Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
DP APS – 304X Ana Carolina Luques – RA C656089 RESTAURO DO COMPLEXO MATARAZZO RESUMO O complexo Matarazzo possui uma localização privilegiada, nas imediações da Avenida Paulista, localizado em um terreno com aproximadamente 28.000 m² e acabou despertando interesses no mercado imobiliário criando, assim, uma série de desafios de preservação a partir dos anos de 1980. O projeto de restauro foi aprovado em todas as instâncias municipais e estaduais envolvidas e que está em fase de implantação. A proposta se baseia na modernização do complexo a partir de estratégias que integram espaços tombados a edificações contemporâneas, financiado integralmente pela iniciativa privada. A análise aborda dois aspectos: os apegos culturais e urbanísticos do conjunto e os desafios para ampliar a participação privada em projetos voltados a espaços deteriorados. O grupo autor do projeto de restauro é composto por Roberto Toffoli Simoens da Silva, Júlio Roberto Katinsky e Helena Aparecida Ayoub Silva e foi contratado pelo Grupo Allard em 2011, para colaborar na solução que promoveria a reinserção do conjunto edificado nas dinâmicas urbanas contemporâneas. Os dois principais pontos no campo da preservação do patrimônio cultural trabalhados pelo grupo são: a necessidade de ampliar a compreensão sobre o legado cultural brasileiro e sua relevância como elemento da nossa realidade presente. Em outros termos, as pesquisas e projetos arquitetônicos em que estão envolvidos se iniciam com a identificação de valores culturais dos imóveis (sejam eles tombados ou não) e das possibilidades de sua reinserção nas dinâmicas urbanas. HISTÓRICO O Hospital Matarazzo é simbolo do processo de modernização da cidade no início do século XX. Até aquele momento, as organizações confessionais (principalmente as Santas Casas) eram responsáveis pelos serviços médicos prestados à população e os restringiam àqueles que compartilhavam de seu credo. Contudo, na medida em que se intensificava a urbanização graças à economia cafeeira e aos processos imigratórios, surgiram demandas pela qualificação do sistema de saúde. Em 1904, a Società Italiana di Beneficenza inaugurou o primeiro hospital laico da cidade. Paralelamente, as aspirações da sociedade civil pelo desenvolvimento do sistema de saúde acarretaram outros fenômenos de grande relevância: em 1921, por exemplo, foi construído o primeiro edifício da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, o Instituto Oscar Freire, concebido pelo Escritório Técnico Ramos de Azevedo nas imediações da Avenida Dr. Arnaldo. O conjunto foi concluído na década seguinte e, assim como o Hospital Matarazzo, permitiu o avanço de pesquisas científicas como já ocorria nos países mais desenvolvidos da Europa, além de participar da universalização do atendimento médico na cidade (CALABI, 2012). Figura 1 – Hospital Matarazzo – Bloco B. Fonte: Boullevard Matarazzo, 2015 Figura 2 - Complexo Matarazzo. Fonte: Cidadematarazzo.com.br Em termos estéticos, existem aspectos da implantação que merecem atenção. A configuração espacial do hospital seguiu parâmetro europeu também presente no primeiro Plano Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, projetado por Ramos de Azevedo e cujo único registro edificado corresponde ao Instituto Oscar Freire de 1921. Esse modelo pode ser verificado na própria cronologia construtiva do conjunto: Figura 3 - Cronologia Construtiva (fonte: Acervo Cidade Matarazzo) Cada pavilhão abrigava determinada especialidade e era ampliado de acordo com o aumento ou redução das demandas cotidianas. As obras se estenderam de 1904, quando da implantação do primeiro bloco administrativo, até meados da década de 1970-80, quando foi iniciada a construção de um novo bloco dedicado à expansão das atividades hospitalares, mas que não foi concluído. Pode-se dizer que o trabalho do Hospital se estendeu até os anos 1980- 90, quando se deu o “fechamento de suas portas”. Desde então, em virtude das extensões do terreno e sua localização privilegiada, o conjunto tornou-se objeto de inúmeras propostas de adensamento, normalmente, concebidas a partir da demolição de parte dos imóveis em favor de novos padrões de verticalização. As preocupações em se preservar o conjunto frente as pressões do mercado imobiliário resultaram na Resolução Sc 29/86, de 01/08/1986, pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (CONDEPHAAT), com relatoria do Arquiteto Paulo Bastos. Resolução Sc 29/86, de 01/08/1986: Considerando que o Hospital e Maternidade Umberto I (ex-Hospital Matarazzo) é um