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Antonio Carlos Calado dos Santos - TG em ajuste

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ETNOMATEMÁTICA E A SALA DE AULA
O conhecimento matemático em permanente evolução
ANTONIO CARLOS CALADO DOS SANTOS
Prof. José Kemeson da Conceição Souza
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI
Curso de Licenciatura em Matemática MAD 0182
RESUMO
Esta pesquisa aborda a Etnomatemática como um método de se ensinar matemática dentro da sala de aula e mostra como o conhecimento matemático deve ser historicamente construído e estar em permanente evolução. Para tanto, a área de concentração do tema em questão é o ensino e aprendizagem matemática. Visto que, a proposta dessa linha é analisar os aspectos do processo de ensinar e aprender Matemática nos diversos temas e níveis de ensino. Sendo assim, este estudo fez um breve histórico da Etnomatemática no Brasil e observou que a Etnomatemática surgiu na década de 1970, com base em críticas sociais acerca do ensino tradicional da Matemática, como a análise das práticas matemáticas em seus diferentes contextos culturais. Além disso, o trabalho aponta que ensinar sob uma perspectiva Etnomatemática dentro da sala de aula é um modo de promover reformas no ensino, engajando os estudantes na descoberta da matemática de seus cotidianos, de seus pais e amigos de muitas culturas. O fato é que a perspectiva Etnomatemática traz interesse, excitação e relatividade para os estudantes, que serão mais motivados como estudantes de matemática em geral. Em seguida, a pesquisa analisa a Etnomatemática como um modelo pedagógico dentro de uma proposta pedagógica que tem por lugar comum a realidade multicultural das sociedades, pleiteando um processo pedagógico centrado não só no ensino, mas também na aprendizagem, buscando a comunicação e a troca entre os diferentes, já que a pedagogia, que deve propiciar o ato cognitivo da criança na sala de aula, tem necessariamente que levar em conta todas essas premissas. 
Palavras-Chaves: Etnomatemática. Prática de Ensino. Modelo Pedagógico.
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho analisa a Etnomatemática como um procedimento de lecionar-se a matemática dentro da sala de aula por meio da prática de diálogos com os alunos, assim os professores podem descobrir temas que os auxiliarão a direcionar o currículo matemático, fazendo com que a Etnomatemática seja caracterizada como uma forma de entendimento do pensamento matemático dos grupos culturais que modela e atua como uma ferramenta que se torna importante para que os indivíduos possam atuar e agir no mundo.
Vale lembrar que, a área de concentração do tema em questão é o ensino e aprendizagem matemática. Visto que, a proposta dessa linha é analisar os aspectos do processo de ensinar e aprender Matemática nos diversos temas e níveis de ensino. Nesta linha de pesquisa, deve-se organizar situações de ensino-aprendizagem com propostas alternativas e melhorias, ad quais procuram integrar os acadêmicos do curso de Licenciatura em Matemática da UNIASSELVI com as práticas de ensino realizadas nas escolas.
Deste modo, inicialmente, se fará um breve histórico da Etnomatemática mostrando que a terminologia Etnomatemática tornou-se popular pela primeira vez em um artigo de Ubiratan D’Ambrósio, no qual o autor alegou que a Etnomatemática caracteriza-se como uma práxis que envolve o domínio do conteúdo específico da disciplina por meio do domínio de ideias e processos pedagógicos relativos à transmissão, assimilação, apropriação, e a construção do saber matemático escolar dos alunos.
Em seguida, se avaliará a questão da Etnomatemática dentro da sala de aula, observando-se como a Etnomatemática reforça o conceito de que todos os conteúdos são úteis e por isso merecem ser ensinados, ressaltando-se que a distância entre a defesa de certos conteúdos pelo seu valor utilitário não está muito distante da defesa de sua utilização destes como um instrumento de perpetuação do status quo e, consequentemente, como um instrumento de seleção social e filtro social dos estudantes.
Finalmente, o estudo realizará uma abordagem da Etnomatemática como um modelo pedagógico. Visto que, com sua argumentação política, a Etnomatemática pode ajudar na luta contra o racismo, o colonialismo e a marginalização de povos, das sociedades e culturas, mostrando-se que a Educação Etnomatemática irá manifestar-se com igual valor, os conhecimentos de diferentes povos, assim como instituir o respeito mútuo e reduzir a tendência à exploração e discriminação de outras culturas, pertencentes aos educandos.
