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37 
Entremeios: revista de estudos do discurso. v.10, jan.- jun./2015 
Disponível em < http://www.entremeios.inf.br > 
ASPECTOS DA DIVERSIDADE LINGUÍSTICA E SOCIAL 
NO BRASIL 
 
ANTONIA ALVES PEREIRA1 
 
Instituto de Estudos da Linguagem 
Universidade Estadual de Campinas 
Rua Sérgio Buarque de Holanda, 571 
13083-859 – Campinas-SP – Brasil 
 
antoniapereira1@yahoo.com.br 
 
 
Resumo. Neste artigo, fazemos uma reflexão sobre as relações entre 
língua, sociedade e cultura. Partimos da ideia de que essas relações são 
preponderantes para as transformações linguísticas. Procuramos refletir 
também sobre as contribuições que as línguas indígenas dão ao português 
do Brasil, bem como sobre a sua importância para o conhecimento das 
variedades linguísticas e sua relevância para os estudos tipológicos e o 
estabelecimento de universais linguísticos. Ao longo do trabalho, fica 
evidenciado que a multiplicidade de línguas no Brasil convivem 
pacificamente, tendo apenas uma língua oficial: a portuguesa, mas 
assegurada, através da nossa constituição, a educação formal em língua 
materna aos povos indígenas. 
 
Palavras-chave. Variedade. Língua. Sociedade. Cultura. Povos indígenas. 
 
Abstract. In this article we reflect on the relations between language, 
society, and culture. We begin with the idea that these relations are a 
preponderant factor in language change. We also reflect on the 
contributions that indigenous languages have made to Brazilian 
Portuguese, the importance of these languages for the knowledge of 
language varieties, and their relevance the study of typology and language 
universals. We show that the multiplicity of languages in Brazil live 
together peacefully. Although there is only one official language 
(Portuguese), formal education in the first languages of the indigenous 
people is guaranteed by the Brazilian constitution. 
 
Keywords. Linguistic variety. Language. Society. Culture. Indigenous 
peoples. 
 
 
 
 
 
1 Realiza pós-doutorado no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, na área de concentração Linguística 
Textual em interface com a Linguística Aplicada, sob a supervisão da Profa. Dra. Ingedore G. V. Koch. 
 
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Entremeios: revista de estudos do discurso. v.10, jan.- jun./2015 
Disponível em < http://www.entremeios.inf.br > 
1. Introdução 
 
Este trabalho tem como objetivo refletir sobre aspectos da diversidade linguística 
no Brasil. Para isso, buscamos compreender como se relacionam língua, sociedade e 
cultura, partindo-se do fato de que esses três aspectos estão inter-relacionados. Sabe-se 
que a língua é algo social, como já apregoava Saussure, e resultante da cultura de um 
povo. Sendo assim, é imprescindível sua compreensão em trabalhos de cunho linguístico 
dentro de uma abordagem funcional, que é a pretendida para esse trabalho. 
 
É a partir da segunda metade do século XX que ganham impulso os estudos 
linguísticos com enfoque na relação entre língua, sociedade e cultura, culminando com o 
aparecimento da Sociolinguística, de contribuição ímpar para a explicação de certos 
fenômenos linguísticos, como a variação e a mudança nas línguas. 
 
Para a realização desse trabalho buscamos apoio em obras de autores como Labov 
(1972), Sapir (1971), Rodrigues (1993, 1986), Seki (1993, 199), Câmara Jr (1979), Melo 
(1981). 
 
O trabalho está dividido em três partes. Na primeira, refletimos sobre aspectos da 
relação entre língua, sociedade e cultura; na segunda, discutimos sobre a contribuição das 
línguas indígenas brasileiras para a diversidade linguística no Brasil e para a tipologia 
linguística. Por fim, apresentamos nossas considerações finais. 
 
 
2. Breve nota sobre língua, sociedade e cultura 
 
Não constitui novidade afirmar-se que língua e cultura se influenciam 
mutuamente. A questão vem sendo estudada há muito tempo e ganhou especial 
notoriedade com os estudos de Sapir. Nosso interesse, no entanto, é verificar aspectos da 
relação língua, sociedade e cultura no Brasil, partindo da relação entre o português e o 
indígena, e suas respectivas línguas2. 
 
