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Relações Humanas E Ética Profissional GRUPO ANDRADE MARTINS Título RELAÇÕES HUMANAS E ÉTICA PROFISSIONAL Copyright © 2017 by Júlio Martins O direito moral do autor foi assegurado. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida, ou transmitida por qualquer forma ou meio Eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópia, gravação ou sistema de armazenagem e recuperação de informação, sem a permissão escrita do autor. A reprodução sem a devida autorização constitui pirataria. MARTINS, Júlio C,A Relações Humanas e Ética Profissional – Itaúna: GAM, 2017. ISBN – APRESENTAÇÃO As instituições de ensino superior são a ponte para que o indivíduo consiga melhor se quali- ficar para o mercado de trabalho e, consequentemente, ter a ascensão social tão desejada e difundida pelo sistema capitalista. Para que o indivíduo possa desenvolver as suas habilidades, torna-se necessário dar conti- nuidade aos estudos, frequentando um curso de nível superior nas diversas áreas existentes. Ao optar pelo curso de sua preferência é necessário que o aluno tenha em mente que estará entrando para um universo diferente da educação recebida no Ensino Básico e que seu es- forço pessoal é indispensável para o seu sucesso, principalmente nos cursos à distância e semipresenciais. Esse processo envolve realizar todas as atividades solicitadas no seu curso, a capacidade de ser autodidata e de buscar outras fontes de conhecimento. O objetivo maior deste esforço é melhorar as suas habilidades e, assim, o desempenho para o mercado de trabalho. Sabemos que esporadicamente esse mercado é afetado pelas crises econômicas, políticas e sociais e quem possui o maior grau de conhecimento específico e generalizado consegue suportar melhor essas variações. Como esse processo não é apenas econômico e político, mas principalmente social, cabe a cada um de nós fazer a sua parte através da dedicação à profissão, à educação continuada, ao desenvolvimento da ética e da cidadania em nosso dia a dia, entre outras ações. Segundo Voltaire, “a Educação é uma descoberta progressiva de nossa própria ignorância”, assim ao dar a nossa contribuição para o nosso próprio desenvolvimento, estamos levando adiante um anseio antigo, o de criar um país mais justo e menos desigual. Felicitamos a todas as pesso- as que dão continuidade aos estudos ou que tem a iniciativa de voltar aos mesmos, fonte de desenvolvimento pessoal e profissional. GRUPO ANDRADE MARTINS JÚLIO MARTINS S U M Á R I O SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 05 UNIDADE I - UNIDADE I: HISTÓRIA DA ÉTICA ...................................................................................... 06 1.1. ÉTICA E HISTÓRIA ................................................................................................................................... 07 1.1.1. Pré-socráticos ou filósofos da physis (século VI A.C).............................................................. 08 1.1.2. Sofistas (séculos IV e V A.C) ................................................................................................... 08 1.1.3. Períodomedieval(daquedadoimpérioromano, em 476 D.C, aoséculo XV) ............................. 10 1.1.4. Filosofia moderna (fim da idade média até início do século XX) ............................................. 10 1.1.5. Filosofia contemporânea ......................................................................................................... 11 UNIDADE II MORAL E PRINCÍPIOS ÉTICOS ...................................................................................... 12 2.1. A MORAL E A ÉTICA ..................................................................................................................... 12 2.1.1. As regras ................................................................................................................................. 13 2.1.2. As normas ............................................................................................................................................ 14 2.1.3. A liberdade .............................................................................................................................. 15 UNIDADE III – ÉTICA E NORMAS.................................................................................. 17 3.1. AS NORMAS .................................................................................................................................. 18 3.1.1. A pessoa e a comunidade........................................................................................................ 19 UNIDADE IV - ÉTICA E POSTURA PROFISSIONAL ........................................................ 22 4.1. O TRABALHO COMO PRODUTOR DE IDENTIDADE ................................................................... 22 4.2. A POSTURA PROFISSIONAL EM TEMPOS DE ÉTICA EM DESUSO ................................................ 24 4.2.1. Os códigos de ética ................................................................................................................. 25 UNIDADE V - RELAÇÕES HUMANAS NO TRABALHO ................................................... 27 5.1. A CIENCIA E O SENSO COMUM: MÉTODO E DISCURSO .............................................................. 27 5.1.1. Uma definição generalista da ciência ..................................................................................... 28 5.1.2. Método e discurso científico ................................................................................................... 29 5.1.3. O senso comum ..................................................................................................................... 29 5.2. CIÊNCIAS HUMANAS: BASES FILOSÓFICAS ............................................................................. 31 5.2.1. Pós-modernidade: afinal, quem somos e onde estamos ........................................................ 31 5.2.2. A modernidade líquida de Zygmunt Bauman ........................................................................... 33 5.2.3. Organizações e instituições .............................................................................................................. 34 UNIDADE VI - MARKETING PESSOAL .......................................................................... 38 6.1. DEFINIÇÃO..................................................................................................................................... 38 6.2. ASPECTOS QUE ENVOLVEM O MARKETING PESSOAL ........................................................... 39 6.3. TEXTO COMPLEMENTAR ....................................................................................................................... 42 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................... 44 TESTE DE CONHECIMENTOS ....................................................................................... 47 GABARITOS DAS UNIDADES........................................................................................ 58 Todos os direitos autorais desta apostila foram cedidos ao Júlio Martins e registrado na Biblioteca Nacional. 4 Todos os direitos autorais desta apostila foram cedidos ao Júlio Martins e registrado na Biblioteca Nacional.INTRODUÇÃO Existem dois ditados muito conhecidos e que explicam e complicam muito as re- lações humanas. O primeiro deles é que “cada ser humano é único” e o segundo é que “o ser humano não é uma ilha”, ou seja, cada pessoa tem a sua maneira de dar sentido às coisas e de ver o mundo, mas, a grande maioria, não consegue viver isolado. Para analisar e entender melhor a complexidade que surge das relações hu- manas foi que pesquisadores desenvolveram estudos voltados especificamente para as relações humanas, a partir da análise da ética, da moral, da Filosofia, entre outros. Ao estar ciente que as relações entre os indivíduos não se desenvolvem, em boa parte, de forma harmoniosa é que a sociedade, no seu processo evolutivo, foram criando hábitos, costumes, regras e normas que permitissem delinear um limite às ações humanas e que permitissem a convivência baseada em acordos comuns. Dessa forma, foi surgindo leis, diretrizes e normas de convivência familiar e social, tendo o Estado como ente maior e isento para juntar provas, analisar e julgar conflitos entre os indivíduos, seus grupos e, até, entre países. Como já dito, o ser humano não consegue viver sozinho e cria relação de depen- dência entre si, portanto um dos principais ambientes em que as relações humanas devem ser bem trabalhadas é nas empresas. No ambiente de trabalho deve prevale- cer a relação em grupo, tendo por objetivo a otimização na oferta de bens e serviços e um ambiente de coleguismo, bem-estar e de trabalho em equipe. O relacionamento entre os membros de um grupo e de grupos entre si é a causa de estudos e pesquisas que buscam criar métodos e