2 BREVE HISTÓRICO DA ETNOMATEMÁTICA NO BRASIL
Historicamente, a palavra Etnomatemática  surgiu na década de 1970, com base em críticas sociais acerca do ensino tradicional da Matemática, como a análise das práticas matemáticas em seus diferentes contextos culturais. A palavra foi criada a partir da junção dos termos techné, mátema e etno (D'AMBRÓSIO, 2001).
O termo Etnomatemática ficou conhecido pela primeira vez em um artigo de Ubiratan D’Ambrósio (1975), quando afirma que a Etnomatemática caracteriza-se como uma práxis que envolve o domínio do conteúdo específico (a matemática) e o domínio de ideias e processos pedagógicos relativos à transmissão/assimilação e/ou à apropriação/construção do saber matemático escolar, sociocultural e política na Educação Matemática (MAIA JUNIOR, 2003).
De fato a dificuldade enfrentada pela matemática moderna, na década de 1970, fez com que surgissem, entre os educadores matemáticos, várias correntes educacionais desta disciplina, que tinham uma profunda resistência contra a maneira imposta de apresentar a matemática de uma só ótica desta ciência, como um conhecimento universal e caracterizado por divulgar verdades absolutas. 
Com isso, ao perceberem que não havia espaço na Matemática Moderna para a valorização do conhecimento que o aluno traz para a sala de aula, proveniente do seu meio social, estes educadores matemáticos voltaram seus olhares para este outro tipo de conhecimento: o do vendedor de rua, das brincadeiras, dos pedreiros, dos artesões, dos pescadores, das donas de casas nas suas cozinhas (MONTEIRO, 2001).
Inicialmente, a Etnomatemática esteve relacionada com a matemática de grupos culturais bem definidos – povos indígenas; povos africanos; povos antigos; entre outros. Entretanto, percebeu-se que a Etnomatemática não se trata de um método de ensino nem de uma nova ciência, mas de uma proposta educacional que estimula o desenvolvimento da criatividade, conduzindo a novas formas de relações interculturais (D’AMBRÓSIO, 2001).
Outro modo de analisar a Etnomatemática é como uma pesquisa em História da Matemática. Esta concepção tem seu lugar resguardado pela comunidade científica e há vários pesquisadores que estudam a Etnomatemática neste ponto de vista. Esta visão é baseada na crença de uma evolução cultural, então os grupos étnicos estariam em certo estágio histórico da matemática, deixando para o estágio mais superior a matemática ocidental (GERDES, 1991).
O fato é que a matemática vivenciada, por exemplo, pelos vendedores em situação de rua; pelo artesão; donas de casa; pelo pescador; pelo pedreiro e costureira; a geometria na cultura indígena e em outras classes sociais é completamente distinta entre si em função do contexto cultural e social na qual estão inseridas. Mas, para ampliar a compreensão da realidade e de mundo dessas pessoas é fundamental interagir todas as práticas do cotidiano. Caso não seja possível, então, a Matemática se apresenta apenas como uma forma de resolver questões de ordem prática e sem sentido para algumas classes sociais.
Dentro deste contexto, entende-se que um dos caminhos para fundamentar essa vertente são as ações pedagógicas construídas dentro do contexto sociocultural daqueles que se pretende educar, pois os objetivos e, consequentemente, os conteúdos devem variar de acordo com a cultura, a realidade social, as necessidades, as aspirações pessoais. A razão é que a Matemática está presente na realidade de cada um, e como tal, ela deve, sobretudo:
Ao basear-se em propostas que valorizem o contexto sociocultural do educando, partindo de sua realidade,de indagações sobre ela, para a partir daí definir o conteúdo a ser trabalhado, bem como o procedimento que deverá considerar a matemática como uma das formas de leitura de mundo (BELLO, 2000).
Desta forma, compreende-se, no estudo em questão, que o uso de atividades fora da sala de aula, proporciona uma construção por parte do educando, do conhecimento prático e não perde o caráter acadêmico ou escolar no ensino da Matemática. 
Assim, o ensino da Matemática em uma perspectiva Etnomatemática pode estabelecer uma relação mais consistente e construtiva entre teoria e prática por contemplar experiências cotidianas a serem refletidas e analisadas, podendo até evitar o excesso de teorias estudadas na superficialidade e insucesso dos alunos porque o ensino passa a estabelecer uma relação com cotidiano.
