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Autora: Profa. Telma Fátima da Cunha Moraes Colaboradores: Profa. Vanessa Santhiago Prof. Marcel da Rocha Chehuen Educação Física na Terceira Idade Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 03 /1 8 Professor conteudista: Telma Fátima da Cunha Moraes Natural de Jundiaí‑SP, fez graduação em Esporte (2005), mestrado (2010), doutorado (2015) e pós‑doutorado (em andamento) na área de Ciências (mestrado e doutorado em Fisiologia do Exercício e pós‑doutorado em Treinamento de Força) pela Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE‑USP). Durante a graduação, realizou um intercâmbio estudantil (2005) na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, em Portugal. Iniciou sua carreira acadêmica através de sua iniciação científica (2004), dando continuidade com os trabalhos de mestrado e doutorado com populações especiais. Durante esse período, ganhou prêmios como primeira autora no Congresso Brasileiro de Metabolismo, Nutrição e Exercício: Gerar‑Med Destaque Científico, em Londrina, e no Congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo: Prêmio Interdisciplinar, em São Paulo, ambos em 2012. Trabalhou em colaboração em diversos estudos nas áreas de envelhecimento, doenças crônico‑degenerativas, tais como insuficiência cardíca e Parkinson, treinamento físico e regulação de massa muscular. Atualmente, é professora da Universidade Paulista (UNIP) no curso de Educação Física, ministrando aulas também para os cursos de Biomedicina e Fisioterapia. Em 2017, foi professora substituta da disciplina Genética da Atividade Motora na EEFE‑USP. Na pós‑graduação, é professora colaboradora desde 2013 da disciplina Sistema Nervoso Autônomo, no Programa de Aprimoramento Profissional em Condicionamento Físico Aplicado à Prevenção Cardiológica Primária e Secundária da Escola de Educação Permanente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Foi professora convidada também de cursos de pós‑graduação stricto sensu (Unifesp e Unicamp) e lato sensu (Estácio, Unicid e USP). Em 2017, foi professora colaboradora da disciplina Metodologia da Pesquisa Quantitativa na EEFE‑USP. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) P827e Moraes, Telma Fátima da Cunha. Educação Física na Terceira Idade. / Telma Fátima da Cunha Moraes. – São Paulo: Editora Sol, 2018. 120 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXIV, n. 2‑078/18, ISSN 1517‑9230. 1. Desenvolvimento. 2. Comportamento motor. 3. Envelhecimento. I. Título. CDU 796.4‑053.89 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 03 /1 8 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona‑Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Lucas Ricardi Kleber Souza Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 03 /1 8 Sumário Educação Física na Terceira Idade APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 DESENVOLVIMENTO E ENVELHECIMENTO ................................................................................................9 1.1 Transição demográfica ....................................................................................................................... 10 1.2 Classificações e conceitos ................................................................................................................. 12 1.2.1 O processo de envelhecimento ......................................................................................................... 13 1.2.2 Teorias do envelhecimento ................................................................................................................. 15 1.3 Desenvolvimento de atitudes positivas frente à velhice...................................................... 18 1.3.1 Redescobrindo o envelhecimento .................................................................................................... 21 2 DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO, SOCIAL, COGNITIVO E MOTOR: IMPLICAÇÕES PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA .............................................................................................................................. 24 2.1 Desenvolvimento psicológico e implicações para a Educação Física .............................. 24 2.2 Desenvolvimento social e implicações para a Educação Física ......................................... 28 2.3 Desenvolvimento cognitivo e as implicações para a Educação Física ............................ 31 2.3.1 Declínio cognitivo anormal: doenças neurodegenerativas ................................................... 34 2.4 Desenvolvimento motor e as implicações para a Educação Física .................................. 36 3 ENVELHECIMENTO: SAÚDE E DOENÇA ................................................................................................... 38 3.1 Aumento da população idosa e as doenças crônicas não transmissíveis ..................... 39 3.2 Conceito e promoção de saúde ...................................................................................................... 41 3.2.1 Alimentação saudável ........................................................................................................................... 43 3.2.2 Prática de atividades físicas ............................................................................................................... 44 3.3 Modelos e o processo saúde‑doença ........................................................................................... 46 4 CAPACIDADES MOTORAS, TREINAMENTO E ENVELHECIMENTO .................................................. 48 4.1 A influência do envelhecimento no desempenho das capacidades motoras .............. 52 4.2 Treinamento físico e as capacidades motoras .......................................................................... 53 Unidade II 5 COMPORTAMENTO MOTOR DURANTE O ENVELHECIMENTO ........................................................ 59 5.1 Comportamento motor e os sistemas sensorial e perceptivo............................................ 60 5.1.1 Desenvolvimento motor: modelo das restrições ....................................................................... 62 5.2 Comportamento motor e as fases do desenvolvimento motor ........................................ 63 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : Jef fe rs on - 2 9/ 03 /1 8 6 PROCESSO ENSINO‑APRENDIZAGEM DE HABILIDADES MOTORAS DE INDIVÍDUOS IDOSOS .................................................................................................................................................................... 66 6.1 Processo ensino‑aprendizagem e o idoso .................................................................................. 69 6.2 Modelos de intervenção em Educação Física para populações idosas ........................... 72 6.2.1 Treinamento aeróbio ............................................................................................................................. 72 6.2.2 Treinamento resistido ............................................................................................................................ 74 6.2.3 Treinamento de flexibilidade .............................................................................................................. 76 6.2.4 Treinamento com exercícios coordenativos (elevada complexidade motora) ............... 76 6.2.5 Treinamento de força com instabilidade ...................................................................................... 77 6.2.6 Treinamento com restrição de fluxo sanguíneo ......................................................................... 78 6.2.7 Exergames .................................................................................................................................................. 78 7 EDUCAÇÃO FÍSICA PARA IDOSOS EM RELAÇÃO À RESISTÊNCIA AERÓBIA, FORÇA, FLEXIBILIDADE, AGILIDADE E EQUILÍBRIO ................................................................................................. 79 7.1 Controle de variáveis .......................................................................................................................... 80 7.2 Estabelecendo critérios ...................................................................................................................... 81 7.3 Prescrição de exercícios físicos ....................................................................................................... 84 7.3.1 Resistência aeróbia ou aptidão cardiorrespiratória .................................................................. 84 7.3.2 Força ............................................................................................................................................................. 85 7.3.3 Flexibilidade ............................................................................................................................................... 86 7.3.4 Agilidade ..................................................................................................................................................... 86 7.3.5 Equilíbrio .................................................................................................................................................... 87 8 AVALIAÇÃO DA CAPACIDADE FUNCIONAL ........................................................................................... 