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Aquisição de Linguagem - O Enigma de Kaspar Hauser (Maria Carolina e Pastênope)

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO
DISCIPLINA: PROCESSOS PSICOLÓGICOS III
PROFESSOR: CARLOS ALBERTO BRITO
ALUNAS: MARIA CAROLINA RODRIGUES e PASTÊNOPE MAÍRA CAMPOS
AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM: 
UMA ANÁLISE DO ENIGMA DE KASPAR HAUSER
Estudar aquisição da linguagem significa buscar entender como um indivíduo passa de não-falante (infans) a falante de sua língua materna ou de uma segunda língua. Historicamente, estudiosos de diversas áreas procuram entender de que forma acontece o processo que permite ao homem o desenvolvimento de sua capacidade linguística e comunicativa.
Embora não tenham tido como foco de seus estudos a aquisição de linguagem, Piaget e Vygotsky descobriram a importância da linguagem no desenvolvimento cognitivo da criança. Enquanto Piaget acreditava que o desenvolvimento cognitivo da criança, assim como a aquisição da linguagem (fala) seria um processo individual através da internalização, Vygotsky entendia que a fala egocêntrica da criança é social, resultante da ação e do diálogo com outras pessoas, que será internalizada. 
Com base na teoria de Vygostky, surge o Interacionismo Social, ou apenas Interacionismo trazido por Cláudia de Lemos, propõe que a criança não é um aprendiz passivo, mas sujeito que constrói seu conhecimento pela mediação do outro, sendo a interação social e a troca comunicativa a base da aquisição. Tal teoria é caracterizada pelo estudo do processo dialógico instaurado entre mãe e criança. Neste processo a construção não é unilateral, mas envolve a atuação das duas partes. 
A linguagem é considerada a primeira forma de socialização da criança, realizada primeiramente pelos pais durante as atividades diárias. É através da linguagem que a criança tem acesso, mesmo antes de aprender a falar, a valores, crenças e palavras provenientes da cultura em que está inserida. Dessa forma, língua está entre nós e antecede o infans na cultura e determina seu percurso na aquisição da linguagem. Nesse sentido afirma Émile Benveniste que “a sociedade não é possível a não ser pela língua; e, pela língua, também o indivíduo. O despertar da consciência na criança coincide sempre com a aprendizagem da linguagem, que a introduz pouco a pouco como indivíduo na sociedade”[footnoteRef:1]. [1: BENVENISTE, Emile. Problemas de lingüística geral. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976. v. I] 
No desenvolvimento da linguagem, a criança começa imitando os sons que ouve e com o passar dos meses a criança desenvolve a maturação do aparelho fonador e levando também em consideração sua aprendizagem anterior, ela começa a dizer suas primeiras palavras. Outros elementos são levados em consideração para a aquisição da linguagem como a entonação, a afetividade, a musicalidade, etc. As primeiras vocalizações que reconhecemos partem da nossa própria fala. Atribuímos sentidos interpretativos apesar de toda diferença comparada a do adulto.
Desde o nascimento, a criança está inserida numa relação dialógica e social com seu(s) interlocutor(es), geralmente os pais, que possibilita a construção e aquisição da linguagem. Assim, qual é a importância do adulto/outro na aquisição de linguagem da criança? Alessandra del Ré (2006) afirma que “nossas palavras baseiam-se na “palavra do outro” e é, desse modo, que as crianças se apropriam das primeiras palavras ensinadas pelos pais”. 
Em análise ao filme “O Enigma de Kaspar Hauser”, percebemos que a ele foi tolhida essa relação dialógica, visto que fora criado dentro de um pequeno espaço, escuro, acorrentado, sem qualquer contato com outro ser humano, apenas com um cavalinho de madeira. A ausência de contato com o Outro numa relação dialógica, bem ausência de interação social, trouxe grandes prejuízos no desenvolvimento cognitivo de Kaspar Hauser.
De acordo com Vygotsky, a aquisição de conhecimento e, consequentemente, a aquisição da linguagem se dá por meio da interação do sujeito com o meio e através da mediação, que pode ser feita por uma pessoa ou elementos simbólicos (signos e instrumentos). A linguagem como sistema de signos, segundo Vygotsky, tem função de socialização (além da formação do pensamento generalizante). Nesse sentido, a necessidade de comunicação impulsiona a produção de conhecimento.  Como Kaspar Hauser não tinha necessidade alguma de comunicar-se com outra pessoa, seu processo de aprendizagem e de aquisição de linguagem foi prejudicada. 