A aplicabilidade da Etnomatemática é muito importante, visto que se trata de uma vertente que busca identificar manifestações matemáticas nas culturas periféricas e tem como referências categorias própria de cada cultura, reconhecendo que é própria da espécie humana a satisfação de pulsões de sobrevivência e transcendência, absolutamente integradas, como numa relação simbiótica (D’AMBROSIO, 1993).
Na atual conjuntura da sociedade Brasileira, torna-se fundamental buscar novas propostas curriculares que venham acompanhar os avanços tecnológicos, bem como reafirmar a escola como o lugar do conhecimento, do convívio e da sensibilidade, condições imprescindíveis para a constituição da cidadania. 
Sendo assim, compreende-se que a Matemática nasce sob determinadas condições econômicas, sociais e culturais, por isso cada cultura, ou mesmo subcultura, deve produzir sua própria Matemática específica, que resulta das necessidades específicas do grupo social de cada estudante.
3 A ETNOMATEMÁTICA NA SALA DE AULA
A Etnomatemática na sala de aula é tida como um programa de pesquisas em história e filosofia da matemática, com óbvias implicações pedagógicas (D’AMBROSIO, 2001), visto que, escassas indicações práticas têm sido feitas em relação ao seu encaminhamento pedagógico e, adicionalmente a esse quadro, os entendimentos acerca da questão não são compartilhados do mesmo modo. 
Neste sentido, entende-se, portanto, que o conhecimento matemático deve ser apresentado aos alunos como historicamente construído e em permanente evolução. O contexto histórico possibilita ver a Matemática em sua prática filosófica, científica e social e contribui para a compreensão do lugar que ela tem no mundo (SANTOS, 2002).
O fato é que, ensinar sob uma perspectiva Etnomatemática é um modo de promover reformas no ensino, engajando os estudantes na descoberta da matemática de seus cotidianos, de seus pais e amigos de muitas culturas. A perspectiva Etnomatemática traz interesse, excitação e relatividade para os estudantes, que serão mais motivados como estudantes de matemática em geral.
Entende-se, neste trabalho, que todas as culturas, ao longo da história, o conhecimento é gerado por necessidade de resposta a situações diferentes e está ligado a um contexto histórico, político, social e cultural. Portanto, o homem constrói seus conhecimentos de acordo com a realidade em que vive e nesse conhecimento fica cravada sua história com uma visão própria de mundo, suas crenças, seus mitos, seus rituais, suas noções de tempo e espaço.
Evidentemente, é de grande valia para a pedagogia Etnomatemática, procurar saber qual é o conhecimento Etnomatemática do grupo, pois esse conhecimento tem valor cultural e afetivo. Porém, cabe nos questionarmos sobre que ganhos a comunidade teria se substituísse os conhecimentos matemáticos formais instituídos pelos seus conhecimentos Etnomatemáticos. 
Ademais, todo grupo social está, de fato, inserido em um meio sociocultural mais abrangente – em um país – com valores, condutas e mecanismos próprios que delimitam o acesso e/ou a ascensão de seus membros às diversas escalas sociais e carreiras profissionais.
Sendo assim, os conhecimentos Etnomatemática, sob esse ponto de vista utilitário, teriam pouca ou nenhuma utilidade, pois não são reconhecidos como válidos pela sociedade. 
Neste sentido, indivíduos e povos têm, ao longo de suas existências e ao longo da história, criado e desenvolvido instrumentos de reflexão, de observação, instrumentos materiais e intelectuais para explicar, entender, conhecer, aprender para saber fazer como resposta a necessidades de sobrevivência e de transcendência em diferentes ambientes naturais, sociais e culturais.
Desta maneira, nota-se como errada a ideia de substituir a matemática acadêmica pela Etnomatemática. Entretanto, mesmo a Etnomatemática tendo utilidade limitada na sociedade moderna, igualmente, muito da matemática acadêmica é absolutamente inútil nessa sociedade (D’AMBROSIO, 2001), justificando-se a permanência de muito do que a compõe apenas pelos mecanismos ressaltados acima.
Entretanto, parece haver certa confusão em relação ao valor da matemática como instrumento utilitário em nossa sociedade. De alguma forma, o silêncio de muitos frente à manutenção desse ensino arcaico e conservador de matemática, reforça a ideia de que todos os conteúdos são úteis e por isso merecem ser ensinados. 
Os grupos socialmente subordinados expressam sua necessidade de dominar a Matemática acadêmica frente aos desafios cotidianos que têm no confronto com a lógica e os processos que constituem e são constituídos pelos saberes oficiais dos grupos dominantes.