87 7 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 03 /1 8 APRESENTAÇÃO O envelhecimento da população, com projeções de um número cada vez maior de idosos no futuro, tem chamado a atenção de governos, instituições como a Organização Mundial da Saúde e profissionais de diversas áreas. A preocupação dos governos e das instituições é criar políticas públicas que assegurem os direitos desses indivíduos; já os profissionais dos diferentes segmentos buscam estratégias para melhorar a qualidade de vida dessas pessoas. Isso porque o processo de envelhecimento é uma fase diferente do desenvolvimento, na qual não se observa melhora ou aprimoramento de funções; pelo contrário, se observam reduções e perdas, que acarretam a necessidade de adaptação do indivíduo às mudanças inerentes dessa fase da vida. Além das transformações fisiológicas, bioquímicas e cognitivas, verificam‑se alterações psicológicas e sociais decorrentes de um novo posicionamento na sociedade, geralmente relacionado à aposentadoria e ao surgimento do “tempo livre”. Dessa forma, ao considerarmos o processo de envelhecimento e as mudanças na vida das pessoas idosas, verificamos que o profissional de Educação Física tem um vasto campo de atuação, podendo trabalhar em diversos aspectos relacionados a esse processo, principalmente porque a atividade física pode auxiliar na melhora da qualidade de vida do idoso. Nesse sentido, o estudo e a compreensão do processo de envelhecimento poderão contribuir com a formação sólida do educador físico, capacitando‑o para atuar de maneira adequada, considerando as características e necessidades dessa população. Portanto, ao final dessa disciplina e com o auxílio deste livro‑texto, você será capaz de: • conhecer as principais características do desenvolvimento do idoso, discutindo os aspectos socioafetivo, cognitivo e motor e as respectivas implicações para a educação física; • compreender as necessidades, objetivos e significados de se trabalhar as tarefas adequadas ao idoso e sua relação com a atividade cognitivo‑motora; • dominar os conhecimentos que dão suporte à escolha de tarefas motoras adequadas à população idosa; • refletir criticamente sobre os fundamentos da educação física na terceira idade, bem como o papel do profissional que atua com essa população. INTRODUÇÃO Uma enfermeira recém‑formada tinha sido contratada para trabalhar em uma clínica que atende muitos idosos. Antes de iniciar a atividade, ela teria que fazer um curso para entender a forma de trabalho do local. No dia do curso, essa enfermeira e outras pessoas contratadas se sentaram em uma sala à espera da professora que daria o curso. A professora, ao chegar, pediu ajuda aos enfermeiros, pois carregava muitos materiais. Ao separar esses objetos, a professora pediu que cada pessoa pegasse um par de óculos, duas caneleiras (musculação), bexigas, uma calça, fones de ouvido e um protetor bucal. Solicitou 8 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 03 /1 8 que colocassem os óculos, vestissem a calça (que era bem grande), colocassem as caneleiras por cima da calça e as bexigas por dentro, até que a região da cintura ficasse completamente preenchida. Em seguida, pediu para que utilizassem o protetor bucal. Por último, solicitou que os alunos do curso passassem um determinado creme nas mãos, mas que antes disso, colocassem os fones de ouvido. Com os alunos preparados, a professora pediu para eles fizessem alguns movimentos. O problema é que os alunos apresentavam muita dificuldade em entender o que ela dizia e, também, em se movimentar com aqueles materiais. Um dos alunos tentou reclamar dos óculos que deixavam a visão embaçada, mas era muito difícil falar com aquele protetor bucal. Outra aluna tentou amarrar os cadarços do tênis, mas as bexigas não permitiam, pois elas estavam muito cheias. Alguns perceberam que as mãos perderam um pouco de sensibilidade após o creme, o que dificultava a percepção. Após essa vivência, a professora pediu para que eles tirassem os materiais e respondessem o que achavam que ela pretendia com aquela experiência. Os alunos se entreolharam e mantiveram o silêncio. Sem respostas, a professora explicou: “Essa vivência teve o objetivo de fazer vocês se sentirem como os idosos se sentem. Com o envelhecimento, a visão fica embaçada; os ouvidos já não interpretam bem os sons; as pernas ficam pesadas e a cintura fica maior com o ganho de peso, o que dificulta o movimento; as mãos perdem sensibilidade e força; e a fala também é modificada”. Os alunos, a partir da explicação da professora, perceberam que o trabalho deles teria que ser diferenciado, especial, pois o indivíduo ao envelhecervivencia diversas mudanças em seu corpo, o que não permite que ele desempenhe suas funções da mesma forma. Nesse sentido, o trabalho daquelas pessoas teria que ser adaptado para atender às necessidades dos idosos. Você pode estar se perguntando nesse momento: “Mas eu não sou enfermeiro! Serei professor de Educação Física! O que o conhecimento dessas mudanças causadas pelo envelhecimento pode agregar em minha formação?” O conhecimento das mudanças decorrentes do envelhecimento é muito importante para os profissionais de Educação Física, pois a prática de atividades físicas contribui para minimizar os efeitos da velhice e melhorar a qualidade de vida dessas pessoas. Dessa forma, assim como os enfermeiros, os educadores físicos devem estar preparados para trabalhar com essa população, desenvolvendo atividades apropriadas que estimulem os aspectos psicológicos, sociais, cognitivos e motores. Além disso, a prática de atividades físicas pode proporcionar uma vida mais independente e autônoma, fazendo da velhice um período de novas experiências e expectativas. Nessa disciplina, então, abordaremos diversos aspectos do envelhecimento, desde os fatores relacionados ao aumento da população idosa; as atitudes frente à velhice; o desenvolvimento psicológico, social, cognitivo e motor e as implicações para a Educação Física; até a elaboração de programas de Educação Física para idosos. Começamos agora essa viagem do conhecimento pelo universo do envelhecimento! 9 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 03 /1 8 EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE Unidade I 1 DESENVOLVIMENTO E ENVELHECIMENTO As pessoas, do nascimento até a morte, passam por inúmeras transformações, as quais determinam, ao longo do tempo, suas características. Essas transformações podem se referir ao aumento progressivo das dimensões do corpo, como o aumento da estatura, ou definir o aprimoramento/declínio de alguma função do organismo, como ocorre com a marcha (andar/caminhar). Nesse sentido, o aumento progressivo das dimensões corporais, tais como o tamanho dos braços e das pernas, tem sido associado ao processo de crescimento, que é caracterizado pela crescente multiplicação e diferenciação celular, sendo definido como um processo quantitativo que ocorre do nascimento até se alcançar a maturação biológica, geralmente no início da idade adulta (por volta dos 20 anos de idade). Já as transformações que alteram as funções do organismo se relacionam ao processo de desenvolvimento, o qual resulta de uma sequência de modificações que aprimoram ou limitam tais funções. Esse processo ocorre de maneira simultânea ao crescimento, determinando características quantitativas e qualitativas ao desenvolvimento. Contudo, o processo de desenvolvimento, diferente do crescimento, ocorre por toda a vida de um indivíduo, cessando apenas com a morte (GUEDES, 2011). Considerando a marcha e o desenvolvimento, podemos observar que para que uma criança consiga andar, é preciso aprender o movimento, mas também é preciso desenvolver certas características do corpo, como o fortalecimento da musculatura esquelética. Com o crescimento e o desenvolvimento, essa criança conseguirá aprimorar sua marcha, alcançando, na idade adulta, um padrão mais complexo desse movimento. Já com o envelhecimento, caminhar fica mais difícil, pois ocorrem diversas perdas no organismo, como a perda de massa óssea, de massa muscular e de força, prejudicando a realização da prática. Dessa forma, o desenvolvimento não se relaciona apenas ao aumento da qualidade das funções do organismo, tais como motora, cognitiva ou comportamental, observado durante o crescimento do indivíduo, mas reflete ainda a perda ou declínio dessas funções, como ocorre no envelhecimento (veja a figura a seguir), o qual tem ganhado destaque em decorrência do aumento da expectativa de vida da população mundial no final do século XX e da importância de se manter a qualidade de vida dessas pessoas. 10 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 03 /1 8 Unidade I Figura 1 – Fases do desenvolvimento: da infância à velhice 1.1 Transição demográfica As melhorias nas condições de vida e a redução da mortalidade associada aos avanços tecnológicos e ao desenvolvimento de medicamentos mais eficientes no combate a muitas enfermidades, tais como as doenças cardiovasculares, têm sido determinantes para esse aumento da população mundial de idosos, o que começou a ser observado por volta dos anos 1970. A expectativa, segundo a Organização Mundial de Saúde, é que em 2020 o número de pessoas com mais de 60 anos seja maior que o de crianças de até cinco anos de idade. Um aspecto interessante é que 80% desses idosos viverão em países em desenvolvimento como o Brasil (MATHERS et al., 2015). Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) têm mostrado o aumento tanto da expectativa de vida como do número de idosos no Brasil nas últimas décadas. A expectativa de vida era de 62,7 anos em 1980, de 72,8 anos em 2008, chegando a 74,6 anos em 2012 (IBGE, 2008, 2010, 2013). Entre 2012 e 2016, a população idosa cresceu 16%, totalizando 29,6 milhões de pessoas, e a projeção da expectativa de vida em 2020 é de 76,7 anos em média. Contudo, o número de crianças com até 9 anos de idade caiu de 14,1% para 12,9% da população nesse período (IBGE, 2013). Esses dados confirmam a transição demográfica observada no Brasil nos últimos anos. A transição demográfica se refere às modificações observadas na fecundidade e na mortalidade de uma determinada população. Segundo Nasri (2008), uma população se torna mais idosa à medida que aumenta a proporção de indivíduos idosos e diminui a parcela de pessoas mais jovens, ou seja, para que uma determinada população envelheça, é necessário haver também uma menor taxa de fecundidade. No Brasil, os parâmetros que favoreceram o aumento do número de idosos ocorreram entre os anos de 1940 e 1960. Nesse período, com a incorporação dos avanços da medicina às políticas públicas de saúde, houve uma redução na taxa de mortalidade e um aumento da fecundidade, aumentando o número de jovens. No entanto, a partir de 1960, a redução da fecundidade, que começou nos 11 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 03 /1 8 EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE grupos populacionais mais favorecidos e nas regiões mais desenvolvidas, tais como o Sul e o Sudeste, generalizou‑se rapidamente e desencadeou o processo de transição da estrutura etária (NASRI, 2008). Associados à redução da fecundidade, estratégias como a criação de campanhas de vacinação em massa e de programas de nutrição infantil, de incentivo ao pré‑natal e à amamentação, assim como a contratação de agentes de saúde, refletiram no aumento da expectativa de vida anos mais tarde. Para ilustrar essa transição demográfica, podemos observar na figura a seguir as taxas brutas de natalidade e mortalidade desde 1872 até 2010. Esse gráfico ilustra em laranja a evolução da natalidade e os fatores que contribuíram para sua redução e, em azul, a taxa de mortalidade e a influência dos antibióticos. 18901881 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 1900 Crescimento vegetativo Taxa bruta de natalidade % Taxa bruta de mortalidade Esterelização feminina Antibióticos Pílula 1910 1920 1930 1945 1955 1965 1975 1985 1995 2000 2010 Figura 2 – Evolução das taxas de natalidade e mortalidade no Brasil entre os anos de 1872 e 2010 Ao considerarmos esses dados da transição demográfica no Brasil, podemos observar que ela aconteceu de forma rápida, assim como em outros países em desenvolvimento, tais como os que compõem a AméricaLatina. Enquanto os países em desenvolvimento demoraram cerca de 30 a 40 anos para aumentar a população de idosos, os países desenvolvidos, como o Japão e a Suíça, demoraram 100 anos (LITVOC; BRITO, 2004). Além disso, as causas do envelhecimento também foram diferentes. Enquanto no Brasil intervenções na infância, em um certo período, culminaram no aumento da longevidade, nos países desenvolvidos o aumento da expectativa de vida foi desencadeado pela redução das mortes por doenças cardiovasculares, como o infarto do miocárdio e o acidente vascular cerebral (MATHERS et al., 2015). Essa redução na mortalidade estaria associada à criação de campanhas e intervenções de baixo custo para reduzir o consumo de sal (cloreto de sódio) e o uso do tabaco. Diante desse cenário, estima‑se que nas próximas décadas a taxa de crescimento será muito baixa ou até negativa, acarretando um aumento ainda maior do número de idosos (NASRI, 2008). Nesse sentido, as projeções da Organização Mundial da Saúde em 2017 apontam que em 2050 a população mundial de idosos será de 2 bilhões de pessoas. No Brasil, estima‑se que 28% dos idosos terão 80 anos ou mais, sendo a maioria dessa população do gênero feminino. No ano de 2000, para cada cem mulheres idosas, havia 81 homens idosos; em 2050, haverá provavelmente cerca de 76 idosos para cem idosas (NASRI, 2008), conforme a figura a seguir: 12 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 03 /1 8 Unidade I 9.000.000 9.000.0007.000.0007.000.000 5.000.000 5.000.0003.000.0003.000.000 1.000.000 1.000.000 Homens 2050 2040 2030 2020 2010 2005 2000 1990 1980 Mulheres População Figura 3 – Aumento da população idosa com mais de 80 anos (homens e mulheres) e as projeções para 2050 Dessa forma, iniciativas que favoreçam um envelhecimento mais saudável e autônomo tornam‑se cada vez mais importantes (MARANHÃO‑NETO; LEON; FARINATTI, 2011). Mas quem é o idoso? Como ocorre esse processo de envelhecimento? Saiba mais Um artigo do Professor Berlindes Küchemann: Envelhecimento populacional, cuidado e cidadania: velhos dilemas e novos desafios, apresenta os diversos aspectos envolvidos com o crescimento da população idosa. KÜCHEMANN, B. A. Envelhecimento populacional, cuidado e cidadania: velhos dilemas e novos desafios. Revista Sociedade e Estado, v. 27, n. 1, p. 165‑180, jan./abr., 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/se/ v27n1/09.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2018. 1.2 Classificações e conceitos A definição de idoso a partir da idade cronológica de um indivíduo ainda não apresenta um consenso na literatura devido à variabilidade biológica observada no processo de envelhecimento. Cada pessoa envelhece em um ritmo diferente, que depende de diversos fatores, tais como os sociais, os econômicos, os ambientais, a presença de doenças, entre outros. A Organização Mundial da Saúde, por exemplo, considera as condições socioeconômicas de cada nação para estabelecer a idade cronológica de um idoso. Em países em desenvolvimento, é considerado idoso aquele indivíduo que tem 60 anos de idade ou mais. Já nos países desenvolvidos, a idade se estende para 65 anos (WHO, 2002). De acordo com Schneider e Irigaray (2008), uma das classificações mais utilizadas estabelece como idoso o indivíduo a partir de 65 anos de idade, definindo três grupos: os idosos jovens, os idosos velhos 13 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 03 /1 8 EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE e os idosos mais velhos. Os idosos jovens são indivíduos com idade entre 65 a 74 anos, que geralmente se apresentam ativos. Os idosos velhos, de 75 a 84 anos, e os idosos mais velhos, de 85 anos ou mais, são aqueles que têm maior tendência para a fraqueza e para a enfermidade, e podem ter dificuldade para desempenhar algumas atividades da vida diária. No entanto, como o processo de envelhecimento apresenta grande variabilidade entre os indivíduos, alguns podem se manter ativos e independentes, mesmo em idades mais avançadas. Em contrapartida, indivíduos com menos de 65 anos podem precisar de ajuda para realizar atividades simples da vida diária. Nesse sentido, pode‑se utilizar a classificação por idade funcional (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006). Outra denominação bastante utilizada para determinar essa fase da vida consiste no termo terceira idade. Ele foi criado pelo gerontólogo francês Huet (especialista em envelhecimento) no início do século XX para designar pessoas com mais de 60 anos de idade (FARINATTI, 2008a). Mais recentemente, a expressão quarta idade foi criada também na França para designar pessoas com mais de 80 anos. Esses indivíduos podem ser chamados também de senescentes, já que a fase mais tardia do envelhecimento é denominada senescência. Outros termos comuns são: melhor idade, adulto maduro, adulto mais velho, meia‑idade, maturidade, idade maior e idade madura (NERI; FREIRE, 2000). Com a definição de quem é o idoso, é preciso entender como ocorre esse processo que determina ou torna um indivíduo idoso. Lembrete Não há uma idade biológica que determine o início do envelhecimento. Essa fase é estabelecida, geralmente, através de fatores socioeconômicos, que variam entre os países. 