Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
ENFOQUES METODOLÓGICOS: a criança, linguagem e comunicação ISABEL ROSÂNGELA DOS SANTOS FERREIRA ENFOQUES METODOLÓGICOS: a criança, linguagem e comunicação 1ª Edição – Revista e atualizada Taubaté Universidade de Taubaté 2016 Copyright©2014.Universidade de Taubaté. Todos os direitos dessa edição reservados à Universidade de Taubaté. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio, sem a prévia autorização desta Universidade. Administração Superior Reitor Prof.Dr. José Rui Camargo Vice-reitor Prof.Dr. Marcos Roberto Furlan Pró-reitor de Administração Prof.Dr.Francisco José Grandinetti Pró-reitor de Economia e Finanças Prof.Dr.Luciano Ricardo Marcondes da Silva Pró-reitora Estudantil Profa.Dra.Nara Lúcia Perondi Fortes Pró-reitor de Extensão e Relações Comunitárias Prof.Dr. José Felício GoussainMurade Pró-reitora de Graduação Profa.Dra.Ana Júlia Urias dos Santos Araújo Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação Prof.Dr.Edson Aparecida de Araújo Querido Oliveira Coordenação Geral EaD Profa.Dra.Patrícia Ortiz Monteiro Coordenação Acadêmica Profa.Ma.Rosana Giovanni Pires Coordenação Pedagógica Profa.Dra.Ana Maria dos Reis Taino Coordenação Tecnológica Profa. Ma. Susana Aparecida da Veiga Coordenação de Mídias Impressas e Digitais Profa.Ma.Isabel Rosângela dos Santos Ferreira Coord. de Área: Ciências da Nat. e Matemática Profa. Ma. Maria Cristina Prado Vasques Coord. de Área: Ciências Humanas Profa. Ma. Fabrina Moreira Silva Coord. de Área: Linguagens e Códigos Profa. Dra. Juliana Marcondes Bussolotti Coord. de Curso de Pedagogia Coord. de Cursos de Tecnol. Área de Gestão e Negócios Coord. de Cursos de Tecnol. Área de Recursos Naturais Revisão ortográfica-textual Projeto Gráfico e Diagramação Autor Profa. Dra. Ana Maria dos Reis Taino Profa. Ma. Márcia Regina de Oliveira Profa. Dra. Lídia Maria Ruv Carelli Barreto Profa. Ma. Isabel Rosângela dos Santos Ferreira Me.Benedito Fulvio Manfredini Isabel Rosângela dos Santos Ferreira Unitau-Reitoria Rua Quatro de Março,432-Centro Taubaté – São Paulo CEP:12.020-270 Central de Atendimento:0800557255 Polo Taubaté Polo Ubatuba Polo São José dos Campos Avenida Marechal Deodoro, 605–Jardim Santa Clara Taubaté–São Paulo CEP:12.080-000 Telefones: Coordenação Geral: (12)3621-1530 Secretaria: (12)3625-4280 Av. Castro Alves, 392 – Itaguá – CEP: 11680-000 Tel.: 0800 883 0697 e-mail: nead@unitau.br Horário de atendimento: 13h às 17h / 18h às 22h Av Alfredo Ignácio Nogueira Penido, 678 Parque Residencial Jardim Aquarius Tel.: 0800 883 0697 e-mail: nead@unitau.br Horário de atendimento: 8h às 22h Ficha catalográfica elaborada pelo SIBi Sistema Integrado de Bibliotecas/UNITAU F383e Ferreira, Isabel Rosângela dos Santos Enfoques metodológicos: a criança, linguagem e comunicação / Isabel Rosângela dos Santos Ferreira. Taubaté: UNITAU, 2010. 105p. : il. Bibliografia ISBN 978-85-62326-13-4 1. Fundamentos metodológicos. 2. Língua. 3. Linguagem e comunicação. 4. Leitura. I. Universidade de Taubaté. II. Título. PALAVRA DO REITOR Palavra do Reitor Toda forma de estudo, para que possa dar certo, carece de relações saudáveis, tanto de ordem afetiva quanto produtiva. Também, de estímulos e valorização. Por essa razão, devemos tirar o máximo proveito das práticas educativas, visto se apresentarem como máxima referência frente às mais diversificadas atividades humanas. Afinal, a obtenção de conhecimentos é o nosso diferencial de conquista frente a universo tão competitivo. Pensando nisso, idealizamos o presente livro- texto, que aborda conteúdo significativo e coerente à sua formação acadêmica e ao seu desenvolvimento social. Cuidadosamente redigido e ilustrado, sob a supervisão de doutores e mestres, o resultado aqui apresentado visa, essencialmente, a orientações de ordem prático-formativa. Cientes de que pretendemos construir conhecimentos que se intercalem na tríade Graduação, Pesquisa e Extensão, sempre de forma responsável, porque planejados com seriedade e pautados no respeito, temos a certeza de que o presente estudo lhe será de grande valia. Portanto, desejamos a você, aluno, proveitosa leitura. Bons estudos! Prof. Dr. José Rui Camargo Reitor Apresentação Os versos de Caetano Veloso (quadro 1) nos fazem refletir sobre nossa língua portuguesa, filha do latim, daí ser chamada de “flor do Lácio”, herdada de nossos descobridores, vindos de Portugal, terra de Camões e de Fernando Pessoa. Vale a pena você, caro(a) aluno(a), buscar mais informações sobre a história da nossa língua materna. Assim poderá entender ainda melhor a beleza deste poema que aqui lhe apresento. A necessidade de dominar a língua materna, tanto na modalidade oral quanto na modalidade escrita, é indiscutível nos dias atuais e isso vem crescendo nas relações, em todos os níveis e contextos, desde as interpessoais até às oficiais, o que exige cada vez mais que as pessoas falem e escrevam de forma eficaz, coerente e adequada à situação de uso da língua. Muito se tem questionado acerca das significações dos papéis exercidos pela escola e pelo professor, com ênfase neste último. Tem-se, também, elaborado novas teorias sobre a ação Língua Caetano Veloso Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões Gosto de ser e de estar E quero me dedicar a criar confusões de prosódia E uma profusão de paródias Que encurtem dores E furtem cores como camaleões Gosto do Pessoa na pessoa [ ... ] “Minha pátria é minha língua” Fala Mangueira! Fala! Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó O que quer O que pode esta língua? Quadro 1 Letra de Caetano Veloso na qual o poeta faz uma declaração de amor à língua portuguesa. Disponível em: http://letras.terra.com.br/caetanoveloso Acesso em: 23 jan. 2009. Figura 1 - Língua portuguesa, nossa língua materna Fonte: dialogospoliticos.wordpress.com/.../ Acesso em: 22 jan. 2009. da escola como agente de transformação da sociedade e sobre a visão do professor como um “educador reflexivo e pesquisador de sua própria ação” (MAGALHÃES, 2004, p. 59). Em conformidade com o que preconizam os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (BRASIL, 1998), pode-se afirmar que: O domínio da língua, oral e escrita, é fundamental para a participação social efetiva, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo, produz conhecimento. Por isso, ao ensiná-la, a escola tem a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes linguísticos, necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de todos (BRASIL, 1998, p. 15). Portanto, é com o olhar voltado para o ensino da língua materna na escola – pressupondo uma ação conjunta do professor e aluno na qual já não é mais possível uma abordagem de cima para baixo, na qual o primeiro ensina e o segundo aprende e depois reproduz o queaprendeu – que convido você a iniciar o estudo desta unidade curricular. Antes, porém, dedique um tempo para refletir a respeito destas citações que lhe apresento, estabelecendo uma relação entre aquilo que você já estudou até aqui e as colocações dos autores. O professor não ensina, mas arranja modos de a própria criança descobrir. Cria situações- problemas. (Jean Piaget) Brincar com crianças não é perder tempo, é ganhá-lo; se é triste ver meninos sem escola, mais triste ainda é vê-los sentados enfileirados em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor para a formação do homem. (Carlos Drummond de Andrade) Sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo nem ensino. (Paulo Freire) O professor pensa ensinar o que sabe, o que recolheu nos livros e da vida, mas o aluno aprende do professor não necessariamente o que o outro quer ensinar, mas aquilo que quer aprender. (Affonso Romano de Sant’Anna) Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende. (Guimarães Rosa) , Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende. (Guimarães Rosa) arranja modos de a própria criança descobrir. Cria situações-problemas. (Jean Piaget) Brincar com crianças não é perder tempo, é ganhá-lo; se é triste ver meninos sem escola, mais triste ainda é vê-los sentados enfileirados em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor Sobre a autora ISABEL ROSÂNGELA DOS SANTOS FERREIRA. Graduada em Letras-Literatura pela Universidade de Taubaté (2004), é Especialista em Literaturas da língua portuguesa e Mestre em Linguística Aplicada (2007), pela mesma universidade. Lotada no Instituto Básico de Humanidades da UNITAU, atua como professora de Língua Portuguesa e Metodologia Científica em cursos de graduação oferecidos pela universidade. Leciona em dois cursos de especialização lato sensu da UNITAU voltados para leitura, produção de textos, gramática e uso da língua materna. Ministra cursos de Extensão cujo foco é a formação docente, abordando temas como ensino da gramática numa perspectiva sociointeracionista, formação leitora, mídias na sala de aula e contação de histórias como ferramenta pedagógica. No Ensino a Distância – EAD – da Universidade de Taubaté, atua como Coordenadora do setor de Materiais e como revisora ortográfico-textual; ainda, na EAD, é Coordenadora do curso de Licenciatura em Letras: Língua Portuguesa. e-mail: isabel.eadunitau@gmail.com Caros(as) alunos(as), Caros( as) alunos( as) O