remanescente altamente representativo das instituições organizadas pela parcela mais significativa dos imigrantes fixados na cidade de São Paulo, os italianos; Considerando que exerceu papel de destaque no atendimento médico- hospitalar da população trabalhadora da cidade, especialmente no período em que a assistência era absolutamente deficitária; Considerando que desenvolveu uma qualidade de atendimento que o fez ser também procurado – em especial a maternidade – pela população da cidade; Considerando que se destacou como espaço de formação profissional e de estudo da ciência médica; Considerando que teve papel pioneiro no desenvolvimento de algumas atividades hospitalares na cidade de São Paulo; Considerando que forma um conjunto arquitetonicamente harmonioso e agradável, que denota as origens italianas do hospital e apresenta soluções espaciais de boa qualidade, principalmente em seus edifícios mais antigos; Considerando que apresenta ainda valor ambiental como único sítio de porte que escapou à verticalização no entorno da Av. Paulista. Torna-se evidente a importância histórica e arquitetônica dessa instituição na cidade de São Paulo. Por isso é justificável o seu tombamento. RESOLVE Artigo 1o – Fica tombado como bem cultural de interesse histórico- arquitetônico o conjunto de edifícios que compõem o HOSPITAL E MATERNIDADE UMBERTO I (exHospital Matarazzo), localizado à quadra delimitada pelas ruas São Carlos do Pinhal, Itapeva, Pamplona e Alameda Rio Claro, nesta Capital, (vide plantas anexas). Artigo 2o – Ficam estabelecidos três graus de preservação para o conjunto de edifícios abrangidos por este tombamento, a saber: I – Grau de Proteção 1 (GP-1) – (preservação integral, admitidas pequenas reformas internas) – Capela e Maternidade Condessa Filomena Matarazzo; II – Grau de Proteção 2 (GP-2) – preservação de fachadas, coberturas e gabaritos) – Núcleo original do Hospital Humberto I (pavilhão administrativo); Casa de Saúde Francisco Matarazzo; Casa de Saúde Ermelino Matarazzo; antiga residência da irmãs, atual Pavilhão de Pediatria; Pavilhão Vitório Emanuele III, circulações cobertas entre estes edifícios; III – Grau de Proteção 3 (GP-3) – preservação de volumetria) – instalações da cozinha, lavanderia e refeitório; antiga Clínica Pediátrica Amélia de Camillis; novo prédio hospitalar, lanchonete e lojas; estacionamento. Artigo 3o – Para efeito deste tombamento fica estabelecida como área envoltória, definida pelo artigo 137, do Decreto 13.426 de 16/03/79, o interior da quadra descrita pelo artigo 1o desta Resolução. Figura 4 - Resolução de Tombamento. Fonte: Boulevard Matarazzo, 2012. O terreno representava uma das últimas áreas verdes da região da Avenida Paulista, que ainda conta com o Parque Trianon e a Praça Mário Covas. Porém, ao contrário desses dois espaços, o Hospital Matarazzo oferece ampla ambientação em termos das ocupações urbanas na São Paulo do início do século XX, além de qualificar as imediações com seus espaços abertos. Em outras palavras, a Resolução de Tombamento apontou a importância em se preservar um conjunto edificado emvirtude da sua ambientação histórica em uma área marcada por intenso processo de verticalização. Nos casos da maternidade e da Capela, a proteção assumiu feições bastante restritivas, demandando a recuperação integral dos dois bens (mesmo que partes internas da maternidade já estivessem bastante descaracterizadas). Nota-se que os esforços de proteção daquele complexo tenham partido de duas escalas diferentes e complementares: da arquitetura e do urbanismo, revelando uma preocupação sobre a complexidade que a preservação desse bem imóvel oferece à sociedade paulista. Apesar da resolução, os debates sobre a verticalização no terreno continuaram. Nos anos seguintes, o Escritório Técnico Júlio Neves foi contratado inicialmente pela Sociedade Beneficente Hospital Matarazzo e depois pelo o Instituto de Previdência e Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil (PREVI), para desenvolver uma série de propostas de ocupação da área. Em 1998, a Prefeitura Municipal de São Paulo (PMSP) e os órgãos de preservação aprovaram o projeto, que tinha como proposta a implantação de novos edifícios, porém, com a manutenção de certas fachadas. O projeto foi compreendido pela sociedade como um desrespeito à resolução de tombamento vigente e, em 1999, a Associação de Moradores da Bela Vista propôs uma Ação Civil Pública contra o proprietário do imóvel (a PREVI), a Prefeitura Municipal de São Paulo (PMSP), o CONDEPHAAT e o CONPRESP. Essa ação impôs, por ato do Ministério Público, um embargo ao