Em Monteiro (2000, p. 13), encontra-se a ideia de que “A língua e a sociedade 
são duas realidades que se inter-relacionam de tal modo, que é impossível conceber-se a 
existência de uma sem a outra”. Ainda, conforme esse autor, sendo a finalidade básica de 
uma língua a de servir como meio de comunicação, ela costuma ser interpretada como 
produto e expressão da cultura de que faz parte. 
Nossa meta, nesse trabalho é demonstrar como se influenciam3 língua e cultura 
portuguesas e as línguas e culturas indígenas, bem como os fundamentos dessa influência. 
 
 
2 Ao lado das línguas e culturas indígenas, também foram de grande importância para a formação da nossa cultura e do 
português brasileiro, a língua e cultura africanas, tão presentes nos costumes e hábitos dos negros, além de outras 
culturas de menor expoente, como a italiana, a japonesa e tantas outras. Por questão didática, fazemos um recorte, dada 
a extensão do assunto. Assim, vamos restringir nosso objeto, abordando a diversidade linguística e cultural apenas a 
partir das influências das línguas e culturas indígenas na língua portuguesa, mas deixando claro que reconhecemos a 
importância de outros povos para a formação do português brasileiro e para a cultura do nosso povo. 
3 Utilizamos o verbo no presente, pois não vemos esse processo como estático, mas ao contrário, como dinâmico, algo 
que continua acontecendo. 
 
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Disponível em < http://www.entremeios.inf.br > 
Saussure (1916), ao delimitar a língua como objeto dos estudos linguísticos, 
definiu-a como um fato social, embora naquele momento tenha excluído das tarefas da 
linguística a preocupação com os elementos de ordem social e pressuposto a 
homogeneidade como um requisito básico para a descrição linguística, é sem dúvida um 
passo importante rumo ao desenvolvimento da linguística e, consequentemente, à 
concepção de língua que se tem hoje. O princípio da homogeneidade linguística foi tão 
intenso que influenciou várias gerações, foi seguido pelo Estruturalismo, intensificado 
pelos adeptos da Glossemática e pelos gerativistas. Como sabemos, a teoria gerativista 
apregoava que com a fala de um único indivíduo, o pesquisador poderia estudar dado 
fenômeno da linguagem: analisar uma língua, por exemplo. 
 
Bloomfield (1933), ao delimitar o campo de interesse da linguística, 
desconsiderou diversos aspectos da linguagem, tais como a natureza semântica do signo 
e sua função social. Os estudos das ideias de estruturalistas ortodoxos evidenciavam que 
os aspectos linguísticos, cujos limites fugissem a abstrações formais não seriam 
interessantes para os estudos linguísticos. 
 
É de particular interesse os universais linguísticos propostos pelos gerativistas, 
aqui representados por seu expoente maior Chomsky. É indubitável a contribuição desses 
universais para com os estudos linguísticos. 
 
Com o advento do Funcionalismo ganhando terreno cada vez mais no campo das 
ideias linguísticas, a partir da década de 1960, chegou-se à conclusão de que a análise de 
uma língua não podia pautar-se apenas na forma. O estudo de uma língua que não leve 
em consideração seus usuários é tão controverso quanto um estudo sociológico que não 
leve em conta a sociedade. 
 
A partir dos trabalhos, desenvolvidos por Labov (1972), ganhou impulso a ideia 
de heterogeneidade linguística e a preocupação em procurar entender a língua, a partir 
não somente de sua estrutura, mas, também, através da sociedade na qual estão inseridos 
seus usuários. Para Labov, todo enfoque linguístico teria que necessariamente ser social, 
em virtude da natureza da linguagem. Dessa forma, para ele, o termo sociolinguísticaera 
redundante, uma vez que não se podia conceber uma linguística que não fosse social. 
 
Com o avanço no campo de estudos da sociolinguística, muita coisa passou a ser 
tema de investigações desse ramo de estudo. Baylon (1991) arrola, entre outros, os 
seguintes assuntos: as funções e usos da linguagem na sociedade, a análise do discurso, o 
domínio da linguística, as atitudes e julgamentos das comunidades de fala acerca de sua(s) 
língua(s). Hoje, a concepção predominante nos estudos linguísticos é aquela em que um 
estudo sobre a linguagem não pode deixar de levar em conta seus usuários e, 
consequentemente, o fator sociocultural, já que estes usuários vivem em sociedade e estão 
inseridos numa cultura. Assim, passam a predominar as ideias de que língua, sociedade e 
culturas constituem um verdadeiro tripé rumo a explicações sobre o funcionamento desse 
tão fabuloso mundo da linguagem. 
 