Programa de Educação a Distância (EAD) da Universidade de Taubaté apresenta-se como espaço acadêmico de encontros virtuais e presenciais direcionados aos mais diversos saberes. Além de avançada tecnologia de informação e comunicação, conta com profissionais capacitados e se apoia em base sólida, que advém da grande experiência adquirida no campo acadêmico, tanto na graduação como na pós-graduação, ao longo de mais de 35 anos de História e Tradição. Nossa proposta se pauta na fusão do ensino a distância e do contato humano-presencial. Para tanto, apresenta-se em três momentos de formação: presenciais, livros-texto e Web interativa. Conduzem esta proposta professores/orientadores qualificados em educação a distância, apoiados por livros-texto produzidos por uma equipe de profissionais preparada especificamente para este fim, e por conteúdo presente em salas virtuais. A estrutura interna dos livros-texto é formada por Unidades que desenvolvem os temas e subtemas definidos nas ementas disciplinares aprovadas para os diversos cursos. Como subsídio ao aluno, durante todo o processo ensino-aprendizagem, além de textos e atividades aplicadas, cada livro-texto apresenta sínteses das Unidades, dicas de leituras e indicação de filmes, programas televisivos e sites, todos complementares ao conteúdo estudado. Os momentos virtuais ocorrem sob a orientação de professores específicos da Web. Para a resolução dos exercícios, como para as comunicações diversas, os alunos dispõem de blog, fórum, diários e outras ferramentas tecnológicas. Em curso, poderão ser criados ainda outros recursos que facilitem a comunicação e a aprendizagem. Esperamos, caros alunos, que o presente material e outros recursos colocados à sua disposição possam conduzi-los a novos conhecimentos, porque vocês são os principais atores desta formação. Para todos, os nossos desejos de sucesso! Equipe EAD-UNITAU Sumário Palavra do Reitor ........................................................................................................... v Apresentação ............................................................................................................... vii Sobre a autora ............................................................................................................... ix Caros(as) alunos(as) ..................................................................................................... xi Ementa ........................................................................................................................... 1 Objet .............................................................................................................................. 2 Introdução ...................................................................................................................... 3 Unidade 1. Fundamentação metodológica do ensino da língua .............................. 7 1.1 A origem do ensino da língua .................................................................................. 7 1.2 Por que ensinar a Língua Portuguesa? ................................................................... 11 1.3 O ensino da língua: uma questão instrucional ou política? ................................... 14 1.4 Objetivos do ensino de língua materna.................................................................. 16 1.5 Tipos de ensino da língua ...................................................................................... 18 1.6 Refletindo sobre a prática do ensino da língua ...................................................... 20 1.7 Construção de um novo modo de ensinar e aprender a Língua Portuguesa .......... 22 1.8 Os PCN e o ensino da língua e linguagem ........................................................... 24 1.9 A formação de professores e o ensino da língua ................................................... 28 1.10 O ensino de Língua Portuguesa e contextos teórico-metodológicos ................... 32 1.11 Ler e escrever: compromisso de todas as áreas ................................................... 35 1.12 Atividades ............................................................................................................ 43 1.13 Síntese da Unidade ............................................................................................. 43 1.14 Para saber mais ................................................................................................... 44 Unidade 2. Alguns pressupostos teóricos e metodológicos .................................... 47 2.1 Linguagem e comunicação .................................................................................... 47 2.2 Concepções de linguagem ..................................................................................... 49 2.3 Lingua oral e língua escrita ................................................................................... 51 2.4 Língua oral na Educação Infantil........................................................................... 53 2.5 Objetivos, conteúdos .............................................................................................56 2.6 Orientações didáticas ............................................................................................. 58 2.7 Atividades significativas de língua oral................................................................. 60 2.8 Atividades ............................................................................................................. 61 2.9 Síntese da Unidade ................................................................................................ 61 2.10 Para saber mais .................................................................................................... 62 Unidade 3. A construção do processo ensino e aprendizagem por meio da diversidade textual ..................................................................................................... 65 3.1 A importância da leitura na formação de leitores proficientes e escritores eficientes ...................................................................................................................... 67 3.2 Estratégias de leitura .............................................................................................. 71 3.3 Compreensão e produção dos diversos gêneros discursivos ................................. 74 3.4 Alfabetização e letramento: caminhos e descaminhos .......................................... 78 3.5 Atividades .............................................................................................................. 82 3.6 Síntese da Unidade ............................................................................................... 83 3.7 Para saber mais ..................................................................................................... 83 Unidade 4. Aplicando a teoria à prática pedagógica no ensino da língua ............ 85 4.1 A formação de professores: uma reflexão pedagógica sobre a prática docente .... 85 4.2 Análise das propostas de trabalho ......................................................................... 88 4.3 Organizando propostas de trabalho ....................................................................... 89 4.4 Sugestões de atividades para serem trabalhadas em sala de aula .......................... 91 4.5 Atividades ............................................................................................................. 95 4.6 Síntese da Unidade .............................................................................................. 98 Referências .................................................................................................................. 99 1 Enfoques metodológicos: a criança, linguagem e comunicação Ementa EMENTA Discussões teóricas e atividades complementares a respeito dos pressupostos metodológicos, epistemológicos, éticos, políticos e didático-pedagógicos da linguagem. A importância da leitura na formação de leitores proficientes e escritores competentes. As estratégias de leitura: decodificação, inferência, seleção, antecipação e verificação, dentro de uma proposta sociointeracionista. Compreensão e produção dos diversos gêneros discursivos (gêneros textuais). As questões que envolvem a língua materna quanto ao uso e à norma padrão. ORGANIZE-SE!!! Você deverá usar de 3 a 4 horas para realizar cada Unidade. 2 Objetivo Geral Perceber a importância de conhecer as fases de desenvolvimento cognitivo e linguístico da criança para implementação da alfabetização e do letramento com significado. Entender que o conhecimento e a apropriação da comunicação oral e escrita estão bastante ligados às possibilidades de participação da criança na sociedade. Obj et Objetivos Específicos Identificar a linguagem como instrumento de ação e interação da civilização humana. Refletir sobre o ensino da língua materna: fundamentos, objetivos, importância, tipos, aspectos teóricos e práticos envolvidos no processo. Relacionar o que preconizam os PCN (1998) quanto ao ensino- aprendizagem da língua portuguesa no contexto escolar com vistas à formação do leitor proficiente e do escritor eficiente de diversos gêneros discursivos, dentro da perspectiva sociointeracionista. Compreender os pressupostos teóricos sobre língua, linguagem, diversidade linguística, processo comunicativo, língua oral e língua escrita, níveis de formalidade da língua dentro do padrão culto e do padrão coloquial, alfabetização e letramento. Desenvolver o potencial de leitura, de escrita e de entendimento do texto quanto à concepção funcional da língua oral e escrita. Utilizar as estratégias de leitura como atividade significativa na compreensão leitora dos mais variados gêneros discursivos. Capacitar-se para ensinar a teoria e aplicá-la à prática pedagógica no ensino da língua materna. 