Não se trata, portanto, de glorificar a Matemática popular, celebrando-a em conferências internacionais, como uma preciosidade a ser preservada a qualquer custo. Este tipo de operação não empresta nenhuma ajuda aos grupos subordinados. 
É nesse panorama que assentamos nossa crença na contextualização, nos moldes delineados por Ubiratan D’Ambrosio, como um importante subsídio à pedagogia Etnomatemática. Fato esse que não nega, apenas engloba os avanços proporcionados pelos autores e autoras mencionados.
Com efeito, colocamos como inerente à Etnomatemática, com inclinações pedagógicas, relevar os conhecimentos próprios do grupo escolar. Porém, de certa forma, apenas deslocamos as questões mencionadas para a questão: como contextualizar e promover o diálogo, entre a matemática e a Etnomatemática em situação de ensino e aprendizagem nos sistemas formais de ensino?
Assim, naturalmente faremos uso de outros paradigmas educacionais na tentativa de responder à questão. Quando a Etnomatemática se propõe a analisar os conhecimentos culturais de determinados grupos em diferentes contextos, mostrando seus modos de calcular, medir, estimar, inferir, raciocinar, problematiza o que tem sido considerado como “conhecimento acumulado” pela humanidade, e vê esses saberes como um subconjunto muito particular de conhecimentos. 
Esses outros modos de produzir conhecimento, compreender o mundo e dar significado às experiências da vida cotidiana de outros povos (como por exemplo, os não europeus, não brancos, não urbanos) acabam sendo considerados como não ciência e, consequentemente, tais saberes são desvalorizados, não porque sejam do ponto de vista epistemológico, inferiores, mas, antes de tudo, porque não se constituem na produção daqueles que, na sociedade ocidental, são considerados como os que são capazes de produzir ciência.
Em verdade, não somos defensores da necessidade de um consenso entre os entendimentos sobre as perspectivas da Etnomatemática como interveniente nas práticas pedagógicas. Ao contrário, consideramos a diversidade de opiniões como uma característica enriquecedora do processo educativo em transformação. Porém, podemos reconhecer que a diversidade de opiniões em relação à questão deriva do atual estágio de desenvolvimento em que essa área se encontra.
Entretanto, por um lado, consideramos que a disciplina denominada matemática é uma Etnomatemática que se originou e se desenvolveu na Europa, tendo recebido algumas contribuições das civilizações indianas e islâmicas. Logo, não deveria ter maior valor em relação aos conhecimentos Etnomatemáticade certos grupos no seio da sociedade. 
Por outro lado, quando afirmamos que ao processo pedagógico da matemática não cabe substituir os conteúdos da matemática acadêmica, da mesma forma defendemos que é sua tarefa relevar a Etnomatemática da comunidade. Está aqui, portanto, estabelecido o conflito – o convívio com a dúvida.
De todo modo, o que a princípio parece ser contraditório, pode ser resolvido frente à “contextualização”. Entretanto, há termos de matemática que, embora corretos e interessantes, não são importantes. Igualmente, o ensino da matemática corre o risco de se ater a conteúdos sem importância, isto é, inúteis.
Dessa forma, mesmo reconhecendo que muitos conteúdos hoje são obsoletos, colocamos como questão o envolvimento efetivo/reflexivo dos educadores sobre o processo ensino-aprendizagem. Ou seja, como mencionamos, não vemos a substituição pura e simples de conteúdos como algo que resolveria o problema do ensino e aprendizagem da matemática. Ainda, a sua eliminação dos programas poderia representar nenhum avanço ao ensino tradicional de matemática. Da mesma forma, podemos reconhecer, vai na mesma direção a inclusão de novos conteúdos. 
Para que o docente possa trabalhar na perspectiva da Etnomatemática, é necessária uma mudança de postura na qual deverá se inserir no contexto dos alunos. O professor deve repensar o currículo adotando uma prática pedagógica mais investigativa, centrada na cultura do grupo, levando em consideração questões relevantes desse contexto.
Como exemplo da compreensão e aplicação das contribuições da Etnomatemática em sala de aula, de modo algum se discorda do valor histórico do sistema numérico dos Astecas ou o de qualquer outro povo. 
Porém, fazer a utilização de forma sistematizada, com o intuito de facilitar algo que não necessariamente está inserido num contexto mais amplo ou leva em conta interesses do grupo, pode ser entendido como um reducionismo. 
