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No 2 Julho 2 0 19 Revista IBRADIM de Direito Imobiliário Revista IBRADIM de Direito Imobiliário Ano 1 | Julho 2019 | No 2 ISSN 2595-8151 Conselho Editorial Alexandre Gomide André Abelha Ermiro Neto Ivandro Ristum Trevelim Marcelo Barbaresco Marcus Vinícius Motter Borges Ricardo Campelo Revista IBRADIM de Direito Imobiliário Ano 1 | Julho 2019 | No 2 ISSN 2595-8151 Publicação semestral do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário. Proibida a reprodução parcial ou total sem autorização prévia, ou citação expressa da fonte. Os conceitos emitidos em trabalhos assinados são de responsabilidade de seus autores. Revista Ibradim de Direito Imobiliário v. 1 (nov. 2018) – São Paulo: Ibradim, 2018. Semestral v. 2 (jul. 2019) ISSN 2595-8151 1. Direito Imobiliário. 2. Direito Civil. 3. Periódico. CDU 347.235(05) Ficha catalográfica: Leandro Augusto dos Santos Lima – CRB 10/1273 Capa e diagramação: Rosane Guedes Revisão: Roberta Maniglia de R. Matos Coordenador de Publicação e Pesquisa do IBRADIM: Alexandre Junqueira Gomide Editor responsável: Ana Maria Coutinho Paixão Distribuída em todo território nacional por: Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário – IBRADIM Av. Paulista, 726 conj 1303 – Bela Vista 01310-100 São Paulo SP +55 11 4081.1049 revista@ibradim.org.br www.ibradim.org.br Editada por: PAIXÃO EDITORES LTDA. +55 51 3332.7474 paixaoeditores@paixaoeditores.com www.paixaoeditores.com SUMÁRIO 5 EDITORIAL 7 LEI 13.786/2018 (LEI DOS “DISTRATOS”): ASPECTOS CONTROVERTIDOS DECORRENTES DA EXTINÇÃO DA RELAÇÃO CONTRATUAL NA INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA Alexandre Junqueira Gomide 29 O CPC/2015 E O DESPEJO LIMINAR POR DENÚNCIA VAZIA NA LOCAÇÃO NÃO RESIDENCIAL André Abelha 51 OS ACORDOS RELACIONADOS AO DIREITO DE PREFERÊNCIA NA ALIENAÇÃO DE IMÓVEIS DOS FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO Christiane Rocha Reis Xavier 85 DA NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DA FIGURA DO INCORPORADOR NO ÂMBITO DO ART. 67-A DA LEI 4.591/64 Cristiano O. S. B. Schiller Mariana Jau Rocha 100 AS SOCIEDADES EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO E OS NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS – A CONSTRUÇÃO DE UMA PRÁTICA Felipe de Almeida Mello 120 A TRANSFERÊNCIA DO DIREITO DE CONSTRUIR COMO INSTRUMENTO INDUTOR DA PROTEÇÃO DE IMÓVEIS TOMBADOS Felipe Varela Hollanda 142 O BEM DE FAMÍLIA FRENTE ÀS GARANTIAS LOCATÍCIAS Fernanda Kelly Inácio Halliwell Revista IBRADIM de Direito Imobiliário 4 SUMÁRIO No 2 | Julho 2019 165 CIÊNCIA JURÍDICA E SUA FUNÇÃO: DIREITO INTERTEMPORAL E A LEI DOS “DISTRATOS” NO NEGÓCIO JURIDICO IMOBILIÁRIO Marcelo Barbaresco 193 AS CONTRAPARTIDAS URBANÍSTICAS: LIMITES LEGAIS PARA A SUA EXIGÊNCIA PELO PODER PÚBLICO Ricardo de Oliveira Campelo 223 SHOPPING CENTERS – ANOTAÇÕES À RELAÇÃO CONTRATUAL ENTRE EMPREENDEDOR E LOJISTAS Roberto Renault 248 A (DIFÍCIL) OBTENÇÃO DE QUÓRUM NAS ASSEMBLEIAS GERAIS CONDOMINIAIS E A VALIDADE DA CONVERSÃO DA SESSÃO ASSEMBLEAR EM PERMANENTE Sérgio Ulpiano K. I. Itagiba 282 A ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CONTRATO IMOBILIÁRIO E SUAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS Thairiny Jorge Dakil EDITORIAL Como o tempo passa e as coisas se fazem passar. O IBRADIM acaba de fina- lizar seu II Congresso de Direito Imobiliário e, agora, neste momento, através deste físico meio, também materializa a segunda edição de sua Revista Acadêmica. Um suceder de orgulhos; sequenciais; alegres; de firme e substancial con- teúdo e que tenderiam ao infinito se não finita fosse a vida dos seus humanos iniciais (i.e. seus fundadores). Ledo engano! Como a Vida do inanimado pode e, neste caso, depende de outra animada, sem fim será Seu sucesso; isso posto, certamente muitos por ela se interessarão mais e mais. E, em sendo assim, se pode afirmar com convicção: Que maravilha! Que coisa espetacular poder dividir e ao dividir multiplicar-se ao infinito. Dividir, crescer; robustecer-se, encorajar-se para ainda mais aquilatar seu propósito de existir, qual seja, contribuir para o engrandecimento da saudável dialé- tica que compreende, inclusive, trocas de experiências, de conhecimento; das vi- vências de uma Vida em sua localidade e em seu contexto. Isso é, em conformi- dade com suas circunstâncias, como assim coloca Ortega y Gasset. Pois, afinal, somos cada um e cada qual e nossas pessoais circunstâncias, não? E, tendo por base esta premissa de compartilhar seu acadêmico entendimento, de forma a fazer espraiar, positivamente, as discussões e com isso incentivar os de- bates, variados foram os temas abordados por aqueles que, cedendo parcela do mais precioso1 dedicaram-se a contribuir com todos nós, ávidos leitores desta também inesquecível segunda edição. E assim se afirma mais por conta do que representa em face do vazio de outrora e menos pela vaidade pois, como coloca Thomas Hobbes, no Leviatã, “a felicidade é um contínuo progredir de desejos, de um objeto a outro, uma vez que a consequência do primeiro é o caminho para a realização dos ulteriores.” 1 i.e. o tempo, pois ele consubstancia parcela do raro e de nossa finitude. Revista IBRADIM de Direito Imobiliário 6 EDITORIAL No 2 | Julho 2019 Assim e, dentre outros, escreveu-se sobre as assembleias condominiais e a possibilidade de ser permanente de forma que quóruns sejam alcançados; a loca- ção através de plataformas digitais e suas particularidades; especificidades quanto à formatação das sociedades em conta de participação em negócios imobiliários; a função da ciência jurídica quanto ao enfrentamento do tema do direito intertempo- ral, assim como os aspectos contratuais controvertidos na incorporação imobiliária ambos por conta da alcunhada “lei dos distratos” (Lei Federal n. 13.786/2018); o direito de preferência e seu funcionamento quando da alienação de imóveis através de fundos de investimento imobiliário; o direito de construir e a proteção dos imó- veis objeto de tombamento; estudo acerca dos limites às contrapartidas urbanísti- cas quando da aprovação de empreendimentos imobiliários; o incorporador e sua qualificação à luz do artigo 67-A da Lei Federal n. 4591/64. Percebe-se, portanto, que cada um dos temas e, à originalidade de cada um de seus Autores, está a contribuir com aquilo que poderia ser ainda melhor obser- vado e avaliado neste universo que é o direito enquanto objeto das questões, direta e/ou indiretamente, relacionadas ao assim denominado “imobiliário”. Um oceano de possibilidades que suplicam pelo árduo trabalho de nós que somos, certamente, apaixonados pelo que nos dedicamos a desenvolver e a debater: a expansão das bases da ciência do direito sob a específica lente do “imobiliário”. Grande Missão. E diga-se mais: quanto empreendedorismo aquilatar em laudas um pensa- mento e, sobretudo, se submeter à leitura e, quiçá, avaliação dos centenas e quase um milhar de associados de nosso IBRADIM – sim, nosso! De uma grandeza que merece aplausos mesmo que silenciosos em essência. Nós, os associados do IBRADIM, desejamos em corpo único a mesma coisa, ou seja, o seu Sucesso e, portanto, que seja ele desfrutado igualmente por cada um de seus membros, tudo de forma a escudar a si mesmo e, em assim o sendo, zelando tudo e todos por sua perenidade. Enfim, o segundo número da Revista de uma família que se faz composta por todos nós e que se dedica ao apreender e ao dividir e, vice-versa, em uma cons- tância e alternância que causam admiração e que, neste ato de sua publicização, passa a pertencer ao Mundo. Como disse o caro Gomide no editorial da primeira edição: “Vida Longa ao IBRADIM e à sua Revista Acadêmica!” Marcelo Barbaresco Aprendiz eterno e Vice Presidente do IBRADIM Alexandre Junqueira Gomide1 Introdução A recém-sancionada Lei 13.786/2018 trouxe substanciais alterações às Leis 4.591/1964 (Incorporação Imobiliária) e 6.766/1979 (Parcelamento do Solo Urba- no). Tais preceitos, certamente, trouxeram impactos relevantes no mercado imobi- liário brasileiro e, por isso, algumas reflexões merecem ser realizadas.Não obstante a lei trazer diversas alterações à Lei de Incorporações Imobiliárias (4.591/1964), dentre elas, (i) obrigatoriedade de o contrato conter quadro-resumo; (ii) permissão (agora legal) do que se intitula “cláusula de tole- rância”, ou seja, autorização de prorrogação do prazo de entrega do imóvel por até 180 dias corridos da data estipulada no contrato2, o presente artigo pretende tratar tão somente dos aspectos relativos à extinção do contrato de promessa de compra e venda sob a égide da Lei de Incorporação Imobiliária (artigos 43-A e 67-A). 1 Mestre e Doutorando em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista e Mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em Portugal. Professor de cur- sos de Pós-Graduação de diversas instituições. Autor de artigos e obras jurídicas, em especial Direito de Arrepen- dimento (Almedina, 2014) e Contratos built to suit: aspectos controvertidos de uma nova modalidade contratual (Revista dos Tribunais, 2017). Colaborador do Blog Civil & Imobiliário (www.civileimobiliario.com.br). Fundador do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário. Membro efetivo do Instituto dos Advogados de São Paulo. Advogado, parecerista e sócio de Junqueira Gomide & Guedes Advogados (www.junqueiragomide.com.br). 2 A cláusula de tolerância foi duramente criticada por Otavio Luiz Rodrigues Junior, que asseverou que a alteração legislativa institucionalizou “a mora de 180 dias dos incorporadores na entrega dos imóveis, retirando-se qual- quer efeito jurídico desse retardo. A lei criou uma espécie de ‘mora à brasileira’, uma mora com termo de graça preestabelecido em favor da parte mais forte”. (RODRIGUES JÚNIOR, Otavio Luiz. Retrospectiva 2018: Leis, livros e efemérides do direito civil. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jan-02/retrospectiva-2018- -leis-livros-efemerides-direito-civil?fbclid=IwAR2c6C7GLlj84-ef6FChBrksx-w02zfGvcCiX78Xq0GM_AndW9CCE- 7ezaH4. Acesso em 4 jan. 2019. LEI 13.786/2018 (LEI DOS “DISTRATOS”): ASPECTOS CONTROVERTIDOS DECORRENTES DA EXTINÇÃO DA RELAÇÃO CONTRATUAL NA INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA Revista IBRADIM de Direito Imobiliário 8 No 2 | Julho 2019 Inicialmente, contudo, importante relembrar que os contratos, no Direito Ci- vil brasileiro, são e sempre foram instrumentos jurídicos que vinculam as partes. Os contratantes negociam e assinam contratos porque querem ter a segurança de que seja cumprido o que foi estabelecido nas tratativas e consolidado no instrumento. Muito embora boa parte da doutrina (sobretudo a mais “moderna”) tenha tentado mitigar a importância do princípio pacta sunt servanda, o fato é que não se pode retirar o caráter de obrigatoriedade e vinculação das partes às obrigações estabe- lecidas nos contratos. Feito esse importante registro, prosseguimos. 1 Extinção da relação contratual na Lei 4.591/1964 e as alterações da Lei 13.786/2018 A Lei 13.786/2018 acresceu os artigos 43-A e 67-A à Lei 4.591/1964. Tais dispositivos passam a regular algumas hipóteses de extinção do contrato de pro- messa de compra e venda de imóveis sob o regime da incorporação imobiliária. Antes de tratarmos a respeito das alterações trazidas pelo novo texto legal, importante destacar que, desde o ano de 2001, quando editada a Medida Provisó- ria 2.221/2001, convertida na Lei 10.931/2004, que alterou o art. 32 § 2º3 da Lei 4.591/64, foi determinada a irretratabilidade de tal instrumento. Nesses termos, pode-se dizer que, desde 2001 até a aprovação da Lei 13.786/2018, qualquer pessoa que se dirigisse ao estande de vendas e assinasse um contrato de promessa de compra e venda de unidade alienada sob o regime da incorporação imobiliária não poderia pura e simplesmente se arrepender do contra- to, pleiteando a extinção da relação contratual. Assim, não obstante entendimentos respeitáveis contrários4, reitere-se que o contrato de compra e venda de imóvel sob a égide da Lei 4.591/1964 não autori- 3 Art. 32, § 2o Os contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas são irretratáveis e, uma vez registrados, conferem direito real oponível a terceiros, atribuindo direito a adjudicação compulsória perante o incorporador ou a quem o suceder, inclusive na hipótese de insolvência posterior ao término da obra. (Redação dada pela Lei 10.931, de 2004) 4 Carlos E. Elias de Oliveira e Bruno Mattos e Silva, por uma série de motivos, dentre eles o “direito à saída hon- rosa do contrato”, defendem que é permitida a resilição unilateral ao adquirente na Lei 4.591/1964, quando há relação de consumo. Segundo os autores “havendo relação de consumo, a vulnerabilidade jurídica, informacional, técnica e econômica do consumidor precisa ser protegida e, nesse sentido, a resilição unilateral imotivada deve ser admitida se o saldo devedor ainda não tiver sido integralmente pago. Se o contrato for textualmente contrá- rio, ele é nulo nessa parte por ofensa aos arts. 473 do CC e 51 do CDC”. (OLIVEIRA, Carlos E. Elias de; MATTOS E Revista IBRADIM de Direito Imobiliário No 2 | Julho 2019 9 zava que o adquirente pudesse extinguir de forma unilateral e imotivada, mediante alguma das formas permitidas pela resilição unilateral. A irretratabilidade dos instrumentos justifica-se uma vez que a incorpora- ção imobiliária somente pode prosperar, evidentemente, caso a coletividade dos adquirentes cumpra suas obrigações. A partir do momento em que uma parte dos adquirentes resolve pura e simplesmente desistir do contrato, o sucesso da incor- poração imobiliária fica comprometido. Ameaçado o recebimento do crédito pro- metido pelos adquirentes, ameaçada estará a obra e, portanto, toda a coletividade dos compradores do empreendimento. De todo modo, embora a promessa de compra e venda de unidades seja irretratável, isso não significa que o contrato não possa ser extinto. Isso porque, sabemos, o Código Civil dispõe sobre a extinção dos contratos, em geral. Nesses termos, o Código Civil permite a extinção dos contratos por acordo entre as partes (distrato – art. 472) ou, ainda, por resolução quando há (i) descumprimento contra- tual (art. 475) ou (ii) onerosidade excessiva (art. 478). Pois bem. Fato é que, infelizmente, os tribunais brasileiros, nos últimos anos, não de- ram a atenção necessária para o fato de que a promessa de compra e venda de unidade no regime da incorporação imobiliária obriga as partes e não pode ser extinta unilateralmente pelo adquirente por mero arrependimento ou outra forma de resilição unilateral, porque irretratável. A Lei 4.591/1964 não permite, a exemplo da Lei 8.245/1991, que o locatário possa denunciar o contrato a qualquer tempo, bastando, para tanto, informar o locador do seu interesse em resilir unilateralmen- te o contrato e pagar a multa proporcional estabelecida pelo art. 4º, da Lei do Inquilinato. Assim, não obstante a cristalina redação do art. 32, § 2º, da Lei 4.591/1964, os tribunais passaram a conferir interpretação extensiva a esse dispositivo e, não raras vezes, passaram a permitir a extinção do contrato não apenas nas hipóteses de distrato ou resolução; mas, também, em casos em que havia, evidentemente, mero arrependimento ou qualquer outra hipótese que não justificasse o desfazi- mento do vínculo contratual. SILVA, Bruno. A recente Lei do Distrato (Lei nº 13.786/2018): o novo cenário jurídico dos contratos de aquisição de imóveis em regime de incorporação imobiliária e em loteamento. Disponível em: https://www.conjur.com.br/ dl/artigo-lei-distrato.pdf. Acesso em 12 jan. 2018). Com a devida vênia, discordamos frontalmente da posição dos autores, ressaltando que a legislação nacional em vigor não pode ser simplesmente desconsiderada porque parte da doutrina discorda de seus termos. Revista IBRADIM de Direito Imobiliário 10 No 2 | Julho 2019 A Súmula n. 1, do Tribunal de Justiça de São Paulo (cuja redação, diga-se, não é das mais técnicas),por exemplo, pode levar o intérprete a imaginar que o adquirente tem a possibilidade de extinguir o contrato de forma unilateral e sem qualquer motivação: Súmula 1. O Compromissário comprador de imóvel, mesmo inadim- plente, pode pedir a rescisão do contrato e reaver as quantias pagas, admitida a compensação com gastos próprios de administração e propaganda feitos pelo compromissário vendedor, assim como com o valor que se arbitrar pelo tempo de ocupação do bem. Nesse sentido, atente-se, por exemplo, a caso em que já atuamos e objeto de artigo anteriormente publicado5, em que o magistrado de primeiro grau, na sen- tença, determinou a extinção no contrato de compra e venda com fundamento na Súmula n. 1, do Tribunal de Justiça de São Paulo, consignando o seguinte: Quanto ao desejo de rescindir o contrato, temos que este é garan- tido a qualquer parte integrante de um acordo, já que ninguém é obrigado a manter-se no cumprimento de um negócio ao qual não mais lhe interessa. E não apenas magistrados de primeiro grau passaram a entender que o ad- quirente (sobretudo quando consumidor) poderia resilir unilateralmente tais con- tratos. Há uma série de julgados, por exemplo, no Tribunal de Justiça de São Pau- lo, determinando a extinção do vínculo contratual em razão da resilição unilateral manifestada pelo adquirente6. Há julgado, diga-se, confundindo categorias contra- tuais distintas, que autoriza, inclusive, “resilição por inadimplemento contratual dos adquirentes7”. 5 GOMIDE, Alexandre Junqueira. Tempos de incertezas. Fim da vinculação das partes aos contratos? https:// www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI231277,11049-Tempos+de+incertezas+Fim+da+vinculacao+das+p artes+aos+contratos. Acesso em 15 de maio 2019. 6 Defendendo o cabimento da resilição unilateral em razão da Súmula 1 do TJSP, vide: Apelação 1037338- 53.2016.8.26.0576; Relator (a): Edson Luiz de Queiróz; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José do Rio Preto - 8ª Vara Cível; Data do Julgamento: 20/12/2018; Data de Registro: 20/12/2018. Em outro julgado, asseverou-se que “a lei consumerista autoriza a resilição do compromisso de compra e venda por con- veniência do comprador (artigos 6º, V, 51, II, 53 e 54). No mesmo sentido vem a Súmula 1 desta corte” (TJSP; Apelação 1037516-86.2014.8.26.0506; Relator (a): Galdino Toledo Júnior; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Ribeirão Preto - 10ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/11/2018; Data de Registro: 14/12/2018). 