3 Introdução Conhecer não é um ato isolado, individual. Conhecer envolve intercomunicação, intersubjetividade. É por meio dessa intercomunicação mediada pelos objetos a serem conhecidos que os homens mutuamente se educam, intermediados pelo mundo real. (Paulo Freire) Apoiada nas palavras de Paulo Freire, apresento a você, caro(a) aluno(a), este livro-texto, intitulado Enfoques metodológicos: a criança, linguagem e comunicação, que trata das linguagens (em sentido amplo), como elemento fundamental para a intercomunicação e para a construção do conhecimento em todas as áreas, e dos pressupostos metodológicos, epistemológicos, éticos, políticos e didático-pedagógicos a respeito do ensino da língua portuguesa na escola. Pretendemos que você, professor(a) em formação, conheça-os, aproprie-se dos conhecimentos teóricos, reflita sobre eles e vá aos poucos construindo a sua identidade profissional que pressupõe um educador capaz de analisar, interpretar e intervir. Para tanto, é preciso que você tenha plena consciência de que todo conteúdo apresentado, qualquer que seja ele, nunca é um fim em si mesmo. Na verdade, ele é um pretexto para que se aprenda a pensar e a construir o próprio conhecimento; conhecer pressupõe produzir novos saberes, e não simplesmente reproduzir verdades alheias. Dessa forma, você vai descobrir a sua capacidade de elaborar, refletir, sintetizar, organizar e reinventar e mais tarde, com seus alunos, saberá despertar neles o mesmo interesse e objetivo. Parece ser este o melhor modo de formar gente crítica e forte o suficiente para saber-se capaz de agir como um agente transformador da sua própria vida e da realidade que o cerca, um sujeito sócio-histórico culturalmente constituído pronto a exercer a sua plena cidadania. 4 O presente livro-texto é composto por quatro Unidades que tratarão das questões que envolvem língua e linguagem, níveis de formalidade da língua oral e da língua escrita, ensino/aprendizagem da língua portuguesa no contexto escolar, alfabetização, letramento e gêneros discursivos. Na Unidade 1, Fundamentação metodológica do ensino da língua, serão discutidas questões a respeito da origem, da importância e dos objetivos do ensino da língua materna no ambiente escolar. A Unidade também promoverá uma reflexão sobre a prática do ensino na língua, dentro da proposta sociointeracionista dos PCN de Língua Portuguesa (BRASIL, 1998), que visa à formação de leitores proficientes e escritores eficientes dos mais variados gêneros discursivos. Na Unidade 2, Pressupostosmetodológicos, veremos os conceitos de linguagem e comunicação, língua oral e língua escrita. Serão ainda apresentadas orientações didáticas e pedagógicas a respeito de atividades significativas para o trabalho com a língua materna. Na Unidade 3, A construção do processo ensino-aprendizagem por meio da diversidade textual, serão abordados os pressupostos teóricos sobre dois temas bastante atuais: alfabetização e letramento. As estratégias de leitura com vistas à proficiência leitora e à importância da leitura na formação de leitores e escritores competentes, à luz do sociointeracionismo, ganharão destaque nesta Unidade. A Unidade 4, Aplicando a teoria à prática pedagógica no ensino da língua, promoverá uma reflexão pedagógica sobre a prática docente, especialmente sobre o papel do professor na construção do conhecimento de si mesmo e de seus alunos. Essa Unidade, que finaliza o livro-texto, trará sugestões de atividades aplicáveis em sala de aula. É importante que ao longo das suas leituras, nos encontros presenciais e pela web, você vá se familiarizando com palavras e conceitos novos, bastante específicos da área da educação e do ensino da língua materna. Compreendendo alguns conceitos: 5 Quadro 1 Fonte: www.dicionariodoaurelio.com Acesso em 23 jan. 2010 Quadro 2 Fonte: www.dicionariodoaurelio.com Acesso em 23 jan. 2010 Quadro 3 Fonte: www.dicionariodoaurelio.com Acesso em 23 jan. 2010 Quadro 4 Fonte: www.dicionariodoaurelio.com Acesso em 23 jan. 2010 Pressuposto adj. e part. de pressupor Que se pressupõe, conjetura, pressuposição, pretexto, desígnio, tensão, projeto, propósito. Circunstância ou fato que se considera como antecedente necessário de outro. Epistemologia sub. fem. Conjunto de conhecimentos que têm por objeto o conhecimento científico, visando a explicar os seus condicionamentos (sejam eles técnicos, históricos, ou sociais, sejam lógicos, matemáticos, ou linguísticos), sistematizar as suas relações, esclarecer os seus vínculos, e avaliar os seus resultados e aplicações. Estudo das ciências cujo fim é apreciar o seu valor para o espírito humano; teoria do conhecimento. Didático adj 1.Relativo ao ensino ou à instrução, ou próprio deles: problemas didáticos. 2.Próprio para instruir; destinado a instruir: livro didático. 3.Que torna o ensino eficiente: Bom professor, recorre em suas aulas a todos os expedientes didáticos. 4.Típico de quem ensina, de professor, de didata: Tem um modo didático de se exprimir. Pedagógico adj. 1.Da, ou respeitante à pedagogia: métodos pedagógicos: Sua exposição é perfeitamente pedagógica. 2.Conforme a pedagogia. Pedagogia sub. fem. 1.Teoria e ciência da educação e do ensino. 2.Conjunto de doutrinas, princípios e métodos de educação e instrução que tendem a um objetivo prático. 3.O estudo dos ideais de educação, segundo uma determinada concepção de vida, e dos meios (processos e técnicas) mais eficientes para efetivar estes ideais. 4.Profissão ou prática de ensinar. 6 7 Unidade 1 Unidade 1 . Fundamentação metodológica do ensino da língua Figura 1.1 – Paulo Freire Fonte: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Paulo_Freire.jpg> Autor: Slobodan Dimitrov Acesso em 26 jan. 2010 1.1 A origem do ensino da língua Os diversos estudos que se debruçam sobre a história humana mostram que, tão logo começou a organização de pessoas em grupos, ou seja, a organização social, houve a necessidade de comunicação entre elas. A partir daí, códigos de comunicação foram criados, de acordo com as necessidades de cada grupo, e passaram a constituir o conjunto denominado linguagem. De acordo com o Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, “linguagem é qualquer meio sistemático de comunicar ideias ou sentimentos, através de signos convencionais, sonoros, gráficos, gestuais”; portanto, linguagem é todo ato de comunicação, por diversos meios Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção. Paulo Freire 8 (pinturas rupestres, escritas iconográficas, mímica, pintura, música, língua, teatro, cinema, design etc). A História demonstra que a preocupação em compreender os fenômenos que envolvem as linguagens humanas como manifestações culturais está presente na humanidade desde a Antiguidade. Procurando conhecer, compreender e dominar tais linguagens, o ser humano busca, ao longo de sua história intelectual, alcançar um conhecimento mais completo de si mesmo. Para Robins (1983), a linguagem – em sua multiplicidade de manifestações – talvez seja a mais propriamente humana das faculdades do homem. A linguagem verbal, falada ou escrita, que se realiza a partir de um código denominado língua, é certamente a mais usada, porque é a mais espontânea, cotidiana e natural das linguagens humanas. Para Ferdinand de Saussure (1857 - 1913; quadro 1.2), linguista e filósofo suíço, cujas elaborações teóricas propiciaram o desenvolvimento da linguística enquanto ciência, há uma dicotomia entre língua e fala (isso será explicado mais adiante). Saiba mais: Linguagem sub. fem. O uso da palavra articulada ou escrita como meio de expressão e de comunicação entre pessoas. Tudo quanto serve para expressar ideias, sentimentos, modos de comportamento etc. Todo sistema de signos que serve de meio de comunicação entre indivíduos e pode ser percebido pelos diversos órgãos dos sentidos, o que leva a distinguir-se uma linguagem visual, uma linguagem auditiva, uma linguagem tátil etc, ou, ainda, outras mais complexas, constituídas, ao mesmo tempo, de elementos diversos. Quadro 1.1 Fonte: www.dicionariodoaurelio.com Acesso em 23 jan. 2010 9 A língua é o conjunto das palavras, expressões e regras gramaticais internalizadas; um produto social pertencente a cada falante de uma comunidade, que possui homogeneidade dentro do grupo e é o objeto de estudo da linguística propriamente dita. Já a fala, ou seja, a ação de falar, é um ato individual e está sujeita a fatores externos (como os aspectos físicos de cada pessoa, as características regionais, entre tantos outros) não passíveis de análise. A esta diferença, Saussure chamou