Através da língua, as pessoas interagem e mantém vínculos diversos. Em 
Monteiro (2000, p. 16), encontramos a ideia de que “a função da língua de estabelecer 
 
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contatos sociais e o papel social, por ela desempenhado, de transmitir informações sobre 
o falante constituem uma prova cabal de que existe uma íntima relação entre língua e 
sociedade”. Ou seja, através de um indivíduo, temos oportunidades de conhecer diversos 
aspectos de sua realidade. 
 
Além disso, para Labov (1972), a língua acompanha a evolução da sociedade e 
reflete os padrões de comportamento tanto em função do tempo quanto do espaço. Essa 
é uma explicação cientificamente aceita para o surgimento dos fenômenos de diversidade 
e de mudança linguísticas. E, inversamente, conforme esse autor, pode-se supor que certas 
atitudes sociais sejam influenciadas pelas características que a língua da comunidade 
apresenta. 
 
Com o desenvolvimento dos estudos sobre as relações entre língua e sociedade, 
chegou-se a ponto de linguistas formularem a hipótese do determinismo linguístico, isto 
é, “nossa visão de mundo é condicionada por nossa língua” (MALMBERG, 1979). 
Apesar de ter seus adeptos, essa hipótese não é totalmente aceita entre os linguistas. 
Grande parte desses profissionais credita que existe uma estreita relação entre língua e 
sociedade, mas não em determinismo linguístico. 
 
Trudgill e outros autores (1979 apud MONTEIRO, 2000) apresentam vários 
exemplos que evidenciam os efeitos da sociedade sobre a língua e da maneira sobre a 
qual o mundo exterior nela se reflete. Um desses aspectos diz respeito ao ambiente físico 
que são refletidos nos sistemas linguísticos, normalmente na organização do léxico. O 
autor cita como exemplo o fato de o português ter apenas uma palavra para neve, enquanto 
o esquimó tem várias. As razões para esse fato são, conforme Monteiro, são óbvias: é 
necessário para o esquimó saber discernir eficientemente entre os diferentes tipos de neve. 
Já, em português, tais distinções são irrelevantes, apesar disso a língua dispõe de vários 
recursos para fazer distinções análogas: neve fina, neve seca, neve macia e outras tantas, 
mas para o esquimó esse tipo de distinção é lexicalizada. 
 
O tabu é outro aspecto interessante que nos leva a refletir sobre a influência que 
os valores sociais exercem sobre a língua. À época de nossos avós, e ainda hoje em 
comunidade mais longínquas, é comum se ouvir expressões do tipo: “Ele morreu de 
doença feia”, “Ele está com aquela doença”, para se referir a doenças como câncer ou 
lepra. O temor vinha da crença de que ao pronunciar o nome da doença, traziam-na para 
próximo deles. Na cultura asurini do Xingu, quando uma pessoa da família morre, alguns 
membros dessa família trocam o nome (PEREIRA, 2008; 2009). Nessa mesma sociedade, 
alguns membros não podem pronunciar o nome de outros. Porém, esses tabus são distintos 
entre as línguas, ou seja, certo aspecto que é visto como proibido numa língua, pode ser 
normal em outras. De forma que a explicação mais plausível é aquela que postula que a 
sociedade pode condicionar a língua. 
 
Para Labov (1972), as variações nas línguas são provenientes de pressões sociais, 
que podem ser observadas e descritas. Partindo desses pensamentos labovianos, podemos 
facilmente observar nas sociedades de classe, fatores que reforçam as ideias desse autor. 
Na nossa sociedade, por exemplo, é comum observarmos que as pessoas quando acedem 
socialmente ou mesmo quando adquirem nível cultural mais elevado mudam a forma de 
 
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falar, isto é, passam a fazer uso de uma variedade linguística dita de prestígio, em 
detrimento daquela que usavam quando pertenciam a um outro grupo social distinto. 
 
Em 2000, fizemos uma pesquisa sobre a variação na fala de pescadores migrantes 
do município de Bragança, estado do Pará. A pesquisa consistia em comparar o falar de 
pesquisadores migrantes que haviam se mudado das comunidades pesqueiras para a 
cidade de Bragança, a mais de cinco anos, seja porque tinham se aposentado, seja porque 
tinham melhorado suas condições econômicas. A pesquisa verificava a mudança no 
vocabulário. Ao final, verificamos que os pescadores migrantes apresentaram profundas 
mudanças no léxico, comprovando, assim, mais uma vez, a teoria de Labov de que os 
indivíduos que mudam de classe social alteram o comportamento linguístico. 
 
