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1/1/2015 Ações Constitucionais Bernardo Fernandes Nathália Moreira Nunes de Souza CURSO FÓRUM TV – CARREIRAS JURÍDICAS 2015 1 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes Controle de Constitucionalidade....................................................................................................... 4 1 Conceito ...................................................................................................................................... 4 2 Pressupostos ............................................................................................................................... 4 3 Requisitos .................................................................................................................................... 5 3.1 Requisitos Formais ........................................................................................................... 5 3.1.1 Inconstitucionalidade Formal .............................................................................. 5 3.2 Requisitos Materiais ......................................................................................................... 6 3.2.1 Inconstitucionalidade Material ............................................................................ 6 4 Matrizes ou Sistemas do Controle de Constitucionalidade .......................................... 9 4.1 Matriz Americana (Séc. XIX) .......................................................................................... 9 4.2 Matriz Austríaca (Séc. XX) .............................................................................................. 9 4.3 Matriz Francesa (Séc. XX) ............................................................................................. 10 5 Brasil ........................................................................................................................................... 11 5.1 Controle difuso e concreto de constitucionalidade ............................................. 14 5.1.1 Origem ..................................................................................................................... 14 5.1.2 Características ......................................................................................................... 14 5.1.3 Análise do controle difuso nos Tribunais ....................................................... 15 5.1.3.1 Análise do STF .................................................................................................... 18 5.1.4 Efeitos do controle de constitucionalidade ................................................... 20 5.1.4.1 Resolução do Senado Federal ....................................................................... 21 5.1.4.2 Súmula Vinculante ............................................................................................ 22 5.1.4.3 Exceções aos efeitos do controle difuso..................................................... 24 5.2 Controle Concentrado .................................................................................................. 33 5.2.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) .................................................. 33 5.2.1.1 Conceito ............................................................................................................... 33 5.2.1.2 Objeto .................................................................................................................. 33 5.2.1.3 Legitimidade ....................................................................................................... 41 5.2.1.4 Procedimento – Lei 9.868/99 ........................................................................ 43 5.2.1.5 Julgamento da ADI .......................................................................................... 48 5.2.1.6 Medida Cautelar ................................................................................................ 55 5.2.1.7 Procedimento especial na ADI ...................................................................... 58 5.2.1.8 O que não cabe ................................................................................................. 58 5.2.2 Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) ....................................... 60 5.2.2.1 Conceito ............................................................................................................... 60 5.2.2.2 Finalidade ............................................................................................................ 60 5.2.2.3 Objeto .................................................................................................................. 61 5.2.2.4 Legitimidade ....................................................................................................... 61 5.2.2.5 Procedimento e Decisão ................................................................................. 62 2 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes 5.2.3 ADI por Omissão (ADO) ...................................................................................... 65 5.2.3.1 Conceito ............................................................................................................... 65 5.2.3.2 Objeto da ADO .................................................................................................. 65 5.2.3.3 Legitimidade ....................................................................................................... 66 5.2.3.4 Espécies ................................................................................................................ 66 5.2.3.5 Procedimento e Decisão ................................................................................. 66 5.2.4 ADI Interventiva ..................................................................................................... 72 5.2.4.1 Conceito ............................................................................................................... 72 5.2.4.2 Objeto .................................................................................................................. 72 5.2.4.3 Legitimidade ....................................................................................................... 72 5.2.4.4 Procedimento e Decisão ................................................................................. 72 5.2.5 ADPF ......................................................................................................................... 76 5.2.5.1 Conceito ............................................................................................................... 76 5.2.5.2 Espécies de ADPF .............................................................................................. 77 5.2.5.3 Objeto da ADPF ................................................................................................ 77 5.2.5.4 Legitimados ........................................................................................................ 78 5.2.5.5 Procedimento e Decisão ................................................................................. 78 5.2.5.6 Efeitos da decisão ............................................................................................. 81 5.2.5.7 Considerações finais ......................................................................................... 82 5.3 Sentenças Intermediárias ............................................................................................. 83 5.3.1 Sentenças Normativas .......................................................................................... 83 5.3.1.1 Sentenças Interpretativas ................................................................................ 84 5.3.1.2 Sentença Aditiva................................................................................................86 5.3.1.3 Sentença Aditiva de Princípio ........................................................................ 87 5.3.1.4 Sentenças Substitutivas ................................................................................... 87 5.3.2 Sentenças Transitivas (ou Transacionais) ....................................................... 88 5.3.2.1 Sentença de Inconstitucionalidade Sem Efeito Ablativo ....................... 89 5.3.2.2 Sentença de Inconstitucionalidade com Ablação Diferida ................... 89 5.3.2.3 Sentenças de Apelo .......................................................................................... 89 5.3.2.4 Sentenças de Aviso ........................................................................................... 90 5.4 Controle Concentrado no Âmbito Estadual ........................................................... 92 5.4.1 Dispositivo Constitucional ................................................................................... 92 5.4.2 Legitimidade ........................................................................................................... 92 5.4.3 Parâmetro ................................................................................................................ 92 5.4.4 Objeto ....................................................................................................................... 93 5.4.5 Órgão Julgador ..................................................................................................... 