstrar sua prática após o trânsito em julgado da condenação anterior. Na linha de raciocínio do Superior Tribunal de Justiça:
A agravante da reincidência não deve ser aplicada se não há na denúncia exatidão da data dos fatos apta a demonstrar que o delito ocorreu após o trânsito em julgado de condenação anterior. Em observância ao princípio do in dubio pro reo, deve ser dada a interpretação mais favorável ao acusado, não se podendo presumir que o trânsito em julgado referente ao crime anterior ocorreu antes do cometimento do segundo delito.51
Pouco importa tenha sido o crime que resultou na condenação definitiva praticado no Brasil ou no estrangeiro. A propósito, para a caracterização da reincidência, a sentença estrangeira não precisa ser homologada pelo Superior Tribunal de Justiça, como se extrai do art. 9.º do Código Penal. Basta a prova de que foi proferida judicialmente e transitou em julgado.52
Mas desaparece a reincidência quando a condenação que a justifica teve seu trânsito em julgado desconstituído judicialmente.53
Pode acontecer uma situação curiosa: o agente possuir contra si diversas condenações definitivas no campo penal, e ainda assim ser primário. Esse fenômeno ocorre quando, nada obstante as múltiplas sentenças condenatórias transitadas em julgado, ainda não praticou nenhum delito após a primeira condenação definitiva, ou seja, todos os crimes praticados pelo indivíduo antecederam a primeira sentença condenatória transitada em julgado.
34.10.1.3.1. Crime e contravenção penal: relação para fins de reincidência
Estabeleceo art. 7.º do Decreto-lei 3.688/1941 – Lei das Contravenções Penais:
Verifica-se a reincidência quando o agente pratica uma contravenção depois de passar em julgado a sentença que o tenha condenado, no Brasil ou no estrangeiro, por qualquer crime, ou no Brasil, por motivo de contravenção.
A combinação desse dispositivo com o art. 63 do Código Penal permite as seguintes conclusões:
a) a condenação definitiva no exterior, pela prática de contravenção penal, não serve no Brasil, em nenhuma hipótese, como pressuposto da reincidência;
b) é reincidente o agente que, depois do trânsito em julgado de uma condenação por crime (no Brasil ou no estrangeiro) ou contravenção penal (no Brasil), cometer novo crime (aqui ou no estrangeiro) ou contravenção penal (no Brasil);
c) é reincidente aquele que, após o trânsito em julgado de uma condenação no Brasil, pela prática de contravenção penal, cometer nova contravenção penal; e
d) não é reincidente o sujeito que, depois do trânsito em julgado da condenação, no Brasil, por contravenção penal, praticar, no Brasil ou no estrangeiro, novo crime. Não se caracteriza a reincidência, portanto, na hipótese em que o agente decide enveredar por uma infração penal mais grave, deixando de ser mero contraventor para se tornar criminoso. O fundamento dessa brecha é a falha legislativa que, lamentavelmente, insiste-se em manter.
As conclusões podem ser assim representadas:
	Infração penal anterior
	Infração penal posterior
	Resultado
	Crime
	Crime
	Reincidente
	Contravenção penal
	Contravenção penal
	Reincidente
	Crime
	Contravenção penal
	Reincidente
	Contravenção penal
	Crime
	Primário
34.10.1.3.2. Pena aplicada ao responsável pelo crime anterior e reincidência
Para a caracterização da reincidência basta o trânsito em julgado da condenação resultante da prática de um crime anterior. O art. 63 do Código Penal não permite qualquer distinção em face da pena imposta. Portanto, é irrelevante a espécie de pena aplicada: privativa de liberdade, que pode ou não ter sido substituída por restritiva de direitos, ou multa.
Destarte, não pode ser acolhido o argumento de que a condenação exclusiva à pena de multa não gera reincidência. Essa posição, sem amparo doutrinário ou jurisprudencial, mas utilizada em casos práticos, funda-se em duas premissas: a) a pena pecuniária é de pouca importância, e não teria forças para ensejar a recidiva; e b) o art. 77, § 1.º, do Código Penal diz que a condenação anterior à pena de multa não impede o sursis, e, por esse motivo, a aplicação exclusiva da pena pecuniária não configura a reincidência, pois o sursis não é cabível ao reincidente (CP, art. 77, I).
