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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO URBANA JOSIANE ALVES DE OLIVEIRA A GOVERNANÇA URBANA COMO INDUTORA DO DESENVOLVIMENTO LOCAL: APLICAÇÕES DO MODELO COLABORATIVO DE CURITIBA NA REGIONAL DO CAJURU CURITIBA JULHO/2006 Livros Grátis http://www.livrosgratis.com.br Milhares de livros grátis para download. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO URBANA JOSIANE ALVES DE OLIVEIRA A GOVERNANÇA URBANA COMO INDUTORA DO DESENVOLVIMENTO LOCAL: APLICAÇÕES DO MODELO COLABORATIVO DE CURITIBA NA REGIONAL DO CAJURU Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Gestão Urbana, do Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia – CCET, da Pró- Reitoria de Graduação, de Pesquisa e Pós- Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Gestão Urbana. Orientador: Prof. Dr. Klaus Frey Co-orientador: Prof. Dr. Manoel Camillo O. Penna Neto CURITIBA JULHO/2006 RESUMO A governança urbana, entendida como uma maneira inovadora de governar cidades, onde a participação é tida como premissa básica, surge como resposta aos inúmeros desafios encontrados pelos governantes na atual sociedade da informação. Esta dissertação analisa o potencial da governança urbana como indutora do desenvolvimento local, mais especificamente na sua dimensão econômica. Apresenta como estudo de caso uma iniciativa de geração de trabalho e renda para uma das áreas mais carentes da cidade, a comunidade do Cajuru, analisada à luz dos modelos de gestão urbana, bem como suas interfaces com alguns conceitos fundamentais ao desenvolvimento sustentável, tais como capital social, redes sociais e empoderamento. Recorrendo à metodologia de análise de redes sociais, a pesquisa investiga as estruturas de rede que caracterizam o Modelo Colaborativo de Curitiba a partir da identificação dos principais atores sociais locais e suas inter-relações. A pesquisa conclui que a experiência de colaboração se configura como um processo de governança que contribui para a ampliação da participação da comunidade local nas iniciativas de geração de trabalho e renda. Palavras-chave: governança comunitária; capital social; redes sociais; desenvolvimento local sustentável; economia solidária. ABSTRACT Urban Governance, considered as an innovative manner for the management of cities – where participation is understood as basic premise –, stands out as a response to the several challenges faced by local administrators in today’s information society. The present dissertation analyses the potential of urban governance to induce local development, giving emphasis on its economical dimension. A job/income generating initiative is presented as a case study, focusing one of the needy areas of Curitiba, the “Cajuru” community. Taking into account different models of urban management, the study highlights the interfaces with some concepts related to sustainable development, such as: social capital, social networks and empowerment. Based on the methodology of social network analysis, the research investigates the network structures that characterize the Collaborative Model of Curitiba by identifying the local social actors and their inter-relationships. The study comes to the conclusion that the experience of collaboration contributes to the expansion of community participation in the examined job/income generating initiatives. Key words: community governance; social capital; social networks; sustainable local development; social economy. ii AGRADECIMENTOS Com muita alegria, agradeço a todas as pessoas que me incentivaram e me ajudaram neste trabalho. Em primeiro lugar, agradeço ao meu orientador, Prof. e diretor do Mestrado, Klaus Frey pela dedicação e paciência, ao prof. Camillo, também pela sua dedicação e ao professor e amigo Christian, que me incentiva desde a monografia da graduação. À minha família, principalmente por compreenderem minha ausência em tantos encontros, em especial, agradeço ao meu pai, José, à minha mãe, “in memorian” pelo seu exemplo de força e perseverança, indispensáveis para a conclusão deste trabalho. Aos meus amigos, também agradeço pela paciência e compreensão por eu deixar de estar presente em tantas “baladas”, principalmente à Jaqueline, Daiane, Kátia e Joana. À Mara e sua mãe Dalila por acreditarem e apostarem em mim. Aos meus superiores e colegas de trabalho, em especial ao prof. Busnardo e à minha equipe de coordenação pela paciência. A todos que contribuíram com a pesquisa, principalmente à Cecília Teles e à Alzenir, da Fundação de Ação Social. À CAPES, pela concessão da bolsa. iii SUMÁRIO LISTA DE QUADROS................................................................................ vi LISTA DE FIGURAS................................................................................. vii LISTA DE GRÁFICOS............................................................................. viii LISTA DE TABELAS............................................................................... viii LISTA DE SIGLAS .................................................................................... ix 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................... 