projeto aprovado, bem como processo para apurar as responsabilidades pela autoria e aprovação da proposta que contrariava a lei vigente, ou seja, os termos da lei de tombamento do trecho urbano considerado. O processo se estendeu até 2011, quando investidores franceses adquiriram o imóvel e se comprometeram a apresentar solução viável que contemplasse tanto os aspectos culturais quanto econômicos. O debate foi tratado publicamente resultando na revisão da Resolução de Tombamento (SC 13 de 18 de fevereiro de 2014). Existia a percepção de que a Resolução vigente não funcionava mais como instrumento efetivo de preservação. Afinal, desde o fechamento do Hospital, nenhuma proposta de reocupação fora viabilizada. Contudo, mais preocupante foi ficando a intensidade do processo de deterioração das edificações. Todos concordavam que tombamento não significava congelamento e que seria fundamental uma revisão crítica e aberta da Resolução original. O CONDEPHAAT, então presidido pela Professora da FAUUSP Ana Lana, aprovou a abertura de um processo de reavaliação da resolução de tombamento e cujas conclusões foram debatidas em Audiência Pública, realizada em 07 de outubro de 2013. O trabalho da UPPH apontava para a necessidade de preservar o gabarito e as fachadas dos edifícios situados no interior do lote, além da maternidade e da Capela, sendo essa última a única edificação a ser preservada integralmente. Além disso, a proposta previa a manutenção do eixo articulador do conjunto bem como a utilização de novo gabarito na extremidade do terreno, cujas alturas deveriam pautar-se pelas edificações vizinhas. Figura 5 - Resolução de Tombamento SC 13/14 (Fonte: acervo do CONDEPHAAT) A revisão da resolução foi pautada pela preservação dos blocos históricos centrais e pela proteção do eixo articulador dos edifícios. Em relação à verticalização, a revisão a autorizou nas extremidades do terreno desde que respeitados os gabaritos estabelecidos pela vizinhança. Esse debate foi acompanhado pelo Ministério Público Estadual e a viabilização da proposta foi aprovada pelos órgãos de preservação em 2015. CIDADE MATARAZZO – PARTIDO ARQUITETÔNICO Figura 6 - Vista Geral (fonte: Acervo Cidade Matrarazzo) A proposta do Grupo Allard se baseou no desenvolvimento de empreendimento multifuncional que articula os pavilhões tombados a edifícios contemporâneos localizados nas áreas mais afastadas do terreno. O resultado desse trabalho permitiu a organização de programa de atividades que envolve áreas comerciais, corporativas, culturais e serviços hoteleiros, distribuídos pelos pavilhões primitivos e dois novos edifícios localizados junto aos limites do terreno entre as vias Pamplona, Itapeva e Alameda Rio Claro. As soluções primaram pelos esforços criativos e tecnológicos, sempre incentivados pelos responsáveis, e que compreendem a oportunidade como momento para o desenvolvimento de atividades ainda pouco frequentes no ambiente da construção civil no país. As obras estão sob a direção técnica do engenheiro Maurício Bianchi e contam com a participação de empresas como a Tessler Engenharia e o consórcio RFM – Sérgio Porto. Atualmente, estão em curso a construção de torre multifuncional, o setor de estacionamentos e o restauro dos edifícios da Maternidade e da Capela. Capela Figura 7 - A escavação abaixo da capela Santa Luzia (Fonte: Heitor Feitosa/VEJA.com) A capela é o único imóvel que, segundo a resolução de tombamento vigente, deve ser integralmente restaurado. Foi construído em 1922, com alvenaria de tijolos maciços apoiados em alicerces, e revestidos externamente com argamassa a base de cal. A cobertura é de estrutura de madeira com telhas francesas e o forro logo abaixo é de estuque. Internamente, o revestimento de parede foi feito em escaiola e o piso, em mármore. Existem ainda vitrais, esculturas e o mobiliário original. Contudo, a má conservação do conjunto exige o restauro de todos esses elementos. Serão feitas algumas adaptações, principalmente, de elementos descaracterizados. O piso original foi substituído por cerâmicas que serão removidas para a instalação de um piso de mármore similar ao remanescente na área do altar, mas com paginação nova, para diferenciar as intervenções. Em função da deterioração do estuque original que inviabiliza sua recomposição, removeremos em sua totalidade para a aplicação de novo forro em gesso. Para a ressacralização do edifício, que está sem função há muito tempo, serão instalados pontos hidrossanitários, as instalações elétricas serão renovadas e haverá modificações que permitam a acessibilidade universal. Todos os pontos