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DOLO EVENTUAL A princípio, tem-se o conceito de dolo, que é a intenção, livre e espontânea, do sujeito de praticar um ato ilícito. No direito brasileiro, há duas espécies mais importantes: o dolo direto e o dolo eventual, sendo esse último objeto principal desse presente estudo. Então vejamos. CONCEITO Preliminarmente, tem-se o conceito do dolo direto, que ocorre quando o agente tem a intenção direta de provocar o resultado de um fato típico. No dolo eventual, o agente não quer diretamente o resultado, entretanto não se importa com que ele ocorra, nesse sentido assume o risco de produzi-lo. No jargão popular tem-se a expressão “dane-se” que faz jus ao conceito de dolo eventual, ora, pois para o agente tanto faz que ocorra ou não. Porém, se ocorrer, por ter assumido o risco de produção do resultado, encaixe-se na modalidade dolosa do crime. EXEMPLO Maicon visando matar Pedro, acelera com o seu carro em direção a vítima que estava sentada em uma mesa de bar a beira da calçada, Pedro não estava sozinho, havia mais duas pessoas ao seu lado, porém Maicon não se importa com o perigo que também irá causar a essas pessoas e continuar a execução, matando Pedro, bem como também as duas outras pessoas que ali estavam. Vejamos, Maicon cometeu dolo eventual ao assassinar as outras duas pessoas que acompanhavam Pedro, pois apesar de não querer diretamente esse resultado, não se importou que o pudesse ocorrer e continuou a execução. DISPOSIPIVO PENAL O dolo eventual está positivado na segunda parte do artigo 18, I no Código Penal: “Art. 18 - Diz-se o crime: I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;” DOLO EVENTUAL X CULPA CONSCIENTE Em que pese o centro do estudo ser dolo eventual, é de suma importância diferenciar do conceito de culpa consciente, tendo em vista que ambos são separados por uma linha tênue e por vezes obscura em sua aplicação prática. Além disso, no momento avaliação do quantum da pena, há grande diferença entre eles. Então vejamos. Já vimos que no dolo eventual o agente não quer o resultado, porém assumiu o risco de produzi-lo, agora já na modalidade de culpa consciente, o agente dá causa ao resultado por negligência, imprudência ou imperícia, somado a isso, ele acredita sinceramente que o resultado não ocorra. Vejamos, em ambos os casos há certo nível de previsibilidade, a diferença está em que no dolo eventual o agente não se importa com o resultado, tanto faz se ocorrer, enquanto isso na culpa consciente o agente acredita que o resultado não ocorrerá. Na prática, apenas pelas circunstâncias do caso em concreto será possível determinar a modalidade que o ato ilícito se encaixa. Crimes de trânsito causados por embriaguez: Dolo eventual ou culpa consciente? Nos crimes de trânsito causados por agente embriagado, é possível determinar em qual modalidade o crime se encaixa? Imagine que o agente, estando alcoolizado, provoca um acidente de trânsito, ocasionando a morte de uma pessoa. Teria o agente assumido o risco do resultado? Ou acreditava sinceramente que o resultado não ocorreria? Vejamos. A verdade é que não há uma resposta pacífica para as questões supra levantadas, pois tanto na jurisprudência quanto na doutrina há divergência. No campo doutrinário, para Alexandre Wunderlich é necessário ter cautela ao afirmar que nos crimes de trânsito sempre haverá dolo eventual, pois o agente estaria aceitando o risco de provocar risco não só a vida alheia, mas também estaria aceitando o risco da sua própria vida, o que não faria sentido. Enquanto para Damásio, o agente que trafega perigosamente pelas vias de trânsito, seja por alcoolismo ou velocidade exacerbada, sabe do risco que está a produzir um acidente, porém não liga, prefere a adrenalina do momento e, portanto, está diante de uma aceitação tácita da possível ocorrência de um fato típico. Na jurisprudência a questão também não é pacífica, entretanto as recentes decisões do STJ vêm adotando o posicionamento de que a princípio a embriaguez e o excesso de velocidade não é suficiente para configuração do dolo eventual, conforme trecho do julgado abaixo. “Dessa forma, a mera conjugação da embriaguez com o excesso de velocidade, sem o acréscimo de outras peculiaridades que ultrapassem a violação do dever de cuidado objetivo, inerente ao tipo culposo, não autoriza a conclusão pela existência de dolo eventual. (REsp 1777793 / RS, Relator: Rogério Schietii Cruz, data do julgamento: 15/08/2019, 6º turma do STJ)” Do que se retrai das recentes decisões do STJ, para a aplicação do dolo eventual nos casos de embriaguez é necessário averiguar se o agente assumiu o risco de produção do resultado, ou seja, conduta dolosa, conforme art. 18, I, CP. Ocorre que o dolo é componente subjetivo do tipo penal, intrínseco a psique do agente. Ora, como seria possível o operador do direito realizar tal aferição, sem a confissão do agente? Pois bem, no entendimento jurisprudencial, tal averiguação desse ser extraída das circunstâncias do caso em concreto. As disposições acima são confirmadas pelos julgados abaixo. Vejamos. “É possível, em crimes de homicídio na direção de veículo automotor, o reconhecimento do dolo eventual na conduta do autor, desde que se justifique tal excepcional conclusão com base em circunstâncias fáticas que, subjacentes ao comportamento delitivo, indiquem haver o agente previsto o resultado morte e a ele anuído. (STJ - REsp 1777793 / RS - 2018/0292435-1, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Publicação: 17/09/2019)” “A embriaguez não foi a única circunstância externa configuradora do dolo eventual. Assim, na espécie, a Corte de origem entendeu, com base nas provas dos autos, que "o recorrente não está sendo processado em razão de uma simples embriaguez ao volante da qual resultou uma morte, mas sim de dirigir em velocidade incompatível com o local, à noite, na contramão de direção em rodovia" (fl. 69). Tais circunstâncias indicam, em tese, terem sido os crimes praticados com dolo eventual. (STJ - AgRg no AREsp: 397976 SP 2013/0318459-0, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Publicação: DJ 17/02/2020)” Portanto, diante do exposto, o acidente de trânsito provocado por motorista embriagado e/ou por velocidade exacerbada tende a ser considerado crime culposo (culpa consciente), pois o agente faltou com o devido cuidado. Para que a conduta seja encaixada na modalidade dolosa (dolo eventual) é necessário observar as circunstâncias do caso em concreto que agravem a situação e que reflitam o elemento subjetivo do agente, a demonstrar que esse agiu de maneira a assumir o risco do resultado.
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