1.2.1 O processo de envelhecimento O envelhecimento é um fenômeno natural e contínuo dos seres vivos, incluindo o ser humano, e pode ser evidenciado de maneira diferente para cada indivíduo, pois não ocorre necessariamente de forma simultânea à idade cronológica, sendo influenciado pelo modo como o indivíduo vive (o que pode desencadear doenças, por exemplo) e pelas relações que ele estabelece (MOTA, 2002). Uma característica importante do envelhecimento é o declínio progressivo de todos os processos bioquímicos e fisiológicos do organismo (NÓBREGA et al., 1999). Podemos apresentar como exemplos a perda de massa muscular, da densidade mineral óssea, da elasticidade da pele e da quantidade de colágeno e o aumento de tecido adiposo na região abdominal, que alteram o equilíbrio, a capacidade de absorção de choques e o controle da perda de calor corporal (HAYFLICK, 1996). Além disso, esse aumento do tecido adiposo está relacionado ao aumento no risco de desenvolvimento de doenças crônicas (HUAYLLAS et al., 2001; MATSUDO; MATSUDO; BARROS NETO, 2000). Outra mudança importante se refere à redução no percentual de água no organismo, passando de 60% para 52%, o que acarreta maior 14 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 03 /1 8 Unidade I rigidez nos tendões, ligamentos e cartilagens articulares (MARTEL et al., 2006; BASSET; SCHNEIDER; HUNTINGTON, 2004). A função cognitiva também é prejudicada. Nessa fase da vida, muitos idosos apresentam quadros de demência ou perda de memória, desencadeando problemas na execução das tarefas da vida diária (BLONDELL; HAMMERSLEY‑MATHER; VEERMAN, 2014). O metabolismo é alterado e a concentração de hormônios é reduzida com o envelhecimento. Por volta dos 60 anos, verifica‑se uma menor produção de ACTH (hormônio adrenocorticotrófico), que estimula a produção e a liberação de cortisol e de testosterona nos homens. Já as mulheres apresentam uma redução nas concentrações de estrógeno desencadeada pelo processo de menopausa, o qual se inicia antes da terceira idade, entre os 45 e 50 anos de idade (POLI; SCHWANKE; CRUZ, 2010). A redução das concentrações hormonais prejudica a produção de tecido ósseo, principalmente nas mulheres, diminuindo a densidade mineral óssea em cerca de 1% a 3% a cada ano, o que desencadeia uma redução da estatura, fragilidade óssea, osteopenia e até osteoporose (HIRSCHFELD; KINSELLA; DUQUE, 2017). Esse quadro de fragilidade óssea é agravadodevido às alterações que também ocorrem na musculatura esquelética, que protege e move os ossos durante o movimento. Observa‑se atrofia muscular (redução da massa muscular), acompanhada de diminuição da força e da potência dos músculos (DOHERTY, 2003), conforme a figura a seguir: Hipotrofia Homeostase Hipertrofia AST muscular Atrofia Doenças Ganho de massa Sobrecarga Resultante de jejum, desnervação, caqueixa, envelhecimento Figura 4 – Processo de regulação do ganho e da perda de massa muscular. Entre os fatores que reduzem a massa muscular está o envelhecimento. AST = Área de secção transversa (tamanho do músculo) Ao considerarmos o sistema imune, verificamos uma redução tanto nas respostas do sistema imune inato como do sistema imune adquirido, resultantes das alterações nas células de defesa do organismo como os leucócitos e os linfócitos. Essas alterações prejudicam a resposta contra organismos invasores, tais como vírus e bactérias, piorando o combate às inflamações e às infecções (ESQUENAZI, 2008) e aumentando a susceptibilidade a doenças. 15 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 03 /1 8 EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE Dentre os diversos processos fisiológicos que são alterados com o avanço da idade, destaca‑se a diminuição na capacidade de execução das atividades de vida diárias (AVDs), aumentando o grau de dependência dos idosos (INOUYE et al., 2007). Uma das consequências é o crescimento no número de quedas, que comumente resultam em fraturas e são consideradas causa frequente de dependência e morbidade na terceira idade (MORELAND et al., 2004). De fato, Cabrera e colaboradores (2007), em um estudo de coorte prospectivo com tempo médio de seguimento de 9 anos, observaram que de 840 idosos estudados, 36% vieram a óbito, sendo 8,6% devido, exclusivamente, a quedas. Esse processo, o qual envolve as mudanças observadas no envelhecimento, pode ser categorizado considerando a presença de doenças e de fatores intervenientes (veja o quadro a seguir). O envelhecimento pode ser classificado como envelhecimento primário, secundário e terciário (BIRREN; SCHROOTS, 1996). O envelhecimento primário corresponde ao processo de envelhecimento natural, inevitável e determinado geneticamente, o qual não está associado à presença de doenças. Já o envelhecimento secundário resulta da interação entre o estilo de vida e as influências do ambiente, como a poluição, desencadeando doenças. O envelhecimento terciário, por sua vez, caracteriza‑se por profundas perdas físicas e cognitivas, ocasionadas pelo acúmulo dos efeitos do envelhecimento, assim como pela presença de doenças relacionadas à idade. Quadro 1 – Classificação dos tipos de envelhecimento Tipos Características Primário • Processo natural. • Sem a presença de doenças. Secundário • Interação entre estilo de vida e meio ambiente. • Presença de doenças. Terciário • Grandes perdas físicas e cognitivas associadas ao acúmulo de efeitos do envelhecimento. • Presença de doenças. Fonte: Birren e Schroots (1996). Portanto, o envelhecimento é um processo inerente dos seres vivos e, devido às melhores condições de vida, mais pessoas têm vivenciado essa fase. Nesse sentido, diversas teorias têm sido desenvolvidas na tentativa de explicar e entender os fatores que desencadeiam o envelhecimento. Essas teorias se relacionam a duas correntes de pensamento: a biológica e a social, que serão discutidas a seguir. 1.2.2 Teorias do envelhecimento O aumento do número de idosos é um fenômeno mundial que tem despertado o interesse de diversos pesquisadores. Esses cientistas buscam respostas para compreender os mecanismos envolvidos com o processo de envelhecimento a partir da visão biológica, que está atrelada ao declínio e degeneração de estruturas e funções do organismo (FRIES; PEREIRA, 2011; CUNHA; JECKEL‑NETO, 2002) e da visão social, que enfatiza o papel do comportamento e das relações sociais nesse processo (FARINATTI, 2008b; HAVIGHURST, 1961). 16 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 03 /1 8 Unidade I As teorias biológicas correspondem à Teoria genética, à Imunológica, à do Acúmulo de danos, à das Mutações, à do Uso e desgaste e à dos Radicais livres. Já as teorias sociais consistem na Teoria do Desengajamento social, na Teoria da atividade e na Teoria da subcultura do envelhecimento. 1.2.2.1 Teorias biológicas São teorias biológicas: • Teoria genética: essa teoria relaciona o envelhecimento a uma programação preestabelecida pelo próprio genoma, que definiria as alterações que ocorreriam no organismo ao longo do tempo, regulando a expectativa de vida através da ação dos genes. Outro mecanismo que poderia influenciar as alterações e o ritmo do envelhecimento estaria relacionado ao encurtamento dos telômeros, estruturas localizadas no final dos cromossomos das células eucarióticas, que protegem as pontas dos cromossomos após a replicação do DNA. Com o encurtamento progressivo dos telômeros poderia ocorrer perdas de informações genéticas, estimulando o processo de envelhecimento. • Teoria imunológica: essa teoria defende que a diminuição da resposta imune estaria relacionada ao envelhecimento do timo, glândula responsável pelo desenvolvimento e pela diferenciação dos linfócitos T, células importantes que comandam a ação do sistema imune. Com a imunidade mais baixa, o corpo ficaria mais vulnerável a alterações do organismo e a doenças. • Teoria do acúmulo de danos: segundo essa teoria, o envelhecimento seria causado pelo acúmulo de moléculas defeituosas provenientes de falhas nos processos de produção e reparo dessas moléculas e associadas a erros nos mecanismos moleculares de replicação do DNA, transcrição do RNA e tradução de proteínas, desencadeando uma perda progressiva de função. • Teoria das mutações: essa teoria defende que, a partir das divisões celulares e da exposição às influências do meio (externo), ocorreriam alterações celulares que poderiam desencadear mutações, prejudicando as funções do organismo. • Teoria do uso e desgaste: essa teoria pressupõe que o envelhecimento seria causado pelo excesso de exposição ao meio (externo), causando doenças e lesões. Com o tempo, o corpo perderia a capacidade de recuperação dessas agressões (doenças e lesões), provocando alterações nas estruturas e funções do organismo. • Teoria dos radicais livres: essa teoria é a mais aceita atualmente. Ela propõe que o envelhecimento normal seria resultado de danos intracelulares causados pela ação dos radicais livres. Esses radicais são moléculas instáveis e reativas, derivadas do oxigênio e do nitrogênio, que atacam diferentes moléculas do organismo em busca de estabilidade. Eles podem causar danos reversíveis e irreversíveis às moléculas. Nessa teoria, as moléculas modificadas perderiam sua função e favoreceriam alterações maiores no organismo. 17 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 03 /1 8 EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE Para facilitar o entendimento dessas teorias, segue um resumo com as características de cada uma: Quadro 2 – Teorias biológicas sobre o envelhecimento Teoria Conceitos Genética Programação preestabelecida pelo genoma Imunológica Envelhecimento do timo, imunidade baixa e vulnerabilidade a doenças Acúmulo de danos Acúmulo de falhas no processo de produção e reparo das moléculas Mutações Interferências do meio que causam mutações, prejudicando as funções do organismo Uso e desgaste Perda de capacidade de recuperação total do organismo ao longo do tempo Radicais livres Danos celulares causados pela ação dos radicais livres Observação Grande parte dos radicaislivres de oxigênio é produzida na respiração celular que ocorre dentro da mitocôndria. O oxigênio pode receber um elétron a mais nesse processo, tornando‑se reativo. 