No tocante à posse de droga para consumo pessoal (art. 28 da Lei 11.343/2006), o Superior Tribunal de Justiça firmou jurisprudência no sentido de que a condenação por tal delito não funciona como pressuposto da reincidência:
Condenações anteriores pelo delito do art. 28 da Lei n. 11.343/2006 não são aptas a gerar reincidência. Inicialmente, cumpre salientar que consoante o posicionamento firmado pela Suprema Corte, na questão de ordem no RE 430.105/RJ, sabe-se que a conduta de porte de substância entorpecente para consumo próprio, prevista no art. 28 da Lei n. 11.343/2006, foi apenas despenalizada mas não descriminalizada, em outras palavras, não houve abolitio criminis. Contudo, ainda que a conduta tipificada no art. 28 da Lei n. 11.343/2006 tenha sido despenalizada e não descriminalizada, essa conduta é punida apenas com “advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”. Além disso, não existe a possibilidade de converter essas penas em privativas de liberdade em caso de descumprimento. Cabe ressaltar que as condenações anteriores por contravenções penais não são aptas a gerar reincidência, tendo em vista o que dispõe o art. 63 do Código Penal, que apenas se refere a crimes anteriores. E, se as contravenções penais, puníveis com pena de prisão simples, não geram reincidência, mostra-se desproporcional o delito do art. 28 da Lei n. 11.343/2006 configurar reincidência, tendo em vista que nem é punível com pena privativa de liberdade.54
34.10.1.4. Natureza jurídica
Trata-se de circunstância agravante genérica (CP, art. 61, I). Incide na segunda fase da aplicação da pena privativa de liberdade.
Além disso, é de caráter subjetivo ou pessoal, pois se relaciona à figura do agente, e não ao fato. Não se comunica aos demais coautores ou partícipes.
34.10.1.5. Prova da reincidência
Há duas posições sobre a forma pela qual se prova a recidiva:
1.ª posição: Exige-se certidão, expedida pelo cartório judicial, acerca da condenação anterior, com todos os seus detalhes. Fundamenta-se no argumento de que a folha de antecedentes pode ser incompleta, além de apresentar diversos equívocos, pois não é emitida diretamente pelo juízo responsável pela condenação.
2.ª posição: Basta a juntada aos autos da ação penal da folha de antecedentes, pois dela consta a condenação anterior. É o entendimento do Supremo Tribunal Federal:
A legislação pátria não exige documento específico para que seja comprovada a reincidência do agente. (…) Enfatizou-se que, no caso, a folha de antecedentes, expedida por órgão policial, seria idônea a demonstrá-la, por conter todas as informações necessárias para isso, além de ser um documento público com presunção iuris tantum de veracidade.55
34.10.1.6. Espécies
Em relação à necessidade de cumprimento da pena imposta pela condenação anterior, a reincidência pode ser real ou presumida.
Reincidência real, própria ou verdadeira é a que ocorre quando o agente comete novo crime depois de ter cumprido integralmente a pena imposta como decorrência da prática do crime anterior.
Reincidência presumida, ficta, imprópria ou falsa, por sua vez, é a que ocorre quando o sujeito pratica novo crime depois da condenação definitiva pela prática de crime anterior, pouco importando tenha sido ou não cumprida a pena.
O Código Penal em vigor filiou-se à reincidência presumida. É suficiente, para alguém ser tratado como reincidente, a prática de novo crime depois do trânsito em julgado da condenação anterior.
Em outro plano, relativo às categorias dos crimes, a reincidência pode ser genérica ou específica.
Na reincidência genérica, os crimes praticados pelo agente são previstos por tipos penais diversos. Exemplo: “A” comete um furto, pelo qual é condenado com trânsito em julgado, e, posteriormente, pratica um estupro. É reincidente genérico.
De seu turno, na reincidência específica os dois ou mais crimes perpetrados pelo agente encontram-se definidos pelo mesmo tipo penal. Exemplo: “B” pratica um roubo, e, depois de definitivamente condenado, comete outro roubo. É reincidente específico.
