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Psicanálise ainda escuta o Édipo na familia contemporânea.

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1 
 
A Psicanálise ainda escuta o “Édipo” na família contemporânea? 
 
Sibely Joaquina Pereira Lima1 
Vanuza Monteiro Campos Postigo2 
 
1. Introdução 
A família contemporânea com suas diversas configurações e dinâmicas suscita 
importantes reflexões, uma vez que o grupo familiar é transmissor dos valores que sustentam 
e formam a sociedade. As novas relações familiares vêm sendo pauta de diferentes campos do 
saber e diversas disciplinas como a Sociologia, a Antropologia, a Psicologia e a Psicanálise, 
concordando que são inúmeras as transformações que afetaram e possibilitaram novos 
arranjos e composições familiares. 
Pretendemos problematizar a família tradicional burguesa, berço do nascimento da 
Psicologia e da Psicanálise, e questionar como se (re)organizam as funções materna e paterna, 
como também a gestão da lei simbólica na formação das novas configurações familiares. 
Para isto, apresentamos na primeira seção o conceito antropológico de família, e a 
história da organização familiar no mundo ocidental dividida em três grandes fases, segundo a 
historiadora e psicanalista Elisabeth Roudinesco (2003). Além disso, exploramos o contexto 
econômico e sócio-histórico no qual surgiu a ordem familiar burguesa, bem como o cenário 
sócio-cultural do qual adveio a Psicanálise. 
Na segunda seção, apontamos as relações da família com a Psicanálise, que tem como 
eixo central de sua teorização o complexo de Édipo, conceito fundamental para compreender 
a construção subjetiva, as identificações, os modos de relação de objeto e a neurose do sujeito 
conforme concebido por Sigmund Freud. Falar de Édipo é seguir o caminho do pensamento 
freudiano ao assistir a peça Édipo-Rei de Sófocles e de toda uma concepção de amores e 
desejos atravessados pela heteronormatividade, por exemplo, inspiração para sua teorização 
sobre os afetos que tramitam entre pais e filhos. 
Na terceira seção, colocamos a problemática da família contemporânea, uma vez que o 
modelo tradicional e idealizado da família burguesa não se sustenta hegemonicamente frente 
às aceleradas transformações sociais das últimas décadas. As mudanças ocorridas em diversas 
 
1 Psicóloga (IBMR-RJ) 
2 Psicóloga (PUC-RJ), Especialista em Psicologia Clínica (PUC-RJ), Mestre em Psicologia 
(UFRJ), Doutora em Teoria Psicanalítica (UFRJ) 
2 
 
instituições políticas e econômicas, e os avanços da ciência e tecnologia conduziram a 
modificações na família, que tornou-se cada vez mais diferenciada daquela concebida pela 
ordem burguesa emergente e pela medicina higienista do século XIX. 
Desta forma, pretendemos interrogar como se posiciona o psicanalista e o exercício da 
Psicanálise – seu método e teoria, sua escuta - ante às novas configurações familiares. 
Podemos questionar a eficácia do saber psicanalítico ao tratar os sujeitos advindos da família 
atual, uma vez que suas premissas são originárias de uma ordem familiar que atendeu às 
necessidades de outro contexto sócio-histórico? A Psicanálise atenderia hoje à escuta do 
sofrimento dos sujeitos oriundos e pertencentes aos mais diversos arranjos familiares da 
atualidade? 
2. O conceito de família na cultura ao longo da história: normatização e subjetividade 
A vida familiar se apresenta em todas as sociedades, mesmo que com diferentes 
configurações ou hábitos sexuais e educativos muito distantes dos nossos (LÉVI-STRAUSS 
apud ROUDINESCO, 2003). 
 A família está fundamentalmente baseada em duas grandes ordens: a do biológico, da 
diferença entre os sexos; e a do simbólico, como a proibição do incesto e outras interdições, 
princípio este que assegura a passagem da natureza à cultura. (ROUDINESCO, 2003) Sobre 
essas normas se desenrolaram durante séculos as transformações próprias desta instituição e 
também as modificações na forma de olhar para ela. 
Jacques Lacan (1987) aponta a dupla função da família: garantir a geração e a 
sobrevivência dos jovens e a transmissão da cultura - função simbólica por excelência e 
atravessada pelas ofertas culturais, tempo histórico e geografia. Para Lacan, a família não é 
natural, mas um fato social; é uma instituição que varia de acordo com a civilização, vale 
pensarmos na família hodierna, e sua tarefa de transmitir a cada sujeito que nasce na 
linguagem e no simbólico os valores e normas da cultura. 
2.1. – A família nuclear e seus antecedentes históricos 
A família conjugal ou nuclear como a conhecemos hoje no Ocidente constitui a 
consumação de uma longa evolução, estudada aqui, conforme Roudinesco (2003), em três 
grandes fases: a família tradicional, a família moderna e a contemporânea. 
3 
 