1.2.2.2 Teorias sociais São teorias sociais: • Teoria do desengajamento social: essa teoria considera o distanciamento gradual do indivíduo das pessoas e de suas relações sociais como um processo inevitável ao longo do tempo, e uma forma de preparação para a morte. • Teoria da atividade: nessa teoria, o foco é o envelhecimento bem‑sucedido e a satisfação do idoso. Para isso, seria necessário manter, pelo maior tempo possível, as atividades iniciadas na meia‑idade, e estas, quando essencial, seriam substituídas por outras práticas. • Teoria da subcultura do envelhecimento: essa teoria defende um padrão de comportamento comum aos idosos de forma geral. Essa repetição formaria uma subcultura. Após conhecermos as diversas teorias sobre o envelhecimento, podemos verificar que trata‑se de um processo complexo. A compreensão das alterações desencadeadas nessa fase pode auxiliar no desenvolvimento e aprimoramento de estratégias para manter ou melhorar a qualidade de vida dos idosos. A primeira estratégia pode ser encarar o passar dos anos de forma positiva. 18 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 03 /1 8 Unidade I O quadro a seguir resume os principais conceitos dessas teorias: Quadro 3 – Teorias do envelhecimento: visão social Teoria Conceitos Desengajamento social Distanciamento gradual das pessoas como preparar para a morte Atividade Manutenção das atividades da meia‑idade Subcultura do envelhecimento Padrão comum de comportamento entre os idosos 1.3 Desenvolvimento de atitudes positivas frente à velhice Como já abordado anteriormente, o envelhecimento é um processo natural da vida, caracterizado por diversas alterações e declínios de funções do organismo, sendo considerado a última fase do desenvolvimento humano. Para compensar tais alterações e perdas, ele sempre foi associado a valores como a maturidade, a experiência e a sabedoria. No entanto, o idoso foi considerado, por muito tempo, uma pessoa a ser cuidada, que não poderia contribuir mais com a sociedade, que não teria mais participação social, vivendo isolado dentro da família. Tais conceitos estabeleceram estereótipos aos idosos, como o de doentes e dependentes de outros para realizarem qualquer tarefa ou viverem plenamente, impedindo a participação ativa dessas pessoas na sociedade. Porém, o crescimento no número de idosos no mundo despertou um olhar diferenciado para essa população, desencadeando o desenvolvimento de pesquisas científicas, mudanças sociais e culturais e políticas públicas, as quais estão permitindo dissociar a imagem do idoso do declínio, da doença e da incapacidade. Para tentar garantir uma melhor qualidade de vida aos idosos, os governos têm criado políticas públicas direcionadas a essa população. A Organização das Nações Unidas, por exemplo, desenvolveu alguns princípios para tentar assegurar os direitos dos idosos em todos os países, e a Organização Mundial da Saúde elaborou estratégias para a promoção de um envelhecimento ativo. No Brasil, foram criadas a Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso. Mas o que essas políticas determinam? Para que se possa compreender melhor essas políticas públicas, segue descrição breve de cada uma: Princípios da ONU para as pessoas idosas “Acrescentar vida aos anos que foram acrescentados à vida”. Os princípios da ONU buscam estabelecer regras ou recomendações para que os idosos sejam tratados com respeito e tenham seus direitos garantidos em todos os países do mundo, independentemente das características sociais e culturais de cada nação. Esses princípios se apoiam no Plano Internacional de Ação para o Envelhecimento (2003) e em pesquisas científicas que mostraram que muitos estereótipos do envelhecimento eram falsos ou reversíveis. Os princípios se referem a cinco temas: • Independência: as pessoas idosas devem ter sua acessibilidade garantida (a lugares, a oportunidades), possibilidade de trabalhar, participação em decisões etc. 19 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 03 /1 8 EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE • Participação: os idosos devem ser integrados à sociedade, e ter a oportunidade de serem úteis e construírem movimentos ou associações de idosos. • Cuidados: os idosos devem ter a possibilidade de serem cuidados e protegidos, ter acesso a serviços de saúde, sociais e jurídicos, e usufruir de seus direitos e liberdade. • Realização pessoal: as pessoas idosas devem ter oportunidades para desenvolver seu potencial e ter acesso aos recursos educativos, culturais, espirituais e recreativos da sociedade. • Dignidade: os idosos devem poder viver com dignidade e segurança, sem serem explorados ou submetidos a maus‑tratos físicos ou mentais, independentemente de raça, etnia, gênero, incapacidade ou contribuição econômica. Active ageing (envelhecimento ativo) – Organização Mundial da Saúde Em 2002, a Organização Mundial da Saúde elaborou planos de ação para criar oportunidades para a saúde e favorecer a participação e a segurança de idosos, contribuindo para a melhora de sua qualidade de vida. Essas ações buscam auxiliar o idoso a perceber seu potencial físico, social e mental e a participar da sociedade de acordo com suas necessidades, desejos e capacidades enquanto recebem proteção, segurança e cuidados. Saiba mais Para mais informações sobre esses documentos, é só acessar: ONU Brasil: A ONU e as pessoas idosas. ONUBR, 2017. Disponível em: <https:// nacoesunidas.org/acao/pessoas‑idosas/>. Acesso em: 13 mar. 2018. Active Ageing–Organização Mundial da Saúde: WHO. Active ageing: a police framework. A contribution of the World Health Organization to the second United Nations World Assembly on Aging. Madri: World Health Organization, 2002. Disponível em: <http:// apps.who.int/iris/bitstream/10665/67215/1/WHO_NMH_NPH_02.8.pdf>. Acesso em: 13 mar. 2018. Vale a pena conferir! 20 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 03 /1 8 Unidade I Política Nacional do Idoso – Lei nº 8.842/94 A Lei Federal nº 8.842 (BRASIL, 1994), estabeleceu a Política Nacional do Idoso com o intuito de “assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover autonomia, integração e participação efetiva na sociedade” das pessoas com mais de 60 anos. Além disso, ela determina que: “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos da cidadania, garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem‑estar e o direito à vida”. Estatuto do Idoso – Lei nº 10.741/2003 A Lei nº 10.741 (BRASIL, 2003), estabeleceu o Estatuto do Idoso para regulamentar os direitos das pessoas com mais de 60 anos. Essa lei trata de muitos aspectos, tais como o direito à liberdade, ao respeito, à dignidade, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer e ao trabalho. Determina também a forma de realização de serviços aos idosos, como previdência social, assistência social, transporte, medidas de proteção e atendimento, e estipula ainda quais são os crimes contra os idosos e a pena para cada um. O Estatuto do Idoso foi criado para fortalecer e complementar a Política Nacional do Idoso, determinando de forma mais clara e específica todos os aspectos relacionados ao bem‑estar e à qualidade de vida do idoso. Saiba mais Para saber mais sobre a Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso, acesse o link e leia o livro a seguir: BRASIL. Lei nº 8.842, de 4 de janeiro de 1994. Brasília, 1994. Disponívelem: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8842.htm>. Acesso em: 13 mar. 2018. BRASIL. Estatuto do idoso. 3. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2013. Porém, nem sempre essas políticas são respeitadas ou exercidas de forma a realmente garantir uma vida digna ao idoso. Além de programas específicos, falta fiscalização para que essas leis possam ser cumpridas. A sociedade tem que se conscientizar da importância de cada pessoa, respeitando a igualdade entre os indivíduos. Além disso, as crianças, os jovens e os adultos devem se lembrar que um dia serão idosos também e terão certas dificuldades, e que, se respeitados, poderão desenvolver suas potencialidades. Há muito a ser feito, mas os primeiros passos foram dados. 21 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 03 /1 8 EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE 1.3.1 Redescobrindo o envelhecimento Viver mais e com qualidade de vida têm sido o novo enfoque da sociedade contemporânea. Isso envolve principalmente os idosos, os profissionais que trabalham com essa população e as instituições públicas. Isso porque indivíduos doentes acarretam mais gastos com consultas, medicamentos, internações e cuidados pós‑hospitalares, sobrecarregando o próprio indivíduo, a família e o sistema público de saúde. Já pessoas saudáveis, além de auxiliarem na minimização dos custos com tratamentos de doenças, contribuem com diversos setores da sociedade, incluindo a economia do país (veja a figura a seguir). A B + Consultas ‑ Consultas + Medicamentos ‑ Medicamentos + Internações ‑ Internações + Cuidados ‑ Cuidados + Custos + Participação na sociedade Figura 5 – Custos do envelhecimento: idoso doente (A) X idoso saudável (B) O envelhecimento pode ser atualmente considerado um período de possibilidades e de desenvolvimento como as outras fases da vida. Dados do Ministério da Saúde (1994) mostram que em 1980 o Brasil tinha 10 idosos para cada 100 jovens. A estimativa para 2050 é de 172 idosos para cada 100 jovens. Dessa forma, para envelhecer bem é preciso investir na saúde, na autonomia física e cognitiva e na participação constante em atividades sociais e produtivas (FERRARI, 1999). Em outras palavras, seria a busca do equilíbrio entre as limitações e as potencialidades do indivíduo, o que permitiria o desenvolvimento de mecanismos para transformar perdas e desvantagens em novas possibilidades (RESENDE, 2006). Nesse sentido, atitudes positivas contribuem para a adaptação às incapacidades