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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES – SCHLA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS CAIO HENRIQUE DE ALMEIDA JESSICA DE CARVALHO MACHADO PINHEIRO RESENHA DE PARTE DO LIVRO “SOCIOLOGIA AMBIENTAL”, DE JOHN HANNIGAN CURITIBA 2014 CAIO HENRIQUE DE ALMEIDA JESSICA DE CARVALHO MACHADO PINHEIRO RESENHA DE PARTE DO LIVRO “SOCIOLOGIA AMBIENTAL”, DE JOHN HANNIGAN Trabalho apresentado à disciplina de Sociedade, Espaço e Natureza do Curso de Ciências Sociais, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Alfio Brandenburg CURITIBA 2014 3 Introdução A presente resenha tratará das ideias desenvolvidas por John Hannigan sobre as questões ambientais e os desdobramentos sociais que dela advém. Para tanto, utilizaremos como referência os capítulos 5, 6, 9 e 10 da obra Sociologia Ambiental para ser possível vislumbrar o modo como o autor desenvolve suas ideias e conceituações propostas para a melhor compreensão da relação indivíduo sociedade e sociedade-natureza. Salientamos, desde já, que Hannigan, ao menos neste texto, sempre prescinde da perspectiva contemporânea do construcionismo social no que diz respeito ao meio ambiente, como nos aprofundaremos a seguir. Problemas ambientais são socialmente construídos Logo de início o autor contextualiza que apesar de carregarem certa similaridade como os problemas sociais, os problemas ambientes possuem algumas características diferentes. A principal diferença é que os problemas ambientais estão mais ligados as descobertas científicas que os problemas sociais. Além de possuir “... uma base física mais contundente do que os problemas sociais...” (HANNIGAN, 2009, p.99). Enquanto que os problemas sociais frequentemente são atravessados por um discurso médico para contextos públicos e da ação, tendo sua retórica construída mais por argumentos morais do que pelos fatos. Até a década de 1970 o modelo funcionalista dominava o campo de explicação dos problemas sociais. Onde o sociólogo seria o profissional responsável por “[...] localizar e analisar [...] violações morais e aconselhar formuladores de políticas públicas da melhor forma possível.” (HANNIGAN, 2009, p.100). A crítica aparece em 1973 no artigo de dois construcionistas sociais, Spector e Kitsuse que questionaram esse paradigma explicativo sugerindo que os problemas sociais não seriam estruturas estáticas, “[...] mas sim uma ‘sequência de eventos’” desenvolvida a partir de definições coletivas. Os problemas sociais na visão destes autores são, portanto, definidos como “atividades de grupo sobre assertivas ou reivindicações para organizações, agências e instituições sobre algumas supostas condições” (HANNIGAN, 2009, p.100), onde o processo argumentativo torna-se a principal chave explicativa para a compreensão do fenômeno analisado. A partir de Best, Hannigan apresenta o construcionismo como ferramenta analítica na qual os problemas sociais poderiam ser estudados a partir da perspectiva 4 sócio-construcionista a partir de três pontos, sendo os argumentos, os argumentadores e o processo de argumentação. Na operacionalização dessa ferramenta, duas táticas de retórica se constituem, a saber, a retórica da retidão para ser usada no início da campanha argumentativa ainda quando o público está polarizado e a retórica da racionalidade para ser usado nos estágios mais avançados da construção dos problemas sociais. Também podemos citar a tática dos arquétipos proposta por Rafter, tática argumentativa utilizada para a construção de estereótipos visando uma maior persuasão. Outras estratégias argumentativas de acordo com Ibarra e Kitsuse são as expressões retóricas: “retórica de perda”, “retórica da calamidade”, “retórica irracional”, “retórica dos direitos” e a “retórica do perigo”. Sobre o perfil ou identidade dos argumentadores segundo Best, cabe questionar sua origem e o local de onde falam. Inclusive, tais modelos retóricos informam sobre metáforas e figuras de linguagem imbuído de um significado moral e estilos de argumentação que assumem as mais diferentes formas de argumentos de acordo com o público-alvo. Sobre os processos e tarefas importantes na construção social dos problemas ambientais, o autor coloca que as tarefas da