técnicas que melhorem o entro- samento desses indivíduos. Esses estudos fazem parte de um processo dinâmico, pois o seu objeto, os seres humanos, vivem em constantes mudanças que abrangem as dimensões tempo, espaço e a subjetividade de cada um. Dessa forma, as em- presas buscam implantar dinâmicas de relacionamento interpessoal, orientadas por profissionais da área, na tentativa de diminuir os conflitos internos que possam vir a prejudicar os seus resultados e, consequentemente, ao indivíduo. UNIDADE I HISTÓRIA DA ÉTICA UNIDADE I: HISTÓRIA DA ÉTICA 6 Todos os direitos autorais desta apostila foram cedidos ao Júlio Martins e registrado na Biblioteca Nacional. Sendo a ética uma construção humana, uma aposta na reflexão sobre o agir das pessoas para que princípios básicos de convivência e sobrevi- vência sejam garantidos, a mesma evoluiu e con- tinua evoluindo de acordo com o pensamento hu- mano, as suas necessidades e desafios, ou seja, ela não pode estar distante ideologicamente do contexto ao qual é refletida. Desta maneira, ca- be-nos, primeiramente, diferenciar o discurso éti- co do discurso moralista, pois ambos estão pre- sentes nas relações humanas, porém a influência de cada um traz diferenças qualitativas nas vidas das pessoas. O discurso ético, este que nos interessa nessa unidade, trata-se de um discurso aberto e que não dá respostas prontas. Se, por exemplo, so- mos perguntados sobre questões muito melin- dres da sociedade e caso adotemos este tipo de discurso, levaremos em consideração muitas va- riáveis antes de chegarmos a alguma conclusão. Este discurso envolve o que chamamos de sujei- to dialogal. Por meio de uma prática comunitária, libertadora e ética, este modelo de discurso con- vive bem com a diferença, com o que não é gene- ralista e com aquilo que promove a multiplicidade. Por outro lado, o discurso moralista é sempre fechado. Nele, encontramos respostas prontas e acabadas, geralmente elaboradas para favore- cer algum grupo ou comunidade que não quer se haver com o diferente, o incomum. Esta prática discursiva é feita de cima para baixo, de maneira ditatorial, sem respeitar o sujeito e as possibilida- des tão plurais que podem ser encontradas na sociedade. De modo geral, trata-se de um hábito hipócrita, antiético e que gera ressentimento, já que não realiza o bem comum, mas apenas su- gere o bem de grupos específicos. Desta forma, consideramos o discurso ético como aquele que se preocupa com o bem co- mum e com os indivíduos que compõem os gru- pos, ou seja, tanto a pessoa quanto a comunida- de são elementos igualmente importantes dentro das relações humanas. FIG. 1 – Ética Fonte: Imagem da internet 1.1. ÉTICA E HISTÓRIA A filosofia é considerada a forma originária que, do ponto de vista histórico, constituiu a ciência da ética, sendo ela a única forma adequada de pensarmos esta temática de forma racional. Não são poucas as tentativas recentes de descons- trução do saber ético tradicional, o que pode ser apontado como o anúncio de um niilismo ético, UNIDADE I: HISTÓRIA DA ÉTICA 7 Todos os direitos autorais desta apostila foram cedidos ao Júlio Martins e registrado na Biblioteca Nacional. ou seja, a perda de sentido do ponto de vista da ética. Isso está intrinsecamente ligado aos modos de estabelecimento de relação entre as pessoas. Na era da “descartabilidade”, em que tratamos as pessoas tal como lidamos com os objetos, a éti- ca vem aparecendo como um campo de reflexão que pode muito contribuir para pesarmos se que- remos, de fato, continuar por este caminho. Para o grande estudioso sobre ética, Henrique C. de Lima Vaz (2002, p. 15), “a moral continuou mostrando uma tendência a privilegiar a subje- tividade do agir, enquanto a ética aponta prefe- rentemente para a realidade histórica e social dos costumes”. O autor ainda ressalta em Escritos de Filosofia IV: Introdução à ética filosófica I, que foi na cultura grega arcaica que ocorrera a transi- ção da intenção do significado de ethos do cam- po animal para o campo humano, dando origem ao que chamamos de cultura clássica. Por ethos compreende-se “a realidade histórico-social dos costumes e sua presença no comportamento dos indivíduos” (ibdem, 2002, p. 13). A história da ética irá acompanhar a reflexão filosófica e a evolução do pensamento humano, uma vez que, como já vimos, é da filosofia que ela nasce. Assim, trazemos os principais perío- dos da filosofia e as suas principais ideias: 1.1.1. Pré-socráticos ou filósofos da physis (século VIA. C): Os pensadores se preocupavam com o univer- so, sua origem, quais os elementos que o com- punham. Outra preocupação eram os fenômenos da natureza. Podemos dizer que este período foi marcado por um profundo questionamento sobre a origem de todas as coisas e a explicação de como e porque elas funcionavam de determinada maneira. Aqui, preocupa-se com o cosmos. Al- guns filósofos importantes: Tales de Mileto (qual é o arché – princípio – de todas as coisas?); Herá- clito de Éfeso (pantarhei – tudo se move, tudo es- corre); Pitágoras (o número é o princípio de tudo); Parmênides (o ser é e não pode não ser; o não ser não é e não pode ser de modo algum). 1.1.2. Sofistas (séculos IV e V A.C): Sofista é o termo que significa sábio, especia- lista do saber. Responsáveis por operar uma grande revolução na história da filosofia, eles (os sofistas) “deslocaram o eixo da reflexão filosófi- ca da physise do cosmos para o homem e aquilo que concerne à vida do homem como membro de uma sociedade” (REALE, 1990, p. 38). O axioma quemais revela o cerne deste pensamento é o de Sócrates: “nosce te ipsum” (conhece-te a ti mes- mo). Assim, Sócrates torna-se o “descobridor” da essência humana como psyché (alma), protago- nizando Platão em seus “diálogos”. Este filósofo tão importante, nascido em Atenas (470 a 399 A. C), foi acusado de não crer nos deuses das cidades e de corromper os jovens. Ele pode ser considerado também o fundador da filosofia mo- ral ocidental, pois conceitos como liberdade, feli- UNIDADE I: HISTÓRIA DA ÉTICA 8 Todos os direitos autorais desta apostila foram cedidos ao Júlio Martins e registrado na Biblioteca Nacional. cidade, verdade e não violência ganharam peso a partir de então e estão presentes nas principais discussões filosóficas contemporâneas. Outro importante pensador deste período foi Platão (428-347 A. C.), discípulo de Sócrates e fundador da metafísica (meta-physis: aquilo que está além da física) ocidental e da academia, inaugurando com a metafísica a discussão sobre a existência de uma realidade suprassensível, ou seja, algo que não é da ordem da matéria, reafir- mando a tendência sobre questões não relacio- nadas à physis. A pergunta fundamental de Platão era: será que a razão daquilo que é físico e mecânico não seria justamente aquilo que é não físico e não mecâni- co? Para solucionar este problema, Platão elabo- ra a teoria do hiperurânio ou mundo das ideias, dizendo da existência de tais ideias (formas, entidades, substâncias) como representantes do verdadeiro ser. Assim, tudo que há no mun- do material seriam meras cópias do que está no mundo das ideias e o bem seria o fundamento e regulador de todas as ideias. Surge, também com Platão, a concepção dualista do homem (alma x corpo), que seria retomada mais tarde por Des- cartes, na filosofia contemporânea. Aristóteles (384/322 A. C.), nascido em Estagira, é considerado um dos pensadores mais univer- sais ou o mestre dos mestres, teve interesses um tanto quanto diferentes de Platão, inclusive pelas ciências empíricas e se convertendo ao naturalis- mo e ao empirismo. Podemos ver, na famosa pin- tura de Rafaello Sanzio (1483), a escola de Atenas obra do renascimento italiano: FIG. 2 – Escola de Atenas Fonte: Imagem da internet 1.1.3. Período medieval (da queda do impé- rio romano, em 476 D.C, ao século XV): O teocentrismo juntamente com o domínio da igreja católica são a marca principal deste perío- do. O discurso filosófico desta época considera o divino como o detentor do saber, ao qual o homem deveria submeter a sua vontade. Santo Agostinho (354-430) e São Tomás de Aquino (1225-1274) são os principais autores deste período, colocando as sagradas escrituras e a fé no topo da importân- cia deste momento, ou seja, a conduta humana deveriam se embasar nestas verdades. 1.1.4. Filosofia moderna (fim da idade média até início do século XX): Com uma separação quase radical entre a ciên- UNIDADE I: HISTÓRIA DA ÉTICA 9 Todos os direitos autorais desta apostila foram cedidos ao Júlio Martins e registrado na Biblioteca Nacional. cia e a filosofia, o empirismo e o positivismo apa- recem como os modelos de cientificidade a serem adotados, promovendo a matetização da expe- riência, ou seja, dá- se muita importância para a experiência laboratorial, portanto, a natureza passa a ser mensurável e o padrão são as medidas uni- versais. Será a experimentação o motivo pelo qual o conhecimento será levado ao público e a razão humana é, mais do que nunca, instrumentalizada. 