A família tradicional, sob a ordem do mundo imutável, encontra-se submetida 
inteiramente a uma autoridade patriarcal, vivenciando a transposição da monarquia de direito 
divino, com casamentos arranjados entre os pais e funcionando como lugar de transmissão da 
vida, do nome, e dos bens. 
A família moderna, do final séc. XVII até meados do séc. XX, é fundada no amor 
romântico, na qual o casal procura satisfação amorosa e sentimental, tem como cenário o 
surgimento do Estado, da burguesia e o desenvolvimento industrial; valoriza a divisão do 
trabalho entre os esposos e a educação do filho, a qual a nação passa a ter o dever de 
assegurar. No entanto, o poder sobre os filhos é dividido entre o Estado e os pais, por um 
lado, e entre os pais e as mães, por outro. 
A família contemporânea ou pós-moderna impõe-se a partir dos anos 1960, é 
valorizadora da vida privada e une os indivíduos em busca de realização sexual por um tempo 
relativo. Nesse grupo, aumentam as separações e recomposições familiares e a transmissão da 
autoridade se torna gradativamente mais problemática. É significativa a transformação da 
configuração familiar principalmente a partir de grandes acontecimentos como a invenção da 
pílula anticoncepcional, os movimentos feministas e a inserção das mulheres no mercado de 
trabalho. É sobre essa que vamos problematizar nossa comunicação. 
Nesse contexto, Roudinesco e outros autores (FREIRE COSTA, 1983; MELMAN, 
2003; RASSIAL, 2000) ressaltam como o declínio da soberania paterna atravessa 
significativamente essas transformações e afetam a família. 
2.2. Do declínio da soberania paterna ao surgimento da família moderna 
A Revolução Francesa, ao abolir a monarquia, atingiu a até então inatacável figura de 
Deus pai, e consequentemente seus sucedâneos no poder estatal, os reis, que são destituídos, 
enfraquecendo o seu equivalente nos lares, os pais. A família transformou-se em uma 
instituição complementada por outras como o Estado, a nação e a pátria, sobretudo quando o 
pai fosse julgado “fraco”. Na era do desenvolvimento industrial, o posto de “deus, soberano, 
patriarca” passa a ser o mesmo que o do patrão, que defende o operário da barbárie e oferece 
trabalho e habitação. 
Desta forma, ordem familiar econômico-burguesa repousa em três fundamentos: a 
autoridade do marido, a subordinação das mulheres e a dependência dos filhos. Reinvestido 
de seu poder, o pai será então um pai justo, submetido à lei e respeitoso dos novos direitos 
adquiridos em virtude da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. O casamento 
4 
 
deixa de ser um pacto de família indissolúvel e passa a ser um contrato livremente consentido 
entre um homem e uma mulher; repousando no amor, dura apenas enquanto durar o amor, o 
que supõe o direito ao divórcio; reconhece que todo filho – ilegítimo, adulterino ou 
abandonado – tem direito a uma família, a um pai e uma mãe. 
Compreendamos aqui a lei como sendo aplicada a todos, submetendo inclusive o pai, e 
como condição fundamental para a concepção de sujeitoe de método clínico proposto pela 
Psicanálise, contexto do qual advém esse saber. 
2.3. Contexto histórico contemporâneo ao surgimento da Psicanálise 
Na segunda metade do séc. XIX, com a industrialização, o enfraquecimento das 
crenças religiosas, a diminuição cada vez mais intensa dos poderes autocráticos, o imaginário 
era assolado por um terror à irrupção do feminino. 
Os debates sobre patriarcado e matriarcado refletiram sobre as duas modalidades que 
emergiram da nova soberania burguesa: a primeira fundada na autoridade paterna e a segunda 
no poder das mães. Desta vez a história da família é pensada não apenas em relação à 
diferença sexual e de dominação de um gênero em relação ao outro, mas também a partir da 
contradição entre duas formas de dominação: uma econômica e outra psíquica 
(ROUDINESCO, 2003). 
A ordem familiar econômico-burguesa, ao outorgar à maternidade um lugar 
considerável, proporcionava, simultaneamente, os meios de controlar o controle de uma 
sexualidade selvagem e devastadora, posto que esta estaria descolada da função materna. 
Destinando a mulher à maternidade, o corpo social teria condições de resistir à tirania de um 
gozo feminino (ROUDINESCO, 2003). 
 Freud entende a civilização como cultura, ou seja, a totalidade das obras e 
organizações, cuja instituição nos afasta do estado animal e que tem duas finalidades: a 
proteção do homem contra a natureza e a organização dos homens entre si. A família é uma 
das grandes coletividades humanas da civilização e só se distancia do estado animal 
afirmando a primazia da razão sobre o afeto, e da lei do pai sobre a natureza – lembrando que 
a lei é simbólica: inclui e transcende o pai. 
3. Psicanálise e a família freudiana 
Este foi o cenário no qual surgiu a Psicanálise, e foram os membros desta família 
configurada nesse cenário social que Freud recebeu em sua clínica. A família passa a ser vista 
5 
 