7 Nesse sentido, vide APELAÇÃO. Ação de rescisão contratual c.c. restituição de quantias pagas. Compromis- so de compra e venda. Resilição por inadimplemento contratual dos adquirentes. Sentença que rescinde o contrato e condena a ré a restituir 90% do total pago pelos promitentes compradores, bem como valores pagos a título de comissão de corretagem. Reconhecimento da nulidade de cláusulas contratuais. Art. 51, inciso IV, Revista IBRADIM de Direito Imobiliário No 2 | Julho 2019 11 Justamente em razão de decisões desarrazoadas como essas é que o mer- cado imobiliário passou a criticar duramente a facilidade com que os adquirentes poderiam extinguir os contratos e ainda obter a restituição de percentual entre 80% e 90% dos valores pagos8. Dados estatísticos demonstram, por exemplo, que, em 2016, mais de qua- renta mil unidades tiveram as vendas canceladas até novembro, o equivalente a 44% das vendas totais no período9. A reação do mercado imobiliário foi justamente pleitear uma alteração legis- lativa que pudesse readequar a jurisprudência brasileira que permitia que qualquer adquirente pudesse extinguir o contrato de forma unilateral e sem motivação, ou seja, como se fosse admitida a resilição unilateral para extinção do contrato de promessa de venda regulado pela Lei 4.591/1964. do CDC. RECURSO DA RÉ. Nulidade das cláusulas contratuais que prevalece, haja vista a abusividade (art. 51, IV, do CPC). Retenção que deve ficar restrita a 20% dos valores pagos pelos compromissários compradores tão somente pelo imóvel. (TJSP; Apelação 1007053-45.2014.8.26.0286; Relator (a): Cristina Medina Mogioni; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Itu - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 13/12/2018; Data de Registro: 13/12/2018), 8 APELAÇÃO CÍVEL – COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – RESCISÃO CONTRATUAL – Resolução da avença operada em face do inadimplemento dos compradores – Restituição de 80% (oitenta por cento) dos valores pagos pela aquisição do bem imóvel, em uma única oportunidade, com atualização dos valores a partir de cada desembolso, e com juros moratórios devidos a partir do trânsito em julgado, uma vez que o desfazi- mento do negócio ocorreu por iniciativa dos promitentes compradores – Precedentes do STJ – Súmula 02 do TJSP – Inadmissibilidade da rescisão ocorrer nos termos contratados – Abusividade reconhecida – Inteligência do artigo 51, inciso IV, do CDC – Insurgência contra a cobrança de valores de comissão de corretagem e taxa SATI em contrato de compra e venda de imóvel – Aplicação do artigo 1.040, III, do CPC/15 – Tese firmada pelo C. STJ no julgamento do REsp repetitivo 1.599.511/SP – Comissão de corretagem indevida, havendo valores a serem restituídos – Devolução da SATI, de forma simples – Sentença reformada – APELAÇÃO DOS AUTORES PARCIAL- MENTE PROVIDA”. (TJSP; Apelação 1003940-17.2014.8.26.0114; Relator (a): Dimitrios Zarvos Varellis; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro de Campinas - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 18/12/2018; Data de Registro: 18/12/2018) APELAÇÃO – Ação de Resolução Contratual - Instrumento Particular de Promessa de Venda e Compra de Uni- dade Autônoma – Ação ajuizada pelo compromissário comprador, requerendo a rescisão do negócio de compra e venda e a devolução de 90% das quantias pagas – Sentença de parcial procedência – Inconformismo da ré – Alegação de que a devolução dos valores pagos deve observar os critérios estabelecidos no contrato entabulado entre as partes – Descabimento – Manifesta abusividade da cláusula contratual resolutiva por acarretar em inexistência de montante a ser restituído – Retenção de 10% do valor pago que é suficiente para atender a compensação das despesas efetuadas pela ré – Devolução que deve ocorrer de uma só vez – Inteligência das Súmulas nº 2 e 3 do TJ/SP – Sentença que, todavia, deve ser reformada para estabelecer que os juros de mora incidentes sobre o montante a ser restituído à autora serão contados a partir da data sentença – Recurso parcialmente provido. (TJSP; Apelação 1006218-87.2016.8.26.0609; Relator (a): José Aparício Coelho Prado Neto; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Taboão da Serra - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/11/2018; Data de Registro: 10/12/2018). 9 BONATELLI, Circe. Brasil destoa de outros países ao permitir distrato de imóveis, mostra estudo. https://eco- nomia.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-destoa-de-outros-paises-ao-permitir-distrato-de-imoveis-mostra- -estudo,70001652039. Acesso em 15 de maio 2019. Revista IBRADIM de Direito Imobiliário 12 No 2 | Julho 2019 Nesse sentido foi promulgada a Lei 13.786/2018. A medida atende à boa técnica jurídica? Acreditamos que não. A medida era necessária? Na realidade, parece-nos que a medida era desnecessária a considerar os instrumentos já previstos no Código Civil, que autorizam e regulam a extinção contratual. De todo modo, a partir de uma interpretação inadequada dos tribunais, acreditamos ter sido medida salutar. A lei tem um principal objetivo: realinhar a interpretação do contrato de promessa de venda à irretratabilidade prevista na Lei 4.591/1964. O que foi alterado, a partir da nova Lei, especificamente a respeito da extin- ção contratual? 1.1 Direito de arrependimento e irretratabilidade do contrato Como dissemos no início deste artigo, desde 2001, o contrato de compra e venda de imóveis regido pela incorporação imobiliária era, segundo o art. 32, § 2º, da Lei 4.591/1964,irretratável, ou seja, não se admitia que houvesse a extinção imotivada pelas partes. A partir da Lei 13.786/2018, o adquirente dispõe de uma hipótese legal para extinguir unilateralmente o contrato, sem o pagamento de qualquer multa. Nesses termos, a Lei cria um direito potestativo (direito de arrependimento) em que o ad- quirente pode, sem qualquer motivação, arrepender-se da aquisição realizada, des- de que o faça a partir de carta registrada. Nessa oportunidade, exercido o direito de arrependimento, o adquirente poderá receber de volta a totalidade dos valores pagos, inclusive a comissão de corretagem paga. O direito de arrependimento, segundo a nova lei, cabe apenas para “os con- tratos firmados em estande de vendas e fora da sede do incorporador ou do estabe- lecimento comercial” (art. 35-A, inciso VIII e art. 67-A, § 10º, da Lei 13.786/2018). Ultrapassado o prazo de sete dias, a lei é clara (art. 67-A, § 12º) quanto à retomada da regra da irretratabilidade, nos exatos termos do art. 32, § 2º, da Lei 4.591/1964. Assim, nas hipóteses de venda em estande de vendas ou fora da sede do incorporador ou do estabelecimento comercial, a Lei cria uma condição resolu- tiva em favor do adquirente. Parece salutar tal medida. A compra de imóvel no estande de vendas pode ser realizada sem a necessária reflexão pelo adquirente, principalmente quando se trata da aquisição do primeiro imóvel residencial. O impulso do adquirente muitas Revista IBRADIM de Direito Imobiliário No 2 | Julho 2019 13 vezes é inflamado pelo corretor imobiliário. O prazo de sete dias é louvável porque permite ao adquirente, ao retornar à sua residência, avaliar se de fato as obrigações a que se vinculou poderão ser, efetivamente, cumpridas. Na realidade, pensamos que o direito de arrependimento poderia ser ampliado não apenas para as hipóteses de o contrato ter sido celebrado no estande de vendas ou fora da sede do incorpo- rador, mas em qualquer hipótese, desde que o adquirente fosse qualificado como consumidor, nos termos do art. 2º, do Código de Defesa do Consumidor. O direito de arrependimento conferido na Lei 13.786/2018 foi influenciado pelo art. 49, do Código de Defesa do Consumidor, que somente autoriza o arrepen- dimento em casos de compra realizada “fora do estabelecimento comercial”. Pen- samos que a Lei 13.786/2018 poderia ter aproveitado a oportunidade para conferir sempre, em favor do adquirente vulnerável, a possibilidade de arrependimento. Em nossa opinião, não faz sentido conferir o arrependimento imotivado para o caso de empresas patrimoniais, por exemplo (embora, pela nova Lei, mesmo as empresas adquirentes de imóveis também possam exercer tal direito). 1.2 Distrato Antes da aprovação da Lei 13.786/2018, o projeto que lhe deu ensejo (PL 1.220/2015) era conhecido como “PL dos Distratos”. O nome não era o mais ade- quado, porque a ideia era tratar, sobretudo, a questão da resolução dos contratos por inadimplemento do adquirente. O distrato, como nos ensina Carlos Alberto Bittar10, é o acordo por meio do qual as partes põem fim à relação contratual. Segundo Pontes de Miranda11, é trato em sentido contrário, ou seja, contrarius consensus. É curioso notar que o art. 67-A da Lei 4.591/1964, no mesmo dispositivo, traz as consequências para o distrato e para a resolução. Segundo o caput, seja em caso de distrato, seja resolução por inadimplemento do adquirente, esse “fará jus à restituição das quantias que houver pago diretamente ao incorporador, atualizadas com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel, delas deduzidas, cumulativamente: I - a integralidade da comissão de corretagem; II - a pena convencional, que não poderá exceder a 10 BITTAR, Carlos Alberto. Direito dos contratos e dos atos unilaterais. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, p. 163. 11 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. v. 25, § 3.078. Rio de Janeiro: Borsoi, 1959, p. 281. Revista IBRADIM de Direito Imobiliário 14 No 2 | Julho 2019 25% (vinte e cinco por cento) da quantia paga”. A retenção de valores, poderá alcançar até 50% dos valores pagos quando a incorporação estiver sujeita ao patri- mônio de afetação (art. 67-A, § 5º). Alem disso, segundo o art. 67-A, § 2º, “em função do período em que teve disponibilizada a unidade imobiliária, responde ainda o adquirente” pelas “I - quan- tias correspondentes aos impostos reais incidentes sobre o imóvel; II - cotas de condomínio e contribuições devidas a associações de moradores; III - valor corres- pondente à fruição do imóvel equivalente a cinco décimos por cento sobre o valor atualizado do contrato, pro rata die; IV - demais encargos incidentes sobre o imóvel e despesas previstas no contrato”. Ora, se o distrato é um acordo, qual a razão de as partes se vincularem às bases determinadas na Lei? Não nos parece tecnicamente correto que a lei tenha estabelecido as bases em que as partes ficam sujeitas em caso de acordo. É no mínimo estranho a lei ter disciplinado a consequência jurídica da extinção por reso- lução (descumprimento) e distrato (acordo), no mesmo dispositivo. Estamos certos de que, a partir do acordo firmado entre as partes, o incor- porador poderia reter, por exemplo, em vez de 25% dos valores pagos, apenas 10%, quando, por exemplo, a extinção do contrato fosse realizada sem grandes prejuízos ao incorporador. Aliás, é justamente isso o que determina o § 13º, do art. 67-A, que autoriza que “poderão as partes, em comum acordo, por meio de instrumento específico de distrato, definir condições diferenciadas das prevista