Depreendemos disso que a forma como as línguas se organizam dizem muito a 
respeito da organização social de seus usuários. E mais do que isso, dentro de uma mesma 
classe social se refletem padrões linguísticos distintos, resultantes de estratificações 
socioculturais. 
 
 
3. As línguas indígenas brasileiras e sua contribuição para a diversidade 
linguística no Brasil 
 
Segundo Rodrigues (1993), o tempo decorrido entre o início do povoamento da 
América do Sul e a chegada dos primeiros europeus, no fim do século XV, ainda não é 
conhecido. No presente estudo, por falta de dados precisos, tomamos como ponto de 
referência 1500. 
 
Quando os europeus aqui adentraram, conforme nos conta a história, encontraram 
vários povos indígenas e nesses contatos, europeus e indígenas influenciaram e foram 
influenciados. É certo que o indígena, principalmente, o povo tupi, influenciou 
acentuadamente os recém-chegados. Essa influência foi tão acentuada que até o século 
XIX, conta-nos Melo (1981) que o Tupi era mais falado que a língua Portuguesa: 
 
Transplantada para cá, sofreu a língua [portuguesa] forte concorrência de uma 
importante rival, o tupi, que se ouvia em quase toda a costa e que, com o tempo 
e por circunstâncias várias, se tornou língua geral (destaque do autor), do 
Brasil-Colônia. Nos primeiros tempos, e até o século XVIII em alguns lugares 
falou-se mais tupi que português, sendo esta a língua oficial, a das cidades 
maiores, a língua da administração ou do comércio, e tupi a língua caseira, 
transmitida principalmente de mães a filhos, instrumento de comunicação do 
cotidiano. (MELO, 1981, p. 89) 
 
Mas, como bem acentua Foucault, língua é poder, isto é, a língua funciona como 
reflexo de políticas sociais, e posto que na história vence o mais forte política e 
economicamente, acabou por ser reduzida a influência indígena sobre a língua 
portuguesa. Temendo, os rumos que ganhavam o Tupi, no século XVIII, o rei de Portugal, 
Marquês de Pombal, baixou um decreto proibindo o uso do Tupi. 
 
 
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Porém não se pode dizer que a língua e a cultura europeias, aqui no Brasil, não 
tenham sofrido influências profundas, afinal, mais de 200 anos afastaram esse decreto do 
uso real do Tupi, como língua predominante. Uma análise superficial já revelao quão são 
diferentes língua e cultura portuguesas europeias das língua e cultura portuguesas do 
Brasil. É certo que o lapso de tempo e a distância espacial por si só já seriam suficientes 
para revelarem transformações entre o português falado no Brasil e português falado em 
Portugal, pois como se sabe, quando uma mesma variedade de língua se distancia no 
espaço, a tendência é que com o tempo se torne duas variedades distintas em virtude das 
diferentes influências que sofrem seus falantes. Um exemplo bastante esclarecedor entre 
nós é o caso das línguas asurini do Xingu e Asurini do Tocantins. Inicialmente, eram uma 
única língua, mas, hoje, conforme Rodrigues (1986), são línguas distintas, estando 
inclusive em grupos distintos. Mas, para além dos fatores tempo e espaço, as influências 
das línguas indígenas brasileiras foram preponderantes para configurar tantas distinções 
entre o português, falado no Brasil e aquele falado em Portugal. 
 
Em virtude da escassez de estudos sobre as línguas faladas no Brasil antes de 
1500, é difícil saber sobre o número aproximado de línguas que aqui existiam antes de 
1500. Conforme Rodrigues (1993), não se pode saber quantas línguas entraram 
sucessivamente neste continente, mas é certo que aqui elas tiveram muito tempo para 
diferenciarem-se das línguas da América do Norte e das dos demais continentes, seja pela 
alteração ou perda de propriedades antes comuns; seja pelo desenvolvimento de novas 
propriedades; seja, ainda, por não coparticiparem de inovações ocorridas mais 
recentemente naquelas. Por outra parte, foram diferenciando-se entre si e multiplicando-
se em consequência do crescimento demográfico e da dispersão das populações. 
 