1.1.5. Filosofia contemporânea Contemplando o pensamento filosófico desde meados do século XIX até os nossos dias, este pe- ríodo da filosofia é o que está mais ligado ao que podemos experimentar de fato. Por ser algo “novo”, uma vez que é atual, as correntes filosóficas deste momento são muito parecidas. Algumas temáticas estão muito presentes nas dis- cussões atuais, bem como a felicidade, a angústia, o consumo, as políticas públicas, entre outras. UNIDADE II MORAL E PRINCÍPIOS ÉTICOS UNIDADE II: MORAL E PRINCÍPIOS ÉTICOS 11 Todos os direitos autorais desta apostila foram cedidos ao Júlio Martins e registrado na Biblioteca Nacional. 2.1. A MORAL E A ÉTICA Em tempos de relações tão fragmentadas, conforme nos aponta o sociólogo Zigmunt Bau- man(1998), a filosofia (em uma ação multidis- ciplinar com a sociologia, psicologia, antropo- logia, o direito, entre outras) serve-nos como uma ferramenta na tentativa de viabilizarmos uma profunda reflexão sobre o agir humano, sobre a nossa prática e, consequentemente, a nossa responsabilidade sobre os nossos atos. Como já vimos naunidade anterior, a Ética tem uma preocupação com o universal, com o coletivo, muito embora não exclua o valor das individualidades, pois a sociedade não é “uma nuvem que paira sobre as nossas cabeças”, mas é composta por indivíduos muito singulares: homens e mulheres carregados de histórias, dilemas, vitórias e derrotas. Assim, toda a preocupação da ética (parte da filosofia que se preocupa com o agir humano) está voltada para uma pergunta essencial: como lidamos com os valores sociais que nós mesmos esta- belecemos? Do latim mos-moris, moral é a ciência dos costumese não abarca o conceito grego com tamanha profundidade tal como quando fala- mos de ética. Possuidora de um caráter norma- tivo (norma) e prescritivo, a moral diz dos valo- res que norteiam as relações humanas dentro da convivência social, levando em conta as particularidades de cada grupo. Um exemplo que pode nos auxiliar neste entendimento são os grupos indígenas: eles participam de uma ética universal, mas possuem as suas normas e os seus valores morais particulares que de- vem ser respeitados pela sociedade de forma que, assim feito, terão a sua identidade grupal garantida. Nunca se falou tanto em “ter uma identida- de” ou em “ser a gente mesmo”, mesmo que para isso tenhamos que aniquilar a indenti- dade oposta à nossa. Basta averiguarmos al- guns programas de governo cada vez mais eli- tistas, preconceituosos e com o menor índice de tolerância possível. Mesmo no século XXI, ainda discriminamos por causa de cor, credo, gênero ou orientação sexual. A ética, de modo especial no Brasil, ainda está impregnada pelo discurso moralista, religioso e partidário que, antes de ver o ser humano, vê o rótulo. Assim, podemos nos perguntar: o que é va- lor para cada um de nós? Refletimos sobre as “bandeiras” que levantamos ou simplesmente adotamos a ideologia que nos foram “impostas” pelos pais, trabalho, governo? Enfim, acreditamos no que acreditamos porque escolhemos ou fomos escolhidos para acreditar? 2.1.1. As regras. Entendendo a ética como a busca pelo bem e a evitação do mal, por que tais modelos de regras e normas não são suficientes para “en- direitar” o comportamento humano? Por que, UNIDADE II: MORAL E PRINCÍPIOS ÉTICOS 12 Todos os direitos autorais desta apostila foram cedidos ao Júlio Martins e registrado na Biblioteca Nacional. mesmo sabendo o que é bom e o que é mal, ainda nos desviamos da conduta correta? Po- demos nos perguntar: é possível vivenciar to- das as regras estabelecidas pelos princípioséticos sem que tenhamos o outro como um detentor de importância, como um sujeito ao invés de um objeto? Ou seja, a nossa cultura (lembrando que a cultura é formada por indiví- duos particulares que integram a sociedade) favorece o cuidado com o outro? Nas nossas relações, temos nos preocupado com o bem- -estar e o estar-bem daqueles que convivem comigo? Assim, se as regras estão voltadas para o bem comum, fica mais fácil entender porque a normalização da ética não é capaz de padronizar a nossa conduta estritamente. Ela é uma proposta. A liberdade humana, por vezes, pode desviar-se da mesma por causa de interesses particulares. A moral como norteadora da conduta de gru- pos específicos dentro da sociedade, propõe- -se como um código a ser seguido que pode, por hora, ser questionado inclusive pela ética, já que os valores da sociedade mudam de acordo com o homem. Assim, sabemos que é muito difícil estabelecer um valor como imutá- vel. Foi justamente a flexibilização de alguns valores morais que possibilitou a conquista de tantos grupos que eram (ou ainda são) exclu- ídos, considerados minoritários. se a ética e a moral não tiverem, em primeiro lugar, um compromisso com a vida, com o bem-estar do ser humano, a mesma será em vão e não terá cumprido a sua missão original que é cuidar. Desta forma, a moral e os princípios éticos deverão servir para cada um de nós não como uma camisa de forças ou uma prisão. Sistemas que tentam enquadrar o ser humano e norma- tizá-lo a qualquer custo sempre findaram na degradação da espécie humana. No Brasil, conhecemos a história da Ditadura que não passava de um sistema cunhado por normas morais tão rígidas que sequer possibilitava às pessoas questioná-lo. Assim, podemos nos perguntar: um sistema moralista que não liberta o homem, mas, pelo contrário, o aprisiona em ideias e pensamentos totalitários é um sistema ético? Não. A ética serve justamente para averiguar a validade destes sistemas morais, pois enquanto cuidado e compromisso com a vida e o bem- estar jamais poderá permitir este tipo de sistema. A moral, então, é constantemente “vigiada”, orientada e balizada pelos valores éticos. 2.1.2. As normas No momento em que as questões éticas são propostas, tanto por indivíduos quanto por gru- pos sociais, falamos que as mesmas podem ser respondidas pela consciência, surgindo as normas morais. Se estas questões são res- pondidas pelo estado, dizemos que surgem as normas jurídicas. Segundo Cotrim (1997), a diferença entre elas é: Normas morais: são as regras éticas que têm UNIDADE II: MORAL E PRINCÍPIOS ÉTICOS 13 Todos os direitos autorais desta apostila foram cedidos ao Júlio Martins e registrado na Biblioteca Nacional. como base a consciência moral das pessoas ou de um grupo social. As normas morais podem se es- tender por toda uma coletividade mediante os cos- tumes e tradições predominantes em determinado meio social(cotrim, 1997, p. 214). Normas jurídicas: são regras ético-sociais que tem como base o poder do Estado sobre a popu- lação que habita seu territórios. Assim, uma das principais características da norma jurídica e a co- ercibilidade, isto é, a norma jurídica conta com a força e a repressão potencial do Estado para ser obedecida pelas pessoas (idem). Caso alguma norma moral seja desrespei- tada, a mesma ofenderá apenas um determi- nado grupo específico e não carecerá de inter- venção do Estado, o que se difere de quando uma norma jurídica é violada, o que leva o Estado a intervir, às vezes através mesmo da força bruta ou da imposição de um pena pre- viamente estipulada pelo Código Penal. 2.1.3. A liberdade Um dos aspectos que difere o homem de to- dos os outros seres, a liberdade é compreendi- da como um direito possuído pelo ser humano de escolher. A sua história, o seu caminho e as consequências serão orientados pelo tipo de escolha feita e pela condução da própria vida quando não houver outrem que o faça por ele. Entre a liberdade e a consciência moral há uma intríseca relação, já que só poderemos julgar uma ação caso ela tenha sido executa- da em liberdade, então só decidimos, escolhemos e somos livres se pudermos escolher. Daí a importância em lutarmos por uma sociedade mais livre e com maior potencial de escolha para que cada um possa, de fato, responder pelos seus atos, pelo resultado da sua práxis. Junto à liberdade, a palavra responsabilida- de (do latim, responder e) diz justamente da nossa condição em responder por aquilo que fazemos, que decidimos a todo momento. É o ato de justificar a nossa conduta de forma consciente. Se a liberdade é esse potencial, o livre-arbítrio poderá ser definido de uma forma um pouco diferente: diz do meio, do jeito que exercemos a nossa capacidade de sermos li- vres. A citação a seguir irá nos ajudar a com- preender a diferença entre os termos. Liberdade é a propriedade de um ser de realizar em plenitude a sua natureza. um homem é tanto mais livre, quanto melhor pode realizar a natureza humana, integral e harmonicamente. livre-arbítrio é uma faculdade do ser livre, pela qual pode agir ou não agir; agir desta ou daquela maneira. o livre-ar- bítrio é um meio de realizar a liberdade, e um meio ambíguo. bem empregado, liberta; mal empregado, escravisa. (ÁVILA, 2002, p. 27) Nesse contexto, sabemos