nesta Lei”. A interpretação correta da lei, evidentemente, é permitir que o incorpora- dor possa firmar distrato em bases mais favoráveis ao adquirente. Vejamos um exemplo. Adquirente comparece ao estande de vendas, compra imóvel no valor de R$ 1.000.000,00, oferecendo entrada de R$ 100.000,00. É ultrapassado o prazo do di- reito de arrependimento e nada faz. Alguns dias depois (mas já transcorrido o prazo de sete dias), perde o emprego e procura a incorporadora em busca de um acordo. A incorporadora, verificando não haver grandes prejuízos (sobretudo porque há ou- tros interessados no imóvel), pode concordar em devolver, nessa hipótese, 90% do valor pago, ou seja, R$ 90.000,00, fazendo retenção de apenas R$ 10.000,00, não obstante a incorporação imobiliária estar submetida ao patrimônio de afetação, o que permitiria à empresa retenção de R$ 50.000,00. A devolução dos valores, em caso de distrato, também pode ocorrer de forma imediata, não sendo necessário aguardar os prazos estabelecidos nos artigos 67-A, § 4º e 5º. É essa a autorização conferida no § 13º, do art. 67-A. Revista IBRADIM de Direito Imobiliário No 2 | Julho 2019 15 Mas vamos além. Vamos imaginar o contrário. Adquirente comparece ao es- tande de vendas, adquire imóvel pelo valor de R$ 1.000.000,00, oferecendo peque- na entrada de R$ 2.000,00 (dois mil reais). Ultrapassado o prazo de sete dias, ele se arrepende da compra e procura a empresa para realizar acordo. O adquirente, nessa hipótese, concorda em receber apenas 35% dos valores pagos (e não 50%, porque a incorporação era submetida ao patrimônio de afetação) uma vez que a entrada oferecida foi pouco expressiva. A concordância do consumidor em tais termos está sujeita à devolução imediata dos valores (e não da forma diferida imposta pelo art. 67-A, § § 5º e 6º), o que é aceito pelo incorporador. Nessa hipótese, com funda- mento no § 13º, o distrato poderia futuramente ser anulado por conter cláusula abusiva? Nesse caso em específico, pensamos que não. Todavia, acreditamos que doutrina e jurisprudência passarão a entender que os limites máximos são aqueles impostos na Lei e, portanto, o distrato poderia ser anulado. Não obstante o quanto previsto no § 13º, fato é que não nos pareceu tec- nicamente correto que o art. 67-A tenha disciplinado, no mesmo dispositivo,as consequências jurídicas pelo desfazimento do contrato seja em razão de distrato, seja em razão de resolução contratual. Da mesma forma, a prefixação dos percentuais estabelecidos na Lei 13.786/2018 retira do juiz a possibilidade de análise do caso concreto. Em algumas hipóteses, portanto, a multa a ser paga pelo adquirente pode parecer exagerada. Em outros casos (sobretudo quando o valor pago pelo adquirente é muito baixo), a retenção de valores pode ser irrisória e o prejuízo da incorporadora pelo descumpri- mento do adquirente maior do que o valor retido. 1.3 Resolução A resolução contratual por inadimplemento tem fundamento no art. 475, do Código Civil12. Segundo Ruy Rosado de Aguiar Júnior13, a resolução é um modo de extinção dos contratos decorrente do exercício de um direito formativo do credor diante do incumprimento do devedor. A Lei 13.786/2018 estabelece a resolução contratual por culpa do incorpo- rador (art. 43-A) ou por culpa do adquirente (art. 67-A). 12 “Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”. 13 AGUIAR, Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2ª ed. Rio de Janeiro: AIDE, 2004, p. 21. Revista IBRADIM de Direito Imobiliário 16 No 2 | Julho 2019 O descumprimento contratual do incorporador é verificado, por exemplo, quando a entrega do imóvel ultrapassar 180 dias do prazo estabelecido no contrato, oportunidade em que o adquirente poderá optar por pleitear a resolução do contra- to, com a devolução da integralidade dos valores pagos (art. 43-A, § 1º) ou, caso prefira, por manter hígido o contrato e por ocasião da entrega da unidade, receber indenização de 1% (um por cento) do valor efetivamente pago à incorporadora, para cada mês de atraso, pro rata die, corrigido monetariamente (art. 43-A, § 2º). Quando o descumprimento contratual é do adquirente, as consequências jurídicas estão previstas no art. 67-A que, como visto, são idênticas àquelas pre- vistas para o distrato amigável. Contudo, diferentemente do distrato, a resolução contratual não requer a concordância do adquirente. Não se trata de acordo entre as partes. A resolução autoriza ao credor a extinção contratual. A resolução do contrato, na hipótese do art. 67-A, decorre do inadimplemen- to absoluto de obrigação do adquirente. O inadimplemento absoluto do adquirente na promessa de compra e venda sob o regime da incorporação imobiliária requer, nos termos do art. 1º, do Decreto 745/196914, interpelação do comprador por via judicial ou por intermédio do cartório de Registro de Títulos e Documentos. Ultra- passados quinze dias desde a interpelação, estará o adquirente em mora absoluta e, portanto, sujeito às determinações do art. 67-A. É acertada a decisão de perda integral da comissão de corretagem paga pelo adquirente em caso de resolução por culpa exclusivamente sua (art. 67-A, inciso I). Se o corretor cumpriu a sua obrigação (intermediação imobiliária) e recebeu a comissão devida, ela não pode ser devolvida em caso de descumprimento de obrigação pelo adquirente. Também não faria sentido que o incorporador tivesse prejuízo em razão do descumprimento do adquirente. A jurisprudência, diga-se, já trilhava esse caminho15. 14 Art. 1o Nos contratos a que se refere o art. 22 do Decreto-Lei 58, de 10 de dezembro de 1937, ainda que não tenham sido registrados junto ao Cartório de Registro de Imóveis competente, o inadimplemento absoluto do promissário comprador só se caracterizará se, interpelado por via judicial ou por intermédio de cartório de Regis- tro de Títulos e Documentos, deixar de purgar a mora, no prazo de 15 (quinze) dias contados do recebimento da interpelação. (Redação dada pela Lei 13.097, de 2015). 15 COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – Imóvel – Resolução do contrato por impossibilidade econômica – Frustração do financiamento pretendido pelo autor – Inexistência de provas nos autos a permitir que se im- pute a qualquer das partes a culpa pelo insucesso do negócio – Pedido de resolução do contrato corretamente acolhido – Efeito "ex tunc" da sentença resolutória – Devida a devolução por ambas as rés de 75% das parcelas do preço pagas – Condenação solidária que se impõe – Restituição das verbas de intermediação que, contudo, não é devida por força da extinção do contrato – Corretagem atingiu seu escopo, com aproximação útil das partes – Arrependimento/impossibilidade posterior do adquirente que não afasta o direito da intermedia- Revista IBRADIM de Direito Imobiliário No 2 | Julho 2019 17 Resta saber, ainda, qual a razão de o legislador ter estipulado multa em per- centual muito mais elevado em caso de existência de patrimônio de afetação. No regime do patrimônio de afetação, como se sabe, “o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes” (art. 31-A, da Lei 4.591/1964). O patrimônio de afetação é, certamente, uma grande proteção ao adquiren- te16. De todo modo, qual a razão de a multa ser muito maior quando existe o patrimô- nio de afetação? Talvez a intenção do legislador tenha sido incentivar o empresário a submeter a incorporação imobiliária ao patrimônio de afetação por meio da multa maior nesse regime. São conjecturas, mas de outro modo, não conseguimos visua- lizar a justificativa da discrepância da multa quando há o patrimônio de afetação. 1.4 Prazos para devolução dos valores pagos A Lei 13.786/2018 determina que a devolução dos valores ocorrerá nos se- guintes termos: a) Sendo a incorporação imobiliária submetida ao patrimônio de afetação: a devolução ocorrerá no prazo máximo de 30 dias após a expedição do habite-se (art. 67-A, § 5º); b) Não sendo a incorporação imobiliária submetida ao patrimônio de afeta- ção: a devolução ocorrerá após o prazo de 180 dias contado do desfazi- mento do contrato (art. 67-A, § 6º). Para ambas as hipóteses, havendo a revenda da unidade antes de transcor- rido tais prazos, o valor remanescente e devido ao adquirente será pago em até 30 (trinta) dias da revenda (art. 67-A, § 7º). Não há dúvidas de que a extinção da relação contratual por resolução (cul- pa do adquirente) implica prejuízos ao incorporador, uma vez que ele deixará de dora à percepção da respectiva comissão – Danos morais inexistentes no caso em tela – Redistribuição da sucumbência – Recurso provido em parte. (TJSP; Apelação 1013957-22.2015.8.26.0068; Relator (a): Francisco Loureiro; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro de Barueri - 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 24/07/2017; Data de Registro: 24/07/2017). 