Segundo Seki (1999), embora não haja dados totalmente precisos, atualmente os 
estudiosos das línguas indígenas concordam com a estimativa de que no Brasil são faladas 
cerca de 180 línguas indígenas. Estima-se que esse número represente apenas 25% das 
línguas faladas no século XVI, havendo, assim, uma perda de cerca de 1.000 mil línguas, 
o que representa 85% das línguas faladas desde a chegada dos portugueses no território 
brasileiro. Ainda segundo a autora: 
 
As línguas remanescentes são todas minoritárias, calculando-se em 
aproximadamente 155.000 o número total de falantes. É muito variável o 
número de falantes por língua, havendo apenas uma, o Ticuna, com cerca de 
20.000. Três línguas – o Makuxi, o Terena e o Kaingang – contam com 10.000 
falantes; vinte têm entre 1.000 e 10.000 falantes, e as outras 156 têm menos de 
1.000, sendo que dentre elas, 40 são faladas por menos de cem pessoas, 
havendo casos de línguas com menos de 20 falantes. (SEKI, 1999, p. 258-259) 
 
Rodrigues (1993) nos mostra que no século XVI já se delineavam, através das 
descrições de Anchieta, as primeiras contribuições do Tupi para a Linguística Geral. 
Conforme o autor, na descrição do Tupinambá no século XVI, Anchieta foi um dos 
primeiros gramáticos a expor claramente a distinção entre pronomes inclusivos e 
exclusivos, a expressão de tempo em nomes, as consequências sintáticas da topicalização 
de sintagmas adverbiais, a incorporação de objetos nos verbos transitivos, as mudanças 
de valência verbal por causativização, por reflexivização e por incorporação do objeto. 
 
 
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Entremeios: revista de estudos do discurso. v.10, jan.- jun./2015 
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Atualmente, as pesquisas linguísticas com as línguas indígenas brasileiras têm 
revelado fenômenos novos ou raros tanto na gramática quanto na fonologia de línguas 
brasileiras, alguns dos quais sugerem a necessidade de revisão em certas concepções 
teóricas, segundo Rodrigues (1993). No âmbito da gramática, alguns exemplos são a 
existência de língua, cuja ordem oracional básica tem o objeto em posição inicial (OVS 
e OSV). Esse recurso sintático não foi atestado nos universais linguísticos propostos por 
Greeberg (1966). Além disso, com o avanço dos estudos com as línguas indígenas, novas 
propriedades vêm se revelando. Algumas propriedades morfossintáticas são: a ocorrência 
de incorporação de posposições e de incorporação recursiva de nomes no sintagma verbal, 
a expressão da negação pela ausência de marca de afirmação, ou a alternância entre 
construções sintáticas ergativas e acusativas (RODRIGUES, ibid.). 
 
Dentre os fenômenos fonológicos descobertos em línguas brasileiras estão, 
conforme Rodrigues (ibid.), três novas fontes de nasalidade: a compactação vocálica, o 
silêncio (e, por extensão, a fronteira de palavra) e uma terceira, ainda não esclarecida 
quanto à sua fisiologia, que produz nasalidade em contato com glides, não só o oclusivo 
e o fricativo glotais (glides II de Chomsky e Halle), como já se havia descoberto também 
no sueste da Ásia, mas igualmente os glides vocálicos w e y (glides I de Chomsky e 
Halle), também a ocorrência de segmentos fonológicos complexos, com até três fases de 
realização fonética, tanto consonantais como vocálicos ou ainda a margem inicial da 
sílaba para a colocação do acento. 
 
No Atlas Mundial das estruturas linguísticas (WALS), Comrie reforça o que 
Rodrigues (1993) colocava sobre o fato de certas propriedades morfológicas, sintáticas e 
fonológicas serem raras em outras línguas do mundo, sendo que algumas dessas 
propriedades ocorrem essencialmente nas línguas indígenas brasileiras, por exemplo, as 
ordens de constituintes OSV e OVS apesar de correr em outras línguas, são mais 
recorrentes nas línguas indígenas brasileiras. Fenômenos como a conjugação de 
adposições quase não são encontradas em línguas europeias, mas podem ser encontradas 
em línguas indígenas brasileiras, como na língua Wari. Outro traço pouco ocorrente nas 
línguas do mundo é ausência de fonemas nasais, entretanto, pode ser encontrado em 
línguas indígenas brasileiras, a saber: Piharã e Maxakali. 
 
Assim, pode-se afirmar que a contribuição das línguas indígenas brasileiras é 
muito relevante para o conhecimento da diversidade linguística, haja vista que há 
fenômenos linguísticos encontrados apenas nessas línguas e outros raros em outras 
línguas. Daí a relevância da documentação e descrição dessas línguas, sendo de extrema 
importância para a preservação do patrimônio cultural da humanidade. 
 