dicotomia. A língua é a representação mais importante da identidade de um povo, portanto, cada um de seus falantes deve usá-la e estudá-la dentro de suas prioridades. Por se tratar de um sistema ou código, a língua possui normas, regras, que vão sendo internalizadas desde que a criança começa a ter contato com a língua, e que devem ser respeitadas por todos os que dela fazem uso, a fim de que a comunicação entre os sujeitos dessa comunidade linguística seja satisfatória. Uma língua apresenta diversos aspectos passíveis de estudo e reflexão. Um deles diz respeito à gramática, reunião sistemática das normas que regem a língua, considerando especialmente a norma padrão – esta de extrema importância na elaboração da escrita formal e, por isso, fundamentalmente estudada na escola. Fonseca (2000, p. 21) acredita que se possa afirmar “que só a partir da escrita a humanidade tomou consciência da língua que fala”. Ferdinand de Saussure, cujas elaborações teóricas propiciaram o desenvolvimento da linguística enquanto ciência, no século XX. Para ele, a língua é um código do qual todos os indivíduos que fazem parte de um grupo ou comunidade linguistica devem se valer, para comunicar-se unscom os outros, tanto pela escrita quanto pela fala. Entendia a linguística como um ramo da ciência mais geral dos signos, que ele propôs fosse chamada de Semiologia. Graças aos seus estudos e ao trabalho de Leonard Bloomfield, a linguística adquire autonomia e seu objeto e método próprio passam a ser delineados. Seus conceitos serviram de base para o desenvolvimento do estruturalismo no século XX. Quadro 1.2 - Fotografia de Ferdinand de Saussure, considerado o pai da linguística moderna Fonte: pt.wikipedia.org/wiki/Ferdinand_de_Saussure Acesso em 24 jan. 2010 10 Segundo Bechara (1989, p. 34), “o ensino da língua materna, desde a época dos gregos e dos romanos, passando pela Idade Média e pelo Renascimento, até chegar aos dias de hoje, sempre foi compreendido como o aprendizado da gramática escolástica”: um conjunto de regras, de noções coordenadas por um critério e destinadas a preencher uma finalidade. Silva (2004) define gramática, de um modo geral, como um conjunto de regras necessárias à organização de uma língua, sem as quais a comunicação seria impossível, pois haveria um caos com palavras desconectadas e incoerentes: Entendo aqui gramática como a explicitação do conjunto de regras e princípios em que se estruturam as línguas, permitindo o seu funcionamento, e que fazem parte do saber lingüístico de qualquer ser humano normal, que a utiliza nos variados processos de comunicação verbal, sob a forma de uma língua particular, portadora de propriedades específicas (SILVA, 2004, p. 79). As primeiras gramáticas das línguas vulgares (originárias do latim corrompido pelas invasões e conquistas romanas, como o português, o francês, o italiano) começaram a ser elaboradas na Idade Moderna, pois estas línguas ganharam o status de nacionais e idiomas de cultura representativa de seus povos, que se tornavam, um após outro, povos independentes e donos de seus territórios. Para representarem suas respectivas culturas, essas línguas modernas precisaram ter sua ortografia padronizada e a gramática definida para unificar e criar a identidade das nações. Dentre os nomes importantes na história do ensino da língua portuguesa, temos Jerônimo Soares Barbosa, que, no século XVIII: - introduziu inovações, tanto na teoria e descrição da língua portuguesa, como na pedagogia do ensino do português; - criticou gramáticos da língua portuguesa, como João de Barros, Amaro de Reboredo, Jerônimo Contador de Argote e Reis Lobato, por não aceitar a metodologia vigente, que partia do latim para ensinar o português; - propôs um caminho inverso em sua gramática pedagógica, pois acreditava que os alunos aprenderiam com mais facilidade a gramática da língua portuguesa por ser esta a língua da qual eram falantes (SILVA, 1994), demonstrando uma forte preocupação em associar o ensino dos conteúdos gramaticais e a língua em uso. 11 Atualmente, os estudiosos da língua consideram que embora o falante da língua tenha liberdade na escolha das palavras e na organização delas nas frases, de acordo com o seu repertório, influenciado pela cultura, idade, sexo, escolaridade, padrão de vida, profissão, visão e conhecimento de mundo, entre outros fatores, a norma culta da língua permanece como a única socialmente prestigiada, sendo o objetivo do ensino da língua na escola. Ainda que os falantes dominem outras variedades da língua, a escola não pode deixar de permitir o acesso ao conhecimento e ao bom uso do padrão culto da língua por todos os estudantes. O aluno não vai à escola para aprender a língua coloquial, pois esta ele já aprendeu no seu dia a dia. Ele vai à escola para adquirir a língua culta, que ainda não domina bem; trata-se daquela nos meios de comunicação, na ciência, na filosofia, na religião, na economia, na política, no jornalismo e na arte. Enfim, é a modalidade linguística na qual foi formulada e acumulada uma enorme gama de conhecimentos humanos no decorrer dos séculos; por isso é tão importante aprendê-la. 1.2 Por que ensinar a Língua Portuguesa? Vimos no item anterior que a língua escrita ou oral permite ao homem expressar o seu pensamento, o que faz dela a base de todo o conhecimento da humanidade. A língua é objeto da cultura e seu principal instrumento de comunicação; vale dizer que é por meio dela que seus usuários conhecem o mundo e apresentam a imagem que fazem dele. Assim, caro(a) professor(a) em formação, o ensino sistemático e organizado do Português na escola é fundamental para: a) ampliar as possibilidades de comunicação e de expressão do pensamento do aluno; b) permitir ao aluno o registro dos conhecimentos científicos, culturais e históricos, que constituem o patrimônio da Humanidade; c) levar o aluno a ter contato com as manifestações artísticas das linguagens e da língua; 12 d) provocar e permitir ao estudante a reflexão sobre suas ansiedades e expectativas; e) permitir o acesso aos demais conteúdos curriculares, já que a língua é o meio de comunicação de todas as disciplinas; f) ampliar as possibilidades de o estudante reivindicar a própria cidadania, pelo desenvolvimento da capacidade argumentativa. A resposta à pergunta “para que aulas de Português” torna-se evidente: o conhecimento efetivo da língua, que pressupõe também conhecimento da gramática normativa da língua padrão, permite a ação do indivíduo no mundo como sujeito sócio-histórico-culturalmente constituído, por meio da competência para ler e escrever. A fala e a escrita dependem de regras gramaticais para se concretizarem, muito embora os falantes da língua possam falar, escrever, compreender e ser compreendidos, dentro de um processo automático e intuitivo de regras não necessariamente consciente. O conhecimento e o domínio consciente das regras gramaticais é necessário para a comunicação dentro do padrão culto da língua, seja ela a escrita, a correção, a leitura e a compreensão de textos. Tal conhecimento é um fator importante para o sucesso profissional e pessoal, pois favorece melhores oportunidades de trabalho, bem como a adequação da linguagem nas relações sociais. Para José Saramago (apud GENTILE, 2003), cabe à escola ensinar o aluno a escrever corretamente e também explicar o porquê das regras gramaticais, já que a língua é a mais eficiente ferramenta de comunicação e, como tal, precisa ser empregada com eficiência e adequação. Embora seja perfeitamente possível aprender uma língua sem conhecer a metalinguagem com a qual ela é analisada, são fatores que permitem escolhas conscientes de como usar a língua e o domínio da norma padrão: - a reflexão sobre linguagens e língua; - a descrição da sua estrutura; Metalinguagem é a linguagem utilizada para descrever outra linguagem. 13 - a explicitação das regras. “Ensinar gramática é ensinar a língua em toda a sua variedade de usos, e ensinar regras é ensinar o domínio de tais usos” (POSSENTI, 2004, p. 86). A gramática normativa dita as regras do uso da língua, tanto na modalidade oral, quanto na modalidade escrita, tendo como modelo a norma padrão que se baseia no uso consagrado da língua pelos bons escritores. O aluno precisa conhecer a norma culta, assim como conhece a língua coloquial do idioma do qual é falante, mas isso não deve gerar nele um preconceito em relação às variantes linguísticas características das pessoas das diversas regiões. Uma vez que a gramática normativa distingue o correto do incorreto na língua padrão, é preciso um cuidado especial para não provocar nos alunos a obsessão do erro, e sim ajudá- losa aprimorar a capacidade comunicativa. Nesse sentido, Neves (2002) argumenta: O mínimo que se espera da escola é que ela se esforce para prover à criança toda a apropriação de vivências e de conhecimentos que lhe assegure um domínio lingüístico capaz de garantir a produção de textos adequados às situações, de modo que ela possa ocupar posições na sociedade. Por outro lado, também se espera da escola que ela não crie um cotejo entre registros que constitua estigmatização e banimento para o lado do aluno (NEVES, 2002, p. 231). Para Silva (2004), a escola tem a responsabilidade de ensinar a norma padrão aos alunos, pois é esse o seu papel fundamental na sociedade: a escola é um instrumento para a socialização do indivíduo e a escrita e a leitura são fundamentais no desenvolvimento das formas de comunicação nesse processo de socialização, no que concerne ao enriquecimento do conhecimento que se pode chamar de natural da língua materna, alguma ‘gramática’ deverá ser ensinada, a partir do momento em que se considerar necessário regular a fala e a escrita do aluno aos padrões de uso que a instituição-escola define como o ideal para aqueles que a ela estão submetidos. Romper com esse tipo de ensino É fundamental que os professores levem os alunos a compreender as diferenças entre o uso formal e informal da língua, para adequá-la às diferentes situações, levando em consideração as diversas variações históricas, estilísticas, geográficas e sociais que a língua possui. Figura 1.2 - Cabe a escola levar aos alunos o conhecimento sobre a língua portuguesa, de modo a torná-los escritores eficientes e leitores proficientes. Fonte: educacaodialogica.blogsport.com/2008 Acesso em 24 jan.2010 14 que prestigia certas normas de uso em detrimento de outras parece incompatível com as sociedades em que se inserem as escolas como um dos instrumentos de adaptação e reprodução da sociedade estabelecida (SILVA, 2004, p. 81). 