16 Ver mais em: MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Patrimônio de Afetação. Entrevista ao blog do Direito Civil & Imobiliário. http://civileimobiliario.web971.uni5.net/entrevista-prof-des-marco-aurelio-bezerra-de-melo-patrimo- nio-de-afetacao/. Acesso em 15 de maio 2019. Revista IBRADIM de Direito Imobiliário 18 No 2 | Julho 2019 receber o crédito prometido pelo adquirente. A ausência do crédito prometido e a imediata devolução em razão do descumprimento do adquirente pode trazer riscos à continuidade da obra (sobretudo quando o percentual de adquirentes inadimplen- tes é elevado). Nesses termos, é razoável a Lei determinar que o adquirente seja reembol- sado somente após prazo que não ponha em risco a continuidade da obra. O prazo de até 180 dias corridos é justificável (para a hipótese de não existir o patrimônio de afetação). É possível imaginar que após a resolução do contrato, em até 180 dias o incorporador encontrará outro pretenso comprador. De todo modo, não sabemos qual a justificativa para que o prazo seja tão mais elástico para a hipótese de a incorporaçãoestar sujeita ao patrimônio de afetação (somente quando finalizada a obra e obtido o habite-se – art. 67-A, § 5º). Nessa hipótese, se o adquirente comprar o imóvel antes do início das obras, poderá ter de aguardar o reembolso dos valores até o término das obras, que nor- malmente ocorre em 36 meses (ou aproximadamente 1.080 dias). Destaque-se que, para ambas as hipóteses, os valores a serem restituídos serão, sempre, atualizados pelo índice contratualmente estabelecido para a corre- ção monetária das parcelas estabelecida no preço do imóvel. A crítica à Lei a respeito do prazo de reembolso é que o art. 67-A, como já exposto anteriormente, consigna no mesmo dispositivo as consequências para a hipótese de distrato (acordo) e resolução (descumprimento). Nesses termos, o prazo para reembolso em caso de distrato e resolução, seria o mesmo. Trata-se, evidentemente, de um contrassenso. Esse contrassenso, contudo, como já referido anteriormente, é minorado pelo disposto no art. 67-A, § 13º, que autoriza às partes, em comum acordo, definir condições diferenciadas ao distrato. Se há benefícios ao adquirente, a Lei não pode proibir tal consenso. 2 Questões controvertidas e que aguardam posicionamento da doutrina e jurisprudência 2.1 Aplicação do art. 413 do Código Civil e redução dos percentuais de retenção Acreditamos que a Lei 13.786/2018 não resolverá todos os conflitos referen- tes à extinção dos contratos decorrentes da Lei 4.591/1964. Ademais, erros técni- cos já foram observados por autores renomados, dentre eles Otávio Luiz Rodrigues Revista IBRADIM de Direito Imobiliário No 2 | Julho 2019 19 Júnior17 que, referindo-se à Lei 13.786/2018, afirmou que “em assassínio da boa técnica, cria-se uma nova modalidade de cláusula penal com teto prefixado e não vinculada ao inadimplemento (necessariamente) culposo”. Ao final, asseverou que “haverá choro e ranger de dentes para se explicar esse assunto em sala de aula”. Outra crítica à Lei (em especial à possibilidade de a lei autorizar a retenção de até 50% dos valores pagos para a hipótese de a incorporação estar submetida ao patrimônio de afetação) foi exposta por Flávio Tartuce e Marco Aurélio Bezerra de Melo18. Segundo os autores, o patrimônio de afetação “não pode servir para transformar a extinção do contrato em uma fonte de enriquecimento sem causa. Uma pena de perda da metade do que se gastou, acrescida de outros valores, como a própria indenização pela utilização do imóvel, não se sustenta juridicamen- te, em nossa opinião doutrinária”. Em razão de tais críticas, resta saber se, eventualmente, o Poder Judiciário poderá ou não aplicar a regra geral do art. 413, do Código Civil, permitindo a redu- ção dos limites e percentuais estabelecidos na Lei. Por primeiro, é necessário que o leitor atente que nem todos os contratos referidos na Lei 4.591/1964 necessariamente devem prever retenções nos per- centuais de 25% ou 50%. A lei é clara ao dizer que, em caso de descumprimento contratual do adquirente, a pena pode ser estabelecida “até o limite de [...]” (art. 67-A, § 5º) ou “não poderá exceder a [...]” (art. 67-A, II). Assim, fica o incorporador livre para estipular, no contrato, o percentual que entender razoável, limitado aos limites impostos pela lei. Nesses termos, imaginando-se que o incorporador estabeleceu os limites máximos (mas admitidos e permitidos pela Lei), poderia o julgador reduzir a pena imposta ao adquirente? A questão não é simples. O art. 413, do Código Civil, determina que “a pena- lidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio”. 17 RODRIGUES JÚNIOR, Otavio Luiz. Retrospectiva 2018: Leis, livros e efemérides do direito civil. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jan-02/retrospectiva-2018-leis-livros-efemerides-direito-civil. Acesso em 11 jan. 2019. 18 TARTUCE, Flávio; MELO, Marco Aurélio Bezerra. Primeiras linhas sobre a restituição ao consumidor das quantias pagas ao incorporador na Lei 13.786/2018. Disponível em: https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/arti- gos/661995206/primeiras-linhas-sobre-a-restituicao-ao-consumidor-das-quantias-pagas-ao-incorporador-na- -lei-13786-2018. Acesso em 11 jan. 2019. Revista IBRADIM de Direito Imobiliário 20 No 2 | Julho 2019 É fácil imaginar a aplicação do artigo 413, do Código Civil, quando a cláusula penal é estabelecida em patamares manifestamente excessivos e contrários aos ditames da boa-fé. Ocorre que, nos termos da Lei 13.786/2015, é o próprio legis- lador quem estipula os limites de 25% (art. 67-A, inciso II) a 50% (art. 67-A, § 5º). A considerar que foi a própria Lei que impôs tais patamares, a regra do art. 413, do Código Civil, poderia ser aplicada? Isso significaria que o Poder Judiciário estaria reduzindo patamares permitidos pelo Poder Legislativo? Em princípio, se o incorporador estabeleceu a pena nos limites autorizados pela Lei, o art. 413 não poderia ser aplicado, uma vez que não se verifica penalidade “manifestamente excessiva”, mas, em verdade, em base admitidas por Lei Federal. Contudo, sabemos que o art. 413 é considerado norma de ordem pública19 e, nesses termos, não nos surpreenderá se em casos extremos o Poder Judiciário reduzir o percentual fixado pela Lei. É o que já defendem, por exemplo, Flávio Tar- tuce e Marco Aurélio Bezerra de Melo20. No mesmo sentido, André Abelha21 afirma que “não se pode afastar a possibilidade de redução, pelo Judiciário, da penalidade contratual pactuada, mesmo que ajustada pelas partes dentro dos limites previstos na Lei 13.786/2018”. O tema é complexo e merece maior desenvolvimento pela doutrina, antes que a jurisprudência adote um rumo não desejável. 2.2 Aplicação da lei aos contratos firmados antes da lei Quando editada a Lei, a academia jurídica discutia se os efeitos da extinção contratual decorrentes da Lei 13.786/2018 poderiam ser aplicados aos contratos firmados antes da vigência da lei. 19 Referindo-se aos contratos em geral, Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald defendem que a redução determinada no art. 413 é norma de ordem pública, não se permitindo a derrogação por convenção particular (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações. 4ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 536). Esse entendimento também é partilhado por Silvio Venosa (VENOSA, Silvio de Salvo de. Direito Civil: Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 175), Paulo Luiz Netto Lôbo (LÔBO, Paulo Luiz Netto. Teoria geral das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 310) e Flávio Tartuce (TARTUCE, Flavio. Direito civil: Teoria geral dos contratos e contratos em espécie. v. 3. 9ª ed. São Paulo: Método, 2014, p. 398), autor este que também assevera a ordem pública do dispositivo, sustentando que por guardar relação direta com o princípio da função social do contrato, deve sempre prevalecer, notadamente quan- do a multa for exagerada ou traduzir onerosidade excessiva à parte. 20 TARTUCE, Flávio; MELO, Marco Aurélio Bezerra. Primeiras linhas sobre a restituição ao consumidor das quantias pagas ao incorporador na Lei 13.786/2018. Disponível em: https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/arti- gos/661995206/primeiras-linhas-sobre-a-restituicao-ao-consumidor-das-quantias-pagas-ao-incorporador-na- -lei-13786-2018. Acesso em 11 jan. 2019. 21 ABELHA, André. Lei 13.786/2018: pode o juiz reduzir a cláusula penal? Coletânea IBRADIM Lei dos Distratos. Disponível em www.ibradim.org.br. Acesso em 30 maio 2019. Revista IBRADIM de Direito Imobiliário No 2 | Julho 2019 21 Inicialmente, o leitor pode lembrar que, nos termos do art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico per- feito e a coisa julgada”. No mesmo sentido, o art. 6º, da Lei de Introdução às nor- masdo Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657, de 4 de setembro de 1942) determina que “a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”. O conceito de ato jurídico perfeito é asseverado no § 1º, do art. 6º, do mes- mo Decreto-lei, ou seja, “o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou”. Segundo Maria Helena Diniz22, o ato jurídico perfeito “é o que já se tornou apto para produzir os seus efeitos”. Ainda segundo a autora, “se o contrato estiver em curso de formação, por ocasião da entrada em vigor da nova lei, esta se lhe aplicará na fase pré-contratual, por ter efeito imediato”. No exato e mesmo sentido é a doutrina de Carlos Maximiliano23, para quem “não se confundem contratos em curso e contratos em curso de constituição; só estes a norma hodierna alcança, não aqueles, pois são atos jurídicos perfeitos”. Assim, em princípio, com fundamento na proteção do ato jurídico perfeito, a nova lei não poderia alcançar os contratos celebrados e eficazes antes da vigência da Lei 13.786/201824. Essa mesma conclusão também poderia ser aplicada em razão do necessário respeito ao direito adquirido. O direito adquirido, novamente segundo Maria Helena Diniz25, “é o que já se incorporou definitivamente ao patrimônio e à personalidade de seu titular, de modo que nem a lei nem fato posterior possa alterar tal situação jurí- dica, pois há direito concreto, direito subjetivo e não direito potencial ou abstrato”. O exemplo dado pela autora, diga-se, parece ter sido pensado na Lei 13.786/2018. Segundo a autora, “se ‘A’ vier a comprar um apartamento de conformidade com as condições e formalidades impostas pela Lei ‘X’, a edição da norma ‘Y’, modificando aqueles requisitos, não terá eficácia sobre o direito adquirido anteriormente”. Mas a questão não é tão simples. O direito intertemporal e as regras do art. 6º da Lei impõem estudo dos autores clássicos, dentre eles Gabba, Roubier e 22 DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. 12ª ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2007, p. 191. 23 MAXIMILIANO, Carlos. Direito Intertemporal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1946. 