A legislação penal brasileira, seguindo a tendência mundial, trata as duas situações de modo análogo. Os efeitos, em regra, são idênticos, seja genérica ou específica a reincidência.56
Em algumas raras situações, todavia, a reincidência específica comporta tratamento diferenciado.
No Código Penal, o art. 44, § 3.º, veda peremptoriamente a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ao reincidente específico, embora seja a medida socialmente recomendável.
É o que também se dá no livramento condicional para os crimes hediondos e equiparados, vedado para reincidente específico em crimes dessa natureza (CP, art. 83, V, acrescentado pela Lei 8.072/1990 – Lei dos Crimes Hediondos). Essa restrição foi ainda prevista expressamente aos autores dos crimes tipificados nos arts. 33, caput e § 1.º, e 34 a 37 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006, art. 44, parágrafo único).
Em relação aos crimes definidos na Lei 9.503/1997 – Código de Trânsito Brasileiro, o art. 296 autoriza ao reincidente específico em crimes nela previstos, a aplicação da penalidade de suspensão da permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor, sem prejuízo das demais sanções penais cabíveis.
34.10.1.7. Validade da condenação anterior para fins de reincidênciaNos termos do art. 64, I, do Código Penal:
Art. 64. Para efeito de reincidência:
I – não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação.
O dispositivo evidencia que a partir da Reforma da Parte Geral do Código Penal pela Lei 7.209/1984 adotou-se o sistema da temporariedade, limitando a validade da reincidência ao período de 5 (cinco) anos. É o que se convencionou chamar de período depurador, ou caducidade da condenação anterior para fins de reincidência.
Na redação original do Código Penal acolhia-se o sistema da perpetuidade, pelo qual o estigma da reincidência jamais seria desvinculado da pessoa do criminoso.57
O quinquênio deve ser contado entre a extinção da pena resultante do crime anterior – pelo seu cumprimento ou por qualquer outro motivo – e a prática do novo crime, sendo irrelevante a data da sentença proferida como sua decorrência. Leva-se em conta a data em que a pena foi efetivamente extinta, pouco importando o dia em que foi proferida a decisão judicial declaratória da extinção da punibilidade.
Computa-se nesse prazo de 5 (cinco) anos o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação. Nessas hipóteses, o prazo é contado do início do período de prova, que flui a partir da audiência admonitória, e não da extinção da pena, que somente se opera com o fim do período de prova. Destarte, se o condenado cumpre o sursis por 4 (quatro) anos, sem revogação, ao final do período de prova o juiz deverá declarar extinta a pena privativa de liberdade (CP, art. 82), e ele precisará somente de mais 1 (um) ano para que essa condenação não seja mais apta a caracterizar a reincidência.
34.10.1.8. Extinção da punibilidade do crime anterior
A questão que se coloca é a seguinte: Com a extinção da punibilidade do crime anterior, desaparece o pressuposto da reincidência?
Depende de dois fatores: o momento em que ocorreu a causa extintiva da punibilidade e a espécie de causa de extinção da punibilidade.
Com efeito, se a causa de extinção da punibilidade ocorreu antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, o crime anterior não subsiste para fins de reincidência. Essa conclusão é evidente, até mesmo porque, nesse caso, não existe condenação definitiva.58 É o que se dá, por exemplo, com a prescrição da pretensão punitiva.
Por outro lado, se a extinção da punibilidade efetivou-se após o trânsito em julgado da condenação, a sentença penal continua apta a caracterizar a reincidência, tal como ocorre na prescrição da pretensão executória. Essa regra, entretanto, comporta duas exceções: anistia e abolitio criminis.
Nesses casos, desfaz-se a própria condenação, pois são veiculadas por meio de lei, que torna atípico o fato até então incriminado (abolitio criminis) ou exclui determinados fatos do raio de incidência do Direito Penal (anistia). O próprio fato praticado pelo agente deixa de ser penalmente ilícito, não se podendo, por corolário, falar-se em reincidência.
34.10.1.9. Terminologias: reincidente, primário e tecnicamente primário
O Código Penal define somente o conceito de reincidente: é o sujeito que comete um novo crime depois do trânsito em julgado da sentença que o tenha condenado, no Brasil ou no estrangeiro, pela prática de crime anterior.