93 5.4.6 Fenômeno dos processos simultâneos ........................................................... 93 5.4.7 Parâmetro Inconstitucional ................................................................................ 94 3 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes 5.4.8 Efeitos ....................................................................................................................... 95 5.5 Mandado de Injunção .................................................................................................. 96 5.5.1 Requisitos ................................................................................................................. 96 5.5.2 Legitimidade ........................................................................................................... 97 5.5.2.1 Ativa ...................................................................................................................... 97 5.5.2.2 Passiva .................................................................................................................. 98 5.5.3 Competência........................................................................................................... 98 5.5.4 Procedimento ......................................................................................................... 99 5.5.5 Efeitos da decisão ............................................................................................... 100 5.5.5.1 Tese Concretista ............................................................................................. 100 5.5.5.2 Tese Não Concretista .................................................................................... 101 5.5.5.3 Tese adotada no Brasil ................................................................................. 102 5.6 Habeas Data ................................................................................................................. 104 5.6.1 Legitimidade ........................................................................................................ 104 5.6.1.1 Ativa ................................................................................................................... 104 5.6.1.2 Passiva ............................................................................................................... 105 5.6.2 Competência........................................................................................................ 105 5.6.3 Procedimento ...................................................................................................... 105 4 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes Aula 01 – 11/08/2015 – pt. 01 Controle de Constitucionalidade 1 CONCEITO O controle de constitucionalidade é uma análise (verificação) de compatibilidade (adequação) de leis ou atos normativos em relação a uma constituição. PARAMETRICIDADE – é uma palavra-chave no controle de constitucionalidade. O controle de constitucionalidade é uma relação de parametricidade entre uma Constituição e as leis ou atos normativos. 2 PRESSUPOSTOS São quatro pressupostos para o controle de constitucionalidade: 1) Constituição formal e rígida. Na Inglaterra e em outros países, existe uma jurisdição constitucional fraca. No Brasil, porém, ainda é pressuposto clássico a existência de Constituição formal e rígida. Se a CF for flexível, não há que se falar em controle, porque a Constituição estará no mesmo nível das leis ordinárias. O critério deixa de ser hierárquico para ser cronológico: a lei posterior revoga a anterior no mesmo nível. A Constituição formal e rígida é dotada de supralegalidade em relação ao restante do ordenamento. 2) Constituição como fundamento de validade para o restante do ordenamento. As normas constitucionais têm que fundamentar a validade de todas as outras normas do ordenamento. Toda vez que existirem normas no ordenamento, teremos que analisar se elas são compatíveis e adequadas com a Constituição. 3) Órgão com legitimidade para realizar o controle. Se existe controle de constitucionalidade, alguém tem que realizá-lo. Por isso, precisamos de órgão dotado de legitimidade para realizar o controle / verificação da relação da parametricidade. A maioria dos países trabalha com um Judiciário realizando esta atividade, numa minoria existe um aparato político com esse mister. Na maioria, porém, o controle é judicial e não político. 4) Existência de sanção para o descumprimento da Constituição. A mera declaração de censura não basta. Classicamente, há uma sanção para o 5 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes descumprimento da Constituição: nulidade 1 ou anulabilidade da lei ou ato normativo2, com declaração de invalidade da lei. Ou seja, a lei é reconhecida como inválida. Preenchidos esses requisitos, falaremos numa jurisdição constitucional forte. (ou jurisdição constitucional clássica). 3 REQUISITOS Quais os requisitos necessários para que uma lei seja compatível e inadequada com uma Constituição? Devem ser respeitados / preenchidos requisitos formais e materiais. Não sendo preenchido algum desses requisitos, haverá incompatibilidade com a Constituição, ou seja, inconstitucionalidade. 3.1 REQUISITOS FORMAIS Os requisitos formais dizem respeito à forma ou modo de produção da lei, que deve respeitar o determinado na Constituição. O conteúdo da lei pode ser o melhor de todos, mas se a produção não respeitou a forma definida na Constituição, então a lei será inconstitucional. Existe todo um processo legislativo que estudamos anteriormente, voltado para a produção de leis, e que deve ser respeitado sob pena de inconstitucionalidade. 3.1.1 Inconstitucionalidade Formal A inconstitucionalidade formal ocorre quando há o descumprimento de requisitos formais. Quais os tipos de inconstitucionalidade formal existentes no ordenamento? 1) Inconstitucionalidade formal ORGÂNICA. Ocorre quando há o descumprimento de regras de competência. Toda vez que regras de competência forem descumpridas, deve-se alegar a inconstitucionalidade formal orgânica. Sempre pensamos nas regras derepartição de competências, o mais comum inclusive na jurisprudência (ex.: art. 22 CF). É o caso de uma matéria ser de competência legislativa exclusiva da União e o Estado legislar sobre o assunto. Mas também é comum haver uma invasão de esfera de competência entre legislações ordinárias e complementares. É o caso de a matéria ser reservada a lei complementar 1 Nula desde que surgiu. 2 Anulada dali pra frente. 6 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes e ser fruto de lei ordinária, o que não é admitido no sistema, por melhor que seja seu conteúdo. 2) Inconstitucionalidade formal POR DESCUMPRIMENTO DE PRESSUPOSTOS OBJETIVOS. Ocorre quando há o descumprimento de requisitos expressos / explícitos na Constituição para a produção de leis. Em determinados casos, se abrirmos a Constituição, acharemos de forma explícita para a produção de determinadas leis / atos normativos, como é o caso do art. 62 CF, que exige “relevância e urgência”, e art. 18, §4º, CF. 3) Inconstitucionalidade formal PROPRIAMENTE DITA. É a inconstitucionalidade que ocorre quando há descumprimento de regras do processo legislativo dos arts. 59 a 69 CF. É o descumprimento do devido processo legislativo, que pode ser subjetiva ou objetiva. A fase do processo legislativo que tem “sujeito” é a fase de iniciativa (quando há sujeitos legitimados para iniciar o processo). Por isso, falamos que a inconstitucionalidade formal propriamente dita subjetiva é aquela por vício de iniciativa. Inconstitucionalidade formal objetiva é aquela na fase constitutiva (tramitação e votação) e complementação (promulgação e publicação). É o caso de tramitar na Câmara um projeto de LC aprovado por maioria absoluta; depois ir ao Senado, onde é aprovado por maioria simples. Trata-se de vício na fase constitutiva, porque o projeto de lei complementar precisa de quórum de maioria absoluta em ambas as casas, sendo insuficiente que haja maioria simples numa das casas e maioria absoluta na outra. Alguns ainda falam em inconstitucionalidade formal por vício de decoro parlamentar, como é o caso de uma norma ser aprovada porque pagaram propina pelos votos favoráveis dos legisladores. 3.2 REQUISITOS MATERIAIS Pt. 02 Os requisitos materiais dizem respeito ao conteúdo da lei em relação ao conteúdo da Constituição. É uma questão substancial / “conteudística”. 3.2.1 Inconstitucionalidade Material Ocorre quando o conteúdo da lei ou ato normativo contraria o conteúdo da Constituição. Atualmente, para doutrina e jurisprudência a inconstitucionalidade material não ocorre apenas quando o conteúdo da lei contraria o conteúdo da Constituição, uma vez que pode existir por práticas ou atuações desproporcionais do legislador ou administrador. 