24 Esse entendimento também parece ser o adotado nos termos da Ação Direta de Inconstitucionalidade 493, cujo relator foi o Min. Moreira Alves (julgada em 25 de junho de 1992) e, mais recentemente, no Ag. Reg. no Recurso Extraordinário 393.021-4, cujo relator foi o Min. Celso de Mello (julgado em 25 de novembro de 2003). 25 DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. 12ª ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2007, p. 193. Revista IBRADIM de Direito Imobiliário 22 No 2 | Julho 2019 outros26. Como bem demonstrado por Mário Luiz Delgado, “a proibição à retroativi- dade das leis civis tem sido abrandada pela jurisprudência em diversas situações”27. Ainda segundo o autor, “a retroatividade (e eficácia imediata) da lei posterior será sempre possível, ainda que em caráter excepcional, e depois de submetida à téc- nica de ponderação, quando se puder concluir que é a aplicação retroativa que melhor concretizará o valor justiça”28. A questão pode ser ainda mais tormentosa ao analisarmos o disposto no art. 2.035, do Código Civil. O dispositivo, diga-se, não foi pensado na Lei 13.786/2018, mas, sim, como bem observado por Fábio Azevedo29, na questão da transição entre o CC/1916 e o CC/2002. De todo modo, o art. 2.035 dispõe: Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, consti- tuídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determi- nada forma de execução. Como se vê, os efeitos do Código Civil de 2002 podem atingir negócio ju- rídico firmado quando da vigência do Código Civil de 1916. Segundo Pontes de Miranda30, a resolução e o distrato atingem a eficácia do contrato. Essa mesma conclusão é asseverada por Antônio Junqueira de Azevedo31. Nesses termos, fôssemos aplicar o art. 2.035 do Código Civil à questão aqui debatida, e a considerar que o distrato e a resolução contratual atingem o plano da eficácia, poderíamos dizer que a Lei 13.786/2018 tem aplicação imediata no tocan- te à extinção contratual? A questão não é complexa, mas complexíssima. 26 Confira-se mais no livro do Prof. Mário Delgado (DELGADO, Mário. Novo Direito Intertemporal Brasileiro: da retroatividade das leis civis. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014). 27 DELGADO, Mário. Novo Direito Intertemporal Brasileiro: da retroatividade das leis civis. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 427. 28 DELGADO, Mário. Novo Direito Intertemporal Brasileiro: da retroatividade das leis civis. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 430. 29 AZEVEDO, Fábio de Oliveira. Mora e extinção dos contratos: limites intertemporais da Lei 13.786/18. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jan-11/fabio-azevedo-limites-intertemporais-lei-1378618. Acesso em 14 jan. 2019. 30 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Parte especial. Tomo XXV. 2ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1959. A afirmação de que o distrato encontra-se no plano da eficácia é justificada no § 3.078, p. 281. Já a afirmação de que a resolução se encontra no plano da eficácia é justificada no § 3.091, p. 332. 31 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio Jurídico: existência, validade e eficácia. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 60-61. Revista IBRADIM de Direito Imobiliário No 2 | Julho 2019 23 Ruy Rosado de Aguiar32, por exemplo, em sua brilhante obra sobre a extin- ção dos contratos por incumprimento do devedor, defende que “a resolução não se rege pelo princípio geral único de aplicação da lei vigente ao tempo de formação do contrato, mas se dá do modo mais flexível, a fim de atender às suas particula- ridades”. Segundo o Autor, “a incidência do novo diploma se explica por se tratar de resolução legal, objeto de regulação legislativa com características de ordem pública, cuja alteração alcança os contratos de execução continuada ou diferida”33. Questão muito próxima foi analisada por Mário Luiz Delgado em brilhante parecer34. Delgado analisou se a Lei 13.465/2017 teria aplicação imediata a todos os contratos de alienação fiduciária de bens imóveis, regidos pela Lei 9.514/1997, ainda que pactuados antes da edição da Lei 13.465/2017. Segundo as conclusões de Mário Delgado, a Lei 13.465/2017 teria aplicação imediata, mesmo aos contra- tos firmados anteriores à referida lei. Dentre seus argumentos, sustentou o Prof. Delgado: [...] o brocardo tempus regit actum, um dos postulados do direito intertemporal obrigacional, não é absoluto, nem pode atingir todo e qualquer efeito de uma relação obrigacional pretérita, mas apenas os efeitos próprios, decorrentes diretamente do conteúdo da obrigação e da sua execução, abstraindo-se do brocardo todos os chamados efeitos impróprios ou indiretos, decorrentes da falta de execução da obrigação ou provenientes de causas extrínsecas ao vínculo, verifi- cadas em data posterior à formação do contrato. Os doutrinadores de escol nessa matéria, e também os mais citados na jurispru- dência brasileira, são unânimes em afirmar que a constituição em mora obedecerá, em parte, à lei vigente ao tempo da obriga- ção e, em parte, à lei vigente ao tempo da constituição em mora. A lei do tempo em que a obrigação foi contraída regulará os aspec- tos materiais da mora, enquanto as formalidades e procedimentos 32 AGUIAR, Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2ª ed. Rio de Janeiro: AIDE, 2004, p. 50-51. 33 Esse também parece ser o quanto defende Nancy Andrighi, em artigo publicado em 2003. Segundo a jurista, “A Lei de Introdução ao Código Civil adotou o critério de Roubier ao estabelecer que a lei em vigor terá efeito imedia- to geral atingindo os fatos futuros,sem abranger os fatos pretéritos. Assim, os contratos em curso, como os de execução continuada, apanhados por uma lei nova, são reféns da lei sob cuja vigência foram estabelecidos, ficando à sua mercê”. NANCY ANDRIGHI, Fátima. Aplicação do Novo Código Civil: Direito Intertemporal. Disponí- vel em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/9057-9056-1-PB.pdf. Acesso em 12 jan. 2019. 34 Versão reduzida do parecer pode ser extraída em DELGADO, Mario Luiz. A purgação da mora nos contratos de alienação fiduciária de bem imóvel. Uma questão de direito intertemporal. Revista de Direito Imobiliário. v. 41, nº 83. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano de publicação. Revista IBRADIM de Direito Imobiliário 24 No 2 | Julho 2019 serão regidos pela lei vigente ao tempo da inexecução da obrigação. Por isso, em havendo mora, regula-se a purgação pela lei do tempo da mora, e não pela lei da época do contrato, porque diz respeito ao modo de executar o convencionado, não constituindo um efeito direto da estipulação primitiva. Nesse sentido trouxemos os escólios doutrinários de CAMPOS BATALHA, CARLOS MAXIMILIANO, SERPA LOPES, ROUBIER E GABBA. Fábio de Azevedo35, por sua vez, asseverou que “se o contrato de promessa de compra e venda ou cessão prevê um percentual a título de cláusula penal, pouco importando se inferior ou superior ao fixado pelo art. 67-A, tal estipulação estará constitucionalmente imune à aplicação da nova lei”. Em conversas via aplicativo, o Prof. José Fernando Simão36 afirmou que “não se pode negar a eficácia à lei nova se a resolução se deu sob a sua égide”. Assim, para Simão, se o inadimplemento contratual e o ato resolutivo ocorrem enquanto vigente a nova Lei, aplicam-se os efeitos e consequências da Lei 13.786/2018, porque tempus regit actum. A primeira decisão judicial a que se teve conhecimento, oriunda do Tribunal de Justiça de São Paulo37, determinou a aplicação imediata da Lei 13.786/2018, mesmo em contrato firmado antes da sua vigência. Segundo o magistrado, [...] Ressalto que não vislumbro, de momento, qualquer inconstitu- cionalidade formal ou material para a não aplicação imediata da lei. Inclusive por estar-se diante, no entendimento deste magistrado, de norma de retroatividade média, qual seja, se opera quando a nova lei, sem alcançar os atos ou fatos anteriores, atinge os seus efeitos ainda não ocorridos (efeitos pendentes). Desse modo, embora a lei não alcance a data da assinatura do contrato, a rescisão ou mais tecnicamente, a resilição contratual é efeito pendente, por isso alcançando assim a presente lide. Contudo, fato é que prevaleceu no Tribunal de Justiça de São Paulo o en- tendimento de que a Lei 13.786/2018 somente se aplica aos contratos firmados a partir da vigência da lei. Nesses termos: 35 AZEVEDO, Fábio de Oliveira. Mora e extinção dos contratos: limites intertemporais da Lei 13.786/18. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jan-11/fabio-azevedo-limites-intertemporais-lei-1378618. Acesso em 14 jan. 2019. 36 Em conversa informal via WhatsApp. 37 Processo 1070803-55.2018.8.26.0100, 7ª Vara Cível, TJSP, Juiz Senivaldo dos Reis Junior, j. 10 de janeiro de 2019. Revista IBRADIM de Direito Imobiliário No 2 | Julho 2019 25 [...] Uma palavra final sobre a questão da recente L. 13786/18, que disciplinou a resolução dos contratos de compromissos de compra e venda de imóveis loteados e unidades em incorporação imobiliá- ria. A nova legislação altera regras de direito material, em especial os efeitos da resolução de contratos de compromisso de venda e compra de determinados imóveis. Disso decorre que não alcança contratos pretéritos, nem pode retroagir os seus efeitos, pena de violar ato jurídico perfeito e, por consequência, direito adquirido. Em outras palavras, a nova lei se aplica somente aos contratos celebra- dos após 27 de dezembro de 2.018, nunca aos anteriores. (TJSP, Apelação 1004836-48.2018.8.26.0590, j. 21 de janeiro de 2019, rel. Francisco Loureiro)38. Ao final, destaque-se que esse entendimento, aparentemente, também deve prevalecer no Superior Tribunal de Justiça, a considerar que a 2ª Seção, ao julgar os temas 970 e 971 e a partir de uma questão de ordem suscitada, determi- nou que a lei somente seria aplicada para os novos contratos39. Conclusão A iniciativa da Lei 13.786/2018, inegavelmente, foi do empresariado da construção civil, sobretudo em razão da jurisprudência que passou a permitir, de forma irrefletida, a resilição unilateral e imotivada da promessa de venda e compra sob o regime da Lei de Incorporação Imobiliária, em completa afronta ao art. 32, § 2º, da Lei 4.591/1964. Em razão de a iniciativa ter sido do empresariado, boa parte da doutrina, ainda enquanto tramitava o Projeto de Lei 1.220/2015, passou a criticar a medida, como extremamente protetiva aos incorporadores e contrário aos interesses dos consumidores. Não pensamos dessa maneira. 