como o lugar de circulação dos afetos. De um modo geral, os filhos são monitorados pela 
autoridade paterna e por uma educação repressiva por parte da mãe (PASSOS, 2015). A 
família que chega à clínica é aquela burguesa, com pai e mãe engajados no projeto dos filhos, 
responsáveis também, digamos assim, pelos seus destinos pulsionais - Dora e sua família são 
um exemplo disso (FREUD, 1905). 
A intimidade entre todos os membros do grupo passa a ser uma marca da família no 
Ocidente, ou seja, as relações pais-filhos adquirem uma importância inédita. Surge uma nova 
dinâmica que permite conceber uma configuração emocional da psique moderna, onde Freud 
ganha substratos importantes para a construção de sua teoria (PASSOS, 2015). 
Nesse momento histórico, com a ascensão dos saberes e do discurso médico, 
acompanhamos o concomitante declínio do saber parental, saber este esvaziado pela 
Medicina, pela Psicologia, pela Psicanalise e pela Educação. (FOUCAULT, 1987). 
3.1. A Leitura freudiana da tragédia Édipo Rei 
O mito outrora interpretado e registrado por Sófocles ganha vida nova na Viena da 
segunda metade do século XIX. Freud reinterpreta o mito em adequação ao pensamento 
psicanalítico, ao procurar ilustrar por meio dele o conflito neurótico do histérico vienense. 
Para Sófocles, Édipo de nada é culpado, é vítima do destino, uma vez que nasce de uma 
família amaldiçoada, condenada à destruição. Mas para Freud foi por desejo à mãe que Édipo 
matou o pai e, portanto, vai centrar-se no assassinato do pai e no incesto com a mãe. Esses 
eventos irão representar os desejos fundantes e reprimidos do inconsciente, o conflito nuclear 
em torno do qual ele constrói a psicanálise. 
No mito de Édipo e a partir de outros textos como Totem e Tabu (1913), Moisés e o 
Monoteísmo (1939), O Mal estar na civilização (1930), entre outros, Freud concebe a 
organização psíquica e social através da instauração da lei simbólica. 
3.2. A nova Lei do pai 
Freud interpreta a necessidade da morte do pai sob a influência da antropologia 
evolutiva do final do séc. XIX de Darwin, e também de suas pesquisas sobre a gênese da 
história bíblica. Em Totem e Tabu (1913), o assassinato do pai é um ato necessário e fundador 
da civilização, pois instaura a lei que nos separa da natureza e nos introduz na cultura, o que 
possibilita a internalização dos interditos paternos. É uma ideia complexa, pois ao mesmo 
tempo em que diz ser necessário o assassinato do pai, também afirma que é necessária a sua 
permanência, mas em uma outra condição: a lei internalizada pelos filhos (TELLES, 2014). 
6 
 