7 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes Nesses termos, se o legislador atuar em excesso ou de forma insuficiente, haverá inconstitucionalidade material. Portanto, a inconstitucionalidade material não é apenas uma questão de conteúdo, mas também uma questão de análise da atuação dos poderes públicos. Nesses termos, falamos em p. da proporcionalidade enquanto princípio da proibição do excesso e enquanto p. da proibição da proteção insuficiente. Pode ser que o conteúdo da lei não contrarie o conteúdo da Constituição, mas o Judiciário conclua que a atuação do legislador foi excessiva ou insuficiente, o que gera inconstitucionalidade material por desrespeito ao p. da proporcionalidade. Atualmente, a atuação do administrador e do legislador é analisada em seu conteúdo, para a declaração de inconstitucionalidade dos atos normativos, inclusive com base no p. da proporcionalidade, uma regra implícita da Constituição3. A proporcionalidade tem alguns subprincípios: a) Adequação b) Necessidade c) Proporcionalidade em sentido estrito Adequação é uma análise se o meio utilizado é apto ao fim visado. Necessidade é uma análise se existiria outro meio menos gravoso para atingir aquele objetivo. Proporcionalidade em sentido estrito é um sopesamento / ponderação, isto é, uma análise de ônus e bônus, de custo-benefício. O custo daquela lei é maior ou menor do que o seu bônus? Afinal, tudo tem dois lados e se deve fazer uma ponderação se o ônus é maior do que o bônus da lei, o que a levaria à desproporcionalidade, seja pelo excesso ou pela insuficiência. ADI 855 -> na déc. 90, no Estado do Paraná, foi feita uma lei dizendo que toda compra e venda de botijão de gás deveria ser feita in loco com o consumidor, devendo ser pesado naquele momento e a diferença do preço deveria ser devolvida. O objetivo era impedir que o consumidor fosse usurpado na venda de botijão de gás. Em princípio, o conteúdo dessa lei não contraria a Constituição. Pelo contrário, defende o consumidor, seguindo o espírito constitucional. Foi feita ADI contra essa lei, constatando-se a sua desproporcionalidade. O meio era apto a atingir o fim (proteção do consumidor); havia necessidade deste tipo de obrigatoriedade, ao menos segundo alguns, porque haviam sido tentados outros meios anteriormente e eles não deram certo. Contudo, o bônus com a medida (proteção do consumidor) era inferior ao ônus (obrigar a empresa a ir in loco para pesar botijão na frente do consumidor, inviabilizando a distribuição de gás na prática). 3 Em verdade, a proporcionalidade é uma regra, não um princípio, mas vem sendo tratado generalizadamente como se assim fosse. 8 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes Em princípio o conteúdo dessa lei não contrariava a CF, mas ela era desproporcional porque violava a proporcionalidade em virtude do excesso. No afã de proteger o consumidor, acaba inviabilizando a venda do gás. O Judiciário, portanto, não analisa apenas o conteúdo, mas também a atividade / atuação do Poder Público, exigindo uma proporcionalidade da mesma, sob pena de mácula de inconstitucionalidade. Requisitos Formais Inconstitucionalidade formal Orgânica Por descumprimento de pressupostos objetivos Propriamente dita subjetiva vício de iniciativa objetiva vício nas fases constitutiva e complementar Materiais Inconstitucionalidade material incompatibilidade entre conteúdo da lei e conteúdo da CF atuação desproporcional do legislador ou administrador p. da proibição do excesso p. da proibição da proteção insuficiente 9 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes 4 MATRIZES OU SISTEMAS DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 4.1 MATRIZ AMERICANA (SÉC. XIX) Deriva do caso Marbury vs. Madison, julgado pela Suprema Corte Americana, mais especificamente o juiz Marshall, caso datado de 1803. Pt. 03 Na matriz americana, existe um sistema judicial de controle, chamado pela doutrina de CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE, porque todos os juízes controlam a constitucionalidade. Controle pelo judiciário Por qualquer juiz Esse controle difuso se dá sempre in concreto, ou seja, ele sempre terá por base um caso concreto. Note que nos EUA esse sistema surgiu justamente com um caso, o Marbury vs Madison. Esse controle se dá via exceção, que alguns chamam de via defesa, e de modo incidental. Trata-se de um processo subjetivo, porque tem partes, tem lide e tem contraditório. Controle difuso Em concreto Exceção (via defesa) Modo incidental Processo subjetivo (com partes, lide e contraditório) Por tudo isso, os efeitos da decisão serão inter partes. Nos EUA, o que geraefeito erga omnes e vinculante é o stare decisis, o precedente obrigatório, decorrente do common Law (e não o efeito do próprio controle de constitucionalidade), em que a jurisprudência é vinculante. 4.2 MATRIZ AUSTRÍACA (SÉC. XX) Deriva de Hans Kelsen, da Constituição de 1920. Também é um sistema judicial, porque o controle de constitucionalidade é realizado por juízes. Mas aqui, o controle não é difuso, mas sim um CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. Apenas um órgão controla essa constitucionalidade, que será um Tribunal / Corte Constitucional. O controle está concentrado num único órgão: o Tribunal / Corte Constitucional. Só ele diz o que é adequado / compatível ou não com a Constituição. Isso se deve porque no sistema romano-germânico (civil Law), que tem por base a interpretação da lei e não a jurisprudência, que não é vinculante, os demais 10 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes juízes poderiam chegar a entendimentos diversos, de modo que isso geraria insegurança jurídica. Afinal, nada obstaria que outros juízes decidissem diferentemente do que o primeiro juiz decidiu. Por isso, Kelsen criou um modelo no qual um único órgão diria o que é constitucional ou não para o país inteiro, evitando essas discordâncias e insegurança jurídica. Esse controle é em abstrato, ou seja, sobre leis em tese. Não envolve casos concretos. Apenas se questiona, por exemplo, se a lei X contraria ou não a Constituição. Esse controle ocorrerá via ação. Ou seja, haverá uma ação específica, com nome próprio, apenas para discutir o controle de constitucionalidade nesse Tribunal Constitucional. Também se fala que o controle de constitucionalidade é “via principal”, no sentido de que não se dá por via incidental. Ademais, trata-se de um processo objetivo, porquanto não possui partes, não possui lide e não possui contraditório, nos termos de Gilmar Mendes, Moreira Alves e a doutrina alemã (também doutrina majoritária no Brasil). Uma vez reconhecida a inconstitucionalidade, o efeito será erga omnes. Quando o Tribunal diz que a lei é inconstitucional, di-lo para o país inteiro. Aliás, era justamente esse o intento de Kelsen em restringir a análise de constitucionalidade a um Tribunal Constitucional: garantir certeza e segurança jurídica no civil Law. 4.3 MATRIZ FRANCESA (SÉC. XX) Provém da Constituição da França de 1958. Seu grande diferencial é ser um sistema político de controle de constitucionalidade. Isso significa que o órgão que controla a constitucionalidade é político, não do Judiciário, de modo que não há juízes controlando a constitucionalidade. Esse órgão político, na França, é chamado de Conselho Constitucional, composto por nove membros indicados, sendo 3 pelo Presidente, 3 pela Assembleia Nacional e 3 pelo Senado, com mandato de 9 anos, e também todos os ex-presidentes. O controle de constitucionalidade em regra é preventivo, ou seja, antes de a lei ou Tratado Internacional entrar no ordenamento. Senão, a lei ou Tratado nem entram no sistema jurídico francês. Existem algumas exceções, na qual o controle de constitucionalidade é repressivo. Já existe a lei ou ato normativo no ordenamento francês e o Conselho pode ser provocado para analisar se ele é compatível com a Constituição. Inicialmente, previa-se o controle dos atos normativos do Poder 11 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes Executivo e, de 2008 pra cá, tanto o Conselho de Estado Francês quanto a Corte de Cassação podem parar os casos de ação judicial francesa e leva o caso para o Conselho Constitucional, que dirá se a lei é constitucional ou não. Depois o caso será decidido, já se sabendo se a lei é constitucional ou não. Portanto, a regra é o controle preventivo. Excepcionalmente se admite o controle repressivo. 5 BRASIL Pt. 04 O Brasil não tem um sistema de controle político como a França. Seu sistema é JUDICIAL. O Brasil adota um sistema de controle judicial intitulado por muitos autores como MISTO ou HÍBRIDO. Em regra ele é feito pelo Poder Judiciário, ou seguindo a matriz americana de forma difusa em casos concretos via exceção, de modo incidental, e também de forma concentrada no âmbito nacional pelo STF via ação específica que discute em abstrato se leis em tese contrariam a Constituição. Nosso sistema de controle de constitucionalidade em regra é judicial misto, porque convivem o controle difuso concreto com o concentrado abstrato. Com isso, matriz americana e austríaca convivem no Brasil. EUA (séc. XIX) •Marbury vs Madison - Suprema Corte - juiz Marshall •Sistema judicial •Controle difuso (todos os juízes) •In concreto (caso concreto) •Via exceção / via defesa •Via incidental •Processo subjetivo •Efeito inter partes Áustria (séc. XX) •Hans Kelsen - Constituição de 1920 •Sistema judicial •Controle concentrado (um órgão: Tribunal ou Corte Constitucional •In abstrato (leis em tese) •Via ação •Via principal •Processo objetivo •Efeito erga omnes França (séc. XX) •Constituição da França - 1958 •Sistema político (órgão político: Conselho Constitucional) •Em regra, controle é preventivo •Exceção: repressivo 12 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes Se adotamos como regra o modelo americano e austríaco, com um controle judicial, quanto ao momento o nosso controle em regra é