Como já colocava Câmara Jr. (1979), e autores como Rodrigues (1993) e Seki 
(1999), as línguas indígenas foram objeto de poucos estudos até a primeira metade do 
século XX. É a partir da segunda metade desse referido século, que as pesquisas com 
essas línguas ganham mais volume, podendo ainda hoje serem consideradas tímidas. 
 
Nos últimos anos, a importância da diversidade linguística tem sido abordada no 
contexto da diversidade em geral, enfatizando-se a compreensão das línguas como parte 
intrínseca da cultura, da sociedade e visão de mundo dos falantes, bem como o fato de 
 
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que a perda de línguas tem como consequência o desaparecimento dos sistemas de 
conhecimentos que elas refletem e expressam, já que, como vimos, é consensual a 
aceitação de que língua, sociedade e cultura estão intrinsecamente relacionadas. 
 
Além disso, como se pode depreender do que foi dito acima, as línguas indígenas 
têm-se revelado uma importante fonte nos estudos tipológicos e comparativos. Assim, a 
sua extinção compromete um conhecimento mais profundo sobre a estrutura e o 
funcionamento de línguas naturais. 
 
A situação de comunicação em que as línguas indígenas brasileiras se 
encontram é variável de grupo para grupo, apesar poucos estudos nessa área, 
Seki (1993) afirma que: “As cerca de 180 línguas ainda existentes convivem 
com a situação sociolingüística das línguas brasileiras que hoje está 
configurada , em termos gerais, da seguinte forma: 
- monolinguismo na língua indígena do grupo; 
-bilinguismo envolvendoa língua do grupo e outra língua indígena; 
- bilinguismo envolvendo a língua do grupo e o Português; 
-plurilinguismo envolvendo línguas indígenas; 
-plurilinguismo envolvendo línguas indígenas e o Português”. 
(SEKI, 1993, p. 259) 
 
Reconhecendo a multiplicidade de línguas no Brasil, o Governo brasileiro, na 
Constituição Federal de 1988, garante a Educação formal dos povos indígenas nas suas 
respectivas línguas e a Lei 9394/96 trouxe a regulamentação para a Educação dos povos 
indígenas, assegurando o que colocara a referida constituição. 
 
 
4. Considerações finais 
 
Neste trabalho, refletimos sobre as relações entre língua, sociedade e cultura. 
Mostramos que a sociedade é fator preponderante para a organização linguística de um 
grupo, além disso, mostramos também o predomínio de uma língua sobre outras. O 
predomínio da língua portuguesa sobre a língua Geral ou Tupi está mais relacionado a 
fatores políticos que a outros de ordem linguística. A cultura nos mostra um sistema de 
crença e de valores que se refletem na língua. Um aspecto que se revela fundamental é o 
da organização do léxico, isto é, a seleção lexical que seus usuários fazem a partir de 
recortes de sua realidade. 
 
Na sequência, mostramos aspectos da contribuição das línguas indígenas para a 
diversidade linguística no Brasil e sua relevância para os estudos tipológicos e 
comparativos. 
 
Por fim, a liberdade de os povos indígenas usarem em suas comunicações internas, 
bem como na educação formal suas respectivas línguas, junto às políticas linguísticas que 
vem proporcionando o governo brasileiro, embora de forma ainda lenta, mostra-nos que 
os povos indígenas caminham para o reconhecimento de seu valor histórico e cultual para 
a formação do povo e da cultura brasileira. 
 
 
 
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Entremeios: revista de estudos do discurso. v.10, jan.- jun./2015 
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Referências 
 
BAYLON, C. Sociolinguistique; société, langue et discours. Poitiers: Nathan, 1991. 
 
BOAS, F. (ed.). Introduction to handbook of American Indian languages. Lincoln: 
University of Nebraska Press, 1991. 
 
BLOOMFIELD, L. Language. New York: Holt 1933. 
 
CÂMARA JÚNIOR, J. Introdução às línguas indígenas brasileiras. Linguística e 
Filologia. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1979. 
 
FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto Machado. 
Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. 
 
GREENBERG, J. H. Some universals of grammar with particular reference to the order 
of meaningful elements. In: _____. (ed.). Universals of Language. Cambridge, Mass.: 
The MIT Press, 1996. p. 58-90. 
 
LABOV, W et. al. A Quantitative study of sound change in progress. Philadelphia: 
U.S. Regional Survey, 1972. 
 
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