4 A ETNOMATEMÁTICA COMO UM MODELO PEDAGÓGICO
A Etnomatemática é um método de se ensinar matemática que propõe as técnicas da etnografia para o trabalho de campo com os educandos. Ou seja, os alunos sairiam a campo, como fazem os pesquisadores acadêmicos, principalmente antropólogos e, por meio de entrevistas, gravações, notas, estudariam a matemática do grupo ou um problema da comunidade, uma curiosidade/questão proposta pelos alunos, entre outros. 
De forma natural, a pedagogia Etnomatemática encontra subsídio também na antropologia sem, contudo, trazer para si a pretensão de inclusão nessa área. Nesse sentido, frente aos trabalhos mencionados, é possível afirmar que a educação Etnomatemática prima pelo reconhecimento do outro.
Estamos assim perante a questão de como lidar com diferentes culturas, do problema da comunicação entre diferentes, quer dizer, compreender o outro não é só falar a sua língua para o ouvir e perceber, mas é também conhecer a sua cultura, ou melhor a sua mente cultural, o seu contexto, a sua mentalidade.
O conceito/paradigma da pedagogia intercultural que tem por lugar comum a realidade multicultural das sociedades, pleiteando um processo pedagógico centrado não só no ensino, mas também na aprendizagem, buscando a comunicação e a troca entre os diferentes, pondo em pé de igualdade as vias de acessos sociais, mas sem perder a identidade local. 
Contra uma educação meramente multicultural, que respeita as diferenças culturais e mentalidades, mas que as deixa navegar em artérias paralelas, ou avenidas de pouca liberdade, contra também as políticas de unificação, assimilação e adesão a uma única cultura hegemônica, a pedagogia intercultural situar-se-ia, ou situar-se-á não em ideologias, mas sim na possibilidade de realizar o que falta fazer numa perspectiva dinâmica e interacionista de enriquecimento e de aprendizagem pela troca de saberes, pelo diálogo de culturas. 
D’AMBROSIO (2001) afirma que: na educação, estamos vendo um crescente reconhecimento da importância das relações interculturais. Mas lamentavelmente, ainda há relutância no reconhecimento das relações interculturais.
A aversão mencionada pelo autor, de alguma maneira, encontra reforço nas atuais formas de organização curricular, impondo um currículo único, por exemplo, às mesmas séries sem relevar as características próprias do público educando. Também, as formas de avaliação impositivas e padronizadas, a insistência em se organizar as séries por aproveitamentos nesses testes, são efetivamente tentativas de pasteurizar as novas gerações (D’AMBROSIO, 2001).
Assim, na forma de intervenção, o modelo intercultural implica uma dialética em constante contradição, assegurando a diferença sem contudo a sustentar. Desse modo, o interculturalismo implica reconhecer as diferenças e, também, fazer com que sejam origem de inovações e situações de enriquecimento recíprocos pela troca (MONTEIRO, 2001).
Entretanto, frente a esses modelos, ou paradigmas educacionais, coloca-se naturalmente a própria realidade da escola, assim como, de toda a nossa sociedade, com seus vícios e ranços como obstáculos a serem superados. Mais precisamente, reconhecemos que a dinâmica histórica, na qual se alicerça nossa escola, seja o maior obstáculo, pois sabemos que não é a educação que modela a sociedade, mas, ao contrário, a sociedade é que modela a educação segundo os interesses de quem detém o poder (BORBA, 1987). 
Dessa forma, a mudança a operar passa por uma transformação qualitativa da educação, pela construção de uma sociedade de aprendizagem, e particularmente por uma educação permanente que abranja não só as exceções, mas todos os cidadãos e a sociedade no seu conjunto (VERGANI, 2000).
E como operacionalizar essa mudança? Naturalmente, a resposta não é direta nem imediata, mas certamente a figura do professor surge como ponto central nesse processo. Pois, decididamente, não vemos como possível operar mudanças profundas e inclusivas por decreto, sem uma mudança qualitativa nas concepções dos professores e das professoras, assim como dos educandos.
Nas diversas instâncias de troca entre educadoras e educadores matemáticos – congressos, seminários e colóquios da área – é comum surgirem questões do tipo: “Qual seria o método da Etnomatemática em sala de aula?”; ou, “Como se ensina sob a perspectiva da Etnomatemática?”. Em geral, por um lado, tal preocupação dos professores e professoras pode ser uma consequência natural da forma tradicional do processo educativo ser tão somente de ensino, como mencionamos. 