REPRESSIVO. Excepcionalmente existe controle preventivo, mas a regra geral é o controle repressivo, ou seja, quando já existe ato normativo. Segundo jurisprudência do STF, o controle é realizado a partir da promulgação. Não precisa haver a publicação, basta a promulgação para que exista controle (mesmo que a lei não tenha sido publicada e, com isso, ainda não esteja em vigor). Há três possibilidades excepcionais no Brasil: A) Controle político preventivo. É uma dupla exceção, quanto ao órgão e quanto ao momento. Afinal, é um controle POLÍTICO (quando a regra é judicial) e PREVENTIVO (quando a regra é o controle preventivo). O controle de constitucionalidade no processo legislativo é realiado pela CCJ. Tramitando PLO ou PEC, a CCJ pode arquivar por entendê-la inconstitucional. Lembre que a CCJ existe tanto no Senado quanto na Câmara. Outrossim, existe um controle político pelo Executivo, que é o veto jurídico: o Presidente da República pode vetar projeto de lei por entendê-lo inconstitucional. É um controle PREVENTIVO porque ainda não existe lei, mas mero projeto de lei. Para derrubar esse veto, é necessária a maioria absoluta do Congresso. B) Controle político repressivo. Pode ocorrer pelo Poder Legislativo, pelo Poder Executivo e pelo Tribunal de Contas. Como é um controle REPRESSIVO, já existe a lei no ordenamento. O Poder Legislativo exerce esse controle no art. 62 e 49, V, CF. Ou seja, são as medidas provisórias rejeitadas pelo Legislativo, inclusive porque não há relevância e urgência (art. 62, §5º) ou porque o conteúdo da MP contraria o conteúdo da Constituição. Ou seja, é uma rejeição por inconstitucionalidade formal ou material, respectivamente. Embora não seja lei, é um ato normativo com força de lei. Logo, há controle REPRESSIVO por parte do Poder Legislativo. A doutrina majoritária também fala que é controle REPRESSIVO e POLÍTICO aquele previsto no art. 49, V, CF, qual seja, a sustação dos atos do Executivo que exorbitem os limites da delegação legislativa. O Poder Legislativo pode delegar ao Executivo o poder de fazer leis, mas existem parâmetros / limites, os quais são conferidos por resolução do Congresso Nacional. Estediz que pode fazer a lei delegada, mas desde já expõe os seus limites. Se a lei delegada exorbita os limites dessa delegação legislativa, o Poder Legislativa pode sustar a lei delegada que já vigora no ordenamento e já vincula condutas. Portanto, é controle político e repressivo. Para o professor e outros autores, esse é um controle de legalidade, não de constitucionalidade, porque em verdade a lei delegada contrariou uma resolução, que é ato com status de lei ordinária. Portanto, seria ilegalidade da lei delegada, não inconstitucionalidade. Mas majoritariamente se entende que isso seria controle POLÍTICO e REPRESSIVO executado pelo Poder Legislativo, porque em verdade a lei delegada fere o art. 68, §2º, CF. 13 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes Aula 02 – 11/08/2015 – pt. 01 Segundo o STF, o Presidente da República pode deixar de aplicar administrativamente uma lei por entender que ela é inconstitucional. Isso vem da interpretação que o STF deu à nossa Constituição anterior. À luz do ordenamento anterior, isso tinha um sentido, porque estávamos num regime militar e havia um único legitimado a propor a ADI, o Procurador- Geral da República. O Presidente da República militar, em regime autoritário, ficava refém do PGR. Se este não ajuizasse ADI para questionar uma lei, o Presidente tinha que cumprir lei que ele achava que era inconstitucional, porque nada poderia fazer. Para resolver isso, o STF criou o entendimento de que o PR pode deixar de aplicar uma lei administrativamente, que entendesse inconstitucional. O fundamento era que o Presidente jurou cumprir a CF, então não poderia descumpri-la. Aplicar aquela lei, em seu entendimento, seria descumprir a CF que ele jurou cumprir. Contudo, isso não se justifica no ordenamento democrático de 1988. Todos têm que cumprir a lei, então não pode o Presidente se esquivar a tal cumprimento. Outrossim, hoje o Presidente é legitimado para propor ADI. Se ele acha que a lei é inconstitucional, pode propor a ADI na instância constitucionalmente adequada, ou seja, o STF. Entretanto, o STF mantém esse entendimento, conforme ADI 221.4 Os Tribunais de Contas exercem controle de constitucionalidade, conforme S. 347 STF. 4 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISORIA. REVOGAÇÃO. PEDIDO DE LIMINAR. - POR SER A MEDIDA PROVISORIA ATO NORMATIVO COM FORÇA DE LEI, NÃO E ADMISSIVEL SEJA RETIRADA DO CONGRESSO NACIONAL A QUE FOI REMETIDA PARA O EFEITO DE SER, OU NÃO, CONVERTIDA EM LEI. - EM NOSSO SISTEMA JURÍDICO, NÃO SE ADMITE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI OU DE ATO NORMATIVO COM FORÇA DE LEI POR LEI OU POR ATO NORMATIVO COM FORÇA DE LEI POSTERIORES. O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DA LEI OU DOS ATOS NORMATIVOS E DA COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO PODER JUDICIARIO. OS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO, POR SUA CHEFIA - E ISSO MESMO TEM SIDO QUESTIONADO COM O ALARGAMENTO DA LEGITIMAÇÃO ATIVA NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE -, PODEM TÃO-SÓ DETERMINAR AOS SEUS ÓRGÃOS SUBORDINADOS QUE DEIXEM DE APLICAR ADMINISTRATIVAMENTE AS LEIS OU ATOS COM FORÇA DE LEI QUE CONSIDEREM INCONSTITUCIONAIS. - A MEDIDA PROVISORIA N. 175, POREM, PODE SER INTERPRETADA (INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO) COMO AB-ROGATÓRIA DAS MEDIDAS PROVISORIAS N.S. 153 E 156. SISTEMA DE AB-ROGAÇÃO DAS MEDIDAS PROVISORIAS DO DIREITO BRASILEIRO. - REJEIÇÃO, EM FACE DESSE SISTEMA DE AB-ROGAÇÃO, DA PRELIMINAR DE QUE A PRESENTE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ESTA PREJUDICADA, POIS AS MEDIDAS PROVISORIAS N.S. 153 E 156, NESTE MOMENTO, SÓ ESTAO SUSPENSAS PELA AB- ROGAÇÃO SOB CONDIÇÃO RESOLUTIVA, AB-ROGAÇÃO QUE SÓ SE TORNARA DEFINITIVA SE A MEDIDA PROVISORIA N. 175 VIER A SER CONVERTIDA EM LEI. E ESSA SUSPENSÃO, PORTANTO, NÃO IMPEDE QUE AS MEDIDAS PROVISORIAS SUSPENSAS SE REVIGOREM, NO CASO DE NÃO CONVERSAO DA AB-ROGANTE. - O QUE ESTA PREJUDICADO, NESTE MOMENTO EM QUE A AB-ROGAÇÃO ESTA EM VIGOR, E O PEDIDO DE CONCESSÃO DE LIMINAR, CERTO COMO E QUE ESSA CONCESSÃO SÓ TEM EFICACIA DE SUSPENDER "EX NUNC" A LEI OU ATO NORMATIVO IMPUGNADO. E, EVIDENTEMENTE, NÃO HÁ QUE SE EXAMINAR, NESTE INSTANTE, A SUSPENSÃO DO QUE JA ESTA SUSPENSO PELA AB-ROGAÇÃO DECORRENTE DE OUTRA MEDIDA PROVISORIA EM VIGOR. PEDIDO DE LIMINAR JULGADO PREJUDICADO "SI ET IN QUANTUM". (ADI 221 MC, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 29/03/1990, DJ 22- 10-1993 PP-22251 EMENT VOL-01722-01 PP-00028) 14 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes Existem algumas relativizações em relação a essa súmula. Gilmar Mendes e Lewandowski já deixaram de aplicar essa súmula em sede liminar em mandados de segurança. Entretanto, a súmula ainda é aplicada, não está cancelada e nem superada. MS 25.888.i C) Controle judicial preventivo. Aqui, apesar de o controle ser realizado pelo Judiciário, este atuará preventivamente, quando ainda sequer existe lei. Portanto, é um controle que se dá no processo de produção das leis. Será realizado pelo STF. É um controle realizado pelo STF no processo legislativo. Não é uma ADI! A ADI só é proposta contra lei ou ato com força normativa. Aqui existe mero processo legislativo. Por isso, esse controle judicial preventivo é realizado via MANDADO DE SEGURANÇA. Está tramitando um projeto de lei / emenda à Constituição com um vício, então se ajuíza mandado de segurança para que o STF suspenda esse vício. O STF concede o MS suspendendo a ilegalidade ou abuso de poder praticado. A lei que surgiria inconstitucional acabará surgindo constitucional, porque o vício no processo dessa lei foi sanado via MS, o qual sanou a ilegalidade / abuso que até então vigia no processo. Quem tem legitimidade para impetrar esse MS? A legitimidade é apenas dos deputados e senadores, que participam diretamente do processo legislativo. O direito líquido e certo do parlamentar é ao devido processo legislativo, ou seja, a participar de um processo legislativo hígido. 5.1 CONTROLE DIFUSO E CONCRETO DE CONSTITUCIONALIDADE 5.1.1 Origem Esse controle apareceu pela 1ª vez no Brasil em 1890, com a Constituição provisória pós-proclamação da República, e depois com a Constituição efetiva de 1891. 