construção social dos problemas ambientais são identificadas por Hannigan como sendo: juntar, apresentar e contestar os argumentos. Ao juntar os argumentos ambientais a tarefa do pesquisador é descoberta e à elaboração de um problema inicial. Cabe a ele: “nomear o problema, distinguir de um outro similar ou que envolva mais problemas, determinar as bases científicas, técnicas, morais ou legais do argumento e decidir quem é responsável pela tomado de ação” (HANNIGAN, 2009, p.105). Ao atribuir essas funções ao pesquisador vemos que “os problemas ambientais frequentemente se originam na área da ciência”. As perguntas que devem ser feitas: “de onde vem o argumento”; “a quem pertence e quem administra”; “que interesses políticos e econômicos os argumentadores representam e que tipo de recurso eles trazem ao processo de argumentação”. Sobre a apresentação do argumento ambiental, informa-se que os argumentos precisam atrair a atenção e esse argumento precisa ser legitimado. Inicialmente para que um problema ambiental chame a atenção do púb1ico ele precisa ser uma novidade importante e compreensível. É importante chamar a atenção criando imaginários verbais e visuais fortes. Os eventos dramáticos também podem ajudar a dar visibilidade podendo contribuir para a legitimidade do problema ambiental, assim como os períodos de crises econômicas, políticas e sociais. “Os argumentos ambientais podem ser também legitimados quando seus patrocinadores 5 se tornam legitimados e fonte de autoridade de informação.” (HANNIGAN, 2009, p.111). Já para constatar os argumentos ambientais na arena política exige uma mistura de conhecimento, sorte e tempo. Mesmo quando os argumentos em torno de um problema ambiental são legitimados não é garantia que as ações serão tomadas visando diminuir ou melhora-las. O envolvendo do problema ambiental com a esfera política é delicada ao ponto que “contestar um problema ambiental dentro do fluxo das políticas públicas se tornou uma arte fina a que provocar pressões desagradáveis aos legisladores”. (HANNIGAN, 2009, p.112). A construção de argumentos ambientais envolve grandes conflitos políticos ligados aos mais diferentes interesses. 1. “Os legisladores precisam ser convencidos que uma proposta é tecnicamente viável...” além de “... parecer no mínimo, inicialmente, cientificamente viável e politicamente administrável.” 2. Para que uma proposta sobreviva na comunidade política, os valores dos argumentadores devem ser compatíveis com o da proposta. As propostas mais “neutras” possuem mais chances em serem aceitas. As propostas também precisam estar carregadas de argumentos utilitários, principalmente aos ligados ao financeiro. Sobre a “propriedade” do problema ambiental, seria interessante, por exemplo, indagar de quem é a “biodiversidade”? Estas são disputas que colocam em coalisão diferentes grupos sociais. Por fim, entre os procedimentos imprescindíveis para construir um problema ambiental de forma bem-sucedida, Hannigan aponta seis fatores na seguinte ordem: 1. Um problema ambiental tem que ter autoridade científica para a validação de seus argumentos; 2. Ter um ou mais “popularizadores” (responsáveis pela sedução) científicos que podem transformar o que teria, de outra forma, continuando a ser uma fascinante, mas esotérica, pesquisa dentro de um argumento ambiental proativo; 3. O problema ambiental precisa receber atençãoda mídia e seu argumento deve apresentar algo de “real” e “importante”; 4. O problema deve ser dramatizado em termos altamente simbólicos e visuais; 5. Deve haver incentivos econômicos para se obter uma ação e; 6. A existência de um forte patrocinador institucional que possa garantir a legitimidade e a continuidade. Sobre o papel da mídia, a construção dos problemas ambientais e o debate público 6 Hannigan quebra o argumento de suposta “neutralidade/formalismo” da ciência ao propor que os problemas ambientais, mesmo que perscrutados pelo saber científico, são socialmente construídos. Isso não é muito diferente do que ocorre com a agenda jornalística que propõe os problemas ambientais na arena pública: passa-se por diversos filtros até que algo se torne “notícia ambiental”. No capítulo 6 de sua obra, mais especificamente, o autor aborda o tema de como é possível