Por outro lado, no dia-a-dia das salas de aula, os educadores são cobrados de diversas formas, ou ainda, são confrontados com uma realidade inadequada ao desenvolvimento de atividades que confluam em direção ao respeito à diversidade cultural ou sociocultural e à aprendizagem.
Assim, a preocupação por ter algo pronto, na qualidade de uma técnica ou um método, que possa aplicar de forma imediata tornou-se, de algum modo, inerente ao ato de ensinar nos moldes tradicionais.
Entretanto, defendemos a Etnomatemática não como um método de ensino em si, mas sim como detentora de relações inclusivas entre professores e alunos e das diversas formas de conhecer presentes em contextos culturais/socioculturais diferentes. Isso porque, mais importante que a mudança/indicação de métodos e técnicas, é a necessidade de haver/desenvolver questionamentos e reflexões sobre as nossas próprias práticas, condutas e ideias (VERGANI, 2000). 
Contudo, mesmo não tendo por objetivo atrelar à Etnomatemática um método ou técnica de ensino específica, indicaremos, a seguir, a nossa concepção de possíveis encaminhamentos dessa pedagogia em sala de aula. 
A metodologia é através da comparação e da contextualização – o método comparativo – entre os diferentes mundos e contextos socioculturais. É que sem comparar não se apreende, não se assimila, eventualmente memoriza-se e papagueia-se. É por isso que não há normas universais para ensinar nem uma única forma de aprender. É preciso conhecer culturalmente o destinatário para que o ensino produza de facto aprendizagem.
Nesse sentido,a comparação entra na pedagogia Etnomatemática, por um lado, como um instrumento de auto regulação das próprias atividades de ensino/aprendizagem, pois na medida em que o professor busca constantemente compreender para além das circunstâncias imediatas de seu meio social, acaba por empreender uma constante busca por novas maneiras e alternativas de ensino – e o que é necessário ser ensinado/aprendido. 
E por outro lado, nessa dinâmica, será natural comparar-se com o outro que faz diferente, implicando conhecer a si próprio, tomando consciência de suas próprias representações, do seu modo próprio de fazer. 
Dessa maneira, a comparação funciona também como um instrumento a ser desenvolvido e utilizado pelo aluno em sua construção pessoal e social, pois a comparação em si mesma acaba por ser um processo comum ao pensamento humano. Ninguém se pensa no abstrato. Comparamo-nos com os outros. Os outros nos dão a imagem daquilo que somos daquilo que queremos ou mesmo daquilo que não queremos. 
Nessa direção, tomando consciência de si e dos outros à sua volta, tanto os professores quanto os alunos, através da comparação, terão à frente a questão do contexto a ser enfrentada e superada. E nesse processo, a questão relacionada a que matemática ensinar, fica razoavelmente relativisada. 
Ou seja, pretender que uma – a matemática acadêmica – seja mais eficiente, mais rigorosa, enfim, melhor que a outra – a Etnomatemática do grupo/comunidade –, é uma questão que, se removida do contexto, é falsa e falsificadora. É fato que o conhecimento Etnomatemática do grupo/comunidade tem certamente muito valor, pois lhe serve, é eficiente e adequada para muitas coisas, próprias àquela cultura, àquele etno, e não há por que substituí-la. Da mesma forma, a matemática do grupo dominante lhe serve, é útil e não há como ignorá-la (D’AMBROSIO, 2001).
Desse modo, quando lançamos mão do método comparativo, da contextualização e do método dialógico, para assentarmos a pedagogia Etnomatemática, enfatizamos que essa pedagogia relaciona-se a uma postura crítica por parte tanto do educador quanto do educando com o conhecimento. 
A utilização do cotidiano das compras para ensinar matemática revela práticas apreendidas fora do ambiente escolar, uma verdadeira Etnomatemática do comércio. Um importante componente da Etnomatemática é possibilitar uma visão crítica da realidade, utilizando instrumentos de natureza matemática (D’AMBROSIO, 2001).
Ou seja, nessa relação/educação dialógica, cabe enfatizar, os conteúdos tradicionais terão importância secundária, isto é, estarão a serviço, de certo modo, do desvelar da realidade para o desenvolvimento dos educandos e educandas. Dessa forma, serão relevantes os conteúdos que, de algum modo, apresentarem subsídio à intenção de desvelar a realidade, isto é, que sejam conteúdos críticos, sejam eles parte da matemática acadêmica ou da Etnomatemática da comunidade.