e às perdas presentes na velhice, funcionando como um recurso de enfrentamento que possibilita um senso de ajustamento pessoal ou bem‑estar psicológico positivo (NERI; CACHIONI; RESENDE, 2002). Esse bem‑estar psicológico seria a percepção do idoso frente à velhice. De acordo com o modelo de Ryff (1989), o bem‑estar psicológico é composto de seis dimensões: 1) autoaceitação; 2) relação positiva com outros; 3) autonomia; 4) domínio sobre o ambiente (habilidade de escolher ambientes apropriados à condição física); 5) propósito na vida (significado da vida, meta, 22 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 03 /1 8 Unidade I sonho); e 6) crescimento pessoal (desenvolvimento do próprio potencial) (RABELO; NERI, 2006). Manter essas dimensões ativas, mesmo com mudanças inerentes ao envelhecimento, faz com que o idoso não apenas se enxergue, mas se perceba e acredite que ele é uma pessoa capaz de realizações. Essas atitudes de enfrentamento das limitações também contribuem para que os outros vejam o idoso com mais respeito e admiração. Algumas estratégias têm contribuído para a prática de atitudes mais positivas frente à velhice, tanto em indivíduos mais jovens como nos próprios idosos. A educação na velhice, por exemplo, propicia o aprendizado de novos conteúdos e tarefas, o que favorece para um envelhecimento saudável. Apesar de a educação para idosos ser algo relativamente novo, já existem universidades abertas para a terceira idade, assim como é possível se engajar em cursos variados que não estejam diretamente ligados à educação formal, mas que permitem a experimentação de diferentes vivências. De fato, o Serviço Social do Comércio (Sesc), no início dos anos 1970, começou a desenvolver cursos de preparação para a aposentadoria, de cuidados à saúde no envelhecimento e de atividades educacionais, de lazer e esportivas nas unidades de São Paulo e de Campinas. O Sesc se inspirou nas Universidades do Tempo Livre, da França, as quais foram criadas para propiciar novas oportunidades sociais à população idosa. Já o primeiro programa de educação para idosos foi fundado na Universidade Estadual de Santa Catarina, em Florianópolis, em 1982. Em 1990, a Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas criou um curso de educação não formaI para idosos, o qual foi bastante divulgado e favoreceu a rápida disseminação desse tipo de curso no Brasil (GUARIENTO et al., 2013). Outra estratégia que tem sido muito procurada e utilizada para a melhora e manutenção da qualidade de vida dos idosos é a atividade física. Ela pode contribuir para estimular várias funções essenciais do organismo, tais como as psicológicas, as cognitivas e as motoras. Além disso, auxilia na prevenção e tratamento de muitas doenças, como diabetes, hipertensão, osteoporose e depressão. A atividade física representa um novo tipo de mudança que vai além das relacionadas à qualidade de vida, aptidão física, saúde, capacidade funcional ou preenchimento de tempo livre (OKUMA, 1998). Ela desencadeia a ressignificação do próprio indivíduo como ser atuante, capaz e modificador da sociedade. A atividade física desperta potencialidades que superam ou ajudam a minimizar as limitações e as dificuldades impostas pela idade. Além disso, permite a criação de um novo ciclo social e de possibilidades de novas experiências com pessoas que também estão se redescobrindo. A mudança de olhar frente à velhice através da atividade física contribui para a percepção que esse período da vida pode ser como os outros: um período de descobertas e desenvolvimento. Considerando as seis dimensões de Ryff (1989), verificamos que a atividade física trabalha: 1) o autoconceito, ajudando no autoconhecimento, na aceitação das limitações e no desenvolvimento das potencialidades; 2) a relação com os outros, permitindo com que o idoso se abra para conhecer outras pessoas, outras histórias, outros medos e sonhos, retirando‑o do isolamento e da solidão; 3) promove a autonomia, física e psicológica, permitindo que o idoso realize suas tarefas e os cuidados com si próprio; 4) auxilia a explorar os ambientes com mais confiança; 5) encoraja o idoso a buscar novos ideais e perspectivas; 6) a atividade física promove o crescimento pessoal a cada exercício trabalhado, a cada desafio superado (veja a figura a seguir). 23 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 03 /1 8 EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE Atividade física Autoconceito Relação com as outras pessoas Autonomia Confiança Busca de ideais e objetivos Crescimento pessoal Figura 6 – Contribuição da atividade física para uma mudança de olhar frente à velhice Portanto, a prática de atividade física deixa a capacidade mais evidente que a limitação, encorajando o idoso para a vida, que pode ser nova e melhor. De fato, a atividade física tem grande relevância na manutenção ou melhora da saúde, bem‑estar e qualidade de vida, tanto que a Organização Mundial de Saúde criou recomendações para a promoção da sua prática entre pessoas idosas (WHO, 1997). Essas orientações enfatizam os benefícios fisiológicos, psicológicos e sociais da prática regular de atividades físicas ao idoso eà sociedade, apontando como a atividade física pode ser implementada (por exemplo, não há necessidade de equipamentos), as normas de segurança, os fatores motivacionais e as barreiras a serem superadas. Além disso, incentiva o desenvolvimento de novas pesquisas científicas com o objetivo de melhorar o acesso, a prescrição e a adesão dos idosos à prática de atividades físicas. Ao observarmos o conteúdo discutido nesse tópico, podemos compreender que as atitudes positivas frente à velhice são determinantes para que a vida continue apresentando possibilidades e permitindo o desenvolvimento do indivíduo. Se isolar e deixar que as limitações predominem e que a motivação para viver se acabe apenas fortalecem os declínios naturais das funções do organismo. Se cuidar, acreditar e buscar uma vida ativa permitem continuar em busca de metas e sonhos, que podem ser velhos ou novos. Nesse sentido, a atividade física contribui fazendo com que a pessoa perceba suas próprias qualidades e que a vida ainda tem muitas oportunidades a serem aproveitadas. Observação O apoio da família é fundamental para o idoso, pois esse suporte pode motivá‑lo a realizar novas atividades e a encarar os desafios da velhice de forma mais positiva. 24 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 03 /1 8 Unidade I 2 DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO, SOCIAL, COGNITIVO E MOTOR: IMPLICAÇÕES PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA O desenvolvimento psicológico, social, cognitivo e motor ocorre ao longo da vida e engloba tanto o aprimoramento como o declínio dessas funções. Inicialmente, o desenvolvimento relaciona‑se com o aperfeiçoamento das funções do organismo, melhorando as capacidades do indivíduo em realizar tarefas mais complexas. Isso decorre do aumento, por exemplo, do controle neuromuscular e das habilidades motoras e cognitivas. Nesse sentido, o conhecimento do processo de desenvolvimento pode colaborar para a detecção precoce de características e/ou desvios que podem prejudicar esse processo. Já no envelhecimento, o desenvolvimento é caracterizado pela diminuição ou perda de funções que ocorrem progressivamente ao longo do tempo. Para compreender melhor os processos que desencadeiam o envelhecimento, apresentaremos as alterações relacionadas aos aspectos psicológico, social, cognitivo e motor. 2.1 Desenvolvimento psicológico e implicações para a Educação Física O desenvolvimento psicológico é caracterizado não apenas por aspectos genéticos ou biológicos, mas é marcado pelas experiências vividas pelo indivíduo durante toda a vida. A imitação, a interação familiar e social e a linguagem auxiliam no estabelecimento de uma relação mais próxima com a realidade, contribuindo para o desenvolvimento da personalidade, da afetividade, da inteligência, da confiança e das emoções da pessoa. Dessa forma, as experiências vividas auxiliam na construção de valores. No entanto, ao longo da vida, marcas (sentimentos e lembranças) psicológicas vão sendo construídas através das experiências vivenciadas, influenciando, por exemplo, a personalidade e a confiança. Contudo, essas marcas podem ser superadas ou substituídas por outras vivências, tanto positivas como negativas. Nesse sentido, experiências ruins na infância podem, por exemplo, ser superadas por acontecimentos mais positivos na idade adulta e vice‑versa, mostrando que o desenvolvimento é contínuo. Assim, estabelecer características fixas, como os estereótipos, pode não refletir o desenvolvimento geral, tampouco o psicológico, já que a vida proporciona com frequência diferentes e novos estímulos. Esses estímulos exigem respostas que poderão incentivar o indivíduo a aprender ou experimentar coisas novas, que podem ou não acrescentar ou transformar aspectos de sua vida. Portanto, definir os idosos como ranzinzas, implicantes, dependentes ou sábios pode não refletir o que eles realmente são ou querem ser. Para compreender melhor os aspectos psicológicos do desenvolvimento, podemos caracterizá‑los, de forma geral, como: • contínuo: mudanças ocorrem em qualquer período ao longo de toda a vida; • cumulativo: construído a partir de experiências anteriores; • direcionado: aumento gradual da complexidade psicológica; • diferenciador: ao longo da vida as diferenças entre as pessoas tendem a se acentuar; 25 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 03 /1 8 EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE • organizado: as competências decorrentes das mudanças são integradas no funcionamento individual de forma coordenada entre si; • holístico: o desenvolvimento psicológico ocorre simultaneamente ao desenvolvimento do restante das funções do organismo (HOFFMAN; PARIS; HALL, 1994). Ao observarmos a primeira característica descrita sobre o desenvolvimento (nesse caso, o psicológico), verificamos que ele é realmente um processo contínuo, como dito anteriormente, que acontecerá com todas as pessoas, se elas se mantiverem vivas. Esse conceito de desenvolvimento contínuo foi estabelecido por meio de diversas teorias, sendo a de Erikson (1959) a primeira a considerar que o desenvolvimento se dá durante toda a vida, a partir de sequências de crises psicossociais e de tarefas evolutivas que se desdobram. Em outras palavras, o desenvolvimento ocorre a partir da resolução de desafios ou de problemas que ocorrem durante toda a vida de um indivíduo, estimulando‑o a desenvolver todos os seus aspectos (psicológicos, sociais, cognitivos e motores), ou seja, todo seu potencial. O quadro a seguir apresenta as crises vividas nas diferentes fases da vida, as tarefas evolutivas para superá‑las e as qualidades construídas: Quadro 4 – O processo contínuo do desenvolvimento: as oito idades do ser humano Fase da vida Crise psicossocial Tarefas evolutivas Qualidade do ego Fase bebê Confiança X Desconfiança Formação de vínculo com a figura materna, confiança nessa figura e em si mesmo. Confiança na própria capacidade de fazer com que as coisas aconteçam. Esperança Infância inicial Autonomia X Vergonha e dúvida Desenvolvimento da liberdade de escolha; controle sobre o próprio corpo. Vontade/ domínio Idade do brinquedo Iniciativa X Culpa Atividades orientadas à meta; autoafirmação. Propósito Idade escolar Trabalho X Inferioridade Aquisição de repertórios escolares e sociais básicos exigidos pela cultura. Competência Adolescência Identidade X Difusão da identidade Criação de um projeto de vida; senso de identidade; capacidade crítica. Aquisição de novos valores. Fidelidade Idade adulta Intimidade X Isolamento Desenvolvimento de relações amorosas estáveis que implicam em conhecimento, respeito, responsabilidade e doação. Capacidade de revelar‑se sem medo da perda da identidade. Amor 26 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 03 /1 8 Unidade I Maturidade Geratividade X Estagnação Geração de filhos, ideias e valores; transmissão de conhecimentos e valores à geração seguinte. Cuidado Velhice Integridade do ego X Desespero Integração dos temas anteriores do desenvolvimento; autoaceitação. Formação de um ponto de vista sobre a morte. Preocupação em deixar um legado espiritual e cultural. Sabedoria Adaptado de: Neri (2013) e Erikson (1950). Essa ideia de continuidade deu origem a diversas linhas de pensamento, sendo a do desenvolvimento e envelhecimento bem‑sucedidos uma delas. Ela é considerada uma teoria psicológica geral do desenvolvimento comportamental que descreve como os indivíduos podem efetivamente realizar, através de estratégias de seleção, otimização e compensação, as mudanças biológicas, psicológicase sociais que se apresentam como oportunidades e restrições para os seus níveis e trajetórias de desenvolvimento (NERI, 2013). Dessa forma, um desenvolvimento e um envelhecimento bem‑sucedidos estariam relacionados à superação de um desafio, para o qual o indivíduo deveria buscar estratégias específicas, usando suas habilidades e experiências para vencer as limitações e estabelecer novas possibilidades. Apesar de as teorias e diretrizes apontarem que indivíduos fisica e mentalmente ativos, como na teoria do desenvolvimento e envelhecimento bem‑sucedidos, podem ter longevidade com qualidade de vida (superando desafios), geralmente os indivíduos, conforme envelhecem, tendem a diminuir o entusiasmo e a motivação pela vida, apresentando uma acomodação à sua condição e maior apego pela conservação de pertences e de espaço, como se assim fosse possível preservar a própria história. Ao mesmo tempo, surge uma grande preocupação com a saúde física e mental, principalmente porque esses aspectos interferem de modo direto na manutenção da autonomia e da independência. Também é possível observar uma busca por ambientes mais estáveis para se viver, sem surpresas ou mudanças súbitas. Contudo, são comuns a perda de contatos sociais e a dificuldade em criar novos relacionamentos e realizar novas atividades (o indivíduo se torna mais seletivo), acarretando um sentimento de isolamento e solidão (LAPENTA, 1996; RAUCHBACH, 1990). Outro aspecto se refere à valorização do passado, principalmente a partir da perda de familiares e amigos (SILVEIRA, 2000). Por outro lado, muitos idosos se tornam mais espiritualizados, mais religiosos e mais solidários, o que fortalece os valores morais e os faz priorizar a família. No entanto, a maioria das pessoas tem dificuldade em aceitar que envelheceu ou que está envelhecendo, considerando apenas os aspectos negativos desse processo. Saiba mais Os aspectos da aceitação, perdas e mudanças do envelhecimento são tratados no filme a seguir, o qual conta a história de dois idosos que redescobrem a vida: ELSA e Fred: um amor de paixão. Dir. Marcos Carnevale. Argentina/ Espanha: Columbia TriStar, 2005. 108 minutos. 27 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 03 /1 8 EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE Uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo em parceria com o Sesc Nacional e o Sesc São Paulo (NERI, 2007) ouviu 3.759 brasileiros (homens e mulheres) e avaliou a percepção de idosos sobre sua idade e sua inserção na sociedade e de não idosos sobre suas expectativas em relação ao envelhecimento e ao seu comportamento frente aos idosos de hoje. Foi verificado que 88% dos idosos e 90% dos não idosos encaram o envelhecimento de forma negativa, sendo que 58% dos idosos relataram presença de doenças ou dificuldades físicas. Quanto a se sentir velho, a maioria (53%) acredita que isso ocorra apenas após os 70 anos de idade. Porém, muitos idosos relataram haver discriminação social, terem dependência física e apresentarem desânimo com o envelhecimento. Já os não idosos admitiram que há preconceito ou discriminação social (85%) com os indivíduos mais velhos. Apesar disso, os idosos disseram acreditar que ser idoso atualmente é mais fácil que em décadas anteriores. Essa percepção negativa do envelhecimento, muitas vezes por falta de informações, fortalece os estereótipos e desencadeia dificuldades de adaptação às alterações naturais dessa fase da vida, as quais podem se relacionar a problemas acarretados por situações mal resolvidas anteriormente. O envelhecimento associado a essa percepção negativa reduz a autoestima do indivíduo, criando limites à sua capacidade pessoal. A autoimagem também fica prejudicada, o que aproxima ainda mais a velhice de uma fase de perdas. Nesse sentido, um aspecto interessante se refere à percepção do indivíduo a respeito de sua idade, do seu processo de envelhecimento. Isso se reflete na idade psicológica, definida como a forma que cada pessoa avalia a presença de marcadores biológicos, sociais e psicológicos do envelhecimento, comparando‑se com outros indivíduos de mesma idade. Para preservar a autoestima e a imagem social, muitos idosos tentam demonstrar que são mais jovens do que realmente são, indicando uma percepção diferente entre idade cronológica e psicológica. No entanto, se utilizarmos a autoimagem como exemplo, verificamos que essa característica está sempre em mudança, conforme o indivíduo adquire experiências na vida (MOSQUERA, 1976). Dessa forma, desenvolver atitudes positivas frente à velhice poderá proporcionar boas experiências, melhorando assim a autoimagem e a autoestima. Lembrete Como observado no tópico anterior, atitudes positivas frente à velhice podem trazer diversos benefícios para o idoso, contribuindo para um envelhecimento com mais qualidade de vida. Outro importante aspecto psíquico e que pode ser alterado com o envelhecimento é o bem‑estar, físico e mental. O bem‑estar também está diretamente relacionado com a manutenção da autonomia e da independência do indivíduo, pois representa o nível de satisfação e qualidade de vida, parâmetros fundamentais para determinar a saúde do idoso. A pessoa que mantém o vigor físico e suas capacidades mentais e intelectuais consegue realizar suas atividades diárias e tomar suas próprias decisões. Uma redução do bem‑estar pode tornar o indivíduo dependente de outras pessoas, como membros da família ou amigos próximos, para a realização de muitas tarefas ou atividades do dia a dia, o que prejudica a liberdade, a autonomia e a capacidade de escolha (BALTES; SILVERBERG, 1994). 