38 Vide, ainda: "[...] a proteção ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada é garantia constitucio- nal que visa à segurança jurídica e patrimonial. Impõe ao Poder Público a obrigação de respeitar situações jurídi- cas já consolidadas, impedindo a edição de leis com efeitos retroativos, salvo se não afetar o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada". TJSP, Embargos de Declaração 1042713-08.2016.8.26.0100/50000, j. 13.02.2019, Rel. Alexandre Marcondes. “[...] De rigor ainda anotar que a recentíssima Lei do Distrato (n. 13.786, de 27 de dezembro de 2018), somente se aplica aos contratos firmados posteriormente à sua vigência, de modo que não vislumbro causa para fixação do percentual de devolução nela contido, até mesmo porque se cuida de contrato firmado em fevereiro de 2015 (portanto, há praticamente quatro anos)”. TJSP, Apelação 1006133- 29.2015.8.26.0127, Rel. Salles Rossi, j. 24/01/2019. 39 Nesse sentido, vide: https://www.conjur.com.br/2019-mar-28/lei-distrato-nao-vale-contratos-anteriores- -vigencia. Acesso em 20 maio 2019. Revista IBRADIM de Direito Imobiliário 26 No 2 | Julho 2019 O principal objetivo da Lei 13.786/2018 foi reafirmar que os contratos devem ser cumpridos (não obstante agora a lei ter conferido direito de arrependimento aos adquirentes em algumas hipóteses). Não há como nenhuma atividade empresarial prosseguir sem a necessária segurança jurídica. Reafirmar que os pactos devem ser cumpridos e trazer as consequências para o descumprimento contratual, em nossa opinião, é medida positiva. Contudo, de fato, a Lei não observou o rigor técnico em algumas questões, conforme asseveramos neste artigo. Outro exemplo de falta de técnica jurídica da Lei 13.786/2018 (e que não é objeto do presente artigo) foi a opção de afirmar que a ausência do quadro- resumo seria hipótese de “rescisão” por “justa causa” (art. 35-A, § 1º). O termo rescisão foi praticamente abolido do Código Civil e, desde a década de 1950, é criticado pela doutrina40. A opção do legislador deixou a dúvida se a ausência do quadro-resumo seria hipótese de nulidade/anulabilidade do con- trato ou autorizaria a resolução por ausência do dever de informação do fornecedor. Aparentemente deve prevalecer a segunda opção. Além da falta de técnica da Lei em diversos aspectos, chamou a atenção de órgãos de defesa do consumidor (i) a possibilidade de a Lei conferir a permissão de o incorporador entregar a obra para além do prazo fixado no contrato e (ii) os percentuais da pena na hipótese de resolução por culpa do adquirente que, para muitos, são elevados e desmedidos (sobretudo quando a incorporação está subme- tida ao patrimônio de afetação). Nesses termos, a considerar a falta de técnica da Lei em alguns aspec- tos e algumas disposições que poderiam ferir direitos dos consumidores, a Lei 13.786/2018 já nasce sob duras críticas e algumas incertezas41. Estamos ansiosos para saber o posicionamento da doutrina e da jurispru- dência a respeito dos temas aqui debatidos. De todomodo, esperamos que a Lei 40 O emprego do termo rescisão para a hipótese de inadimplemento (e não resolução) foi criticado por Pontes de Miranda como “erro crasso” do legislador (MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. 2ª ed. v. 38. § 4.248, p. 337. Rio de Janeiro: Borsoi, 1962). 41 A lei foi duramente criticada, por exemplo, por Heitor José Fidelis Almeida de Souza, que afirmou: “Sem dúvidas, a aprovação da Lei nº 13.786/2018 representou a vitória do lobby político exercido pelas empresas de construção civil no âmbito do Congresso Nacional. O resultado final, inclusive, saiu bem melhor do que a encomenda: as incorporadoras obtiveram alvará legal para cobrar multa contratual de até 50% em caso de desistência por parte do consumidor (independentemente do motivo), lembrando sempre que a proposta inicial do PL 1.220/2015 era de multa de apenas 10% e que a jurisprudência do STJ já havia fixado limite de 25%”. SOUZA, Heitor José Fidelis Almeida de. Direito Imobiliário: bastidores da formulação e promulgação da Lei nº 13.786/2018. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/direito-imobiliario-bastidores-da- -formulacao-e-promulgacao-da-lei-no-13-786-2018-12012019. Acesso em 14 jan. 2018. Revista IBRADIM de Direito Imobiliário No 2 | Julho 2019 27 13.786/2018 possa ser um importante instrumento para o desenvolvimento do mercado imobiliário, possibilitando que milhares de brasileiros finalmente possam concretizar o sonho da casa própria42. Referências Bibliográficas ABELHA, André. Lei 13.786/2018: pode o juiz reduzir a cláusula penal? Coletânea IBRA- DIM Lei dos Distratos. Disponível em www.ibradim.org.br. Acesso em 30 aio 2019. AGUIAR, Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2ª ed. Rio de Janeiro: AIDE, 2004. AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio Jurídico: existência, validade e eficácia. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. AZEVEDO, Fábio de Oliveira. Mora e extinção dos contratos: limites intertemporais da Lei 13.786/18. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jan-11/fabio-aze- vedo-limites-intertemporais-lei-1378618. Acesso em 14 jan. 2019. BITTAR, Carlos Alberto. Direito dos contratos e dos atos unilaterais. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. BONATELLI, Circe. Brasil destoa de outros países ao permitir distrato de imóveis, mos- tra estudo. https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-destoa-de-ou- tros-paises-ao-permitir-distrato-de-imoveis-mostra-estudo,70001652039. Acesso em 15 maio 2019. DELGADO, Mario Luiz. A purgação da mora nos contratos de alienação fiduciária de bem imóvel. Uma questão de direito intertemporal. Revista de Direito Imobiliário. v. 41, n. 83. São Paulo: Revista dos Tribunais, [s.d]. DELGADO, Mário. Novo Direito Intertemporal Brasileiro: da retroatividade das leis civis. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. 12ª ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2007, p. 191. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações. 4ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. GOMIDE, Alexandre Junqueira. Tempos de incertezas. Fim da vinculação das partes aos contratos? https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI231277,11049-Tempos+- de+incertezas+Fim+da+vinculacao+das+partes+aos+contratos. Acesso em 15 maio 2019. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Teoria geral das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2005. 42 Ao final deste artigo, agradeço imensamente à leitura atenta, correção e sugestões de melhoria dos meus amigos Melhim Namem Chalhub, Carlos Elias de Oliveira e Pablo Malheiros. Revista IBRADIM de Direito Imobiliário 28 No 2 | Julho 2019 MAXIMILIANO, Carlos. Direito Intertemporal. Freitas Bastos: Rio de Janeiro, 1946. MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Patrimônio de Afetação. Entrevista ao blog do Direito Civil & Imobiliário. http://civileimobiliario.web971.uni5.net/entrevista-prof-des-mar- co-aurelio-bezerra-de-melo-patrimonio-de-afetacao/. Acesso em 15 de maio 2019. MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. 2ª ed. v. 38. § 4.248, p. 337. Rio de Janeiro: Borsoi, 1962. NANCY ANDRIGHI, Fátima. Aplicação do Novo Código Civil: Direito Intertemporal. Dis- ponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/9057-9056- 1-PB.pdf. Acesso em 12 jan. 2019. OLIVEIRA, Carlos E. Elias de; MATTOS E SILVA, Bruno. A recente Lei do Distrato (Lei nº 13.786/2018): o novo cenário jurídico dos contratos de aquisição de imóveis em regime de incorporação imobiliária e em loteamento. Disponível em: https://www. conjur.com.br/dl/artigo-lei-distrato.pdf. Acesso em 12 jan. 2018. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Parte especial. Tomo XXV. 2ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1959. RODRIGUES JÚNIOR, Otavio Luiz. Retrospectiva 2018: Leis, livros e efemérides do direito civil. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jan-02/retrospectiva- 2018-leis-livros-efemerides-direito-civil?fbclid=IwAR2c6C7GLlj84-ef6FChBrksx- w02zfGvcCiX78Xq0GM_AndW9CCE7ezaH4. Acesso em 4 jan. 2019. SOUZA, Heitor José Fidelis Almeida de. Direito Imobiliário: bastidores da formulação e promulgação da Lei nº 13.786/2018. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao -e-analise/artigos/direito-imobiliario-bastidores-da-formulacao-e-promulgacao-da -lei-no-13-786-2018-12012019. Acesso em 14 jan. 2018. TARTUCE, Flavio. Direito civil: Teoria geral dos contratos e contratos em espécie. v. 3. 9ª ed. São Paulo: Método, 2014. TARTUCE, Flávio; MELO, Marco Aurélio Bezerra. Primeiras linhas sobre a restituição ao consumidor das quantias pagas ao incorporador na Lei 13.786/2018. Dispo- nível em: https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/661995206/primeiras-li- nhas-sobre-a-restituicao-ao-consumidor-das-quantias-pagas-ao-incorporador-na -lei-13786-2018. Acesso em 11 jan. 2019. VENOSA, Silvio de Salvo de. Direito Civil: Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. 