colocar um assunto ambiental em pauta na sociedade e, para tanto, empreende uma análise da teoria da comunicação ambiental, ou seja, pensando discursos, argumentação, público-alvo, e efetividade do discurso por meio da ação política, quando esta ocorre. Hannigan assume a mídia como ferramenta importante para a agenda de questões ambientais por conta de sua capacidade de visibilizar problemas e de ser um “agente de educação ambiental” (HANNIGAN, 2009, p.119). Contudo, grandes críticas se fazem ao papel da mídia por quase nunca priorizar as considerações dos movimentos sociais e argumentadores não-oficiais em geral. As notícias, como os problemas ambientais, são socialmente construídas e trazem consigo as marcas dos grupos e interesses que as elaboram. Assim, fatores políticos e culturais, inclusive da própria sala de redação, influenciam o modo como algo será (ou não) noticiado. Para pensar essa questão do discurso, Hannigan cita Ervin Goffman sobre o conceito de “molduras” aplicadas à mídia: é possível emoldurar um mesmo evento de diversas formas, com diferentes vieses políticos. Assim, há uma competição simbólica pela versão considerada mais convincente/ legítima. Sobre as principais formas que esse discurso assume, o autor coloca que são as metáforas, exemplos, frases de celebridades e imagens. Também há os métodos racionais, os quais acionam raízes, consequências e apelos de princípios. A partir disso, Hannigan prossegue estabelecendo uma breve história da abordagem jornalística sobre as questões ambientais e demonstra que antes da década de 1970, ao menos nos EUA, o foco era pontos de conservação. Porém, não se assumia o ambientalismo como algo conectado a tudo. Essa mudança de ponto de vista que leva mais em consideração os problemas ambientais, na visão do autor, tem a ver um fato histórico da época, a saber, a imagem vista da Lua em 1969, onde há uma noção de metáfora da fragilidade da vida terrestre. Pós 1970 o ambientalismo cai no conceito dos ambientalistas e, como sugere o contexto político e econômico da época, poluição, desmatamento e morte de animais 7 silvestres não eram conectados ao projeto desenvolvimentista vigente. Só se abordava, naquele momento, tudo o que era “nuclear”. Já em 1980-1990, o assunto volta com força e tem como objeto principal as catástrofes e desastres naturais, o que, nas palavras do autor, viram “o pão com manteiga da coberturas jornalísticas” (HANNIGAN, 2009, p.126). Foca-se, semelhantemente aos dias atuais, em quantificação de baixas humanas e histórias comoventes. Todavia, novamente, aqui não se aprofunda as definições ambientais, a fim de alimentar uma divisão artificial entre modo de produção/economia & efeitos na natureza. Isso fica claro pelo modo como a maioria dos discursos midiáticos tenta individualizar a culpa de um desastre. Outro problema colocado pelo autor é que as questões ambientais não são facilmente compreensíveis, devido à linguagem pouco acessível comum à ciência e a “sensibilidade às pressões do status quo”, preferindo o sensacionalismo em detrimento da sensatez. Constitui-se uma série de contradições, uma vez que: a) Assim, os produtores de notícia fazem um uso instrumental da ciência, para dar ideia de um quê de “objetividade e equilíbrio” no que proferem; b) mas, como o padrão científico não é “apetitoso”, acabam quase sempre abraçando o papel de militante; c) como há muito receio, procura-se encaixar as notícias em molduras, que na visão dos jornalistas não tem posicionamento político e, por fim, d) desviam o debate para questões como conservação, responsabilidade cívica de todos e de ninguém ao mesmo tempo bem como crítica ao consumismo que eles mesmos incentivam. Ao veicular notícias ambientais não há espaço para reflexão, dúvida ou debate: ou um problema existe ou ele não existe. Deste modo, para tornar uma descrição ambiental “tragável”, é preciso estar em consonância com valores culturais existentes no contexto, serem concebidos como “dramas sociais”, conflitos ou situações extremas, ter relação com o presente imediato/ palpável e ter uma agenda de ação a nível internacional e local. Hannigan aponta, também, para o fato da transformação do meio ambiente como oportunidade econômica, como pontua Beck com sua teorização dos