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Heterosídeos Cardiotônico Esteroide natural que apresenta grande especificidade sobre o músculo cardíaco. Tais esteroides aparecem na forma de heterosídeo, constituído por uma molécula de açúcar ligadas a aglicona esteroidal pela ligação da hidroxila β-posicionada em C-3. No reino vegetal, esses metabólitos secundários são restritos às angiospermas. Essas substâncias podem também ser encontradas no reino animal, como em algumas espécies de anfíbios do gênero Bufos e lepidópteros, geralmente atuando como venenos ou toxinas que servem como proteção contra predadores. Porém, nos lepidópteros (lagartas), elas são provenientes de plantas da família Asclepiadaceae, fonte de alimentação desses insetos. Alguns besouros do gênero Chrysolina sintetizam esteroides cardioativos a partir de fitosteróis. Estrutura Química: Glicona+Aglicona+Anel Lactânico Quando a glicose está presente, encontra-se sempre na porção terminal da cadeia. Os heterosídeos cardioativos podem ser classificados em primários e secundários. Os primários costumam encontrar- se nas plantas frescas e apresentam uma molécula terminal de glicose, que pode ser facilmente eliminada por hidrólise durante o procedimento de secagem, formando os heterosídeos secundários. Anel lactônico: a presença de uma γ -lactona α , β -insaturada, β -posicionada em C-17, é fundamental para a atividade biológica. A epimerização da ligação em C-17 elimina a atividade cardiotônica, ao passo que a saturação da lactona diminui de forma acentuada tal atividade. O efeito cardiotônico tem sido relacionado à polarização da cadeia lactônica na vizinhança do sítio receptor, para uma forma na qual o oxigênio possui carga parcial negativa, enquanto o carbono em C-20 apresenta caráter parcialmente positivo. Anel esteroidal: a atividade é máxima quando o encadeamento dos ciclos A/B/C/D é cis/trans/cis. A atividade é fortemente diminuída quando a junção dos anéis A e B é trans, sendo a junção cis dos ciclos C e D essencial para a atividade . Se o ciclo A é parcialmente insaturado, a atividade é ainda mais reduzida. Substituintes: a inversão da configuração β do C-3 diminui a atividade, mas os compostos 3-O- desoxilados não são completamente inativos. A orientação C-14 β parece ser muito importante para o efeito cardiotônico, já que o isômero C-14 α é consideravelmente menos ativo. A presença de hidroxila nessa posição é importante, mas não fundamental, para a atividade, e sua substituição por um átomo de hidrogênio reduz de maneira significativa o efeito biológico. Em geral, a introdução de grupos funcionais oxigenados reduz a ação inotrópica positiva, particularmente a presença de um grupo OH em C-16 β. Subunidade osídica: a ligação de açúcares ao núcleo esteroidal modifica tanto a farmacocinética quanto a farmacodinâmica dos glicosídeos digitálicos. As geninas livres são absorvidas mais rapidamente do que os glicosídeos, armazenadas em maior extensão no sistema nervoso central e mais facilmente metabolizadas para o epímero C-3 α OH, menos ativo. Ou seja, as geninas são menos ativas, mas não destituídas de toxicidade. Além disso, os resíduos de oses protegem a hidroxila em C- 3 β de reações de biotransformação. Com relação à natureza das oses, os 6-desoxiaçúcares conferem a maior potência, e a presença de uma OH equatorial em C-4 é importante para a atividade biológica. A esterificação ou cetalização de algumas hidroxilas das oses reduz a atividade inotrópica, mostrando que tais grupos contribuem para a interação com o receptor. Obtenção e análise Devido ao baixo teor de heterosídeos cardioativos presentes nas plantas, os extratos utilizados para sua caracterização devem ser previamente purificados e concentrados. Para a extração dos heterosídeos primários, são utilizadas plantas frescas ou estabilizadas por congelamento. A inativação enzimática possibilita manter a cadeia de