1.3 O ensino da língua: uma questão instrucional ou política? A escola para o povo só tem sentido numa nova forma de organizar a sociedade. Não é possível fazer uma escola para todos dentro de uma sociedade para alguns! Ou seja, a democratização da escola precisa ser acompanhada de um novo projeto social, que supere a exclusão. (VASCONCELLOS, 1995) Para Neves (2002, p. 231): “Não há dúvida de que é papel da escola prover para seus alunos a formação necessária para que eles sejam usuários da língua no padrão necessário à ocupação de posições minimamente situadas na escala social”. No Português, tem-se como estrutura canônica (básica e reconhecida) da frase: o sujeito, o verbo, o predicado e seu objeto ou complemento. Recomendada pelo uso padrão da língua, essa estrutura é o resultado de uma construção dos gramáticos que representam cada época da história e da política do povo português e, depois, do povo brasileiro. As gramáticas refletem o contexto sócio-histórico-político-cultural da época. A gramática deve ser entendida como um conjunto finito de regras que caracteriza um padrão normativo para o bom uso da língua, e configura-se ao mesmo tempo como uma instância de controle e dominação das variedades/variações linguísticas, tendo, portanto, também, um objetivo político. O domínio da variante prestigiada permite que os jovens não sejam discriminados em certos contextos e lhes dá uma ferramenta a mais para lutar por seus princípios e interesses como cidadãos. Dominando os saberes de como a língua funciona, eles estarão aptos a distinguir, por exemplo, que palavras ou expressões serão adequadas ou não usar de acordo com a formalidade da situação ou com seus interlocutores. "É o que a linguística conceituou de competência comunicativa e que muitas escolas ainda não incorporaram. Ainda tendem a achar que se escreve e fala de um jeito só, como se não importassem o gênero textual e a situação comunicativa", diz Morais. (excerto do texto de Iracy Paulina, Revista Nova Escola, ed. 201, abr. 2007) Fonte:revistaescola.abril.com.br/língua-portuguesa/pratica Acesso em 25 jan. 2010 15 Segundo Neves (2003, p. 35), o uso da língua com correção não é algo valorizado apenas pelos gramáticos. Mais que eles, é o povo que tem fascínio pelo bem falar e o bem escrever e aprecia quando entra em contato com os padrões cultos da língua. Assim, é a própria comunidade que busca adequar sua língua, tanto oral quanto escrita, aos padrões prestigiados. A autora cita as palavras de Savioli: Os homens, apesar de toda a retórica da igualdade, apreciam a diferença. Tanto é verdade que, quando ela não existe, inventam-na. A etiqueta tem esse papel. Não é à toa que o compartimento mais cultuado da língua seja a correção, porque falar correto é um índice marcante de pertinência ao grupo social de maior prestígio (SAVIOLI, 2000, apud NEVES, 2003, p. 36). Quanto à questão ensinar ou não ensinar a gramática normativa da língua padrão, Possenti (2004, p. 17) adota o princípio de que “o objetivo da escola é ensinar o português padrão, ou talvez mais exatamente, criar condições para que ele seja aprendido. Qualquer outra hipótese é um equívoco político e pedagógico”. Os equívocos aos quais o autor se refere dizem respeito às diversas teses que defendem o não ensino da modalidade padrão por considerá-la muito difícil, ou por que seria uma forma de imposição violenta e injusta de valores de um grupo (mais favorecido socialmente) para outro (menos favorecido socialmente). Ainda, autores como Bechara (1989, 2002), Possenti (2004), Travaglia (2002), Neves (2002), Silva (2004), entre outros, são unânimes ao afirmar que exatamente os alunos que vivem em situações econômico-financeiro-sociais mais precárias são os que mais se beneficiam com o domínio da língua padrão, modalidade linguística socialmente aceita e valorizada. 16 Saiba mais 1.4 Objetivos do ensino de língua materna Ensinar e aprender são movidos pelo desejo e pela paixão. (Paulo Freire) Para Travaglia (2002, p. 17-20), o ensino da língua materna na escola tem basicamente quatro objetivos: desenvolver a competência comunicativa dos usuários da língua (falante, escritor, ouvinte, leitor); levar o aluno a dominar a norma culta ou língua padrão; Variação linguística e preconceito Da mesma forma que a humanidade evolui e se modifica com o passar do tempo, a língua, objeto histórico, sujeita a transformações, acompanha essa evolução e varia de acordo com os diversos contatos entre os seres pertencentes à comunidade universal. Quatro modalidades explicam as variantes linguísticas: variação histórica (palavras e expressões que caíram em desuso com o passar do tempo); variação geográfica (diferenças de vocabulário, pronúncia de sons e construções sintáticas em regiões falantes do mesmo idioma); variação social (a capacidade linguística do falante provém do meio em que vive, sua classe social, faixa etária, sexo e grau de escolaridade); variação estilística (cada indivíduo possui uma forma e estilo de falar próprio, adequando-o de acordo com a situação em que se encontra). Ainda que as variantes acima descritas expliquem as variações linguísticas, o falante que não domina a língua denominada "padrão" por sua comunidade linguística, sofre preconceitos e é "excluído" da "roda dos privilegiados", aqueles que tiveram acesso à educação de qualidade e, por isso, consideram-se "melhores" que os demais. Esse tipo de preconceito é denominado preconceito linguístico. De acordo com Marcos Bagno (2001), o preconceito linguístico consiste em discriminar uma pessoa devido ao seumodo de falar e, como tal, é exercido por aqueles que tiveram acesso à educação de qualidade, à “norma padrão de prestígio”, ocupam as classes sociais dominantes e, sob o pretexto de defender a língua portuguesa, acreditam que o falar daqueles sem instrução formal e com pouca escolarização é “feio”, e carimbam o diferente sob o rótulo do ”erro”. Infelizmente, “preconceito linguístico” é somente uma denominação “bonita” para um profundo preconceito “social”: não é a apenas a maneira de falar que sofre preconceito, mas a identidade social e individual do falante. Fonte: pt.wikipedia.org/wiki/preconceito_linguístico Acesso em 24 jan. 2010 17 ensinar a variedade escrita da língua; levar o aluno ao conhecimento da língua como um valor social. De acordo com o autor, a competência comunicativa implica duas outras competências: a gramatical (ou linguística) e a textual. A competência gramatical ou linguística é a capacidade que tem todo usuário da língua de gerar sequências linguísticas, ou seja, falas que façam sentido e que dessa forma lhe permitam comunicar-se com os demais usuários da língua em questão. A competência textual é a capacidade de produzir e compreender textos considerados adequados a cada situação (TRAVAGLIA, 2002). Para que tais competências sejam de fato desenvolvidas na escola, Bechara (1989) chama a atenção de estudiosos e professores quanto à necessidade da colaboração entre os linguistas e os gramáticos, pois a gramática tradicional também é uma das “disciplinas que necessitam de ser complementadas por não poderem resolver problemas que ultrapassam seus fundamentos e critérios”. Importante destacar que persiste entre muitos professores uma grande controvérsia sobre a utilidade de se ensinar a teoria gramatical na escola, pois se confundiram os conceitos de língua oral e língua escrita, língua coloquial e língua culta, com prejuízos para o ensino do português. Alguns professores condenam o ensino da gramática baseado em regras e conceitos e valorizam apenas o uso da língua na leitura e produção de textos. Outros professores apontam o ensino da gramática teórica como fundamental para formar leitores e redatores competentes, capazes de dominar o padrão culto da língua mediante a utilização de critérios, o que aumenta a capacidade de análise, inclusive para a produção de sentidos (SILVA, 2006). Silva (2004) explica que o ensino adequado da gramática pode ser considerado tão fundamental no processo escolar quanto o da matemática, o da filosofia e o de todas as outras formas de expressão criadora e artística que sejam trabalhadas pela escola com o objetivo de favorecer a boa formação intelectual e afetiva do aluno. Para ela, “um ensino sistemático de gramática, embasado em princípios teóricos explícitos, coerentes e Critério é um padrão ou condição que serve de base para a comparação e o julgamento. É uma regra que dá fundamentação racional a uma escolha ou afirmação. 