5.1.2 Características É um controle realizado por todos os juízes. É realizado em concreto, de modo que sempre deve haver um caso concreto. Ademais, é realizado pela via da exceção / da defesa, e realizado de modo incidental. O controle difuso só surge em casos concretos pela via da exceção, isto é, excepcionalmente em um caso concreto. Não é sinônimo de “exceção de defesa”, mas sim de “excepcionalmente”. No caso concreto, a inconstitucionalidade não é a questão principal. O controle de constitucionalidade surge excepcionalmente num caso concreto, cuja questão principal pode ser de direito civil, empresarial, trabalhista, tributário, penal, etc. 15 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes A inconstitucionalidade nunca surgirá como pedido, mas como causa de pedir. Ex.: Zé ajuíza uma ação em face de João, pleiteando indenização em virtude de descumprimento do art. X do CC, causando-lhe prejuízos. João contesta afirmando que de fato descumpriu o art. X do CC, mas porque ela é inconstitucional. Entre cumprir o art. X do CC e cumprir a CF, ele deve cumprir a CF, lei maior que fundamenta a validade das demais normas do país. Com isso, João faz com que surja um incidente, com questão eminentemente prejudicial / incidental. Ele gera dúvida se a norma incidente no caso é constitucional ou inconstitucional. Daí alguns autores falarem que o controle de constitucionalidade se dá via exceção ou via defesa. Não há como o juiz dizerse a indenização é devida ou não sem antes enfrentar esse incidente, dizendo se a norma é constitucional. O juiz tem o poder-dever de controlar a constitucionalidade no âmbito de um caso concreto. A questão principal não é a constitucionalidade da norma, mas se essa discussão surge como um incidente no caso (o que é excepcional), o juiz pode e deve enfrentar essa discussão. Para julgar a questão principal, o juiz precisa enfrentar o incidente sobre se a norma é ou não constitucional. A isso denominamos controle concreto pela via da exceção. O juiz enfrenta esse incidente na fundamentação ou no dispositivo? E quem pode alegar esse incidente? Pt. 02 O juiz enfrentará o incidente na fundamentação. Na parte dispositiva, ele julgará a questão principal do caso. Fundamentação: controle da constitucionalidade Dispositivo: julgamento da questão principal (caso concreto) O incidente pode ser alegado pelo RÉU, pelo AUTOR, pelo MINISTÉRIO PÚBLICO e pelo juiz, de ofício. O juiz pode, de ofício, levantar a questão da (in)constitucionalidade da norma sem que ninguém tenha suscitado. Na 1ª instância, o juiz enfrenta o incidente e diz que a norma é inconstitucional, julgando (im)procedente o pedido do autor. O juiz controlou a constitucionalidade no caso concreto e julgou a questão principal. 5.1.3 Análise do controle difuso nos Tribunais Nos Tribunais brasileiros, a declaração de inconstitucionalidade é diferenciada. Digamos que no nosso caso concreto, o juiz diz que João tem razão e o art. X do CC é inconstitucional, de modo que o pedido foi desprovido. Zé apela para o Tribunal de Justiça, onde uma Turma ou Câmara apreciará o recurso. A grande característica do controle difuso e concreto de constitucionalidade nos Tribunais brasileiros é a CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO, prevista no art. 97 CF. 16 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes Segundo o art. 97 CF, nos Tribunais brasileiros a declaração de inconstitucionalidade só pode se dar pelo pleno ou pelo órgão especial, por maioria absoluta de votos. A Turma ou Câmara (i.e., órgão fracionário) não pode declarar a inconstitucionalidade da lei. O juiz de 1º grau pode declarar a inconstitucionalidade sozinho. Isso se explica pelo PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS, dando-se um simbolismo maior para o controle de constitucionalidade. Com isso, evita-se que cada Câmara externe um entendimento diferente sobre a (in)constitucionalidade de uma lei. Dificulta-se a declaração de inconstitucionalidade, fazendo com que o Tribunal reflita melhor se a lei é inconstitucional ou não, em prestígio ao p. da presunção de constitucionalidade das leis. Com base no art. 97 CF, definimos que turmas ou câmaras não podem declarar a inconstitucionalidade, mas apenas o pleno e o órgão especial, pela maioria absoluta de seus votos. Sabedores disso, os Tribunais brasileiros começaram a fazer uma “picaretagem”. As Câmaras e Turmas passaram a deixar de aplicar a norma por entender que ela é inconstitucional. Diziam que não estavam declarando a inconstitucionalidade, já que não poderiam fazer isso, mas que apenas deixavam de aplicar a norma por entender que ela é inconstitucional, em pura “malandragem”. Ora, deixar de aplicar a norma por entendê-la inconstitucional é o mesmo que declará-la inconstitucional. Por isso, o Supremo Tribunal Federal definiu que esse tipo de decisão seria nula. Assim, anulou diversas decisões por tal razão, posteriormente editando a S.V. 10. Segundo essa Súmula Vinculante nº 10, viola cláusula de reserva de plenário a decisão de órgão fracionário de Tribunal que afasta a incidência da lei ou ato normativo do Poder Público, totalmente ou em parte, embora não declare expressamente a sua inconstitucionalidade, O que as Turmas ou Câmaras podem fazer, já que não podem declarar a inconstitucionalidade? Elas podem declarar a constitucionalidade da lei, bem como aplicar interpretação conforme a Constituição5 e realizar juízos de não recepção. O juízo de não recepção não é uma declaração de inconstitucionalidade. A norma não é inconstitucional, ela é NÃO RECEPCIONADA. Se a lei é de 1985, p.e., ela é anterior à Constituição, não sendo caso de análise de 5 Interpretação conforme a Constituição é dizer que a norma é constitucional, desde que tenha aquela determinada interpretação. Salva-se a norma, fazendo com que seja mantida no ordenamento, desde que tenha tal interpretação. Portanto, é verdadeira declaração de constitucionalidade, salvando a norma. 17 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes (in)constitucionalidade, mas sim de recepção. A Turma ou Câmara pode declarar uma norma como não recepcionada pela CF/88. Turma Recursal de Juizado Especial deve respeitar a cláusula de reserva de plenário? A Turma Recursal se encontra em 1º grau de jurisdição, portanto, nem tem plenário. Em 1º grau, qualquer um pode declarar a inconstitucionalidade, até porque não há plenário. Por isso, as Turmas Recursais dos Juizados Especiais não se submetem à cláusula de reserva de plenário. Qual o procedimento da cláusula de reserva de plenário6? O procedimento está afeto ao Regimento Interno dos Tribunais e ao CPC. No CPC 1973, o tema é regido pelos arts. 480 e 481. No NCPC, o tema é regido pelos arts. 948 a 950, de forma praticamente idêntica7. Surgindo a dúvida sobre se a norma é constitucional ou não, o relator ouvirá o Ministério Público e submeterá a questão à Turma, que analisará se há incidente ou não de inconstitucionalidade. Se a Turma entende que não há incidente de inconstitucionalidade, porque não há dúvidas quanto à constitucionalidade da lei, poderá enfrentar o caso concreto. Mas se a Turma concorda que há um incidente de inconstitucionalidade, ou seja, a dúvida sobre se a norma é constitucional, será lavrado um acórdão. O incidente será submetido ao Pleno ou Órgão Especial, que analisará abstratamente a norma em tese e sua (in)constitucionalidade. O Pleno ou Órgão Especial enfrenta o incidente. A Câmara e a Turma depois julgará o caso concreto, com base no que foi decidido. 6 Também chamada de full bench. 7 O NCPC não mexeu com a cláusula de reserva de plenário. 18 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes Chamamos isso de cisão funcional no plano horizontal. CISÃO FUNCIONAL NO PLANO HORIZONTAL nada mais é do que desenvolver a cláusula de reserva de plenário, efetivando os arts. 480 e 481 CPC 1973. Pt. 03 Exceção à cláusula de reserva de plenário: Art. 481, p. único, CPC 1973 e art. 949, p. único, NCPC. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão. Isso evita que, havendo diversos casos idênticos no Tribunal em que se alega a inconstitucionalidade de uma lei, seja necessário remeter todas as vezes ao plenário / órgão especial. Caso haja manifestação do pleno / órgão especial daquele tribunal ou do Supremo Tribunal Federal, então a Turma ou Câmara já pode declarar a inconstitucionalidade, sem necessidade de respeitar novamente a cláusula de reserva de plenário. É uma questão de instrumentalidade e economia processual. 5.1.3.1 Análise do STF O STF, em regra, segue a cláusula de reserva de plenário prevista na CF. O STF é composto por 2 turmas. Quando o processo é distribuído para a Corte, será encaminhado à 1ª ou 2ª T, cada umacom 5 componentes. Aplica-se o art. 97 Surge a dúvida sobre inconstitucionalidade Oitiva do MP Turma define se há dúvidas quanto à constitucionalidade da lei Em caso positivo, é lavrado acórdão Incidente submetido ao Pleno ou Órgão Especial Turma ou Câmara decide o caso concreto 19 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes CF, de modo que em regra a declaração de inconstitucionalidade deve se dar pelo Pleno (o STF não possui órgão especial). Porém, existe entendimento externado pela Min. Ellen Gracie no RE 361829 na 2ª Tii, no sentido de que em grau de recurso extraordinário não há necessidade de as turmas seguirem a cláusula de reserva de plenário. O STF segue a cláusula de reserva de plenário, mas haveria uma exceção: o julgamento de recurso extraordinário. A 1ª e 2ª T já poderiam declarar a inconstitucionalidade, sem levar a questão ao pleno da Corte. Quando o pleno já declarou a inconstitucionalidade do dispositivo legal, a Turma pode declarar também (art. 481, p. único, CPC 1973), o que vale para todos os tribunais, inclusive STF. Mas a opinião da Ellen Gracie diz que mesmo não havendo decisão anterior do pleno, a Turma poderia declarar a inconstitucionalidade de forma originária no recurso extraordinário. Os demais Ministros acataram este entendimento. O professor discorda. A Ellen Gracie diz que retirou essa exceção do regimento interno, mas o professor acha que o regimento interno não possui nada autorizando este julgamento direto pelas Turmas. Apesar da aposentadoria da Ellen Gracie, esse entendimento continua sendo aplicado no STF e ele é cobrado em diversos concursos. No STF, existe a cláusula de reserva de plenário do art. 97 e também a exceção do art. 481, p. único, CPC 1973 (caso já julgado pelo pleno do STF). Se o Pleno do STF enfrentou a questão e depois vem questão equivalente na 1ª ou na 2ª T, elas já podem logo declarar a inconstitucionalidade. E isso se aplica a todos os casos, não apenas em recursos extraordinários, donde se nota a diferença com a tese da Ellen Gracie. O procedimento da cláusula de reserva de plenário é diferente no STF. No STF, quando o pleno analisar a inconstitucionalidade da norma jurídica, também julgará o caso concreto. Nos Tribunais em geral, o pleno / órgão especial julga a questão da (in)constitucionalidade e depois remete o julgamento do caso concreto ao órgão fracionário. Existe, como dissemos acima, cisão funcional no plano horizontal. Afinal, quem julga o caso concreto é o órgão fracionário. Quem analisa a questão da inconstitucionalidade é o pleno ou órgão especial. Já no STF, o pleno analisa a inconstitucionalidade e já julga o caso direto (art. 176 a 178 do Regimento Interno do STF). 