que a conduta humana e as suas motivações jamais pode- rão ser decifradas. O homem não é um mo- delo matemático ou uma ciência empírica que pode ser inteiramente compreendida dentro de um laboratório. Ele é mais, muito mais, por- que é mistério. Mesmo que a ciência, por mais avançada que esteja, tente desvendar todos os segredos da mente, o seu funcionamento UNIDADE II: MORAL E PRINCÍPIOS ÉTICOS 14 Todos os direitos autorais desta apostila foram cedidos ao Júlio Martins e registrado na Biblioteca Nacional. e as suas estruturas, o ser humano continuará sendo indecifrável. Assim, concluímos que so- mente por este motivo o homem é livre: nem ele e nem a sua ação cabem totalmente em definição alguma. FIG. 2 – Crítica à falta de ética Fonte: Imagem da internet UNIDADE III ÉTICA E NORMAS UNIDADE III: ÉTICA E NORMAS 16 Todos os direitos autorais desta apostila foram cedidos ao Júlio Martins e registrado na Biblioteca Nacional. A palavra ética nunca esteve tão presente nos discursos, na escrita e, inclusive, em de- núncias como atualmente. Do grego ethikós, “costumes”, “comportamento”, a mesma diz respeito a uma parte da filosofia que “busca refletir sobre o comportamento humano sob o ponto de vista das noções de bem e de mal, de justo e de injusto” (COTRIM, 1993). Assim, com dupla finalidade, a ética elabo- ra princípios de vida para orientar o ser hu- mano rumo a uma ação moralmente correta e, também, busca refletir sobre estes mesmos sistemas morais elaborados pelo homem. Ou seja, a ética não apenas elabora as normas e condutas, mas também verifica as suas vali- dades e, entendido como necessário, executa mudanças nos padrões outrora estabelecidos. O caminho é, então, duplo: criar e resignificar. A ética, então, tem preocupações práticas: ela orienta-se pelo desejo deunir o saber ao fazer. Afinal, “a teoria sem a prática é estéril e a práti- ca sem a teoria é ingênua”, portanto, o resulta- do desta proposta será um interação dialética entre a reflexão e a ação exterior. Ser, saber e fazer são as dimensões básicas das ciências humanas, principalmente da filosofia. Desta forma, podemos perceber que há uma relação inerente à vida humana entre a von- tade do indivíduo (o desejo pessoal) e a força do coletivo(do grupal, daquilo que está para além de um interesse particular). Isso explica o porque de tantas ações judiciais e da enor- me demanda no campo da justiça e do direito, uma vez que como seres plurais, diferentes, de interesses cada vez mais individualistas (reflexo da nossa práxis, do nosso agir no mundo pós-moderno) temos caminhado rumo a eliminação da noção de alteridade (o ho- mem social interage e interdepende do outro). Então, aquilo que nos difere do outro, que nos faz únicos e individuais tem nos separado das pessoas, do coletivo, ao invés de simplesmen- te tornar-se uma ferramenta na construção de uma sociedade mais cooperativa, integrada e voluntária. A definição da palavra ética também pode ser encontrada em vários dicionários. Fazen- do uma interação entre o conceito e o campo da psicologia, encontramos a seguinte defini- ção de acordo com a APA: 1. Ramo da filosofia que investiga tanto o conteú- do dos juízos morais (i.é., o que é certo e o que é errado) quanto da sua natureza (i.é., se tais juízos devem ser considerados objetivos ou subjetivos). O estudo do primeiro tipo de questão, às vezes, é chamado de ética normativa e do segundo de me- taética. Também denominada filosofia moral. 2. Os princípios de conduta moralmente aceitos por uma pessoa ou grupo ou considerados adequados a um campo específico (p. ex., ética médica) (APA, 2010, p. 391). 3.1. AS NORMAS: Se a ética carrega consigo a consideração daquilo que o meio coletivo elabora a partir das UNIDADE III: ÉTICA E NORMAS 17 Todos os direitos autorais desta apostila foram cedidos ao Júlio Martins e registrado na Biblioteca Nacional. noções de bem e de mal, as normas trazem consigo aspectos relacionados aos pradrões e valores que estão mais interligados a grupos específicos e não à instância universal. Assim, podemos dizer que as normas possuem, sim, um caráter ético, mas que a sua abrangência não se equipara às mesmas demandas da éti- ca, já que, conforme já foi dito, a mesma se destina a grupos específicos. Por norma, po- demos compreender, então: 1. Padrão ou série de valores que representa o de- sempenho típico de um grupo ou um indivíduo (de uma certa idade, por exemplo) contra o qual podem ser feitas comparações. 2. A conversão de um es- core bruto em um escore graduado que é mais fa- cilmente interpretável, como percentís ou escores de QI (APA, p.652). Fica claro, assim, que a adesão humana de normas dentro de empresas, escolas, famílias e tantas outras instituições são adequadas a partir de características muito específicas de cada ambiente ou comunidade, já que não trabalham com valores universais enquanto ponto de partida qualitativos e quantitativos. Obviamente, esta diferenciação que aqui fa- zemos tem caráter pedagógico, já que adotar parâmetros normativos não exclui a adoção de valores universais simultaneamente. Vejamos alguns exemplos: Uma família decide que nenhum dos filhos ou filhas poderá levar as namoradas ou namora- dos para dormir em casa. Sobre este aspecto, estamos falando de uma norma reguladora, já que a mesma não pode ser considerada um valor universal: existem famílias que adotam esta prática, inclusive depois de várias dis- cussões e considerações sobre o caso. Por outro lado, esta mesma família pode adotar, ao mesmo tempo, valores como a liberdade de expressão, não proibindo que os filhos e fi- lhas discordem da decisão tomada pelos seus pais. Assim, se por um lado temos uma norma ligada a uma família específica (não levar na- moradas e namorados para dormir em casa) temos, por outro lado, a adoção de um valor ético universal (a abertura à liberdade de ex- pressão) dentro do mesmo ambiente (aquela família). Outro exemplo que pode ser elucidador diz das religiões. Enquanto algumas delas acre- ditam que a relação sexual deve ser pratica- da apenas depois do casamento, ou seja, a virgindade é um valor específico de algumas religiões, já que esta prática não é vista como um valor universal, algumas religiões propõem a paz, a liberdade e o amor como práticas ne- cessárias para a perpetuação da humanidade. Assim, se por um lado o valor específico sobre a virgindade (norma) fica evidente, por outro lado o discurso sobre a paz, a liberdade e o amor (valores éticos universais) também ocor- re de forma simultânea. 3.1.1. A pessoa e a comunidade. Uma das funções da filosofia, especifi- UNIDADE III: ÉTICA E NORMAS 18 Todos os direitos autorais desta apostila foram cedidos ao Júlio Martins e registrado na Biblioteca Nacional. cadamente da antropologia filosófica, é rela- cionar a intersubjetividade e a comunidade, ou seja, discutir o valor ético da sociedade. Para isto, esta reflexão pode ser demarcada a par- tir de dois conceitos tão fundamentais quanto extremistas: o individualisimo e o coletivismo. Segundo Rabuske (2003): O individualismo concebe toda forma de comuni- dade segundo o modelo do acordo ou contrato, que dois indivíduos estabelecem em vistas a um fim. Não se afirma que um contrato explícito esteja sempre na origem das instituições, mas que ele, implicitamente, é o que sustenta as instituições. Fundamentação ontológica: toda realidade é indivi- dual, apenas as substâncias individuais (pessoas) são reais no sentido forte do termo ‘realidade’ (RA- BUSKE, 2003, p. 150). Já por coletivismo, o autor considera “a comunidade como um todo que precede as partes” (ibdem, p. 150). Assim, Rabuske ele- ge o organismo com os seus membros, leis e princípios norteadores de constituição como o modelo ideal, sendo que a sua fundamen- tação ontológica, diferente da que ocorre no individualismo, funciona da seguinte maneira: O que tem unidade e forma própria, também tem um ser próprio; este abarca e domina os indivíduos como o todo abrange e domina as partes; portanto, a comunidade existe num sentido mais perfeito do que os indivíduos (ibdem, p. 150). Desta forma, a fundamentação ética dentro do campo do coletivismo não poderia ser dife- rente: o bem-estar comum estará sempre aci- ma da felicidade individual, o que nos leva a concluir que o homem só poderá encontrar a sua perfeição caso haja a realização do todo, com o devido merecimento do sacrifício indivi- dual em detrimento do coletivo. As duas perspectivas são válidas desde que mediatizadas: uma não pode existir sem a outra, o que favorece um movimento dialético entre comunidade e pessoa. Esta implicação nos fornece a ideia de que se há uma “identidade” do “eu”, isto se dá porque há uma mediatização social, sendo um exemplo claro desta afirmação a formação da identidade de uma criança: ela começa pela imitação. Resumindo, só há a pessoa porque há a so- ciedade e só há a sociedade porque existem diversas pessoas singulares, únicas. É muito constante a noção do senso comum da so- ciedade parecer como uma “nuvem” sobre as nossas cabeças.Esta concepção errônea aju- da inclusive a fomentar a ideologia de que nós indivíduos não somos tão responsáveis pelo que ocorre, já que “a sociedade” é quem faz isso ou aquilo. Portanto, cabem a cada um de nós, sujeitos particulares, mas inseridos no meio social, perceber que somos parte de um grande projeto chamado sociedade e que a supervalorização de um indivíduo em detrimento dos grupos ou a valorização apenas da maioria das pessoas sem levar em consideração as necessidades UNIDADE III: ÉTICA E NORMAS 19 Todos os direitos autorais desta apostila foram cedidos ao Júlio Martins e registrado na Biblioteca Nacional. individuais de cada membro social é o que pode nos levar à ruína e a um grande “mal es- tar” nas relações. FIG. 3 – O individual e o social Fonte: Imagem da internet UNIDADE IV ÉTICA E POSTURA PROFISSIONAL UNIDADE IV: ÉTICA E POSTURA PROFISSIONAL 21 Todos os direitos autorais desta apostila foram cedidos ao Júlio Martins e registrado na Biblioteca Nacional. 