Em outras palavras, a matemática contextualizada se mostra como mais um recurso para solucionar problemas novos (D’AMBROSIO, 2001). Problemas estes que, de certo modo estão relacionados, por vezes, a princípios básicos da matemática, normalmente aceitos sem contestação, devido à ideia muito difundida de sua suposta neutralidade e universalidade. 
Uma coisa é a soma do ponto de vista capitalista, e outra é o significado da soma para o trabalhador. O capitalista, na sua soma, inclui uma parte do trabalho assalariado. Na soma do assalariado, esse só pode contar consigo mesmo e com seus companheiros de trabalho. Até a matemática, que parece tão neutra, pode ser contextualizada (FERREIRA, 1997).
E, do mesmo modo, sob um aspecto mais amplo, a contextualização reivindica o seu lugar nas relações de ensino e aprendizagem na pedagogia Etnomatemática, pois, afinal, como deixar de relacionar os Elementos de Euclides com o panorama cultural da Grécia Antiga? Ou a adoção da numeração indo-arábica na Europa com o florescimento do mercantilismo nos séculos XIV e XV? 
E não se pode entender Newton descontextualizado? Alguns dirão que a contextualização não é importante, que o importante é reconhecer a matemática como a manifestação mais nobre do pensamento e da inteligência humana... e assim justificam sua importância nos currículos (D’AMBROSIO, 2001).
E, dessa forma, o dilema excluir/incluir conteúdos fica de algum modo superado. A contextualização suprime essa falsa questão, colocando no centro das atenções as questões maiores, relacionadas à aprendizagem, inclusão social.
A Etnomatemática pode ajudar na luta contra o racismo, colonialismo, imperialismo e marginalização de povos, sociedades e culturas. E sugere que a Educação Etnomatemática irá mostrar com igual valor, os conhecimentos de diferentes povos, assim como instituir o respeito mútuo e reduzir a tendência à exploração e discriminação de outras culturas. 
Reconhecer a necessidade de uma Educação Etnomatemática é reconhecer a necessidade de uma Educação diferenciada para cada grupo Assim, para alguns pesquisadores, ir a campo com os alunos para pesquisar manifestações matemáticas da comunidade seria um encaminhamento pedagógico da Etnomatemática. Isso pode ser percebido em vários trabalhos. 
De todo modo, vale enfatizar, os trabalhos mencionados são preciosos por levantarem questões centrais comuns aos trabalhos da Etnomatemática vista como proposta pedagógica. 
Ficando-se implícita a ideia de que o conteúdo matemático deve ser ensinado e que os problemas do ensino de matemática podem ser enfrentados contextualizando-se os conteúdos da matemática acadêmica com exemplos de matemáticas de outras culturas. 
Com isso, surgem questões de algum modo norteadoras, tais como: o ensino, numa perspectiva Etnomatemática, tem como preocupação apenas a motivação para a aprendizagem da matemática tradicional, utilizando matemáticas (Etnomatemática) de outras culturas? 
Ou ainda, a Etnomatemática tem como preocupação a substituição dos conteúdos da matemática formal pelos da matemática do grupo social? É parte intrínseca da Etnomatemática a modelagem matemática de problemas que emergem do mundo real.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho realizado demonstrou que a abordagem Etnomatemática ao realizar a investigação das concepções, tradições e práticas matemáticas de um grupo social subordinado e o trabalho pedagógico que se desenvolve na perspectiva de que o grupo interprete e codifique seu conhecimento, possa adquirir o conhecimento produzido pela matemática acadêmica, utilizando, quando se defrontar com situações reais, aquele que lhe parecer mais adequado. 
Desta forma, a utilização da área de concentração do ensino e aprendizagem matemática, foi fundamental para a realização desta pesquisa. Já que, a proposta dessa linha se baseia em analisar os aspectos do processo de ensinar e aprender Matemática nos diversos temas e níveis de ensino. 
Pois, qual o motivo de se ensinar Matemática para os alunos? E, além disso, por que a Matemática está presente em todos os currículos escolares do Brasil? Certamente isso se deve a importância que nossa disciplina possui ao ser a ciência que permite mais rapidamente ao aluno chegar à abstração. 