28 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 03 /1 8 Unidade I Vale ressaltar que as alterações psicológicas também estão associadas às mudanças cognitivas observadas na velhice. Transformações na estrutura e função de partes do cérebro podem comprometer também o desenvolvimento psicológico, desencadeando atitudes que desfavoreçam o processo de envelhecimento. Esse aspecto será melhor discutido neste material adiante. Portanto, compreender as alterações psicológicas relacionadas à velhice pode ajudar na busca de novas possibilidades e experiências de vida, superando as limitações impostas pelo tempo. Nesse sentido, a Educação Física é capaz de auxiliar no redescobrimento do indivíduo, melhorando seu aspecto psicológico. A prática de atividades físicas restabelece a autoestima e contribui para a melhora da autoimagem do idoso por meio da percepção das possibilidades e potencialidades que ele já não enxergava mais. A interação com outras pessoas renova as expectativas sobre a vida e sobre si mesmo, promovendo novas experiências e estabelecendo novos laços. Abre‑se espaço para uma velhice bem‑sucedida com aceitação, adaptação, renovação, superação de desafios, mas sem acomodação ou medo. 2.2 Desenvolvimento social e implicações para a Educação Física O desenvolvimento social se refere à interação entre as pessoas e o meio ambiente onde se vive. Ele se mistura ao desenvolvimento psicológico, pois os dois aspectos interagem, criando uma relação muito próxima entre o estado mental e a interação com o mundo, o que influencia na definição dos comportamentos, das emoções e das sensações que se percebe sozinho ou em grupo. Dessa forma, aspectos abordados no desenvolvimento psicológico interferirão na forma com que o idoso se relaciona com as outras pessoas e nas escolhas para vivenciar essa fase. A socialização é um comportamento inerente ao ser humano e consiste em um processo no qual as pessoas se agrupam para satisfazer seus próprios desejos, incorporando seus impulsos e interesses e transformando o isolamento individual em modos de ser e estar com o outro (SIMMEL, 1983). Nesse sentido, o aumento da expectativade vida pode ser considerado um ganho social, permitindo uma maior interação ao longo do tempo. No entanto, a velhice é marcada por uma série de eventos negativos influenciados por vários fatores, tais como a restrição em papéis sociais e o afastamento social. O envelhecimento, ao desencadear mudanças psicológicas, também altera padrões comportamentais e de relações sociais do indivíduo. A aposentadoria, nesse sentido, pode ser um marco na vida do idoso, dependendo da forma como ela é vista e sentida, já que o trabalho é geralmente o elo entre o indivíduo e a sociedade. A aposentadoria é um direito e não um benefício, o qual deveria garantir a manutenção do padrão de vida da pessoa, bem como o atendimento de suas necessidades. Quando isso não ocorre, a aposentadoria pode se transformar em um castigo (VIEIRA, 1996). A aposentadoria, sem a substituição das tarefas do trabalho por outras também estimulantes, pode causar angústia e um sentimento de inutilidade e de exclusão pela falta de ocupação. Além disso, consegue alterar de forma negativa a maneira como a sociedade, a família e o próprio indivíduo se vê, causando marginalização e isolamento. Essa marginalização e isolamento podem começar dentro da própria família, ao considerar o aposentado inútil ou culpado por alterações na rotina doméstica, 29 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 03 /1 8 EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE da qual ele não costumava participar. Em outras situações, passa a ser ajudante dos filhos ou babá dos netos, o que nem sempre atende às suas necessidades e interesses (VIEIRA, 1996). Um aspecto a ser considerado é o preparo psicológico, social e financeiro para a aposentadoria. Um planejamento prévio a esse período pode auxiliar na tomada de decisões e na organização de atividades e tarefas que possam lhe dar satisfação. Muitas empresas têm aderido a esse tipo de serviço, chamado de Programa de Preparação para a Aposentadoria (PPA), oferecendo a seus funcionários de mais idade a oportunidade de realizarem uma transição mais tranquila entre o trabalho, a menor atividade profissional e a inatividade, o que melhora a adaptação à condição de aposentado. Saiba mais Assista ao filme: UM SENHOR estagiário. Dir. Nancy Meyers. EUA: RatPac‑Dune Entertainment, 2015. 121 minutos. Com Robert De Niro e Anne Hathaway no elenco, o filme conta a estória de um aposentado que participa de um programa de incentivo ao trabalho para idosos, se tornando estagiário. Outro fator importante se refere à participação da família nesse processo, ajudando na adaptação e no ajustamento do idoso, não apenas à aposentadoria, mas também às limitações desencadeadas pelo tempo. Dessa forma, ela tem um papel fundamental no amparo social e no cuidado com o idoso, pois pode propiciar segurança e incentivo. De fato, muitos idosos se sentem mais seguros e confiantes perto de um familiar, que os auxilia no ajustamento à nova realidade da vida. Contudo, as mudanças na configuração das famílias, principalmente considerando o novo papel da mulher na sociedade como provedora de muitos lares (aquela que sustenta os gastos da casa), têm alterado as formas de cuidado com o idoso. Historicamente, a mulher sempre teve a responsabilidade de cuidar dos mais velhos, das crianças e dos doentes, proporcionando segurança e bem‑estar a eles. No entanto, atualmente, o papel da mulher não se restringe apenas às atribuições familiares, mas se estende ao crescente trabalho fora de casa, o que dificulta e às vezes até inviabiliza a sua ação de cuidar (DOMINGUES; QUEIROZ, 2000). Não podemos ignorar ainda que, em muitas famílias, o idoso é extorquido e tratado com desrespeito, negligência e, até, violência. Isso mostra que a responsabilidade pelo cuidado do idoso deve ser compartilhada entre a família, o Estado (governo) e a sociedade, os quais devem dar suporte para uma velhice saudável e feliz. Dessa forma, o Estado deve implementar mais políticas públicas e estimular o cumprimento das já existentes, atuando de forma diferente da observada em diversos asilos públicos, onde, muitas vezes, os idosos não são tratados de forma digna. Já a sociedade precisa tratar as pessoas de mais idade com mais respeito e carinho, proporcionando oportunidades de participação nas diversas áreas, como as relacionadas ao trabalho, lazer e saúde. Nesse contexto, respeitar, acolher e cuidar do idoso é um dever de todos: da família, do Estado e da sociedade. 30 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 03 /1 8 Unidade I A família, portanto, apesar das mudanças de sua estrutura e dos problemas já discutidos, deve manter seus valores, sendo o lugar de cuidados, proteção, afetividade, socialização e formação da personalidade (MAZO; LOPES; BENEDETTI, 2009). O amor, o respeito e o acolhimento devem sempre ser incentivados na família e na sociedade, as quais devem ser ajudadas pelo Estado no cuidado com o idoso, através de inciativas adequadas às suas necessidades. É preciso lembrar que alguns indivíduos, além de se aposentarem, perdem pessoas muito próximas, como o marido ou a esposa, e ficam ainda mais distantes das relações sociais, já que, em muitos casos, os filhos não vivem mais na mesma casa. Além disso, muitos idosos simplesmente não se casaram ou não tiveram filhos, e isso reforça a necessidade de alternativas de apoio e cuidado fora da família. Para melhorar a interação social, diversas atividades têm sido estimuladas ou utilizadas para mudar esse panorama social do envelhecimento. Dentre elas, destaca‑se a atividade física. A prática de atividades físicas pode ajudar na aceitação e na adaptação às mudanças e na ocupação do tempo livre. Ela pode contribuir com o estabelecimento de novos vínculos, reiniciando o processo de socialização do indivíduo. Ao participar de uma equipe de atividades físicas, o idoso terá um espaço para falar, expor ideias, interagir, fazer novas amizades, estabelecer planos e, claro, se exercitar, contribuindo para seu ajustamento e a sensação de pertencimento a um grupo. O interessante é que o idoso encontrará outros idosos com histórias parecidas, o que despertará também a sensação de identidade e de ter um lugar na sociedade, já que ele não é o único a viver tais mudanças. Ter um espaço como o da atividade física pode auxiliá‑lo a se fortalecer social e psicologicamente para buscar um reconhecimento familiar e o reestabelecimento dos valores (veja a figura). Figura 7 – Atividade física e a descoberta de novas possibilidades Dessa forma, a prática de atividades físicas pode dar o suporte para que o idoso se reinsira socialmente e reestabeleça seu papel social. 31 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 03 /1 8 EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE É interessante também o incentivo a atividades educacionais, culturais ou religiosas, ajudando o idoso a ser mais ativo e independente. 2.3 Desenvolvimento cognitivo e as implicações para a Educação Física O cérebro é um órgão complexo formado por bilhões de neurônios que se comunicam entre si para assegurar a realização de muitas funções, tais como a memória, a linguagem, o pensamento e a coordenação dos movimentos. Veja as figuras a seguir: A B Figura 8 – O cérebro (A) e sua rede de neurônios (B) O corpo percebe sinais, como o calor, o frio, os sons, os cheiros, os sabores, que são transmitidos ao cérebro através das conexões entre os prolongamentos de neurônios que estão fora do sistema nervoso central e os neurônios que estão no cérebro. Esses estímulos são decodificados em regiões específicas do sistema nervoso central, as quais estabelecem as respostas apropriadas aos estímulos recebidos.
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