Destarte, o conceito de primário é obtido pela via residual, isto é, por exclusão. Com efeito, primário é todo aquele que não se encaixa no perfil do reincidente. Não se exige jamais tenha praticado um crime: basta que não tenha cometido um crime depois do trânsito em julgado de uma condenação anterior.
Em sede jurisprudencial, contudo, criou-se a figura do tecnicamente primário, que seria a pessoa que possui condenação definitiva, sem ser reincidente. A primariedade estaria limitada aos casos em que o agente não ostenta nenhuma condenação. Em nosso sistema penal, o tecnicamente primário poderia ser visualizado em duas hipóteses: a) o sujeito possui uma ou diversas condenações definitivas, mas não praticou nenhum dos crimes depois da primeira sentença condenatória transitada em julgado; e b) o indivíduo ostenta uma condenação definitiva, e depois dela praticou um novo crime. Entretanto, entre a extinção da punibilidade do crime anterior e o novo delito decorreu período superior a 5 (cinco) anos (CP, art. 64, I).
Essa denominação, contudo, deve ser utilizada com prudência, porque não encontra amparo legal.
Fala-se, ainda, em multirreincidente, expressão utilizada para referir-se ao sujeito que, mais do que ser reincidente, possui três ou mais condenações transitadas em julgado.
34.10.1.10. Efeitos da reincidência
A reincidência, além de constituir-se em agravante genérica, produz, entre outros, diversos efeitos desfavoráveis ao réu:
a) na pena de reclusão, impede o início do cumprimento da pena privativa de liberdade em regime semiaberto ou aberto, e, na pena de detenção, obsta o início do cumprimento da pena privativa de liberdade em regime aberto (CP, art. 33, caput, e § 2.º);59
b) quando em crime doloso, é capaz de impedir a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (CP, art. 44, II);
c) no concurso com atenuantes genéricas, possui caráter preponderante (CP, art. 67);
se em crime doloso, salvo quando imposta somente a pena de multa, impede a concessão do sursis (CP, art. 77, I e § 1.º);
e) autoriza a revogação do sursis (CP, art. 81, I e § 1.º), do livramento condicional (CP, art. 86, I e II, e art. 87) e da reabilitação, se a condenação for a pena que não seja de multa (CP, art. 95);
f) quando em crime doloso, aumenta o prazo para a concessão do livramento condicional (CP, art. 83, II);
g) impede o livramento condicional em crimes hediondos ou equiparados em caso de reincidência específica em crimes dessa natureza (CP, art. 83, V);
h) se antecedente à condenação, aumenta de um terço o prazo da prescrição da pretensão executória (CP, art. 110, caput);
i) se posterior à condenação, interrompe a prescrição da pretensão executória (CP, art. 117, VI);
j) impede a obtenção do furto privilegiado, da apropriação indébita privilegiada, do estelionato privilegiado e da receptação privilegiada (CP, arts. 155, § 2.º, 170, 171, § 1.º, e 180, § 5.º, in fine);
k) obsta os benefícios da transação penal e da suspensão condicional do processo (Lei 9.099/1995, art. 76, § 2.º, I, e art. 89, caput); e
l) autoriza a decretação da prisão preventiva, quando o réu tiver sido condenado por crime doloso (CPP, art. 313, II).
34.10.1.11. Crimes militares próprios, crimes políticos e a reincidência
O art. 63 do Código Penal refere-se unicamente a “crime”. Essa é a regra: qualquer crime pode ensejar a reincidência: dolosos ou culposos, punidos com reclusão ou detenção, de elevada ou mínima gravidade, consumados e mesmo os tentados, pois a lei limita-se a dizer “crime cometido”, o que não se confunde com “crime consumado”.
Um pouco adiante, porém, o art. 64, II, do Código Penal abre espaço para duas exceções, ao estatuir que, para efeito de reincidência, não se consideram os crimes militares próprios e os políticos.
Crimes militares próprios são os tipificados exclusivamente pelo Código Penal Militar (Decreto-lei 1.001/1969). Assim, somente podem ser praticados por quem preencha a condição específica de militar. Despontam como exemplos a deserção, o motim, a revolta e o desrespeito, entre outros.