açúcares. Por outro lado, a secagem da planta ocasiona a perda da molécula de açúcar terminal, com obtenção dos heterosídeos secundários. A técnica habitual para a extração, sobretudo da digitoxina, consiste na extração a quente com misturas hidroalcoólicas, precipitação de macromoléculas interferentes (clorofilas) com acetato de chumbo e partição com solventes de média polaridade, como clorofórmio puro ou em mistura com isopropanol. Na solução orgânica, são realizadas as reações de caracterização e análise cromatográfica. Essas reações são colorimétricas e direcionadas ao anel lactônico, ao núcleo esteroidal e à cadeia osídica. Para a obtenção das agliconas livres, realiza-se hidrólise da solução extrativa hidroalcoólica com ácido sulfúrico 1 M ou hidrólise enzimática. Emprego terapêutico Os heterosídeos cardioativos, em particular digoxina e lanatosídeo C, são utilizados na clínica para o tratamento da insuficiência cardíaca (IC) e controle da taxa de resposta ventricular em pacientes com fibrilação arterial crônica. O lanatosídeo C é usado unicamente por via intravenosa. O tratamento com digoxina costuma ser associado ao uso de diuréticos, inibidores da enzima conversora da angiotensina, β-bloqueadores ou antagonistas de canais de cálcio. Os glicosídeos cardioativos não são os fármacos de primeira escolha para o tratamento dessas condições, e sabe-se que eles não alteram a taxa de mortalidade. Seu uso clínico vem decaindo em função de seu baixo índice terapêutico, dificuldade de estabelecimento dos níveis plasmáticos e da dose ideal, bem como ocorrência de inúmeras interações medicamentosas. Porém, esses fármacos ainda são reconhecidos por melhorarem a qualidade de vida e reduzirem a taxa de hospitalização de pacientes com IC. São contraindicados nos casos de fibrilação ventricular, bloqueio atrioventricular e na idiossincrasia aos digitálicos. Mecanismo de ação A IC é uma síndrome clínica complexa de caráter sistêmico, definida como uma disfunção cardíaca, que ocasiona suprimento sanguíneo inadequado para atender necessidades metabólicas tissulares, sem induzir um aumento anormal de pressões de enchimento ventricular, na presença de retorno venoso normal. As alterações hemodinâmicas comumente encontradas na IC são a resposta inadequada do débito cardíaco e a elevação das pressões pulmonar e venosa sistêmica. Na maioria das formas de IC, a redução do débito cardíaco é responsável pela perfusão tecidual inapropriada. Além disso, entre as respostas fisiológicas associadas à insuficiência cardíaca congestiva está um aumento na atividade do sistema nervoso simpático. Os heterosídeos cardioativos aumentam o débito cardíaco, melhoram o retorno venoso e diminuem a resistência à ejeção. O débito renal e a diurese aumentam, o consumo de oxigênio diminui, e a frequência cardíaca é retardada. Esses compostos exercem ação inotrópica positiva sobre o músculo cardíaco, aumentando sua força contrátil. A ação inotrópica deriva de uma ligação específica e com alta afinidade à subunidade α da enzima Na+ /K+ ATPase, que, uma vez ocupada, provoca a paralisação da bomba Na+ /K+. Tal inibição causa aumento dos níveis intracelulares de Na+, o que, por sua vez, modula a atividade de um carreador de membrana envolvido nas trocas de íons Ca+2 por íons Na+, promovendo uma elevação considerável dos níveis intracelulares de Ca+2, por influxo ou pela mobilização dos reservatórios sarcoplasmáticos. O Ca+2 nas proximidades das miofibrilas interage com a troponina, a qual provoca uma alteração conformacional na tropomiosina, possibilitando a formação do complexo actina-miosina, e induzindo a contração miocárdica ATP-dependente. Os heterosídeos cardíacos também apresentam efeitos autonômicos, entre os quais ação vagomimética e sensibilização dos barorreceptores, que conduzem à ação inotrópica positiva, e redução da resposta simpática e diminuição da saída do sistema renina- angiotensina (ativação neuro-hormonal). Para a digoxina foi também descritauma ação inibitória do canal de potássio cardíaco humano hERG (human ether-a-go-go related gene), resultando em efeitos inotrópicos e arritmias. Farmacocinética A farmacocinética dos cardenolídeos é dependente da polaridade das moléculas, ou seja, do grau de hidroxilação das geninas, e da presença e da extensão da cadeia lateral de açúcares. Em geral, quanto mais grupamentos hidroxila houver, mais rapidamente se iniciam a ação e a subsequente eliminação dos heterosídeos pelo organismo. Alguns, como a digitoxina, possuem elevada lipossolubilidade, sofrem degradação hepática, apresentam eliminação lenta e têm duração de efeito de até sete dias. Outros, como a ouabaína, são hidrossolúveis (a genina possui seis hidroxilas), apresentam eliminação rápida e a duração do efeito é de 12 horas. Os heterosídeos cardioativos são eliminados majoritariamente pela via renal, 50 a 70% sob a forma não modificada. Sua biotransformação se faz pela hidrólise da ligação glicosídica em C-3 β, seguida pelas etapas de oxidação de C-3 e subsequente epimerização e conjugação com ácido glicurônico para produzir o principal produto de eliminação detectável na urina, sob a forma do glicuronato. O principal reservatório tecidual é o músculo esquelético, e não o tecido adiposo; portanto, o cálculo da dose deve basear-se na massa magra estimada. Toxicidade e efeitos adversos Os heterosídeos cardíacos apresentam baixo índice terapêutico, sendo a concentração plasmática tóxica apenas duas vezes superior à concentração terapêutica. As reações adversas podem ser cardíacas ou não, mas sempre dose-relacionadas. Por isso, a dose deve ser avaliada para cada paciente. O monitoramento no plasma pode ser feito por radioimunoensaio. A maioria das intoxicações ocorre em pacientes que fazem uso crônico desses fármacos, por excesso de impregnação ocorri da com doses consideradas terapêuticas, ou pela presença de fatores predisponentes à intoxicação. A intoxicação moderada produz sintomas como vômitos, náuseas, anorexia, bradicardia e contrações ventriculares prematuras. A intoxicação aguda por doses elevadas causa diarreia, visão borrada, suor frio, taquicardia e fibrilação ventricular, podendo ocorrer diminuição do pulso, convulsões, síncope e morte. Os efeitos adversos eventualmente associados ao uso crônico são dor de cabeça, fadiga, torpor, ginecomastia, rash cutâneo e trombocitopenia. Também podem acontecer transtornos neuropsíquicos, como fadiga, depressão, pesadelos, inquietação, confusão, vertigens, desorientação, mudanças de personalidade e, mais raramente, alucinações, com alteração na percepção das cores, além de outras reações psicóticas. Fatores e situações clínicas predisponentes à intoxicação incluem idade avançada, infarto do miocárdio, miocardite, cirurgia cardíaca recente, insuficiência renal, alcalose, hemodiálise, hipotireoidismo, anóxia e alterações eletrolíticas, como hipopotassemia, hipercalcemia e hipomagnesemia. A toxicidade também pode ser decorrente das inúmeras interações medicamentosas que os glicosídeos cardíacos apresentam. Entre as mais importantes estão aquelas com β-bloqueadores, pelo fato de causarem bradicardia excessiva, e com fármacos que alteram o equilíbrio hidreletrolítico, como os diuréticos tiazídicos. Outros fármacos podem aumentar a toxicidade ou reduzir a eficácia dos heterosídeos cardioativos por interações farmacocinéticas: colestiramina, caolim-pectina, fibras dietéticas, neomicina oral e sulfassalazina podem inibir a absorção e reduzir a sua biodisponibilidade. Antimuscarínicos, hidroxicloroquina, quinina, quinidina e bloqueadores de canais de cálcio (diltiazem e verapamil) aumentam os níveis séricos dos heterosídeos cardioativos. Obtenção e análise Emprego terapêutico Mecanismo de ação Farmacocinética Toxicidade e efeitos adversos
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