Por esse ângulo, o complexo de Édipo seria a expressão dos dois desejos recalcados 
pelos tabus do totemismo – o desejo de incesto e o desejo de matar o pai. Isto universaliza o 
complexo, uma vez que, segundo Freud, é o correspondente psíquico dos dois grandes 
interditos que fundaram a sociedade humana. 
4 - A família conjugal e as novas configurações familiares da contemporaneidade 
4.1. A família contemporânea e a crise de referências simbólicas 
A família contemporânea no mundo ocidental apresenta-se em diversas configurações 
– casada, separada, recomposta, expandida, monoparental, homoparental, gerada 
artificialmente. A família que originalmente foi patriarcal e autoritária, hoje se reconfigura ao 
poder das mães, da ciência, e do desejo individual. Trata-se de uma grande desordem na 
família (ROUDINESCO, 2003), o que gera grandes questões: como ficam as funções de pai e 
mãe, e também a gestão da lei e de sua internalização nas novas gerações? 
Mas qual é a família que está em desordem ou “reorganização”? Como vimos em 
Lévi-Strauss, a família é a forma de organização social mais persistente, mesmo se levarmos 
em conta as diferenças históricas e culturais. Vejamos então a família nuclear contemporânea, 
herdeira da família vitoriana. 
4.2 Uma nova organização – a família conjugal 
Èmile Durkheim cria o conceito de família conjugal em 1892 e mostra que a 
construção da família dita nuclear teve origem nas sociedades germânicas da Europa, baseada 
na contração da antiga organização patriarcal. Segundo ele, à medida que as relações sociais 
se estendem e que o capitalismo se desenvolve, a instituição familiar tende a se reduzir, dando 
origem ao individualismo. Neste modelo, o pai é reduzido a uma abstração, pois é a família 
que se encarrega dos conflitos privados e que serve de suporte à individualização dos sujeitos. 
A Psicanálise, a Antropologia e a Sociologia, utilizando-se de conceitos apropriados, 
souberam dar conta das transições já operantes na vida das famílias, e “propuseram uma nova 
definição da ordem simbólica, que permite pensar o declínio do poder paterno sem com isso 
destruir a estrutura capaz de mantê-lo sob uma forma cada vez mais abstrata” 
(ROUDINESCO, 2003, p. 106). 
7 
 
Esta nova configuração apresenta três fenômenos marcantes: primeiro, a revolução da 
afetividade, que exige cada vez mais que o casamento burguês seja associado ao sentimento 
amoroso e ao desabrochar da sexualidade feminina e masculina. Segundo, o lugar 
preponderante concedido ao filho, que terá como efeito “maternalizar” a célula familiar. 
Terceiro, a prática sistemática de uma concepção espontânea, dando origem a uma 
organização mais individual da família. 
4.3 As relações familiares a partir de 1960/70 
A partir de 1960 surgem novas possibilidades, que geram diferentes configurações 
familiares. Os casais se formam considerando o laço afetivo, sem terem, necessariamente, a 
intenção de procriar. Razões de mercado relativizaram/aboliram a dependência econômica das 
mulheres e dos filhos em relação ao “chefe de família”. Com os novos direitos decorrentes da 
luta feminista, as mulheres passaram a exercer um poder e uma presença bem mais forte, nasociedade e na família, havendo nesta uma maternalização cada vez mais significativa 
(ROUDINESCO, 2003). 
Nesse contexto, a difusão da Psicanálise abriu um espaço para a mulher falar sobre seu 
desejo e para um empoderamento/legitimação do desejo e do seu discurso. A democratização 
das técnicas anticoncepcionais possibilitou às mulheres diversificar suas experiências sexuais, 
desvinculando a sexualidade da procriação, e a maternidade do casamento. 
O casamento em vez de ser um ato fundador de uma célula familiar única e definitiva 
passou a ser um contrato mais ou menos duradouro entre duas pessoas. Daí surgiu o termo 
família recomposta, que remete a um duplo movimento - de dessacralização do casamento e 
de humanização dos laços de parentesco. 
Crianças antigamente apelidadas de bastardas passaram a ser chamadas naturais, 
depois de integradas à norma de uma nova ordem familiar recomposta. O termo família 
monoparental, serviu para designar inicialmente um modelo irregular de família. Hoje, as 
mães solteiras não são mais colocadas à margem da sociedade. 
As novas técnicas médicas permitem associar três mães a um mesmo gesto 
procriativo. Assim, a ciência médica tornou possível uma nova ordem procriadora, fazendo 
surgir novas formas de parentalidade, aliás, o próprio termo parentalidade já é uma inovação e 
traduz novos discursos que aí se atrelam. 
8 
 