20 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes No STF, o pleno não só analisa a inconstitucionalidade, como já julga o caso concreto. A Turma não aprecia o caso concreto após a análise da inconstitucionalidade. Isso se explica porque já são 11 ministros. Se o pleno julga a inconstitucionalidade, os 5 componentes da Turma já estão ali. É mais lógica eles enfrentarem a inconstitucionalidade da norma e já decidirem o caso de uma vez, ao invés de retirarem de pauta, levarem para a Turma (cujos componentes já estavam ali), sabe-se lá para quando ser apreciado. É diferente do caso do TJ, em que são centenas de componentes no plenário. 5.1.4 Efeitos do controle de constitucionalidade Pt. 04 A declaração de inconstitucionalidade da norma é ex tunc e produz efeitos inter partes, mesmo quando feita pelo STF. Afinal, refere-se a um caso concreto. EX TUNC INTER PARTES Quando o STF, Tribunal ou juiz declaram incidentalmente que a norma é inconstitucional, a declaração é retroativa e inter partes. Quando o STF diz que uma norma do ordenamento é inconstitucional, resolvendo o caso concreto, não deixa de estar declarando a inconstitucionalidade, o que repercutirá não apenas na doutrina, como também junto aos advogados e juízes. Aquilo vale para as partes, mas já sabemos que o STF disse que a norma X do ordenamento é inconstitucional, apesar de continuar válida para os demais. O STF em regra segue a cláusula de reserva de plenário. Ellen Gracie criou a tese de que no RE nao é preciso seguir a CRV, podendo a Turma declarar originariamente a inconstitucionalidade de uma questão. Também se aplica a exceção à CRV ao STF, nos termos do art. 481, p. único, CPC 1973. Se o Pleno declarou a norma inconstitucional, depois da 1ª e 2ª T podem aplicar diretamente esse entendimento. O pleno declara a inconstitucionalidade e já julga o caso diretamente, sem remetê-lo para a turma. 21 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes É uma situação constrangedora, porque o STF, Corte Constitucional, diz que a norma é inconstitucional, mas ela continua valendo para todas as demais partes, o que decerto vulnera a isonomia. Imagine que Janaina ajuíza ação contra o iii Fisco alegando inconstitucionalidade do tributo. A questão vai ao STF, que declara para ela aquele tributo inconstitucional. Janaína não precisará mais pagar aquele tributo porque ele foi reconhecido como inconstitucional, mas a sua vizinha, sua colega de trabalho e todos os demais não ganharam essa declaração, então continuarão pagando o Fisco. Vamos multiplicar isso em termos políticos, econômicos, sociais... enfim, analisemos o impacto que isso pode causar numa sociedade. Isso nos leva a procurar saídas para transformar o pronunciamento inter partes do STF em erga omnes, de modo a atingir as demais pessoas que não as partes daquele processo, garantindo a isonomia. 5.1.4.1 Resolução do Senado Federal Uma das saídas é a atuação do Senado Federal, nos termos do art. 52, X, CF, o que é previsto desde a Constituição de 1934. Diz respeito a um controle do STF inter partes, ou seja, é um controle difuso e concreto de constitucionalidade. Compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Essa atuação do Senado Federal é apenas no controle difuso de constitucionalidade pelo STF. A atuação do Senado transformando a decisão do STF de inter partes para uma decisão erga omnes tem efeitos ex tunc ou ex nunc? Há profunda divergência na doutrina brasileira a respeito deste tema. Defendem o efeito ex tunc Gilmar Mendes, Clemerson Cleve e Zeno Veloso. Defendem o efeito ex nunc Lenio Streck, José Affonso da Silva, Nagib Slaib, Celso Antônio Bandeira de Mello, Alexandre de Moraes e Bernardo Fernandes. A corrente majoritária é aquela que defende o efeito ex nunc. Entretanto, o Senado já editou resolução com efeito ex tunc (Resolução 10/2005) e o Decreto 2346/97 determinou que a Administração Pública federal aplique o efeito ex tunc às Resoluções do Senado. Aula 03 – 17/08/2015 – pt. 01 O Senado NÃO é obrigado a suspender a lei. Ele possui a discricionariedade para suspender ou não a lei. Várias leis no ordenamento jurídico podem continuar valendo, mesmo o STF já tendo dito que são inconstitucionais, apenas porque o Senado não as suspendeu. 22 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes A Resolução do Senado que suspende a lei deve respeitar a decisão do STF. Se o STF diz que toda a lei é inconstitucional, se o Senado resolver editar a Resolução, deve suspender TODA a lei. Se o STF diz que só os art. X, Y, Z são inconstitucionais, o Senado deve suspender X, Y, Z. Não pode resolver suspender também outro artigo além daquelesdeclarados inconstitucionais pelo Supremo. O Senado só pode suspender aquilo que o STF declarou inconstitucional. O Senado, por Resolução, não pode ampliar essa declaração – está adstrito à decisão do STF ao realizar a suspensão. O Senado pode se arrepender e, por outra Resolução, cancelar a anterior para que a lei suspensa volte a ter eficácia jurídica no ordenamento? A resolução posterior revoga a resolução anterior, como regra. Mas esta é uma exceção dentro da Teoria do Direito: embora o Senado não seja obrigado a editar a Resolução, ele não pode voltar atrás editando outra Resolução para revogar a anterior, na tentativa de fazer a lei voltar a valer. Enfim, a Resolução editada pelo Senado é IRRETRATÁVEL. No fundo, é uma “retirada da lei do quadro das leis”, embora a CF diga que o Senado apenas suspende a execução da lei. O Senado pode suspender apenas leis federais ou também leis estaduais e municipais? O Senado pode suspender qualquer tipo de lei, seja federal, estadual ou municipal. A suspensão só é feita pelo Senado e pode se relacionara qualquer tipo de lei, seja federal, estadual ou municipal, bastando que o STF declare em controle difuso a inconstitucionalidade daquela lei (art. 52, X, CF). O Senado já cansou de suspender leis estaduais e municipais, não apenas federais. Senado não é obrigado a editar a Resolução. Se editar, deve respeitar os limites da decisão do STF. A Resolução é irretratável. Pode ser lei federal, estadual ou municipal. 5.1.4.2 Súmula Vinculante Outra possibilidade para transformar o efeito inter partes em erga omnes é a SÚMULA VINCULANTE. O objeto da súmula vinculante é a validade, a eficácia ou a interpretação de normas jurídicas. Portanto, o STF consegue transformar decisões inter partes em decisões vinculantes, suspendendo a validade ou a eficácia de uma norma em situações X, Y, Z; ou determinando que a interpretação correta é Tal. Os requisitos básicos da súmula vinculante são: (1) Oito ministros. Devem ser 2/3 dos Ministros do STF, o que significa 8 Ministros. 23 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes (2) Reiteradas decisões sobre a matéria objeto da súmula. É o que chamamos de “MQI” – multiplicação de questões idênticas. Ou seja, não pode ser uma decisão só – deve haver um conjunto mínimo de decisões. A questão aqui não é apenas quantitativa (8, 6, 20, 48), mas uma interconexão entre aspectos qualitativo e quantitativo. Ou seja, deve-se pensar no impacto do tema no ordenamento jurídico, em aspectos sociais, jurídicos, políticos. Essa relevância pode levar à edição de uma súmula mesmo que ainda não haja várias decisões. Mas ainda assim é preciso um conjunto mínimo de decisões, senão sequer é necessário “uniformizar” quando nem existem múltiplas decisões ainda. (3) Controvérsia judicial ou entre o Judiciário e a Administração Pública, que cause grave incerteza e insegurança jurídica. Se ficar provado que existe controvérsia no Judiciário sobre o tema, ou entre o Judiciário e a Administração, o que estaria gerando grave incerteza / insegurança jurídica, abre-se a possibilidade de edição de súmula vinculante. A SÚMULA VINCULANTE preza pelo princípio da celeridade, princípio da igualdade e segurança jurídica. Celeridade Igualdade / isonomia Segurança jurídica Quem são os legitimados a provocar o STF para edição, revisão ou cancelamento da súmula vinculante? A) Legitimados do art. 103 CF, ou seja, aqueles que também podem propor a ADI. a. Presidente da República b. Mesa do Senado Federal c. Mesa da Câmara dos Deputados d. Mesa da ALE ou Câmara Legislativa do DF e. Governador f. PGR g. Conselho Federal da OAB h. Partido político com representação no Congresso Nacional B) Defensor-Público Geral da União. C) Todos os Tribunais brasileiros. D) Municípios -> mas só de modo incidental, ou seja, só no curso de processos em que o Município seja parte e que envolvam matéria que pode ser objeto de súmula. Portanto, o Município não pode provocar o STF de forma direta como os outros legitimados. E) O próprio STF de ofício. 