1André Abelha2 Resumo Este artigo analisa o despejo liminar previsto no inciso VIII do §1º do art. 59 da Lei nº 8.245/91, cotejando tal dispositivo com o art. 300 do novo Código de Processo Civil e com o art. 473, parágrafo único do Código Civil. Três questões são abordadas: (i) se, uma vez presentes os requisitos específicos da Lei de Locações, deve o juiz deferir o despejo liminar, ou esta decisão deve também se condicionar aos requisitos do art. 300 do novo Código de Processo Civil; (ii) se a caução a ser prestada pelo locador deve ser sempre por meio de depósito judicial; e (iii) se vultosos investimentos feitos no imóvel pelo inquilino podem constituir razão para obstar o despejo liminar. Sumário 1 Introdução. 2 A Lei 8.245/91 e o Código Civil. 3 O art. 300 do CPC e o des- pejo liminar. 4 Os requisitos legais do despejo liminar por denúncia vazia na locação não residencial. 4.1 Forma da caução. 4.2 Resilição unilateral eficaz. Conclusão. 1 Este artigo desenvolve estudo originalmente publicado In: CASTRO, Flavia Almeida Viveiros de. (Org.). Temas Atuais em Direito Imobiliário. Rio de Janeiro: Puc-Rio, 2013, 264 p. 2 Mestre em Direito Civil pela UERJ. Vice-Presidente e Diretor Administrativo do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário – IBRADIM. Presidente da Comissão Especial de Direito Notarial e Registral no Conselho Federal da OAB. Membro da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/RJ. Professor dos cursos de Pós-Graduação em Direito Imobiliário e Direito Civil da PUC-Rio, da UERJ, da EMERJ, da Escola Superior de Advocacia Pública da PGE/RJ, do Instituto Nêmesis, do Damásio, do Instituto Luiz Mario Moutinho e do CERS. Coordenador da coluna Migalhas Edilícias. Painelista em diversos congressos e seminários em Direito Imobiliário. Membro do Conselho Técnico da Federação Internacional Imobiliária/RJ. Autor do livro Abuso do direito no condomínio edilício. Coautor dos livros Direito Imobiliário e Temas Atuais em Direito Imobiliário. E-mail:andre@caadv.com.br. O CPC/2015 E O DESPEJO LIMINAR POR DENÚNCIA VAZIA NA LOCAÇÃO NÃO RESIDENCIAL1 Revista IBRADIM de Direito Imobiliário 30 No 2 | Julho 2019 1 Introdução A locação do imóvel urbano, inicialmente regulada pelo Código Civil de 1916, enfrentou, nas décadas seguintes, vários momentos de crise, provocados, prin- cipalmente, por condições econômicas desfavoráveis (especialmente a inflação) e por uma legislação superveniente pulverizada, processualmente ineficaz, e com característica de exacerbado dirigismo contratual.3 Sucedendo o Decreto 24.150/34 (Lei de Luvas e ação renovatória); e as Leis 1.300/50 (primeira Lei de Locações), 4.494/64 (segunda Lei de Locações), 5.334/67 (limitações ao reajustamento dos aluguéis), 6.239/75 (locação para hos- pitais, unidades sanitárias oficiais, estabelecimentos de ensino e saúde) e a Lei 6.649/79 (terceira Lei de Locações), em 1991 promulgou-se a quarta e atual Lei de Locações, 8.245/91, cujo objetivo principal era reduzir o déficit, especialmente residencial, de unidades para locação, estimulando a construção4 e a aquisição de novos imóveis para esse fim. A fomentação bem-sucedida do mercado locatício nas cidades dependia de um novo sistema legal que ao mesmo tempo: (i) oxigenasse a autonomia pri- vada das partes, sufocada pelos anteriores ordenamentos jurídicos, mantendo na medida certa a proteção do contratante hipossuficiente, em regra o locatário; (ii) reduzisse a insegurança jurídica, mediante a unificação do regime jurídico locatício em uma só lei; e (iii) acelerasse a retomada dos imóveis pelo locador. A Lei 8.245/91, com as suas diversas inovações legislativas5 e maior clareza textual, eliminou os entraves à correção monetária do aluguel6 e à sua revisão, e 3 Há muito já não se nega importância à restrição da liberdade das partes no estabelecimento do conteúdo contra- tual, desde que ela seja proporcional à hipossuficiência do contratante a proteger. Desde a Consolidação das Leis do Trabalho, e depois com o Código de Proteção e Defesa do Consumidor e a Lei de Locações, é cada vez mais evidente como a autonomia da vontade não é um princípio contratual absoluto; ele precisa se adaptar aos novos princípios contratuais, notadamente, os da boa-fé objetiva, do equilíbrio econômico, e da função social, que, filtrados constitucionalmente, passam a conceber o contrato, nas palavras de Teresa Negreiros, “como um instrumento a serviço da pessoa, sua dignidade e desenvolvimento”. NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 107. Para uma aprofundada análise da evolução da teoria contratual e de sua historicidade, v. ROPPO, Enzo. O contrato. Trad. Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 1988. 4 Mediante a alteração do art. 8º da Lei 4.380/64, que regulamenta o SFH – Sistema Financeiro da Habitação, passando-se a permitir a concessão de financiamentos para a construção de imóveis destinados à locação. 5 Dentre elas: (i) a possibilidade de denúncia vazia em qualquer modalidade de locação, que antes só era admitida para a locação não residencial; (ii) a inoponibilidade da impenhorabilidade do bem de família pelo fiador, em razão do acréscimo do inciso VII ao artigo 3º da Lei 8.009/90; (iii) a possibilidade do locatário ou terceiro garantir a locação com caução de bem móvel; (iv) a redução de cinco para três anos do prazo de carência da ação revisional de aluguel; e (v) regras processuais mais eficientes, incluindo a possibilidade de despejo liminar em determinadas hipóteses. 6 No que foi ajudada pela estabilização da economia promovida pelo Plano Real. Revista IBRADIM de Direito Imobiliário No 2 | Julho 2019 31 passou a regulamentar, de modo mais abrangente, completo e sistemático, todas as modalidades de locação7 e os institutos a ela inerentes. Após dezoito anos de vigência da atual lei, em 2009, foi promulgada a Lei 12.112, que alterou diversas normas substantivas e processuais do estatuto locatí- cio. Uma delas, a que interessa para o presente estudo, foi a inclusão do inciso VIII no § 1º do art. 59. O referido inciso passou a permitir o despejo liminar nas locações não re- sidenciais nas ações que têm por fundamento exclusivo o término do prazo da locação, desde que a ação tenha sido proposta em até trinta dias do termo ou do cumprimento de notificação comunicando o interesse na retomada do imóvel.8 O novo dispositivo abriu uma janela para os locadores de imóveis comerciais, aumentando consideravelmente o seu poder de barganha frente aos inquilinos que não possuem o direito à renovação compulsória do contrato, ou que deixaram esse direito decair, por terem perdido o prazo para ajuizar a ação renovatória. Essa janela, surgida em um momento de grande aquecimento do mercado imobiliário, em que os valores dos aluguéis experimentaram uma drástica elevação, provocou um considerável número de ações de despejo com tal pedido antecipatório. Há, porém, algumas questões envolvendo esse tipo de tutela antecipada que merecem uma reflexão cuidadosa, de modo a garantir a correta aplicação da lei. São elas: (i) uma vez presentes os requisitos específicos da Lei de Locações, deve o juiz deferir o despejo liminar, ou esta decisão deve também se condicionar aos requisitos do art. 300 do Código de Processo Civil? (ii) o locador deve prestar a caução sempre por meio de depósito judicial? e (iii) a realização de investimentos vultosos pelo inquilino pode obstar o despejo liminar, por força do disposto no pará- grafo único do art. 473 do Código Civil? 2 A Lei 8.245/91 e o Código Civil Não se pode negar que o Código Civil, com suas regras e princípios, dialoga permanentemente com as leis especiais, e a Lei de Locações não excepciona essa 7 A Lei 6.649/79, com exceção de uma ou outra norma isolada, regulava de modo específico apenas as locações residenciais. 8 Art. 59.(...) § 1º. Conceder-se-á liminar para desocupação em quinze dias, independentemente da audiência da parte contrária e desde que prestada a caução no valor equivalente a três meses de aluguel, nas ações que tiverem por fundamento exclusivo: (...) VIII – o término do prazo da locação não residencial, tendo sido proposta a ação em até 30 (trinta) dias do termo ou do cumprimento de notificação comunicando o intento de retomada. Revista IBRADIM de Direito Imobiliário 32 No 2 | Julho 2019 regra. Essa integração pode ocorrer pela simples aplicação de regras do Código Civil para suprir as lacunas da lei especial, ou em razão da interpretação da lei especial à luz dos princípios norteadores do diploma civil, como a função social da propriedade9. Canaris já ensinou que o sistema jurídico, além de unitário e ordenado, é aberto e móvel,10 e por isso sensível à mudança dos valores da sociedade, ainda mais se revelados no Texto Constitucional, que, no caso brasileiro, estabeleceu um novo paradigma, que é o da prevalência das situações existenciais sobre as situações patrimoniais.11 9 Gustavo Tepedino destaca que a função social da propriedade é responsável pelo controle de legitimidade funcional desse direito, e impõe ao titular o dever de respeitar situações jurídicas e interesses não proprie- tários socialmente tutelados, atingidos pelo exercício do domínio. (Os direitos reais no novo Código Civil. In: TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil, t. II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 158.). Pietro Perlingieri há muito já professava a função social como fator de legitimidade do direito de propriedade. O titular do domínio só recebe a tutela do ordenamento jurídico na medida em que o seu comportamento está de acordo com os valores vigentes. Se o proprietário não atribui ao seu bem a função que dele se espera, o direito a ele conferido perde a razão de existir. (PERLINGIERI, Pietro. Introduzione alla problematica della proprietà. Napoli: Jovene, 1970, p. 71). Vinte anos após a promulgação da Constituição da República, a doutrina civilista, no início tão
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