riscos. Uma das provas disso é o otimismo empresarial que afirma a compatibilidade entre exploração e valores ecológicos, “lindamente” colocados pelo conceito de “desenvolvimento sustentável”. À guisa de conclusão, Hannigan coloca três necessidades que, no ver dele, deveriam ser priorizadas para promover um bom debate ambiental, sejam elas: 1. Ver o ambientalismo menos como algo transitório/ pontual e mais como uma pauta constante na agenda política; 8 2.As questões ambientais, embora tangenciem diversas áreas de conhecimento, devem ser unificadas em um mesmo eixo para que o debate não se dissolva; 3. Buscar conjugar a linguagem atraente do sensacionalismo com o compromisso científico para atingir a formulação de políticas eficazes. A construção das agendas globais de problemas ambientais e a necessidade de operar pensar a partir num novo modelo que conjugue sociedade e meio ambiente No capítulo 9 entitulado “A perda da biodiversidade: a ‘carreira’ de sucesso de um problema ambiental global”, Hannigan fala da conservação da biodiversidade como problema que dominou os debates na Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento e Meio Ambiente em junho 1992 no Rio de Janeiro. Biodiversidade, explica, era um termo que sequer existia há 20 anos e que deve uma trajetória ascendente nos últimos anos. O conceito de biodiversidade foi definido a partir de três níveis, que são a diversidade do ecossistema (variedade de habitats localizado em uma área geográfica particular), a diversidade de espécies (variedade de espécies encontradas num determinado ecossistema) e a diversidade genética, que corresponde às informações codificadas no DNA de uma população de espécies e valorização da diversidade genética. Os fatores contextuais para o surgimento do problema são constituídos a partir das premissas para o desenvolvimento e importância global que o problema pode representar, neste caso, a perda da biodiversidade. De acordo com Hannigan os fatores identificados para caracterizar tal situação foram o crescimento da importância econômica da biotecnologia, aumento no valor do investimento em recursos genéticos, seja multinacionais farmacêuticas ou companhias químicas do norte “saqueando” os países do sul. Com isso, há o surgimento de uma nova disciplina, a biologia da conservação (fins da década de 1970, sendo reconhecida como disciplina em 1985), que contribui para a abertura de mais espaço para as pesquisas acadêmicas em biodiversidade e dinâmicas de extinção. O último fator seria o desenvolvimento de uma infraestrutura legal e organizacional criada a partir de 1970 reunidos dentro da ONU e ONG’s que lidam com o problema da biodiversidadeem várias convenções possibilitando a criação de redes epistêmicas de pesquisa, redes de comunicação e redes 9 de coordenação que foram importantes para o avanço do status da biodiversidade com problema ambiental maior, global, mundial. A perda da diversidade biológica, a partir dos elementos que Hannigan coloca como necessários, tornou-se um exemplo bem sucedido de construção social de um problema ambiental de sucesso. São três os fatores que o autor coloca como fundamentais para a construção dos argumentos visando a legitimidade do problema, que são juntar os argumentos, apresentá-los e contestá-los. Atarefa mais complexa destas é a apresentação dos argumentos na agenda pública, pois, no exemplo da biodiversidade não existe um oponente facilmente identificado, a perda da biodiversidade não causa grandes impactos nas nações de Primeiro Mundo e pelo fato de haver grande dificuldade e imprecisão dos possíveis benefícios coletivos causados pela ação. Como observa Hannigan “[...] a atenção pública sempre começa a ficar para trás quando os custos visíveis parecem compensar nos benefícios imediatos” (HANNIGAN, 2009, p.186). Os argumentadores tem apresentados essas dificuldades ao público utilizando-se das retóricas da perda, da “catástrofe” ou dos “fins dos tempos”. Também há a apresentação do problema ambiental pela “retórica da racionalidade”, a qual quantifica financeiramente o problema. Sobre a contestação dos argumentos, Hannigan traça um breve contexto das discussões dos anos 1980 e 1990 e coloca, por exemplo, que a Conferência Das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento em junho de 1992 no Rio de Janeiro consistiu numa discussão que rendeu sérios conflitos e tensões, entre elas o direto da comunidade conservacionista internacional intervir diretamente nas áreas ambientais sensíveis, como as florestas tropicais do Brasil. Só recentemente o discurso internacional da biodiversidade mudou em direção a reconciliação da conservação e redução da pobreza pelo desenvolvimento. Problemas que durante muito tempo foram tratados de maneiras separados e por argumento e argumentadores diferentes. Tanto que consta nos “Objetivos de desenvolvimento do Milênio” a ligação da sustentabilidade com o desenvolvimento. O autor exprime que a construção social dos problemas ambientais, tal como é o caso da perda da biodiversidade, trouxe uma série de questões ligadas não só ao meio ambiente, como também à política e à economia. Nessa dinâmica, Hannigan externa que é comum que os países do Terceiro Mundo vejam uma oportunidade de aumentar a troca de conhecimento com os países de Primeiro Mundo principalmente em relação a 10 biotecnologia, além do fato de se ter possibilitado o surgimento da ideia de desenvolvimento internacional e o surgimento de uma rede global de conservação. Um problema que possui um longo histórico de construção e desenvolvimento que atualmente domina as discussões ambientais a nível internacional. Por fim, sobre a necessidade de um novo modelo de sociedade-natureza, Hannigan no capítulo 9, parte da discussão sobre a definição: os desastres naturais derivam de causas naturais ou da intervenção humana? Para isso, o autor cita como o exemplo o Tsunami em dezembro de 2004, evento que ocasionou diversas mortes, problemas sociais e médicos revelou questões comuns ao gênero e o desastre, a perda de documentos e problema de identificação das pessoas, bem como a destruição da estrutura das cidades atingidas. Nesse tipo de situação é comum que surja uma “comunidade altruísta”, ou seja, solidariedade em meio a situações desoladoras, porém, percebeu-se que foi recorrente o aparecimento de “comunidades corrosivas” nos locais onde a Tsunami atingiu, na forma de eclosão de rebeliões, guerra civil, por exemplo. Com isso, o autor lança a seguinte pergunta: como analisar sociologicamente uma situação onde os conceitos já consolidados não dão conta de explicar tal realidade? A partir disso, o autor passa a mencionar outras situações semelhantes analisadas por outros teóricos como Raymond Murphy, que analisou as tempestades de gelo que aconteceram no Canadá em 1998. Com a metáfora da “dança entre a natureza e a sociedade”, Murphy põe evidência no caráter de alternância imprevista da dominância de uma instância ou outra. No fim, contudo, o maior desastre não fora a própria tempestade, mas, a vulnerabilidade da infraestrutura que a sociedade moderna criou e se tornou dependente, enquanto as comunidades Amish que usavam fogão a lenha tiveram prejuízos mínimos ou, no caso do Tsunami, os grupos tribais que conseguiram fugir da grande onda ao perceberem a inquietação dos animais selvagens/ domésticos e o voo de fuga dos pássaros. Assim, Hannigan propõe o manejo do conceito de emergência para pensar o meio ambiente e a sociedade como algo equivalente à teoria da complexidade. Nessa perspectiva, assume-se a não-linearidade, a fluidez e a dinamicidade dos processos e a capacidade de improvisação, portanto, políticas públicas eficazes num cenário deste devem deixar de lado os procedimentos engessados e dar vazão a uma abordagem mais adaptativa. Com relação aos fundamentos dessa perspectiva analítica, Hannigan traça um paralelo histórico, explicando que a teoria da emergência surge com Ralph Turner e Lewis Killian em 1957, na qual a ação individual ou coletiva numa 11 situação atípica é mais orientada por conta de “um curso de ação que é percebido como sendo apropriado e requisitado” (HANNIGAN, 2009, p.202) naquele momento. Durante a década de 1970, o autor demonstra que surgiram diversos modos de pensar o desastre e as situações de emergência. Embora diferenciada, a maioria admite que o caráter de emergência é uma resposta ao estado de desastre e que é muito comum que as estruturas de poder emergente, ao invés de “comunitárias/ altruístas”, podem ser fortemente