Limita-se essa regra às hipóteses em que o agente pratica um crime militar próprio e depois um crime comum, ou, ainda, um crime militar impróprio. De fato, o art. 71 do Código Penal Militar prevê a reincidência quando o militar pratica um crime militar próprio, e, depois da condenação definitiva, comete outro crime de igual natureza.
Já os crimes militares impróprios são os previstos no Código Penal Militar e também pelo Código Penal, dos quais são exemplos o homicídio e o estupro. Funcionam como pressuposto da reincidência,pois foram excluídos pelo art. 64, II, a eles se aplicando a regra geral definida pelo art. 63 do Código Penal.
Também não caracteriza reincidência a condenação anterior transitada em julgado por crime político, que pode ser:
a) próprio ou puro: ofende apenas a segurança ou a organização do Estado. São os crimes contra a segurança nacional (Lei 7.170/1983). Será considerado reincidente específico em crime político próprio aquele que praticar um crime desta índole e, após o trânsito em julgado da condenação, cometer outro delito de igual natureza, uma vez que a Lei de Segurança Nacional não possui norma equivalente à prevista no art. 64, I, do Código Penal.
b) impróprio, impuro ou relativo: ofende a segurança ou a organização do Estado, e também um bem jurídico protegido pela legislação comum.
Em ambas as espécies afasta-se a reincidência do Código Penal, pois este diploma normativo, ao contrário do que fez no tocante aos crimes militares, não estabeleceu distinção entre crimes políticos próprios ou impróprios.60
Vale destacar que a condenação definitiva por crimes militares próprios e por crimes políticos caracteriza maus antecedentes, pois essa vedação não é alcançada pela regra contida no art. 64, I, do Código Penal, limitada ao instituto da reincidência.
34.10.1.12. Reincidência e maus antecedentes
No critério trifásico de aplicação da pena privativa de liberdade, os maus antecedentes do réu incidem na primeira fase, e a reincidência é utilizada na etapa seguinte.
Destarte, em se tratando de réu reincidente, a condenação penal definitiva deve ser realçada pelo magistrado somente na segunda fase da dosimetria da pena, por se constituir em agravante genérica, prevista expressamente no art. 61, I, do Código Penal. Não pode ser também utilizada para a caracterização de maus antecedentes, sob pena de fomentar o bis in idem, é dizer, a dupla punição pelo mesmo fato. Esse é o teor da Súmula 241 do Superior Tribunal de Justiça: “A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial”.
Entretanto, se o réu possui mais de uma condenação definitiva, uma pode ser utilizada como mau antecedente e outra, como agravante genérica (reincidência), não se falando em bis in idem.
34.10.1.13. Reconhecimento equivocado da reincidência, prejuízo ao réu e indenização pelo erro judiciário
Se a reincidência foi equivocadamente reconhecida na sentença ou no acórdão condenatório, seja porque não estava devidamente constituída, seja porque não foi observado o período depurador (CP, art. 64, inc. I), daí resultando danos materiais e/ou morais ao acusado, estará caracterizado o erro judiciário, acarretando ao Estado o dever de indenizar os prejuízos causados, na forma definida pelo art. 5.º, inc. LXXV, da Constituição Federal. Como já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça:
No caso em que o reconhecimento da reincidência tenha origem em infração anterior cuja pena tenha sido cumprida ou extinta há mais de 5 anos, deferido o pedido revisional para diminuir a pena equivocadamente fixada, será devida a indenização ao condenado que tenha sofrido prejuízos em virtude do erro judiciário. É que tendo sido reconhecido que o acusado foi considerado indevidamente reincidente, há clara contrariedade ao disposto no art. 64, I, do CP. Sobre o assunto, pondera a doutrina: “o conceito de erro judiciário deve transcender as barreiras limitativas da sentença condenatória impositiva de pena privativa de liberdade, para envolver toda e qualquer decisão judicial errônea, que tenha provocado evidente prejuízo à liberdade individual ou mesmo à imagem e à honra do acusado [...]”. E, nessa perspectiva, outra doutrina arremata: “é importante notar que, tal como a sentença condenatória – que serve como título judicial para a execução do dano praticado pelo agente em favor do ofendido (art. 63, CPP) –, também o acórdão rescindido em que se tenha reconhecido o direito à indenização servirá unicamente como título executivo para o réu condenado injustamente demandar o Estado, cujo quantum deverá ser apurado na esfera cível.61
34.10.2. Ter o agente cometido o crime (art. 61, II, do CP)
34.10.2.1. Por motivo fútil ou torpe (alínea “a”)
Motivo fútil é o insignificante, de pouca importância, completamente desproporcional à natureza do crime praticado. Exemplo: age com motivo fútil o marido que mata a esposa por não ter passado adequadamente uma peça do seu vestuário. Fundamenta-se a agravação da resposta estatal em razão do egoísmo, da atitude mesquinha que alimenta a conduta do responsável pela infração penal.