Entretanto, apesar do avanço cognitivo do ser humano passar necessariamente pela abstração, evidentemente existem outras disciplinas que aprofundam mais a abstração, como por exemplo, a filosofia, mas a matemática chega mais rápido, à uma criança de sete anos já se solicita que abstraia números, por exemplo. A matemática, então, é um componente cultural muito importante, solicitado no desenvolvimento da inteligência humana. 
Por outro lado, quando se pretende por esta componente, conduzir uma criança à abstrair conceitos, isto terá que ser feito numa pedagogia adequada para essa finalidade, isto é, por intermédio da utilização da Etnomatemática.
Entretanto, tal metodologia precisa ser executada pelas matematizações do grupo, respeitando e valorizando sua cultura. Nos casos onde o pesquisador não consiga criar um modelo de otimização ou resolução dos problemas comuns à realidade do grupo,e havendo interesse por parte do grupo em que haja uma troca entre as culturas, a modelagem pode ser feita com base na Matemática Acadêmica, mas de forma com que o grupo não perca sua identidade cultural e nem sua autonomia nas formas de matematizar e de se relacionar com outras culturas.
Sendo assim, a pesquisa propõe a elaboração de um currículo baseado no conhecimento dos alunos, permitindo aos professores serem mais criativos na escolha dos tópicos da matemática acadêmica a serem ensinados. 
Em todas as culturas, ao longo da história, o conhecimento é gerado por necessidade de resposta a situações diferentes e está ligado a um contexto histórico, político, social e cultural. Portanto, o homem constrói seus conhecimentos de acordo com a realidade em que vive e nesse conhecimento fica cravada sua história com uma visão própria de mundo, suas crenças, seus mitos, seus rituais, suas noções de tempo e espaço.
Na realização do presente estudo, a matemática aparece então com mais significado, pois se mostra como ferramenta importante na leitura do mundo, podendo ajudar bastante o aluno nesta leitura crítica. Com isto estaremos ajudando esse aluno na sua formação como cidadão participante da comunidade. Por outro lado, a escola passa a ser parte integrante dessa comunidade, recebendo e dando contribuições no crescimento cultural e muitas vezes mesmo no crescimento econômico da comunidade.
Dentro deste contexto, indivíduos e povos têm, ao longo de suas existências e ao longo da história, criado e desenvolvido instrumentos de reflexão, de observação, instrumentos materiais e intelectuais para explicar, entender, conhecer, aprender para saber fazer como resposta a necessidades de sobrevivência e de transcendência em diferentes ambientes naturais, sociais e culturais.
Desta maneira, esta pesquisa aponta que mais do que recuperar saberes matemáticos passados e presentes de grupos culturais, a proposta da Etnomatemática tem interesse em dar visibilidade aos saberes de grupos culturais marginalizados por não fazerem parte de uma cultura hegemônica, de um grupo dominante.
REFERÊNCIAS
BELLO, S. E. L. A. Etnomatemática: Relações e tensões entre as distintas formas de explicar e conhecer. 320 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) – Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2000.
BORBA, M. C. Um Estudo de Etnomatemática: Sua Incorporação na Elaboração de uma Proposta Pedagógica para o “Núcleo-Escola” da Favela da Vila Nogueira - São Quirino, Dissertação de Mestrado, IGCE/UNESP, Rio Claro, 1987.
D'AMBRÓSIO, Ubiratan. Etnomatemática – elo entre as tradições e a modernidade. – Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
D’AMBROSIO, U. Etnomatemática. Arte ou Técnica de Explicar e Conhecer, 2a edição [1a ed. 1990]. São Paulo, Ed. Atual, 1993.
FERREIRA, E. S. Etnomatemática: Uma Proposta Metodológica. Universidade Santa Úrsula, Rio de Janeiro, 1997.
GERDES, P. Etnomatemática. Cultura, Matemática, Educação. Instituto Superior Pedagógico. Maputo, 1991.
MAIA JUNIOR, J.G. A Etnomatemática nas perspectivas de Ubiratan D’Ambrósio e Eduardo Sebastiani Ferreira. Rio de Janeiro: UFRRJ, 2003.
MONTEIRO, Alexandrina e POMPEU JR, Geraldo. A Matemática e os Temas Transversais. São Paulo. Editora Moderna, 2001.
MONTEIRO, A. Etnomatemática: As Possibilidades Pedagógicas num Curso de Alfabetização para Trabalhadores Rurais Assentados. Tese de Doutorado, FE/Unicamp, Campinas, 1998.
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