4.1. O TRABALHO COMO PRODUTOR DE IDENTIDADE. Identidade (do latim idem: o mesmo, a mesma) segundo o dicionário de psicologia da Dorsch (2001) é “ a unidade e inalterabilidade última de um ‘si mesmo’ (coisa, indivíduo, conceito, etc) no que tem de próprio e dele mesmo. com isto, a identidade se distingui da igualdade, como li- mite de semelhança”(DORSCH, 2001, p.467). É válido ressaltar, como nos orienta Bauman (2001), que o conceito e, principalmente, o uso do termo identidade é essencialmente novo, visto que será com o nascimento da moderni- dade que o mesmo representará a substituição dos valores coletivos pela noção de homem en- quanto ser único. Ofator humano, ou seja, esta particularidade dentro das organizações que carece de contro- le absoluto, tem sido objeto de várias pesquisas e estudos, sobretudo em uma época em que o produto final está cercado pelas implicações, inclusive trabalhistas, nas quais o ser humano se envolve. Não são raras as pesquisas, os questionários (principalmente de marketing) nas quais nos submetemos vez ou outra na tentativa desesperada do mercado de compre- ender melhor o homem e os seus desejos, suas necessidades, transformando-os, então, em lu- cro. Uma das consequências de uma experiência laboral que desvincula o processo de produção da realização humana é o alto índice de adoe- cimento no trabalho, razão de elevado grau do famoso absenteísmo. Conforme afirma Maria das GraçasJacques(2003, p. 6) “a psicologia organizacional e do trabalho é convidada a au- xiliar na análise do homem versus trabalho e as suas implicações sobre o sistema produtivo e sobre o contexto socioeconômico”. Dessa forma, identidade propõe uma noção de estabilidade, remetendo-nos aos conceitos de igual e diferente, permanente e mutante, de individual e coletivo, quando nos referimos ao termo como oposto ao coletivo. Trabalho (do latim tripalium, instrumento de tortura e instru- mento de cultivo de cereais) faz alusão ao so- frimento. Na sociedade contemporânea, quando fala- mos do papel do trabalhador, estamos locali- zando um dos principais papéis sociais repre- sentativos do eu. Basta observarmos as nossas relações no trabalho para identificarmos uma hierarquia, que é, na maioria da vezes, vertical e que determina e condiciona o nosso modo de “ser-no-mundo” (expressão do filósofo existencialista Martin Heidegger,de 1997, que diz da forma com a qual estamos inseridos nas nossas relações, da nossa existência enquanto modo). O homo faber (homem que faz) tomou o lugar do homo sapiens (homem que sabe) exatamente no momento em que o lucro passou UNIDADE III: ÉTICA E POSTURA PROFISSIONAL 22 Todos os direitos autorais desta apostila foram cedidos ao Júlio Martins e registrado na Biblioteca Nacional. a ser o grande regulador das relações no tra- balho. Afinal, não seriam as palavras resultado, meta, prejuízo e produção as mais escutadas por nós no nosso ambiente de trabalho? Outro aspecto que evidencia a importância do homo faber é a respeitabilidade por quem quer que seja considerado um “homem trabalha- dor” ou uma “mulher trabalhadora”. Aquele ou aquela que se encontra em posição contrária é, por hora, considerado quase um objeto (um não sujeito), mesmo que momentaneamen- te. Oimaginário social será, assim, um parque de diversões nas construções acerca do que deve ou não deve ser um sujeito trabalhador. Também as “doenças dos nervos” ou as “crises nervosas” adentram o cotidiano trabalhista tal como as encefaléias, o que é considerado uma ameaça à identidade laboral. Assim, o trabalho é considerado na sociedade ocidental, na maioria das vezes, como aquilo que diz da nossa condição humana, daquilo que essencialmente nos faz diferentes do que não somos. É claro que esta perspectiva não passa de mais um dos componentes do capita- lismo. O mundo do trabalho se tornou o locusda mediação entre o homem, as suas relações e o seu produto. Outro aspecto válido de ressaltar é a deter- minação de gênero (masculino ou feminino) e a de classes sociais (pobre ou rico) que irão nortear o mundo do trabalho. A mulher, ainda no séc. XXI, ocupa lugar de desigualdade sa- larial em relação ao homem, mesmo depois de “tantos avanços” e a determinação de clas- ses talvez seja a mais relevante no que tange à identidade profissional. Assim, os processos identificatórios irão formar seus pares, o que significa que as relações no trabalho tendem a seguir uma ordem pré-estabelecida de grupos que se unem. A qualificação ou desqualificação do eu vai se organizando em torno da lógica da meritocracia (deve ser promovido quem mere- ce, sem serem observadas as condições que o sujeito teve para ser ou não promovido) e a formação de identidade, saudável ou adoeci- da, se instala. A aposentadoria pode se tornar, por tanto tempo sonhada, um pesadelo quando pensamos a lógica da produção. Ficar “atoa” na pós modernidade é considerado um “pecado social”. Desta forma, podemos considerar o trabalho como um grande labirinto que ora nos fortalece emocionalmente e empodera o eu, ora sujere um lugar desqualificado e de empobrecimento da auto estima e, consequentemente, das nos- sas relações socias. Formulários, entrevistas, redes sociais, roda de amigos: em todos es- tes lugares, não raro, acabamos misturando o “quem somos” com o “o que fazemos”. 4.2. A POSTURA PROFISSIONAL EM TEM- UNIDADE IV: ÉTICA E POSTURA PROFISSIONAL 23 Todos os direitos autorais desta apostila foram cedidos ao Júlio Martins e registrado na Biblioteca Nacional. POS DE ÉTICA EM DESUSO. Tornaram-se incomuns os casos mostra- dos pela mídia onde pessoas desconhecidas são mostradas cometendo atos que, infeliz- mente, tornaram-se raros nas relações huma- nas. São homens e mulheres, geralmente tra- balhadores comuns, que encontram motantes de dinheiro e, o que nos assusta, ao invés de os tomarem para si, procuram os donos e de- volvem o dinheiro. O que deveria ser uma prá- tica comum, normal e corriqueira, acaba por tornar-se motivo de título de cidadão do bem. Assim, perguntamo-nos: que sociedadeé esta em que ficamos surpresos com a prática do bem e passivos ou acostumados com a prática do mal? A filósofaHannah Arendt (2001), autora de uma das obras mais importantes do século XX, trouxe à tona um dos conceitos mais co- nhecidos da filosofia, a “banalidade do mal”, um tipo de prática e característica cultural que não constitui o pensamento crítico, no qual o homem nega a si mesmo e ao outro ao fazer parte da “máquina do sistema”, deixando-se levar pelas relações de destruição e maldade exacerbadas e por acatar ordens e regras sem refleti-las, sem fazer qualquer tipo de exame de consciência relacionado as suas ações. A postura profissional, assim, está para muito além de “como se comportar numa entrevista de emprego” ou “as dez regras do que fazer e não fazer perto de um patrão”. Trata-se, então, de um modo de ser no mundo, nos dizeres do filósofo alemão MartimHeidegger (1997), de uma prática pautada pelo equilíbrio, pela aber- tura ao outro e pela certeza de que os valores humanas, mesmo em tempos de crise, preci- sam balizar a conduta dos indivíduos e grupos sociais. Por causa de um práxis que está pouco pau- tada nestes valores e nesta postura, os mais variados conselhos de ética necessitam im- plantar regras de funcionamento profissional para que as consultas de cada classe profissio- nal seja padronizada, pensando no bem-estar do homem e na nossa responsabilidade frente ao outro, seja ela ecológica, econômica, emo- cional, entre outras. 