foram devidamente aprovados pelos órgãos de preservação. Ainda que esse restauro tenha começado, a solução estrutural adotada para a liberação das escavações em seu subsolo despertou amplo interesse da sociedade civil. A proposta do escritório de cálculo JKMF envolveu a construção de grande estrutura de transição que permitiu a transferência dos esforços verticais de uma fundação rasa para outra profunda. Figura 8 - Esquema das fundações da Capela Santa Luzia (fonte: Acervo Cidade Maternidade A preservação do imóvel envolve volumetria, fachadas e elementos internos pontuais. Além da adaptação dos espaços que serão ocupados por atividades hoteleiras, foram iniciadas também as restaurações das fachadas, que se dividem em trabalhos de argamassa e trabalhos de caixilhos. Os trabalhos de argamassa se baseiam na preservação do emboço e na substituição do reboco. Essa escolha se deu em virtude do péssimo estado de deterioração da massa fina, que se decompôs durante o hidrojateamento. Ao mesmo tempo em que retirávamos o biofilme, notávamos o desplacamento dos revestimentos externos, enquanto a massa grossa apresentava boa integridade física (vale mencionar que, em determinados locais, foram realizados trabalhos de consolidação da argamassa, tendo em vista o interesse em preservar testemunhos dos panos originais). Ao final, se optou pela aplicação de velatura, tendo em vista nossa intenção de evidenciar as diferentes tonalidades de argamassa, ao mesmo tempo em que atribuímos uma tonalidade geral próxima dos resquícios de pintura identificados pela equipe de restauro. Em termos de caixilhos, está em fase de restauraçãotodo o lote de venezianas originais, que foram identificadas (vão a vão) e removidas para uma oficina, onde passaram por: substituição de peças deterioradas (enxertos), lixamento, tratamento contra insetos xilófagos, aplicação de massa e pintura, tal qual sua condição primitiva. Os marcos foram restaurados in loco, seguindo os mesmos procedimentos anteriormente descritos. As folhas internas foram substituídas por caixilhos acústicos capazes de atender as demandas de conforto acústico, principalmente, estabelecidas para edifícios contemporâneos de uso hoteleiro. O desenho foi aprovado pelos órgãos de preservação, respeitando as linhas originais, sem configurar “falsos históricos”. Figura 9 - Reforços estruturais (fonte: Acervo Cidade Matarazzo) A questão tecnológica também se faz presente. Foram realizados reforços estruturais para permitir as escavações abaixo do pórtico da entrada principal do edifício. O sistema cria um conjunto de mãos-francesas, com um tirante complementar que evita a rotação dos blocos de fundação original, o que libera os níveis inferiores para as escavações que darão origem ao lobby do hotel. Torre Rosewood O escritório francês Ateliers Jean Nouvel é o autor do projeto da Torre do Hotel e de unidades residenciais Rosewood, de vinte e quatro pavimentos localizado no Complexo Cidade Matarazzo. A proposta de Nouvel, adjacente ao antigo hospital e maternidade Matarazzo, prevendo a "continuidade vertical" da paisagem local, caracterizada por uma vegetação exuberante em meio às edificações históricas. Assim, a torre de mais de cem metros de altura se desenvolve em diferentes níveis, formando terraços e jardins elevados que recebem árvores de pequeno e médio porte. Figura 10 – Torre Rosewood (Fonte: Archdaily) O complexo hoteleiro e residencial contará com 151 quartos de hóspede e 122 suítes residenciais, dois restaurantes, um bar e um "caviar lounge". Além disso, o programa também conta com três piscinas, um SPA e uma área fitness. Figura 11 - Parte do programa (Fonte: Veja) http://www.archdaily.com.br/br/tag/ateliers-jean-nouvel BIBLIOGRAFIA CALABI, Donatela. História do Urbanismo Europeu. São Paulo: Editora Perspectiva, 2012. CONDEPHAAT. Resolução SC 29/86 (Hospital e Maternidade Umberto I (ex- Hospital Matarazzo), de 30 de julho de 1986, publicado no DOE 01/08/86. DEVECCHI, Alejandra M.: Reformar não é Construir: A reabilitação de imóveis verticais – novas formas de morar em São Paulo no século XXI. São Paulo: Tese de Doutoramento. FAUUSP, 2010. EDWARDS, Brian: Guia Básico para a Sustentabilidade. Barcelona: Ed. Gustavo Gili, 2008. KATINSKY, Júlio R.; Silva, Helena A.A.; Costa, Sabrina S.F.: Restauro da Faculdade de Medicina da USP – estudos, projetos e resultados. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, 2013. REIS FILHO, N. G.: Urbanização e Teoria: contribuição ao estuda das perspectivas atuais para os conhecimentos dos fenômenos de Urbanização. São Paulo: FAUUSP, 1967.
Compartilhar