A ausência de motivo não deve ser equiparada ao motivo fútil, pois todo crime tem a sua motivação. Destarte, o desconhecimento acerca do móvel do agente não deve ser colocado no mesmo nível do motivo de somenos importância.62 Há, todavia, adeptos de posição contrária, os quais alegam que se um motivo ínfimo justifica a elevação da pena, com maior razão deve ser punida mais gravemente a infração penal imotivada.
O ciúme não deve ser enquadrado como motivo fútil. Esse sentimento, que destrói o equilíbrio do ser humano e arruína a sua vida não pode ser considerado insignificante ou desprezível.
A embriaguez, por sua vez, é incompatível com o motivo fútil. O embriagado não tem pleno controle do seu modo de agir, afastando, assim, a futilidade da força que o impele a transgredir o Direito Penal. Mas há quem diga que, em face da norma prevista no art. 28, II, do Código Penal (embriaguez voluntária ou culposa não exclui a imputabilidade penal), essa agravante genérica pode ser aplicada ao ébrio.63
Anote-se ainda que motivo fútil e motivo injusto não se confundem: todo crime é injusto, pois o sujeito passivo não é obrigado a suportá-lo, embora nem sempre seja fútil.
Motivo torpe é o vil, repugnante, abjeto, moralmente reprovável. Exemplo: matar um parente para ficar com a sua herança. Fundamenta-se a maior quantidade de pena pela violação do sentimento comum de ética e de justiça.
A vingança não caracteriza automaticamente a torpeza. Será ou não torpe, dependendo do motivo que levou o indivíduo a vingar-se de alguém. Exemplos: (1) Não é torpe a conduta do pai que mata o estuprador de sua filha. Ao contrário, trata-se de relevante valor moral (privilégio), nos moldes do art. 121, § 1.º, do Código Penal; e (2) É torpe o ato de um traficante consistente em matar outro vendedor de drogas que havia, no passado, dominado o controle do tráfico na favela então gerenciada pelo assassino.
Ressalte-se que, por absoluta incompatibilidade, um motivo não pode ser simultaneamente fútil e torpe. Uma motivação exclui a outra. Pode ser fútil ou torpe, mas nunca ambos.
34.10.2.2. Para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou a vantagem de outro crime (alínea “b”)
Essa agravante genérica repousa na conexão, ou seja, na ligação entre dois ou mais crimes.
A conexão pode ser teleológica, quando o crime é praticado para facilitar ou assegurar a execução de outro crime (exemplo: furtar um banco para, com o dinheiro, adquirir um carro roubado), ou consequencial, na hipótese em que o crime é cometido para facilitar ou assegurar a ocultação, a impunidade ou a vantagem de outro crime (exemplo: coagir uma testemunha para não incriminar em juízo o autor de um tráfico de drogas).
Cuida-se, em verdade, de uma forma especial de motivo torpe, pois buscar de qualquer modo, com um crime, executar outro delito, ocultá-lo, dele escapar ou em razão dele lucrar revela a intensa depravação moral do agente.
Configura-se a agravante genérica mesmo que não seja iniciado o crime almejado pelo agente. Basta sua intenção de cometê-lo. Contudo, quando forem realizados os dois delitos, por eles responderá o sujeito, em concurso material (CP, art. 69).
34.10.2.3. À traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido (alínea “c”)
Valeu-se o legislador da interpretação analógica ou intra legem. O dispositivo contém uma fórmula casuística seguida

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