4.2.1. Os códigos de ética. Na tentativa de fazer com que a prática tra- balhista tenho um valor coletivo e não apenas individual, foram criados os códigos de ética de várias profissões. Médicos, psicólogos, en- fermeiros, dentistas, enfim, os profissionais da maioria das áreas têm um conjunto de acordos estabelecidos a partir de um padrão ético e consensual e que estabelece diretrizes e limites para a sua conduta. O não cumprimento destes códigos poderá inclusive culminar na exoneração e na cassação do registro profissional de um trabalhador. UNIDADE III: ÉTICA E POSTURA PROFISSIONAL 24 Todos os direitos autorais desta apostila foram cedidos ao Júlio Martins e registrado na Biblioteca Nacional. No Brasil foi decretada e estabelecida, em 1º de maio de 1943, a Consolidações das Leis Trabalhistas (CLT), as quais norteiam a conduta do empregado e, também, do empregador. No caso de não cumprimento das mesmas, qual- quer uma das partes poderá revogar os seus direitos através das ações trabalhistas, reque- rendo o adequamento do que reza a CLT.Estes códigos são criados e revisados de acordo com a necessidade e as mudanças sociais, sem dei- xar de lado os princípios norteadores universais e nacionais e os documentos mais importantes, bem como a Declaração Universal dosDireitos Humanos (1948), a Constituição da República Federativa do Brasil (1988), dentre outros. UNIDADE V RELAÇÕES HUMANAS NO TRABALHO UNIDADE V: RELAÇÕES HUMANAS NO TRABALHO 26 Todos os direitos autorais desta apostila foram cedidos ao Júlio Martins e registrado na Biblioteca Nacional. Esta unidade irá abordar alguns conceitos e discussões centrais sobre as relações humanas a partir do campo científico, de modo específico sobre o viés da metodologia do conhecimen- to. Desta forma, iremos refletir sobre o discurso científico, o discurso do senso comum, a rela- ção entre sujeito versus objeto, dentre outras temáticas. Também recorreremos à sociologia e à filosofia para explicar alguns fenômenos das relações humanas que influenciam diretamente nas relações trabalhistas, já que não é possível separarmos umas das outras, pois, como será visto, não é possível dissociar o homem do seu trabalho. 5.1. A CIENCIA E O SENSO COMUM: MÉ- TODO E DISCURSO. Não é raro nos depararmos com notícias e re- portagens diárias falando de alguma descober- ta da ciência. Cura, evolução, avanço, pesqui- sa e descoberta são palavras que chegam aos nossos ouvidos e aos nossos olhos, deixando- -nos mais esperançosos e com um sentimento de progresso, de que a humanidade está no ca- minho certo. Mas, será que a ciência é, de fato, neutra? Ou ela está carregada de intenções? Como se “faz” ciência? Quais são seus princí- pios básicos? E o principal: o que é ciência? Antes de tudo, é válido fazer uma distinção. Os fenômenos naturais são aqueles que, dentro da pesquisa científica, possibilitam o iso- lamento de uma causa como, por exemplo: é consenso universal que a terra gira em torno do sol. Esta causa serve de base para vários estudos e não há necessidade de refutar a mesma. Os fenômenos humanos são o resultado de uma série de interação de causas como, por exemplo, a criminalidade está relacionada à pobreza, influência familiar, espaço geográfico, exclusão social, etc. Não há apenas uma causa universal que defina a criminalidade, ela não se reduz a um único fator. 5.1.1. Uma definição generalista da ciência. Ciência é um saber organizado e metódico acerca de determinada realidade e suas pro- priedades à luz das causas que compõem tal realidade. Através desta definição, podemos perceber que sempre haverá necessidade de um método (do gregomethodos, que diz respei- to a um caminho para chegar a um fim), de um sujeito (aquele que se dispõe a percorrer um caminho em busca de um fim) e de um obje- to (aquilo que é estudado) para se “fazer” ci- ência. O discurso científico estará, geralmente, mesclado por uma determinada teoria (ciência pura) e a observação (ciência aplicada). A metodologia utilizada é composta por um conjunto de regras pré estabelecidas para re- alizar uma pesquisa (indagação, pergunta ou UNIDADE V: RELAÇÕES HUMANAS NO TRABALHO 27 Todos os direitos autorais desta apostila foram cedidos ao Júlio Martins e registrado na Biblioteca Nacional. questionamento). Assim, toda pesquisa terá como pressuposto um conjunto de conheci- mentos ordenados, supostamente precisos, em relação a um determinado domínio do saber. A ciência trabalha com a ideia de progres- so, de continuidade, de evolução. Um exem- plo desta perspectiva no campo da biologia é justamente a Teoria da Evolução de Charles Darwin(ARAGUAIA, 2015)que, como sabe- mos, tem como uma das suas prerrogativas a constância, a manutenção e, inclusive, a sobre- vivência de determinada espécie em detrimen- to da sua maior adaptação ao meio ambiente. Desta forma, a ciência visa não apenas a uma regularidade, a um standard (padrão), mas também visa convencer a sociedade de que há uma rota, um caminho certo que estará sendo seguido. Algumas das ferramentas utilizadas nesta empreitada são a previsão e o controle. 5.1.2. Método e discurso científico. Dessa forma, todo conhecimento humano, segundo a ciência, será traçado por meio da seguinte relação: FIG. 4 – Relações que produzem conhecimento Fonte: Elaborada pelo autor A ciência considerando-se detentora de um saber ordenado, diz-se “senhora de si mesma”, possuindo os meios necessários e suficientes para estabelecer a verdade no seu domínio e alega que ninguém tem fundamentos para negar as verdades estabelecidas como tais. A ciência, intitula-se defensorada verdade. Se- gundo Edwin Guthrie(1966): [...] os eventos não podem ser ‘verdadeiros’ agora e tornar-se logo ‘falsos’, embora os enunciados a seu respeito possam ser aceitos num determinado momento e não no outro. quando dizemos, “pas- semos aos fatos”, o que estamos dizendo é muito mais de que devemos observar, ouvir, ou cheirar, ou tocar objetos reais. O que estamos realmente propondo é que procuremos todos descobrir certos enunciados sobre os quais possamos concordar unanimamente (GUTHRIE, 1966, p. 76) 5.1.3. O senso comum. Em “Filosofia da Ciência: Introdução ao Jogo e suas Regras”, Rubem Alves (2000, p. 45) es- tabelece que “não importam as diferenças que separam o senso comum da ciência: ambos estão em busca da ordem”. Para o filósofo, há uma exigência de ordem que é inerente à so- brevivência humana; não há vida sem ordem e nem comportamento inteligente sem ela. Se- gundo Prescott(1961, p. 83), “o indivíduo deve sentir que vive num ambiente estável e inteligí- vel, no qual sabe o que fazer e como fazer”. A inspiração mais profunda da ciência, então, não é um privilégio da mesma, dado que o de- Sujeito Objeto Saber Científico UNIDADE V: RELAÇÕES HUMANAS NO TRABALHO 28 Todos os direitos autorais desta apostila foram cedidos ao Júlio Martins e registrado na Biblioteca Nacional. sejo pela ordem é de caráter mais primitivo. A prova disso é que se não necessitássemos da ordem para sobreviver, não a procuraríamos. Desta maneira, a ciência (busca da ordem) é uma função da vida. “Uma ciência que se divor- ciou da vida perdeu sua legitimação”, corrobora Rubem Alves (2000, p. 45). A ordem, então, não é algo evidente, mas, sim, uma elaboração hu- mana. Nesse contexto questiona-se: qual a diferença da ordem do senso comum e da ordem da ciên- cia? A primeira busca satisfazer o desejo. Já a segunda, a da ciência, busca a imparcialidade e a objetividade. A ordem da ciência é invisível, universal e já que não está tão clara, pois care- ce de maior elaboração; podemos dizer que a mesma “dá mais trabalho” para ser estabeleci- da. Não é possível negar, entretendo, que essas duas modalidades apresentam visões de ordem muito diferentes uma da outra. Uma pergun- ta que pode ajudar é: o seu comportamento é “científico”? Os seus desejos, sonhos e agir são demasiadamente organizados? Como você os descreve? O mundo humano está organizado a partir dos desejos e é do desejo que surge a música, a arte, a pintura, a religião, entre outros produtos “demasiadamente humanos”, como diria Nietzs- che(2012). Note que a afirmação relaciona as palavras ordem e desejo. Mas, então, qual a di- fença da ordem científica para a ordem do senso comum? Para Alves (2000, p. 62) “os esquemas do senso comum são absurdos, enquanto isso não acontece com a ciência”. Absurdo, aqui, não denota aquilo que não poderia ser, mas a prer- rogativa de que o mundo de cada um é sem- pre lógico do seu próprio ponto de vista.Como visto com Guthrie (1966), para fazer ciência, o senso comum costuma ser menosprezado pe- los pesquisadores. Isso ocorre pelo fato de que o mesmo não pretende à verdade universal, à objetivação dos fenômenos e à ordem universal. E no caso das ciências humanas é possível fa- lar em uma ordem científica? O homem é um ob- jeto de estudo controlável cientificamente? Aqui, caímos em um dilema epistemológico: o homem é sujeito e objeto de si mesmo. Este mesmo que pesquisa, que observa que quer controlar é, simultaneamente, o objeto estudado, pesquisado, controlado. Esta ambivalência estabelece aquela interação de causas que já foi contemplada e deflagra a dificuldade que o ser humano tem de falar de si mesmo. Afinal, como estabelecer verdades universais de um obejto que varia tanto? Desta forma, podemos concluir que o discur- so do senso comum e o discurso científico nas- cem da mesma necessidade e intenção: esta- belecer a ordem. Porém, as formas como os UNIDADE V: RELAÇÕES HUMANAS NO TRABALHO 29 Todos os direitos autorais desta apostila foram cedidos ao Júlio Martins e registrado na Biblioteca Nacional. mesmos se apresentam e a maneira como são abordados é que irão balizar as suas diferen- ças e aplicações. 