autoritárias. Recorrendo ao exemplo do 11 de setembro, autores como Tierney demonstram que a eficácia da resposta à tragédia se deu pela flexibilidade das ações, ou seja, um modelo de ação que não é centralizado (como costuma ser). Assim, Hannigan insere a ideia de que o trato mais adequado nessas situações é definido pela capacidade criativa, improviso e descentralização das ações. Inclusive, o autor faz alguns relatos sobre o sucesso de movimentos sociais ambientais ao adotarem esse modo de organização. Sobre isso, o autor expressa que essa fluidez tem muito a ver com a ideia de “aprendizado social” na situação emergente. Tal noção é calcada, em grande parte, na teoria da ação comunicativa de Habermas, onde “os atores sociais estabelecem suas relações interpessoais e coordenam suas ações ao negociar ativamente um com o outro a chegar num acordo” (HANNIGAN, 2009, p.208). Ao nos darmos conta de que a ciência não é capaz de resolver todos os problemas ambientais, autores como Milbrath, colocam a necessidade de redesenharmos as instituições sociais e acrescentar a elas elementos da experiência humana. Essa visão do aprendizado social, por exemplo, se mostra bastante interessante tanto que Beck, quando trata do risco, explicita a tarefa de repensar a ideia de progresso, já na visão de Lipschutz, resulta em alcançar um conhecimento coletivamente construído de fato. Todavia, não se trata de um processo fácil, pois há entraves como os impedimentos promovidos pelas instituições capitalistas burocráticas, como também a adoção de estruturas oligárquicas por parte dos movimentos sociais ambientais para que emerja tal aprendizado social como norteador. É preciso unificar os discursos, com a criação de metanarrativas e molduras mestras próprias. Logo, ao se buscar um “modelo emergente de natureza, sociedade e meio ambiente”, supera-se a separação entre sociedade e natureza pois, partindo de um ponto de vista construcionista, uma está implicada na outrae ambas são socialmente construídas (pensar na interação simbólica desses dois âmbitos). Hannigan coloca, ainda, 3 pontos importantes para tornar possível essa perspectiva, sendo eles: 1. A relação dos indivíduos com a natureza deve ser 12 entendida como fluida, emergente e interativa; 2. Levar sempre em conta o processo de improvisação como orientador de práticas; 3. Desmistificar a capacidade interpretativa de especialistas e operadores da ciência técnica, que se mostra, muitas vezes contraditória e insuficiente. As tecnologias efetivas, na teoria emergente, não são isoladas em laboratório e se definem como “organizações fronteiriças”, ou seja, estão na intersecção de diversas áreas de conhecimento, ou mesmo, se apropriam de diversos paradigmas e são levadas à cabo pela sociedade civil. Deve ser conceituada em termos onde não há distinção entre objetos, pessoas, nichos, redes, discursos e relações sociais. Por fim, Hannigan conclui que se trata de um “trabalho de Hércules” fechar o binarismo sociedade versus natureza. Em termos de análise social, o mesmo se dá com a difícil reconciliação a análise sociológica macro (europeia) com a microssociologia (americana), promovendo espécie de síntese entre empirismo e teoria que, somadas à teoria da emergência, pode ser um bom começo para analisar os fenômenos ambientais contemporâneos. Considerações finais A questão central das ideias apresentada por John Hannigan está na tentativa de dar um caráter social da construção dos problemas ambientais ou de uma agenda ambiental. Ao discutir o papel da mídia, dos argumentos, argumentadores, divulgadores, popularizadores e as instituições legitimadoras, o autor demonstra que a “escolha” de um problema ambiental esta marcado por um longo processo de consenso político, social e cultural. Sendo o fator econômico importante para agregar um caráter utilitário ao problema. Dizer que os problemas ambientais são socialmente construídos é considerar como fenômenos sociais complexos, passiveis de embater, conflitos, divergência e convergência entre indivíduos engajados no conjunto de práticas sociais. Referências Bibliográficas HANNIGAN, John. Sociologia ambiental. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p.99-140; 177- 217.
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