18 adequados ao nível escolar, é uma atividade racional que só enriquecerá a capacidade de raciocínio, de reflexão, de criação e de expressão pelo estudante” (SILVA, 2004, p. 84). Richter (2003) adverte que: Está demonstrado que alunos que recebem instrução gramatical ultrapassam os que não a recebem, tanto em termos de velocidade de aquisição, quanto em termos de nível de competência atingido [...] o ensino da gramática por si só não propicia aquisição, mas contribui indiretamente ao agir como fator metalinguístico facilitador da aquisição posterior dos itens ensinados, a qual ocorrerá quando o aluno estiver em um nível de desenvolvimento linguístico que o deixe “pronto” para assimilá-lo (RICHTER, 2003, p. 133-134). 1.5 Tipos de ensino da língua Segundo Halliday; McIntosh; Strevens (1974 apud TRAVAGLIA, 2002, p. 38), há basicamente três tipos de ensino de uma língua: o prescritivo, o descritivo e o produtivo. O ensino prescritivo é aquele que se baseia unicamente na variedade escrita culta da língua, segundo o que consta nas gramáticas normativas. Objetiva levar o aluno a substituir seus padrões de linguagem, considerados errados/inaceitáveis, pelos considerados corretos/aceitáveis; valoriza muito o conhecimento explícito das regras, classificações e nomenclaturas da gramática normativa. O ensino descritivo demonstra como a língua funciona: sua estrutura, ação, forma e função. Procura ensinar o aluno a pensar, desenvolver o raciocínio e a capacidade de análise dos fatos e fenômenos da língua na sociedade; trata de todas as variedades linguísticas e enfatiza o funcionamento da língua nas inúmeras situações de uso. Atribui papel relevante à variante da língua materna que o aluno traz para a escola, tratando de todas as variantes. O ensino prescritivo atende a dois objetivos básicos do ensino da língua materna: 1) levar o aluno a dominar a norma culta ou língua padrão; 2) ensinar a variedade escrita da língua. (TRAVAGLIA, 2002, p. 39) 19 O ensino produtivo busca levar o aluno a estender o uso de sua língua materna, aumentando os recursos de uso da língua de que dispõe de modo a estar apto para valer- se dela com adequação às diferentes situações que a ele se apresentem. O mais importante é desenvolver a competência comunicativa do aluno, inclusive o domínio da norma culta na fala e na escrita, por meio de atividades que relacionem o que ele já sabe (conhecimento passivo) a outras possibilidades da língua, para que possa fazer as escolhas dele baseado em critérios (conhecimento ativo) quando for produzir seus textos, tanto orais quanto escritos. Para o ensino produtivo não importa que o aluno não saiba a metalinguagem utilizada pela gramática normativa; mas, sim, que ele perceba os mecanismos de funcionamento da língua, nas suas mais variadas situações. Ainda para Travaglia (2002, p. 40), "esses três tipos de abordagem do ensino da língua não são mutuamente excludentes e podemos em nosso trabalho lançar mão de todos eles de acordo com nossos objetivos”. Exercícios que partem de uma concepção descritiva e produtiva, para chegar a uma concepção normativo-prescritiva, podem desencadear uma atitude integradora entre os conhecimentos linguístico e gramatical. Isto é bastante positivo na formação de um leitor proficiente e redator eficiente, pois permite que o aluno reflita sobre a variação existente na língua, uma vez que o estimula a observar as opções possíveis e as implicações sociais do uso de uma ou outra possibilidade. O ensino descritivo atende a dois objetivos básicos do ensino da língua materna: 1) levar o aluno ao conhecimento da instituição social que a língua representa: sua estrutura e funcionamento, sua forma e função; 2) ensinar o aluno a pensar, a raciocinar, a desenvolver o raciocínio científico, a capacidade de análise sistemática dos fatos e fenômenos que encontra na natureza e na sociedade. (TRAVAGLIA, 2002, p. 39) O ensino produtivo, que visa especificamente à aquisição e ao desenvolvimento de novas habilidades no trato com a língua, é o mais adequado para desenvolver a competência comunicativa do aluno. Estão nele incluídos o estudo e o domínio da norma culta e o da variante escrita da língua. Note-se que o ensino da variedade escrita da língua é todo ele produtivo, uma vez que o aluno não apresenta, quando entra para a escola, nenhuma habilidade relativa a essa variedade. (TRAVAGLIA, 2002, p. 40) 20 1.6 Refletindo sobre a prática do ensino da língua Caro(a) aluno(a), entendendo o professor como alguém a quem cabe ajudar a construir culturaa partir da cultura já estabelecida e, para tanto, obrigado a retomar os construtos da sociedade (olhar o passado) e projetar a cultura (olhar para o futuro), seu trabalho exige uma atuação constante no presente, analisando, criticando, buscando e orientando. Assim, para promover o ensino sistemático e eficiente da língua materna – entendida como um construto social sujeito às novas possibilidades linguísticas de uma sociedade em transformação –, cabe ao professor promover primeiramente a investigação científica sobre os fatos da língua, a fim de buscar e construir conhecimentos sobre sua norma e uso. O próximo passo é partir para a aplicação didática, ou seja, atividades de leitura, escuta, escrita e fala, de modo a levar os alunos a conhecer a língua e fazer escolhas baseadas em critérios, especialmente no momento de produzir textos que exigem o respeito à sua norma padrão. Saiba mais Vygotsky (2000), nome importante na psicologia da educação, considera fundamental a reflexão sobre os fatos da língua como prática escolar, uma vez que para ele “o aprendizado geralmente precede o desenvolvimento”, ou seja, aprender sobre a língua impulsiona o desenvolvimento da língua. Segundo o autor, a criança já domina a língua materna muito Mais que a classificação, é preciso saber a função Apenas encontrar substantivos e pronomes em um conto não é suficiente para ampliar o conhecimento da gramática, segundo Irandé Antunes, da Universidade Estadual do Ceará. "É preciso ir além das definições para descobrir, por exemplo, a função deles na introdução e na manutenção do tema ou do enredo", ela defende. "Saber que é indeterminado o sujeito de uma frase é muito pouco. O importante é compreender por que, com que propósito discursivo, se preferiu deixá-lo assim." Portanto, diz Irandé, é necessário ir além da nomenclatura, das classificações, da simples análise sintática de frases soltas para ver como as unidades da língua funcionam na construção dos textos e que efeitos seus usos podem provocar na constituição do discurso. Fonte: http:// www.revistaescola.abril.com.br/língua-portuguesa/pratica Acesso em 25 jan 2010 21 antes de ir para a escola; entretanto este domínio não é consciente, isto é, não obedece a uma sistematização. Prova disso é que, ainda que saiba usar corretamente muitas palavras da língua, inclusive alguns verbos, a criança não é capaz de conjugar ou declinar algumas palavras antes que isto lhe seja ensinado pela gramática. Isto significa que somente quando o uso da língua se torna consciente é que ela se vê capaz de expandir as suas habilidades linguísticas. A esse respeito, o autor afirma: A criança domina, de fato, a gramática de sua língua materna muito antes de entrar na escola, mas esse domínio é inconsciente [...] graças ao aprendizado da gramática e da escrita, realmente torna-se consciente do que está fazendo e aprende a usar suas habilidades conscientemente.