5.2. CIÊNCIAS HUMANAS: BASES FILO- SÓFICAS “Uma vida sem busca não é digna de ser vivida” (Sócrates) Segundo o Dicionário de Filosofia, de Mora (1978): O significado etimológico de filosofia é “amor à sabe- doria”. A concepção da filosofia como uma procura da filosofia por ela própria conclui numa explicação do mundo que utiliza um método racional-especulativo, coincida ou não com a mitologia. Desde então o termo filosofia tem valido com frequência como expressão desse “procurar a sabedoria”. Inicialmente, com efeito, a filosofia estava misturada com a mitologia e com a cosmogonia; isto tem levado a perguntar-se se a filoso- fia grega carece de antecedentes ou não. Alguns au- tores indicam que as condições históricas dentro das quais emergiu a filosofia (fundação de cidades gregas nas costas da Ásia menor e no sul da Itália, expansão comercial etc.) são peculiares da Grécia e, portanto, a filosofia só podia surgir entre os gregos. Outros assina- laram que há influências orientais, por exemplo, egíp- cias. Outros, finalmente, indicam que na China e espe- cialmente na Índia houve especulações que merecem, sem restrições, o nome de filosóficas. Qualquer que seja a posição que se adote, é forçoso reconhecer por sentido que o termo filosofia atingiu a sua maturidade apenas na Grécia (MORA, 1978, p. 45). 5.2.1. Pós-modernidade: afinal, quem so- mos e onde estamos? “Se Deus não existe, tudo é permitido” (Dostoievski) A nossa cultura, aqui entendida como oci- dental, é vista tanto como fonte de progresso e berço da ciência moderna, como de destruição do planeta, dilapidação dos recursos naturais e empobrecimento das relações humanas, tendo como um dos principais motivos as leis que regem o capitalismo neoliberal: já faz tempo que trocamos o ser pelo ter. A posse (materialismo) estrangulou o estatuto da essência (ontologia). Assim, a técnica foi a chave-mestra que iniciou essa engrenagem multifacetada que chamamos de pós- modenidade (ou hipermodernidade- de?). De acordo com Rabuske (2003), podemos falar da cultura sobre dois polos: o da cultura tradicional e outro que se refere à cultura tec- nocentrista. A primeira diz respeito às coisas do espírito: filosofia, ética, artes, religião. Esta, como já vimos na unidade anterior, tem suas ra- ízes na Grécia antiga e na bíblia (cristianismo). Já a cultura tecnocentrista trás em seu seio um aspecto de indiferença à existência do homem enquanto essencial. Aqui, cabe a pergunta: qual é, então, a visão de homem que temos? O que é o homem para nós, sujeitos pós-modernos? É possível conciliar estes dois polos? Segun- do o autor, o que se percebe é uma mediação UNIDADE V: RELAÇÕES HUMANAS NO TRABALHO 30 Todos os direitos autorais desta apostila foram cedidos ao Júlio Martins e registrado na Biblioteca Nacional. feita pelo homem: ele extrai elementos dos dois polos a seu favor, seja o enraizamento que foi lhe dado pela cultura tradicional, sejam os ins- trumentos eficazes ofertados pela pós-moder-nidade. Desta forma, cabe-nos estar atentos aos limites de cada um destes polos. Precisa- mos refletir sobre as possibilidades de exage- ros oriundos de cada uma dessas vertentes, no anseio de adotarmos uma posição madura e saudável no que tange as nossas relações, prá- ticas e produções. Como podemos perceber esta ambivalência no mundo do “trabalho”? Como podemos colocar o sistema da ciência (ação) e o sistema do homem (vontade) em consonância? De acordo com Rabuske (2003), a cultura também é considerada um sistema, na qual a existência humana (vontade, desejo) e a sua ação (atividade, produção) podem se interpre- tar e conectar. Mas, esse tipo de conexão nunca será total, dada a complexidade do ser humano e o seu movimento dialético. Haverá sempre uma nova necessidade de interpretação que carecerá por mais uma outra e, assim, infinita- mente. Para Ladrière (1978), trata-se de fazer um “meio-de-campo” entre a esfera íntima e a esfera pública. O refúgio em apenas uma delas não poderá ajudar o homem a ser gerenciador da ciência, em vez de gerenciado por ela. 5.2.2. A modernidade líquida de Zygmunt Bauman. Para Bauman (2001), as diversas modi- ficações sociais que estamos experimentando de forma cada vez mais fugaz fazem com que os laços sociais fiquem cada vez mais líquidos (sem consistência). A individualização, o desa- pego e a rápida exclusão de tudo aquilo que se torna rapidamente obsoleto serão as mar- cas principais dos nossos relacionamentos, ou seja, vivemos a era da “descartabilidade”. O anonimato nas grandes metrópoles e nos centros urbanos contribuem para a invisibilida- de do homem, o que nos gera uma sensação de “liberdade”. Aqui, cabe lembramos a música Quatro Vezes Você, da banda Capital Inicial, do álbum Rosas e Vinhos (2002), que retrata jus- tamento a invisibilidade contemporânea: “Rafaela está trancada há dois dias no banheiro enquanto a sua mãe toma prozac, enche a cara e dorme o dia inteiro parece muito, mas podia ser Carolina pinta as unhas roídas de vermelho em vez de estudar fica fazendo poses nua no espelho parece estranho, mas podia ser O que você faz quando UNIDADE V: RELAÇÕES HUMANAS NO TRABALHO 31 Todos os direitos autorais desta apostila foram cedidos ao Júlio Martins e registrado na Biblioteca Nacional. ninguém te vê fazendo ou o que você queria fazer se ninguém pudesse te ver” (banda Capital Iinicial) Desta forma, as responsabilidades se en- contram reservadas às esferas individuais, argumento típico do sistema neoliberal con- temporâneo: o setor público perde as suas res- ponsabilidades frente à liberdade e a autonomia das pessoas individuais. As empresas privadas é que irão reger, embora não tenhamos tanta noção disso, o sistema. O que isso reflete nas relações humanas? Mercantilizamos a relação eu-outro e os laços encontram-se frágeis. Namoros, casamentos, amizades e até a nossa durabilidade nas empresas estão em risco, pois o compromisso agora é individual. A nossa tão sonhada liberdade e individualidade, solicita- das na Revolução Francesa, no iluminismo e nas nossas passeatas parecem ter-nos dado em troca uma espécie de ressaca existencial. Diz-nos Bauman (2001): Os fluidos se movem facilmente. Eles ‘fluem’, ‘escor- rem’, ‘esvaem-se’, ‘respingam’, ‘transbordam’, ‘vazam’, ‘inundam’, ‘borrifam’, ‘pingam’, são ‘filtrados’, ‘destila- dos’; diferentemente dos sólidos, não são facilmente contidos – contornam certos obstáculos, dissolvem outros e invadem ou inundam seu caminho [...] asso- ciamos ‘leveza’ ou ‘ausência de peso’ à mobilidade e à inconstância: sabemos pela prática que quanto mais leves viajamos, com maior facilidade e rapidez nos mo- vemos (BAUMAN, 2001, p. 8). É justamente essa liquidez ou esse excesso de afrouxamento nas relações modernas que nos trancaram em casa com medo, síndrome do pânico, depressão, sentimento de solidão e ansiedade. Ganha notoriedade, então, a figura do “consumidor”, considerado cidadão por sta- tus, o comprador será a grande força que impul- siona e mantém a dinâmica rápida e constante de mudanças no mercado. Afinal de contas, quanto mais compramos, mais podemos agili- zar o processo de fluidez das coisas. O celular, o carro e a roupa de poucos meses atrás já não nos servem, pois estão ultrapassados. E o na- moro? E o casamento? Será que também não estão? Quem são, então, aqueles que não con- tribuem para este tipo de dinâmica? [...] tendem a serem as partes mais dispensáveis, dis- poníveis e trocáveis do sistema econômico. Em seus requisitos de empregos não constam habilidades par- ticulares, nem a arte da integração social com clien- tes – e assim, os mais fáceis de substituir têm poucas qualidades especiais que poderiam inspirar seus em- pregados a desejar mantê-los a todo o custo; contro- lam, se tanto, apenas parte residual do poder de bar- ganha. Sabem que são dispensáveis, e por isso não veem razões para aderir ou se comprometer com seu trabalho ou entrar numa associação mais durável com seus companheiros e trabalho. Para evitar frustração iminente, tendem a desconfiar de qualquer lealdade em relação ao local de trabalho e relutam em inscrever seus próprios planos de vida em um futuro projetado para a empresa. É uma reação natural à “flexibilidade” do mercado no trabalho, que, quando traduzida na ex- periência individual da vida, significa que a segurança UNIDADE V: RELAÇÕES HUMANAS NO TRABALHO 32 Todos os direitos autorais desta apostila foram cedidos ao Júlio Martins e registrado na Biblioteca Nacional. de longo prazo é a última coisa que se aprende a as- sociar ao trabalho que se realiza (BAUMAN, 2001, p. 174-175). 