Outros tipos de relação familiar como as uniões homoafetivas e as famílias 
monoparentais reivindicam um lugar de equivalência à família burguesa padrão. Pares 
homossexuais reivindicam o casamento institucional e, solteiros de ambos os sexos lutam 
pelo direito de adotar crianças e constituir uma família normal. 
Diante dessas novas situações, fatos que antes eram indissociáveis, hoje guardam cada 
vez menos relações de dependência: o físico, o social e o psíquico (CECARELLI, 2007). O 
nascimento, que é um fato físico, precisa ser transformado em filiação, um fato social e 
político. Isto para que a criança seja inserida em uma organização simbólica, que é um fato 
psíquico, e possa se constituir como sujeito. 
4.4. Famílias contemporâneas: à escuta do Édipo 
Independentemente de qual seja a configuração, as funções familiares são 
insubstituíveis, pois são nas relações que a família proporciona que nos constituímos como 
sujeitos humanos. Se existir para a criança alguém que faça a função paterna e alguém que se 
encarregue amorosamente dos cuidados maternais, a família estruturará edipicamente o 
sujeito. É dentro dessa estrutura chamada família que a criança vai se indagar sobre o desejo 
que a constituiu, e vai se deparar com o enigma do seu próprio desejo. 
A interdição do incesto e sexuação resumem o papel que a família deve representar na 
constituição do sujeito. Mas a partir deste ponto, o papel da família na modernidade é 
formador, no sentido de preparar as crianças para suas responsabilidades em relação às 
normas de convívio social (KEHL, 2003) 
As várias das desordens da família não são novas, mesmo que se manifestem de forma 
inédita, e não impedem que ela seja reivindicada como o único valor seguro ao qual ninguém 
quer renunciar. O que está em crise é o próprio princípio da autoridade, sobre o qual ela 
sempre se baseou na sociedade ocidental pois, com o declínio das referências patriárquicas 
como o exército, a Igreja, a nação, a pátria, o partido, parece ser a família a única instância 
capaz de favorecer o surgimento de uma nova ordem simbólica (ROUDINESCO, 2003). 
Heinemann e Chaterlard (2012) partem da discussão sobre o declínio da função 
paterna, a crise de autoridade, as conseqüências das diferentes formas de parentalidade e as 
novas formações de família, para afirmar que, falar do declínio da função paterna na vida 
social é falar de todas as mudanças operadas na cultura contemporânea; e sugerem que o 
9 
 
desafio contemporâneo é saber como cada sujeito vai fazer seu laço social e fabricar sua 
montagem subjetiva. 
A Psicanálise explica que é no laço social e no encontro com o outro que nos 
construímos subjetivamente, ao compreender o outro-família como o portador da cultura, das 
leis e das tradições, como também que é a partir dela que se instauram os nossos desejos e 
nosso acesso ao mundo simbólico. É nessas tramas que a Psicanálise ainda escuta e dialoga 
com o sujeito e as famílias do contemporâneo pois, transcendendo uma leitura burguesa ou 
contextualizada do mito edípico, a ideia freudiana dos complexos de Édipo e de castração 
opera na entrada do sujeito no universo simbólico, nas leis de parentesco, nas normas sociais e 
jurídicas e nos determinantes da cultura (POSTIGO, 2010). Nesse arranjo edípico, que 
transcende pai/mãe/filho, e se refere principalmente ao desejado/desejante/interdito (LEVY 
STRAUSS apud ROUDINESCO, 2003) que instaura a Lei, está em cena a ideia do desejo e 
da renúncia, da postergação da satisfação do desejo em outro objeto, e do desejo e da lei à 
qual ele está submetido. Assim sendo, psicanalistas e seu método clínico e teoria, 
permanecem à escuta... 
 
5 - Referências bibliográficas 
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indicators of risk research for child development”. Rev. Mal-Estar Subj., Fortaleza 
, v. 8, n. 3, p. 661-680, set. 2008 . Disponível em 
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 FÉRES-CARNEIRO, Terezinha (org.). As Bases Imaginárias da Família: Paulo 
Roberto Cecarelli. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007. 
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edição. 
 FREUD, Sigmund (1905). Fragmentos da análise de um caso de histeria. Rio de 
Janeiro: Imago, 1986. (ESB, 7) 
__________ (1913). Totem e tabu. Rio de Janeiro: Imago, 1986. (ESB, 13) 
__________(1930). O Mal estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1986. (ESB, 
18) 
__________(1937). Moisés e o monoteísmo. Rio de Janeiro: Imago, 1986. (ESB, 23) 
10 
 
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http://www.mariaritakehl.psc.br/PDF/emdefesadafamiliatentacular.pdf Acesso em 20 
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Companhia de Freud: Rio de Janeiro 
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 RASSIAL, J.J. (2000). O sujeito em estado-limite. Rio de Janeiro: Cia de Freud. 
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Janeiro: Zahar, 2003. 
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