[...] A gramática e a escrita ajudam a criança a passar para um nível mais elevado do desenvolvimento da fala (VYGOTSKY, 2000, p. 125). Para o autor, ainda que a criança utilize a língua materna antes de entrar na escola, tal utilização é inconsciente e desprovida de critérios, adquirida de forma puramente estrutural, isto é, pelo contato com outros falantes, sem que haja uma reflexão sobre os fatos da língua, suas regras e sua organização. Somente com o aprendizado das regras que regem a língua, é que o aprendiz poderá tornar-se consciente das suas habilidades no trato com a língua. Para Silva E. (2004): Os estudos de Vygotsky apontam claramente a importância do domínio consciente da gramática da língua para o desenvolvimento mental da criança, ajudando-a a alcançar um nível mais elevado no desenvolvimento da fala (SILVA,2004, p. 67). Sua teoria, chamada de sociointeracionismo, considera o desenvolvimento das pessoas como resultado de um processo sócio-histórico e enfatiza o papel da linguagem na aprendizagem. Segundo o psicólogo russo, a aprendizagem está relacionada ao desenvolvimento desde o início da vida humana, sendo um aspecto necessário e universal no processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas. A questão central da teoria vygotskyana é a aquisição de conhecimentos pela interação do sujeito com o meio, em uma relação interpessoal que envolve alguém que aprende, alguém 22 que ensina e o processo de ensino/aprendizagem; interação esta quase sempre mediada pela palavra. O indivíduo aprende desde que nasce por meio das interações que estabelece com aqueles que o rodeiam e pelos quais é levado a relacionar-se com as coisas do mundo, entender a realidade que o cerca e agir no mundo. Essa forma de conhecer que passa sempre pelo social, ou seja, pela intermediação de outros, é a mediação. Atento à natureza social do ser humano, que desde o berço vive rodeado por seus pares em um ambiente impregnado pela cultura, Vygotsky defendeu que o próprio desenvolvimento da inteligência é produto dessa convivência. Assim, o estudioso considera que na criança os conceitos se formam e se desenvolvem sob diferentes condições “dependendo do fato de se originarem do aprendizado em sala de aula ou da experiência pessoal da criança” (VYGOTSKY, 2000, p. 108). O professor teria o papel explícito de interferir no processo de aprendizagem, diferentemente de situações informais nas quais o sujeito aprende por imersão em um ambiente cultural. A educação não fica apenas à espera do desenvolvimento intelectual do aluno, ao contrário, respeitando as individualidades de cada aprendiz, a escola e o professor têm como função levar o aluno adiante, pois quanto mais ele aprende, mais se desenvolve mentalmente. Nesse sentido, a própria noção de “aprendizagem” significa processo de ensino-aprendizagem, justamente por incluir quem aprende, quem ensina e a relação social entre eles, de modo coerente com a perspectiva sócio-histórico-cultural. 1.7 Construção de um novo modo de ensinar e aprender a Língua Portuguesa Para Travaglia (2002, p. 9), o ensino da língua portuguesa tem representado um grave problema para os professores, que se sentem “angustiados sobre o que fazer em sala de aula. Muitas vezes o desnorteio é tal que os professores acabam não fazendo nada que seja significante para a vida dos alunos”. 23 O autor entende que certos professores ensinam a língua materna presos a um método tradicional de ensino que os coloca como únicos detentores do conhecimento acerca do uso desta. Tal atitude, “afasta a língua da vida a que ela serve e ela se torna algo artificial e sem significado para o aluno” (TRAVAGLIA, 2002, p. 12). Muitas vezes, a escola desconsidera a bagagem não só linguística, mas cultural do aluno, promovendo uma ruptura entre a realidade do educando e o ambiente escolar. Tais condutas têm sido responsabilizadas pelo surgimento da aversão, por parte do aluno, não só ao estudo, mas à própria Língua Portuguesa, e parecem ter contribuído para a falência do ensino de um modo geral. Logo, o grande desafio do professor de língua materna é tornar suas aulas momentos de reflexão acerca dos recursos oferecidos pela língua. Para Silva (2004): As aulas de língua portuguesa devem acolher atividades que possibilitem o uso da língua nas diversas situações, bem como o exercício produtivo de textos. [...] Em vez de simplesmente alijar a teoria gramatical das aulas de língua portuguesa, convém direcionar esforços para torná-la útil e significativa (SILVA, 2004, p. 74). Importante salientar a preocupaçãode Magalhães (2004), ao esclarecer que a formação de um professor crítico e reflexivo, consciente de seu papel no contexto sócio-histórico- cultural, capaz de agir no mundo, especialmente no contexto escolar, não pressupõe uma ruptura do equilíbrio nas relações entre teoria e prática nos contextos de formação desse professor. Não há lugar para o praticismo, que entende que a teoria ocupa um lugar secundário ou nenhum na construção e na análise da prática pedagógica; assim como não há lugar para o foco na transmissão de teorias que, isoladas da compreensão da prática da sala de aulas e do contexto particular da ação, não sejam significativas para o aluno. Nas palavras da autora: “Nenhum dos lados cria contextos para que os professores compreendam o significado político das práticas e dos interesses que embasem suas escolhas e ações” (MAGALHÃES, 2004, p. 62). Assim, de modo a integrar teoria e prática, entre tantos saberes que integram o conhecimento profissional do professor, destacamos três que nos parecem por demais determinantes nos resultados de seu trabalho pedagógico: 24 o conhecimento dos processos de aprendizagem dos alunos; o conhecimento dos conteúdos a serem trabalhados com os alunos; as formas de ensinar para garantir de fato a aprendizagem. 1.8 Os PCN e o ensino da língua e linguagem Como já vimos, um dos objetivos do ensino de língua portuguesa na escola é proporcionar ao aluno oportunidades para o domínio da norma padrão da língua, tanto falada quanto escrita. O que tem sido questionado nas últimas décadas não é esse pressuposto, mas sim a forma como a escola tem tradicionalmente conduzido o ensino da língua materna, com enfoque unicamente nas formas e na gramática normativa da norma culta, sem reflexões sobre o uso da língua no dia a dia, sobre as variantes populares e sua relação com a norma padrão (LOPES-ROSSI, 2006). Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental – PCN (BRASIL, 1998) foram elaborados de forma a dar subsídios aos professores para que percebam uma mudança na concepção de ensino e se apropriem de uma nova forma de construir e promover conhecimento. A preocupação central dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998) pode ser entendida como a de transformar o ensino em algo significativo, repleto de informações que instrumentem os alunos para a vida, ajudando-os a construir e criar seu próprio conhecimento. Figura 1.3 - Capa do documento intitulado Parâmetros Curriculares Nacionais Fonte: ejanasuavida.blogspot.com Acesso em 31 jan. 2010 25 Conhecendo os PCN de Língua Portuguesa Segundo Lopes-Rossi (2006), à luz do que preconizam os PCN (BRASIL, 1998) sobre o ensino da língua portuguesa no ensino fundamental, é interessante notar que o documento não usa os termos "ensino de gramática" ou "ensino de conteúdos gramaticais". Fica subentendido que os temas pertinentes à gramática devem fazer parte das atividades de reflexão sobre a língua à medida que os tópicos forem se mostrando necessários ao desenvolvimento da competência discursiva dos alunos. Os PCN (BRASIL, 1998) não descartam também a possibilidade de exercícios específicos sobre tópicos gramaticais (embora não usem este termo), e de atividades metalinguísticas, que envolvam o trabalho de observação, descrição e categorização dos fenômenos linguísticos. De acordo com esse documento, "a questão verdadeira é o que, para que e como ensiná- la [a gramática]" (BRASIL. 1998, p. 28) Essas atividades são incluídas no que o documento chama de prática de análise linguística (LOPES-ROSSI, 2006). Lopes-Rossi (2006) esclarece que para os PCN (BRASIL, 1998) constitui a mais importante atividade do professor no ensino fundamental criar situações em que os alunos operem sobre a própria linguagem, construindo o conhecimento sobre a língua em uso para depois chegar à norma. A atenção deve ser especialmente voltada às similaridades, regularidades e diferenças de formas e de usos linguísticos, levantando hipóteses sobre as condições contextuais e estruturais em que se dão. Pode-se considerar o ensino e a aprendizagem de Língua Portuguesa na escola como resultantes da articulação de três variáveis: o aluno, a língua e o ensino. O primeiro elemento dessa tríade, o aluno, é o sujeito da ação de aprender, aquele que age sobre o objeto de conhecimento. O segundo elemento, o objeto de conhecimento, é a Língua Portuguesa, tal como se fala e se escreve fora da escola, a língua que se fala em instâncias públicas e a que existe nos textos escritos que circulam socialmente. E o terceiro elemento da tríade, o ensino, é, neste enfoque teórico, concebido como a prática educacional que organiza a mediação entre sujeito e objeto do conhecimento. Para que essa mediação aconteça, o professor deverá planejar, implementar e dirigir as atividades didáticas, com o objetivo de desencadear, apoiar e orientar o esforço de ação e reflexão do aluno. Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (BRASIL, 1998, p.20) Fonte: http://portal.mec.gov.br Acesso em 25 fev. 2010 26 A partir do que os alunos conseguem intuir nesse trabalho epilinguístico, tanto sobre os textos que produzem como sobre os textos que escutam ou leem, é que poderão falar e discutir sobre a linguagem, registrando e organizando essas intuições: uma atividade metalinguística que envolve a descrição dos aspectos observados pelos alunos nas atividades de produção, leitura e escuta de textos. Portanto, o ensino parte da observação dos fatos da língua para chegar aos conteúdos gramaticais e ao estudo da sua norma padrão. De acordo com Bagno e Rangel (2005), “a construção e a apropriação de um discurso gramatical pedagogicamente útil e relevante dependerá da reinstauração do sentido”. Se o saber realmente fizer sentido para o aluno, se o sistema apresentado for organizado de maneira coerente e não se reduzir a mera classificação ou a uma etiquetagem decorada, A análise linguística refere-se a atividades que se pode classificar em epilinguísticas em metalinguísticas. Ambas são atividades de reflexão sobre a língua, mas se diferenciam nos seus fins. Nas atividades epilinguísticas a reflexão está voltada para o uso, no próprio interior da atividade lingüística em que se realiza. Um exemplo disso é quando, no meio de uma conversa, um dos interlocutores pergunta ao outro “O que você quis dizer com isso?”, ou “Acho que essa palavra não é a mais adequada para dizer isso. Que tal...?”, ou ainda “Na falta de uma palavra melhor, então vai essa mesma”. Em se tratando do ensino de língua, à diferença das situações de interlocução naturais, faz-se necessário o planejamento de situações didáticas que possibilitem a reflexão sobre os recursos expressivos utilizados pelo produtor/autor do texto — quer esses recursos se refiram a aspectos gramaticais, quer a aspectos envolvidos na estruturação dos discursos —, sem que a preocupação seja a categorização, a classificação ou o levantamento de regularidades sobre essas questões. Já as atividades metalinguísticas estão relacionadas a um tipo de análise voltada para a descrição, por meio da categorização e sistematização dos elementos linguísticos. Essas atividades, portanto, não estão propriamente vinculadas ao processo discursivo; trata-se da utilização (ou da construção) de uma metalinguagem que possibilite falar sobre a língua. Quando parte integrante de uma situação didática, a atividade metalinguística desenvolve- se no sentido de possibilitar ao aluno o levantamento de regularidades de aspectos da língua, a sistematização e a classificação de suascaracterísticas específicas. Assim, para que se possa discutir a acentuação gráfica, por exemplo, é necessário que alguns aspectos da língua — tais como a tonicidade, a forma pela qual é marcada nas palavras impressas, a classificação das palavras quanto a esse aspecto e ao número de sílabas, a conceituação de ditongo e hiato, entre outros — sejam sistematizados na forma de uma metalinguagem específica que favoreça o levantamento de regularidades e a elaboração de regras de acentuação. Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (BRASIL,1998, p.30-31) Fonte: http://portal.mec.gov.br Acesso em 25 fev. 2010 27 descoladas do uso e da significação, “a gramática aparecerá mais conectada com a língua, tal como a exploram os diferentes usuários, e não será mais vista como um discurso abstrato, inapropriável porque inadequado”. Nesse sentido, a metalinguagem pode se mostrar um instrumento útil, desde que seja um meio para a compreensão do aspecto linguístico estudado e não um fim em si mesma; desde que seja o ponto de chegada da reflexão sobre a língua e não o ponto de partida (BAGNO e RANGEL, 2005, p. 75). Para os PCN (BRASIL, 1998, p. 65), a questão não é ensinar ou não ensinar gramática, visto que reconhecem que o domínio da norma padrão, na linguagem oral e escrita, "pode oferecer ao sujeito melhores possibilidades de acesso ao trabalho", porém o documento enfatiza que esse ensino não pode ser isolado dos usos sociais da linguagem. Tudo isso visando a "possibilitar a participação política e cidadã do sujeito, bem como transformar as condições dessa participação". Mas a gramática tradicional não pode ser a única referência. As variações linguísticas do Português do Brasil devem ser comparadas aos preceitos normativos estabelecidos pela gramática tradicional. Caro(a) aluno(a), para que você tenha ainda mais informações a respeito dos PCN de Língua Portuguesa (1998), um texto bastante interessante e elucidativo pode ser encontrado em http://cantinhodoprofessor.org/parametros_curriculares /menu.htm. O ensino de Língua Portuguesa, pelo que se pode observar em suas práticas habituais, tende a tratar essa fala da e sobre a linguagem como se fosse um conteúdo em si, não como um meio para melhorar a qualidade da produção linguística. É o caso, por exemplo, da gramática que, ensinada de forma descontextualizada, tornou-se emblemática de um conteúdo estritamente escolar, do tipo que só serve para ir bem na prova e passar de ano — uma prática pedagógica que vai da metalíngua para a língua por meio de exemplificação, exercícios de reconhecimento e memorização de nomenclatura. Em função disso, tem-se discutido se há ou não necessidade de ensinar gramática. Mas essa é uma falsa questão: a questão verdadeira é para que e como ensiná-la. Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (BRASIL,1998, p.31) Fonte: http://portal.mec.gov.br Acesso em 25 fev. 2010 28 1.9 A formação de professores e o ensino da língua O ensino com vistas à formação de professores nos cursos de graduação tem enfoque nos aspectos teórico-acadêmicos e na dimensão da futura prática profissional do então aluno. De acordo com Abud (2003, p. 123), isso implica que o professor em formação, dentro de um processo que valoriza a teoria e a prática em sala de aula, “desenvolverá, a partir de seu conhecimento prévio, tanto um repertório de competências e habilidades sociais e profissionais importantes para sua atuação cidadã, quanto valores humanitários que o guiem para uma atuação participativa e eficiente na sociedade”. A formação dos professores é vista hoje em dia como um processo continuado, baseado no dialogismo entre os campos do saber, considerando a construção do conhecimento como resultado da negociação entre conhecimentos prévios e novos, por meio de atividades de discussão e experimentação-reflexão, que resultem em autonomia, possibilitando novas práticas didáticas. Para construir seus conhecimentos, o professor precisa ter tempo de compreendê-los, refletir sobre eles (figura 1.5), discuti-los, negociá-los com os pares e formadores, estudá-los e internalizá-los; uma vez que a autonomia se constrói na tensão entre o que se conhece e a novidade que está sendo apresentada. Assim, nas palavras de Barbato (2008), o professor: precisa ter tempo para refletir e articular o que conhece com as novidades que vão sendo desenvolvidas em relação às atividades práticas e reflexivas do ensinar-aprender em diversos contextos. Ao refletir sobre seu cotidiano – as estratégias de ensino-aprendizagem, as possíveis atividades que pode desencadear a fim de motivar seus alunos e direcionar a aprendizagem para a construção da compreensão e do fazer cidadão participativo – o professor torna-se um pesquisador de seu cotidiano e de novas formas de resolver problemas em relação ao ensino de conceitos e lógicas de pensar de sua área de conhecimento e Figura 1.4 - Atividade de leitura e reflexão. Fonte: http://www.sxc.hu/photo/ 1126740 Autor: desconhecido Acesso em 4 abr.2010 29 às formas preferenciais de seus alunos aprenderem: não apenas constata a existência de sucessos e problemas de aprendizagem, mas busca resolvê-los, em sala de aula, por meio de atividades que contemplem a todos, incluindo todos no processo de ensino-aprendizagem (BARBATO, 2008, p. 6). A esse respeito, Abud (2003, p. 124) destaca “a importância de que o aluno administre seu pensamento para atualizar/ampliar/modificar/confirmar... os conhecimentos anteriores, indo além de sua prática discursiva anterior, com significância”. Hernandez (1998 apud SILVA, 2003) explica que é preciso educar para aprender a dar sentido, o que significa levar o aluno a compreender os conhecimentos, buscando-lhes a coerência, a aplicabilidade e articulando-os à própria existência, ou seja, contextualizando. Assim, o conhecimento canônico (que o aluno somente recebe, absorve e memoriza) deve ser substituído pelo conhecimento construído (aquele que se constrói pelo questionamento, pela busca em diversas fontes, pela avaliação e reflexão e depois pela internalização). Tal preocupação, caro(a) aluno(a), deve estar presente tanto em nós, corresponsáveis pela sua formação como professor, quanto em você, como corresponsável pela formação dos seus alunos. Ainda para Barbato (2008), na sala de aula ou fora dela: no respeito ao outro, inclusive no embate, constrói-se um fazer formador ético e, nesse processo, os conhecimentos e fazeres dos professores tornam-se gerativos, ou seja, direcionados para a aprendizagem de habilidades que gerem criativamente novas formas de ensinar e aprender e novas formas de aplicar o que é considerado como ensino tradicional, a fim de que possam oferecer suporte às novas aprendizagens. Assim sendo, o conhecer pode ser compreendido como uma junção de três habilidades que vão sendo construídas e gerando conhecimentos diferenciados e complexos ao longo da vida, construindo uma relação entre a informação (o conteúdo e a estrutura do conhecimento) e a lógica de pensar (coerência): saber o que; saber quando utilizar esse saber e como utilizá-lo (BARBATO, 2008, p. 8). Silva (2003, p. 192) adverte que o professor verdadeiramente preocupado com a formação integral do indivíduo sente-se de fato “compromissado com o sentido de sua atuação. Sabe que a escola precisa formar e ensinar de forma solidária. Não despreza os conhecimentos específicos de sua disciplina, mas ousa ir além”. E cita Pineau (2000, p. 32, apud SILVA, 30
Compartilhar