5.2.3. Organizações e instituições. Oinstitucionalismo conceitua a sociedade como a forma organizada da associação huma- na e a história como o devir da sociedade no tempo. Mas, antes de darmos sequência aos conceitos, podemos nos perguntar: qual é ou quais são as funções das instituições na vida humana? SegundoBaremblitt (1995), a sociedade é uma rede, um tecido de instituições. As instiui- ções são lógicas, que podem ser leis, normas ou, até mesmo, hábitos ou regularidades de comportamentos, dependendo da forma como estão colocadas e situadas na sociedade. As leis e normas geralmente estão escritas, mas outras formas de institucionalização estão pre- sentes no mundo sem que haja tal formaliza- ção. No entanto, nas suas maneiras, podemos dizer que há uma lógica que visa regularizar a atividade humana. Portanto, as instituições e suas lógicas existem como ferramenta de pro- teção da vida humana (a princípio seria este o seu primeiro ofício) que funcionará através de uma série de convenções sociais que irão for- malizar e orientar a atividade das pessoas. Esta lógica, que nem sempre é possível ser perce- bida de forma clara, diz daquilo que as coisas são e não são, do que pode e não pode ser realizado, por exemplo. O autor trás no seu compêndio de análise ins- titucional um exemplo de instituição que não é materializável, mas que organiza e define as formas de comunicação humana: a linguagem. Assim, com a gramática (conjunto de regras e formas sobre a linguagem) podemos criar um mundo infinito de mensagens, mas estas estão organizadas por, pelo menos, um conjunto de regras indispensável. Não conhecê-la ou não fazer uso daquilo que consideramos o básicoda língua acarreta-nos um preço: a impossíbili- dade da comunicação. Outro exemplo de instituição, talvez mais fá- cil de ser apreendida, é a que regula os graus de parentesco: pai, mãe, irmão, irmã, sobrinho, entre outros são funções e papéis sociais com- preendidos quase que por todo cidadão adul- to. Não é atoa que quando estas funções não são exercidas com a “regularidade” esperada, cria-se um discurso pedagogizante, ou seja, de correção em relação aos “desvios”. Aqui, cabe- -nos também fazer uma análise, inclusive insti- tucional: como vemos as funções sociais acima relatadas? Para você, o que seria a instituição família? Como andam as funções sociais nas novas modalidades familiares? Não poderíamos deixar de lado a institui- UNIDADE V: RELAÇÕES HUMANAS NO TRABALHO 33 Todos os direitos autorais desta apostila foram cedidos ao Júlio Martins e registrado na Biblioteca Nacional. ção que mais nos interessa aqui: o trabalho. Como um dos maiores mecanismos de pro- dução de identidade, o trabalho também apresenta as suas lógicas e formatos, tanto que aqui no Brasil temos como seu principal regulador a CLT.A divisão do trabalho, uma das suas lógicas, se dá não necessariamen- te pela importância produtiva daqueles que detêm estes lugares, mas pelo seu prestígio e lucro. Se fosse o contrário, o lixeiro, o pa- deiro e a empregada doméstica seriam talvez os mais bem assalariados no mercado. Isso revela que vivemos em um sistema que enfatiza o status e o resultado final de produção. Afinal, não seriam estes trabalhadores os que estariam lidando com necessidades mais que básicas e essenciais? Desta forma, educação, justiça e religião seriam também tantas outras modalidades de instituições que nos cercam, protegem e regulam. Aqui está um dos axiomas do so- ciólogo polonês Zigmunt Bauman: vivemos esbarrando em duas necessidades essen- cias:a liberdade e a segurança, que se apre- sentam como uma faca de dois gumes e que tem as instituições como as principais fontes de regulamento das mesmas. Quanto mais conectados às instituições, menos livres; quanto mais livres delas, menos seguros. Analisadas sob a ótica do invisível, as institui- ções se diferem das organizações, que são a forma “materializada” das mesmas, como “dis- positivos concretos”. Se não é possível “ver” a educação, a família, a justiça, etc, podemos perceber as organizações mais concretamente. Diz-nos Baremblitt (1992): As organizações são grandes ou pequenos conjuntos de formas materiais que concretizam as opções que as instituições distribuem e enunciam. Isto é, as insti- tuições não teriam vida, não teriam realidade social se- não através das organizações. Mas as organizações não teriam sentido, não teriam objetivo, não teriam direção se não estivessem informadas como estão, pelas instituições (1992, p. 27). “Abaixo” das organizações, podemos perce- ber ainda mais nitidamente os estabelecimen- tos, que são formas menores de materialização das instituições. Assim, uma “escola” seria um estabelecimento da organização “Ministério da Educação”, e a “educação” seria a instituição das mesmas. Escolas, fábricas, indústrias, lanchonetes, bancos, quartéis, todos estes são estabeleci- mentos que remetem às organizações e que também remetem às instituições. Podemos afir- mar, assim, que há todo um complexo que nos envolve e nos organiza em sociedade, dando- -nos a segurança que solicitamos, mas tam- bém castrando-nos, às vezes, no que tange à liberdade. Ainda depois dos estabelecimentos, UNIDADE V: RELAÇÕES HUMANAS NO TRABALHO 34 Todos os direitos autorais desta apostila foram cedidos ao Júlio Martins e registrado na Biblioteca Nacional. temos a categoria dos equipamentos: maquina- rias, instalações, arquivos, aparelhos, mesas, cadeiras, entre outros. Instituição – organização – estabelecimento – equipamento, tudo isso, naturalmente, soad- quire dinamismo através dos agentes, que são os seres humanos, ou seja, cada um de nós que acorda, levanta, se dispõe a trabalhar e a ser o grande gestor de todas as outras entida- des acima enunciadas. Da cadeira ao Ministé- rio da Justiça, do lápis à educação, todos nós somos os grandes gestores desta rede imensa que chamamos de sociedade e cada ato, cada avanço ou retrocesso irá delinear os resultados presentes e futuros. O que nos ocorre, infeliz- mente, é que estas unidades são confundidas. Numa instituição, iremos encontrar duas ver- tentes diferentes, mas que se conectam e co- municam a todo momento: o instituinte, que diz respeito à aquilo que está em devir, em movi- mento e é o inacabado em uma instituição; e o instituído, que diz respeito àquilo que está cris- talizado, que não muda, que é essencial para uma instituição. Nesse cenário, como pode ser percebido, as relações humanas dentro do campo do conhe- cimento científico pode ser analisado a partir de conceitos centrais como ciência, senso co- mum, filosofia, método e discurso, entre outros. Desta forma, cabe ao pesquisador entrar sem- pre em contato com a literatura universal e na- cional a respeito desta temática que, como já é esperado, não pode se exaurir. UNIDADE VI MARKETING PESSOAL UNIDADE VI: MARKETING PESSOAL 36 Todos os direitos autorais desta apostila foram cedidos ao Júlio Martins e registrado na Biblioteca Nacional. Com o rápido avanço da tecnologia, o maior acesso à educação nos últimos tempos e o contato com a informação de forma veloz e prá- tica vem tornando o mercado de trabalho cada vez mais exigente em relação ao processo de seleção e contratação dos seus colaboradores. Obviamente, o capitalismo neoliberal que é re- sultado da competitividade e do consumismo desenfreados do homem contemporâneo tem fomentado algumas práticas empresariais que fogem do que rezam as leis trabalhistas, não sendo raros os casos de relações profissionais pautadas pelo desrespeito a algumas questões básicas como salários justos, carteiras assina- das, férias, comissões regulamentadas, etc. Por isso, o marketing pessoal mais bem pla- nejado que podemos pensar trata-se, primeira- mente, da ação de um indivíduo que, além de saber dos seus direitos e deveres, saiba tam- bém assegurá-los. A princípio, o primeiro e mais importante marketing pessoal é o exercício da cidadania, já que ele é, em primeiro lugar, uma postura de vida. 6.1. DEFINIÇÃO A palavra marketing, de origem da língua in- glesa, já está inserida em nosso contexto por muitos anos. Desta maneira, esta palavra foi o que costumamos dizer “aportuguesada”, tal como a palavra show, ou seja, não utilizamos a forma traduzida. A prova disso é que, tanto pelo dicionário da Oxford, quanto pelo dicionário Longman, o significado de marketing é a própria palavra, ou seja, não há tradução. Todavia, quando pensamos na expressão marketing pessoal, podemos recorrer à tradução de Market, que significa feira, mercado. Desta forma, fazemos uma analogia e consideramos a expressão como “a venda de uma imagem pessoal” ou “a promoção de uma pessoa rumo ao sucesso”. Assim, recorremos às considerações iniciais e correlacionamos à definição do termo com a prática da cidadania,
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