Quando o senhor que lhe deu água e comida o retirou de seu cativeiro, ensinou (fazendo o papel de mediador) Kaspar a andar e falar uma única frase: “quero ser cavaleiro, igual ao meu pai”, o suficiente para sua sobrevivência fora do cativeiro. Durante mais ou menos 15 anos de idade aprendeu, através da repetição, poucas palavras sem atribuir-lhes sentido, ou seja, sem conseguir entender os signos linguísticos daquela que deveria ser sua língua materna. 
De acordo com Chomsky, todo indivíduo possui uma capacidade inata para a linguagem, a qual é ativada pelo contato com o outro (falante), que dentro de um determinado meio (social, cultural) irá estimular o não-falante a falar. Esse processo pode ocorrer em qualquer idade. Contudo, Lenneberg acredita que existe um período crítico para que a aquisição da língua materna se dê sem esforço. Assim, a aquisição normal só ocorrerá caso a criança seja exposta à língua até os 6 anos[footnoteRef:2], o que não ocorreu com Kaspar Hauser.  [2: Com base no vídeo “Periodo crítico, conductismo, innatismo ‹ Curso de lingüística general”. https://www.youtube.com/watch?v=omFGRG5p_ww] 
Cláudia Lemos fala do “manhês” como forma de expor a criança/bebê à língua. Trata-se de modificações linguísticas (reduplicações, entonação, etc.) que a mãe se utiliza para introduzir o bebê no universo da fala, através da interpretação das emissões vocais dele e atribuindo-lhes significado. Dessa forma, “atribuir significado às emissões vocais, choro etc. do bebê é tratá-lo como autor, como destinatário, como um parceiro conversacional." (Del Ré, 2006) 
Kaspar Hauser começou a tomar consciência da língua e da linguagem tardiamente (sem o auxílio primordial da mãe), o que não o impede de refletir e corrigir: a linguagem apropria-se dele e ele a internaliza lentamente, assumindo a própria fala. Kaspar faz uso dessa linguagem sem saber que sabe, pois já foi capturado; é na relação com a língua que ele passa a ter controle da sua atividade linguística. 
Cláudia de Lemos diz que “interação é diálogo, é movimento da linguagem sobre a linguagem”, nesse sentido, é a partir do momento em que Kaspar faz sua entrada na sociedade a linguagem muda seu destino de assujeitado a fala do outro a sujeito da linguagem (autor da própria fala). Como aprendemos na disciplina de Psicologia do bebê e da criança, a linguagem é constitutiva sujeito, é onde ela toma conhecimento de si e do outro, e é por meio da qual ela incorpora o conhecimento do mundo. Ao tomar consciência e interagir com o meio e com o outro, ele encontra seu lugar de expressão no discurso da subjetividade, característica do ser humano.
Poderíamos dizer que diante do conhecimento e da linguagem, Kaspar Hauser é uma criança e, na aquisição da linguagem se comporta como tal.  Como criança, no início, Kaspar adquiriu a linguagem por imitação, erro e reforço (repetição), porém, essa imitação não mostra uma fala própria, livre: “as imitações deixam ver na fala da criança, a fala do outro”; o que disser virá de fora, como algo que se projeta nele e, por isso, não teria espaço para uma fala de si e para si[footnoteRef:3]. Portanto, é a partir do diálogo que a subjetividade vai surgir como constituição de um discurso do sujeito que interage na cadeia de significados e significantes. O seu ingresso no universo da simbolização sinaliza a pertença dele no grupo humano. Kaspar viveu sua infância acorrentado como um animal, o que nos leva a interpretar como uma metáfora ao seu desenvolvimento cognitivo, que também esteve acorrentado até que lhe fosse dada a “liberdade”. Seria possível, então, “civilizá-lo” sem que tenha tido contato prévio com uma determinadacultura?  [3: Lier-De Vitto, Maria Francisca. Subjetividade e Linguagem: um olhar sobre a psicologia do desenvolvimento e a aquisição da linguagem] 
Vimos que, só após o convívio com o meio e com a linguagem desenvolveu a capacidade de relacionar os pensamentos à linguagem, o que reforça a ideia de que sem linguagem não haveria pensamento. Mesmo tendo contato com a linguagem e construindo frase sintaticamente corretas, Kaspar não conseguiu incorporar a linguagem simbólica/metafórica e por isso não se sentia pertencente a nenhum lugar. Ele faz uso da linguagem, mas ao mesmo tempo não tem consciência dela; agia quase que por instinto de adaptação, incorporando e criando histórias a partir de informações ouvidas, como numa dependência à linguagem do outro. É evidente, portanto, que caso Kasper tivesse tido contato com a língua através de um adulto, desde o nascimento, seu desenvolvimento cognitivo, assim como seu processo de aquisição de linguagem teria ocorrido de maneira totalmente diferente.

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