24 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes O STF pode editar, revisar ou cancelar súmula vinculante de ofício, sem a provocação de terceiros. Quem está vinculado à Súmula Vinculante? É o que chamamos de limite subjetivo: a) Órgãos do Poder Judiciário b) Administração Pública federal, estadual e municipal Deste modo, não se vinculam à súmula vinculante o poder legislativo em sua função típica (legislar). O legislador pode fazer lei contrariando a S.V. Tanto é assim que a Lei 11.417/2006, a qual regula as S.V., diz que se o legislador fizer lei contrariando súmula vinculante, o STF terá que revisar ou cancelar a súmula. 5.1.4.3 Exceções aos efeitos do controle difuso Pt. 02 Como vimos, são efeitos do controle difuso concreto – como regra – ex tunc, inter partes. A doutrina e a jurisprudência do STF vêm discutindo possibilidades de exceções a esse efeito ex tunc e inter partes em relação ao aspecto temporal e daqueles que são atingidos. No que tange ao aspecto temporal, há uma exceção pacificada na doutrina e na jurisprudência: decisão ex nunc ou modulada ou manipulada. Nem sempre a decisão do controle concreto tem efeito ex tunc (a regra é que seja retroativa): a declaração pode ter efeito ex nunc, prospectiva, modulada. Foi o caso do RE 197.917, em que o STF explicitou que o efeito manipulado pode ocorrer no caso concreto (e não apenas no controle concentrado do art. 27, L 9868): RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MUNICÍPIOS. CÂMARA DE VEREADORES. COMPOSIÇÃO. AUTONOMIA MUNICIPAL. LIMITES CONSTITUCIONAIS. NÚMERO DE VEREADORES PROPORCIONAL À POPULAÇÃO. CF, ARTIGO 29, IV. APLICAÇÃO DE CRITÉRIO ARITMÉTICO RÍGIDO. INVOCAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA RAZOABILIDADE. INCOMPATIBILIDADE ENTRE A POPULAÇÃO E O NÚMERO DE VEREADORES. INCONSTITUCIONALIDADE, INCIDENTER TANTUM, DA NORMA MUNICIPAL. EFEITOS PARA O FUTURO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. 1. O artigo 29, inciso IV da Constituição Federal, exige que o número de Vereadores seja proporcional à população dos Municípios, observados os limites mínimos e máximos fixados pelas alíneas a, b e c. 2. Deixar a critério do legislador municipal o estabelecimento da composição das Câmaras Municipais, com observância apenas dos limites máximos e mínimos do preceito (CF, artigo 29) é tornar sem sentido a previsão constitucional expressa da proporcionalidade. 3. Situação real e contemporânea em que Municípios menos populosos têm mais Vereadores do que outros com um 25 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes número de habitantes várias vezes maior. Casos em que a falta de um parâmetro matemático rígido que delimite a ação dos legislativos Municipais implica evidente afronta ao postulado da isonomia. 4. Princípio da razoabilidade. Restrição legislativa. A aprovação de norma municipal que estabelece a composição da Câmara de Vereadores sem observância da relação cogente de proporção com a respectiva população configura excesso do poder de legislar, não encontrando eco no sistema constitucional vigente. 5. Parâmetro aritmético que atende ao comando expresso na Constituição Federal, sem que a proporcionalidade reclamada traduza qualquer afronta aos demais princípios constitucionais e nem resulte formas estranhas e distantes da realidade dos Municípios brasileiros. Atendimento aos postulados da moralidade, impessoalidade e economicidade dos atos administrativos (CF, artigo 37). 6. Fronteiras da autonomia municipal impostas pela própria Cartada República, que admite a proporcionalidade da representação política em face do número de habitantes. Orientação que se confirma e se reitera segundo o modelo de composição da Câmara dos Deputados e das Assembléias Legislativas (CF, artigos 27 e 45, § 1º). 7. Inconstitucionalidade, incidenter tantun, da lei local que fixou em 11 (onze) o número de Vereadores, dado que sua população de pouco mais de 2600 habitantes somente comporta 09 representantes. 8. Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade. Recurso extraordinário conhecido e em parte provido. (RE 197917, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 06/06/2002, DJ 07-05-2004 PP-00008 EMENT VOL-02150-03 PP-00368) Foi o caso de Mira Estrela, cidade do interior do Brasil com pouco mais de 2.600 habitantes. Em sua lei orgânica, essa cidade estipulava que haveria 11 vereadores. Em ACP, foi alegada incidentalmente a inconstitucionalidade dessa lei orgânica, porque pelo texto constitucional (art. 29, IV), Mira estrela deveria ter apenas 9 habitantes. O STF reconheceu que realmente o número correto era 9 vereadores, de modo que a previsão na Lei Orgânica era inconstitucional. Em 2004, criou-se a regra dos 47.000. O STF disse que para haver 9 vereadores, era até 47.000 habitantes, portanto Mira Estrela se enquadrava nesse número. O STF criou uma proporcionalidade que foi adotada por resolução do TSE, modificada pela EC 58/2009, que criou 33 faixas de vereadores. A regra é que a lei é inconstitucional com efeito retroativo. Mas o problema é que estávamos no meio da legislatura. Se usássemos a regra geral, a Lei Orgânica seria inconstitucional desde sempre e teríamos que retirar 2 vereadores no meio da legislatura. O STF então adotou a decisão ex nunc / modulada / manipulada. Declarou que havia inconstitucionalidade dos 11 vereadores, porque deveriam ser apenas 9, mas os efeitos da inconstitucionalidade só valeriam para a próxima legislatura. 26 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes Isso é manipular os efeitos da decisão: declara-se a inconstitucionalidade, mas afirmando que os seus efeitos só valerão por um período determinado, que no caso foi a próxima legislatura. A manipulação de efeitos até então só existia no controle concentrado. Em 2004, o STF inaugura a possibilidade para o controle difuso. RE 586453 EMENTA Embargos de declaração em recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Inexistência das hipóteses autorizadoras da interposição dos embargos. 1. O acórdão embargado não incorreu em omissões ou contradições, tendo a Corte decidido, fundamentadamente, as questões postas em debate, nos limites necessários ao deslinde do feito. 2. No julgamento do recurso, as questões aduzidas pelas partes foram enfrentadas adequadamente e os resultados declarados seguiram os entendimentos majoritários no Supremo Tribunal Federal, conforme se vê nas manifestações ocorridas no julgamento, as quais se traduziram nos resultados constantes das atas. Inexistência, portanto, dos vícios do art. 535 do Código de Processo Civil. 3. A parte recorrente busca rediscutir as teses anteriormente levantadas, indicando, inclusive, dispositivos constitucionais para sustentar suas colocações, o que só vem a confirmar a estatura constitucional das discussões travadas e a justiça da decisão. O embargante pretende, efetivamente, obter um novo julgamento do recurso, fim para o qual não se prestam os embargos declaratórios. 4. O art. 93, inciso IX, da Constituição Federal não determina ao órgão judicante que se manifeste sobre todos os argumentos trazidos por uma ou outra parte, mas, sim, que fundamente as razões que entendeu suficientes para formar seu convencimento. 5. Mantida a modulação fixada na decisão objurgada. 6. Embargos de declaração rejeitados. (RE 586453 ED, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 19/03/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-148 DIVULG 31-07-2014 PUBLIC 01-08-2014) Art. 27, L. 9868/99 -> no controle difuso concreto, como o que ocorre em RE, há necessidade do quórum de 8 ministros para a manipulação de efeitos? O STF enfrentou isso em 2013 e surgiram 2 correntes. Fux, Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello disseram que não, não há necessidade de 8 ministros para manipular efeitos no controle concreto e difuso. Isso é exigido textualmente na lei de ADI, e aqui não estamos trabalhando com uma ADI. Para manipular efeitos no caso concreto, não precisa haver 8 ministros, podem ser apenas os 6 (maioria absoluta, suficiente para declarar a inconstitucionalidade). A corrente majoritária (6 ministros) entendeu que para a manipulação de efeitos no controle difuso e concreto, também há necessidade do quórum de 8 ministros. Se não for alcançado esse quórum, os efeitos não serão manipulados, de modo que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade incidental serão ex tunc. 27 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes Marco Aurélio é contra a manipulação de efeitos no controle difuso (processos subjetivos). Ele entende que só pode haver manipulação de efeitos em processos objetivos, porque a lei da ADI permite. Como aqui não há lei alguma, então não seria possível a manipulação de efeitos em casos concretos. Tem-se discutido muito nos últimos anos a possibilidade de exceção no que tange ao aspecto dos atingidos. Ou seja, se a decisão do STF no controle difuso concreto, ao invés de ser apenas inter partes, dependendo do Senado ou S.V. para ser vinculante a todos, já ser diretamente erga omnes e vinculante. Não há um posicionamento pacífico na doutrina e no STF. PENA - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - RAZÃO DE SER. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi- aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social. PENA - CRIMES HEDIONDOS - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - ÓBICE - ARTIGO 2º, § 1º, DA LEI Nº 8.072/90 - INCONSTITUCIONALIDADE - EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. Conflita com a garantia da individualização da pena - artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal - a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90. (HC 82959, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 23/02/2006, DJ 01-09-2006 PP-00018 EMENT VOL-02245-03 PP-00510 RTJ VOL- 00200-02 PP-00795) O STF, por 6x5, declarou a inconstitucionalidade da vedação de progressão de regime nos crimes hediondos. Com base no art. 5º CF, o STF declarou por 6x5 a inconstitucionalidade num caso concreto da vedação à progressão de regime. O caso gerou muita celeuma no Brasil devido à importância e complexidade do tema. Muitos processualistas penais, pelos votos dos Min. Gilmar Mendes e Nelson Jobim, interpretaram que acabara a proibição à vedação de progressão de regime, porque o STF assim decidira. A comoção foi tão grande que a DP do Acre, em virtude da decisão do STF, pediu ao juiz da VEP de Rio Branco a progressão de regime de 10 condenados por crimes hediondos. O juiz da VEP disse que o HC versava sobre caso concreto, portanto houve controle difuso de constitucionalidade. Se não haviasuspensão pelo Senado ou S.V. a respeito do tema, a lei continuava válida. Por isso, não caberia a progressão de regime dos condenados porque a norma continuava válida, não fora suspensa, e a decisão do STF só valera para aquele caso concreto, não para o restante do Brasil. A DP do Acre ajuizou uma reclamação no STF (4335/2007). Todos achavam que o STF iria humilhar a DP. A reclamação é para preservar a autoridade e competência do STF, em suas decisões que são vinculativas e obrigatórias. Com o ajuizamento da reclamação, a DP estava alegando o descumprimento de 28 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes decisão do STF, que portanto deveria fazer o juiz se curvar ao seu entendimento. É para isso que serve a reclamação, para preservar autoridade e competência do STF. Pois bem. Nos 2 primeiros votos da reclamação, ela foi julgada procedente, pelo Eros Grau e Gilmar Mendes. Eles votaram julgando procedente a reclamação dizendo que o juiz estava sim descumprindo decisão do STF e desrespeitando o posicionamento deste. Eles adotaram a seguinte tese: o art. 52, X, CF é obsoleto. Devemos fazer uma mutação constitucional no art. 52, X, CF, ou seja, o texto continua o mesmo, mas devemos reinterpretá-lo em virtude de novas realidades sociais. O Eros Grau disse que o texto continuaria o mesmo, mas deveríamos reinterpretá-lo porque estava obsoleto. A partir de então, entenderíamos que compete ao Senado apenas dar publicidade às decisões do STF. Não lhe competiria suspender a lei, mas apenas dar publicidade à decisão do STF. Assim, transformaríamos o Senado num “jornaleco”, “papeluxo” do STF, para dar publicidade às suas decisões, que já seriam automaticamente erga omnes. O Senado apenas oficializaria essa decisão – como se isso fosse necessário. Reclamação. 2. Progressão de regime. Crimes hediondos. 3. Decisão reclamada aplicou o art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.072/90, declarado inconstitucional pelo Plenário do STF no HC 82.959/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 1.9.2006. 4. Superveniência da Súmula Vinculante n. 26. 5. Efeito ultra partes da declaração de inconstitucionalidade em controle difuso. Caráter expansivo da decisão. 6. Reclamação julgada procedente. (Rcl 4335, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 20/03/2014, DJe-208 DIVULG 21-10-2014 PUBLIC 22-10-2014 EMENT VOL-02752-01 PP-00001) Fica clara aí a TESE DA ABSTRATIVIZAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO. Ou seja, estaríamos transformando o controle difuso num controle abstrato. Logo em seguida, votaram Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa, que ficaram horrorizados com os votos anteriores. Se o art. 52, X, é obsoleto, deveria ser chamado o poder constituinte derivado para alterá-lo. Não se poderia mudar um artigo no peito / no pau. Isso não seria mutação constitucional, mas rasgar um texto para fazer outro, e o Ministro do STF não é legislador para isso. Há um limite semântico. A CF diz que compete ao Senado SUSPENDER a lei, e não lhe dar publicidade. Portanto, está-se rasgando um texto para fazer outro, e o STF não é legislador para isso. Devemos respeitar a CF, gostando ou não. Se o Senado não atuou e não há decisão ainda, então a reclamação não poderia ser julgada procedente. Em 2013, Ricardo Levandowski finalmente votou. Ele pediu vista em 2007 e só deu o seu voto em 2013. Ele entendeu que deveria ser julgada improcedente a reclamação, por inexistir descumprimento pelo juiz da decisão do STF. Em 2014, veio a decisão final do caso. Pt. 03 29 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes Em 2014, o STF chegou a um posicionamento sobre o caso. O Inf. 739 STF traz tal julgamento, 6x4 pela procedência da reclamação. Reclamação: cabimento e Senado Federal no controle da constitucionalidade - 11 Em conclusão de julgamento, o Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em reclamação ajuizada sob o argumento de ofensa à autoridade da decisão da Corte no HC 82.959/SP (DJU de 1º.9.2006), em que declarada a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/1990, que veda a progressão de regime a condenados pela prática de crimes hediondos. Na espécie, juiz de 1º grau indeferira pedido de progressão de regime em favor de condenados a penas de reclusão em regime integralmente fechado, à luz do aludido dispositivo legal — v. Informativos 454, 463 e 706. O Ministro Gilmar Mendes, relator, determinou a cassação das decisões impugnadas, ao assentar que caberia ao juízo reclamado proferir nova decisão para avaliar se, no caso concreto, os interessados atenderiam ou não os requisitos para gozar do referido benefício. Considerou possível determinar, para esse fim, e desde que de modo fundamentado, a realização de exame criminológico. Preliminarmente, quanto ao cabimento da reclamação, o relator afastou a alegação de inexistência de decisão do STF cuja autoridade deveria ser preservada. Rcl 4335/AC, rel. Min. Gilmar Mendes, 20.3.2014. (Rcl-4335) Reclamação: cabimento e Senado Federal no controle da constitucionalidade - 12 O relator afirmou, inicialmente, que a jurisprudência do STF evoluíra relativamente à utilização da reclamação em sede de controle concentrado de normas, de maneira que seria cabível a reclamação para todos os que comprovassem prejuízo resultante de decisões contrárias às suas teses, em reconhecimento à eficácia vinculante “erga omnes” das decisões de mérito proferidas em sede de controle concentrado. Em seguida, entendeu ser necessário, para análise do tema, verificar se o instrumento da reclamação fora usado de acordo com sua destinação constitucional: garantir a autoridade das decisões do STF; e, superada essa questão, examinar o argumento do juízo reclamado no sentido de que a eficácia “erga omnes” da decisão no HC 82.959/SP dependeria da expedição de resolução do Senado que suspendesse a execução da lei (CF, art. 52, X). Para apreciar a dimensão constitucional do tema, discorreu sobre o papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade. Aduziu que, de acordo com a doutrina tradicional, a suspensão da execução, pelo Senado, do ato declarado inconstitucional pelo STF seria ato político que emprestaria eficácia “erga omnes” às decisões definitivas sobre inconstitucionalidade proferidas em caso concreto. Asseverou, no entanto, que a amplitude conferida ao controle abstrato de normas e a possibilidade de se suspender, liminarmente, a eficácia de leis ou atos normativos, com eficácia geral, no contexto da CF/1988, concorreriam para infirmar a crença na própria justificativa do instituto da suspensão da execução do ato pelo Senado, inspirado em concepção de separação de poderes que hoje estaria ultrapassada. Ressaltou, ademais, que, ao alargar, de forma significativa, o rol de entes e órgãos legitimados a provocar o STF no processo de controle abstrato de normas, o constituinte restringira a amplitude do controle difuso de constitucionalidade. Rcl 4335/AC, rel. Min. Gilmar Mendes, 20.3.2014. (Rcl-4335) Reclamação: cabimento e Senado Federal no controle da constitucionalidade - 13 30 AÇÕES CONSTITUCIONAIS | Bernardo Fernandes O relator considerou que, em razão disso, bem como da multiplicação de decisões dotadas de eficácia geral e do advento da Lei 9.882/1999, alterara-se de forma radical a concepção que dominava sobre a divisão de Poderes, e seria comum no sistema a decisão com eficácia geral, excepcional sob a EC 16/1965 e a CF/1967. Salientou serem inevitáveis, portanto, as reinterpretações dos institutos vinculados ao controle incidental de inconstitucionalidade, notadamente o da exigência da maioria absoluta para declaração
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