1 1.2 PROBLEMA ......................................................................................... 3 1.3 PERGUNTA DE PESQUISA ................................................................ 5 1.4 HIPÓTESES ......................................................................................... 5 1.5 OBJETIVOS ......................................................................................... 6 1.5.1 Objetivo Geral ................................................................................... 6 1.5.2 Objetivos Específicos ........................................................................ 6 1.6 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO ....................................................... 6 2 GESTÃO URBANA E GOVERNANÇA COMUNITÁRIA ........................ 8 2.1 REFORMA DO ESTADO ..................................................................... 8 2.2 DESCENTRALIZAÇÃO E O PODER DO LOCAL .............................. 10 2.3 NOVOS MODELOS DE GESTÃO PÚBLICA NO ÂMBITO DA GOVERNANÇA URBANA ................................................................... 15 2.3.1 Modelo Gerencial de Administração Pública ................................... 16 2.3.2 Modelo Democrático-Participativo de Administração Pública ......... 17 2.3.3 Diferenças e Complementaridades entre os Modelos de Administração Pública ...................................................................... 21 2.4 GOVERNANÇA COMUNITÁRIA .........................................................23 2.4.1 Planejamento Urbano e Gestão Pública em Curitiba ...................... 27 2.4.2 Capital Social ................................................................................... 29 2.4.3 Redes Sociais e Empowerment .......................................................37 3. DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL ................................. 48 3.1 FUNDAMENTOS DO DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL .. 48 3.1.1 Conceito de desenvolvimento sustentável ...................................... 49 iv 3.1.2 Concepções de desenvolvimento .................................................... 523.1.3 Abordagens de desenvolvimento local ............................................ 56 3.2 ECONOMIA SOLIDÁRIA .................................................................... 61 3.3 CAPITAL SOCIAL E REDES SOCIAIS NO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO LOCAL ......................................................................... 79 3.4 INICIATIVAS DE PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO LOCAL EM CURITIBA ................................................. 88 4. ANÁLISE DE REDES SOCIAIS ........................................................... 98 4.1 OS DIFERENTES PARADIGMAS ACERCA DAS ANÁLISES DE REDES SOCIAIS ...................................................................................... 98 4.2 IMPORTÂNCIA E CARACTERÍSTICAS DA ANÁLISE ESTRUTURAL DAS REDES SOCIAIS ...................................................................... 101 5. ESTUDO DE CASO ........................................................................... 106 5.1 A EXPERIÊNCIA DO MODELO COLABORATIVO DE CURITIBA .. 106 5.2 DESCRIÇÃO DO LOCAL ................................................................. 110 5.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ......................................... 115 5.4 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS – ANÁLISE HISTÓRICO- INTERPRETATIVA ............................................................................ 119 5.4.1 Processo Histórico da Formação da Rede de Colaboração de Artesanato ........................................................................................ 119 5.4.2 Tempo de participação no Modelo Colaborativo ........................... 121 5.4.3 Formas de descoberta das ações de geração de renda do Modelo Colaborativo ...................................................................................... 122 5.4.4 Avaliação dos encontros do Modelo Colaborativo ......................... 123 5.4.5 A participação nas iniciativas de geração de renda no Modelo Colaborativo ...................................................................................... 124 5.4.6 Efetividade das ações do Modelo Colaborativo ............................. 125 5.4.7 Mudanças no Modelo Colaborativo após a troca de prefeito ........ 127 5.4.8 Dificuldades encontradas no Modelo Colaborativo ....................... 128 5.4.9 Mudanças das condições de trabalho e renda em função do Modelo Colaborativo ...................................................................................... 129 v 5.4.10 Expectativa de futuro com relação às iniciativas de geração de renda do Modelo Colaborativo .......................................................... 131 5.5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS EXCLUSIVOS À ANÁLISE ESTRUTURAL .................................................................................. 132 5.6 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS – ANÁLISE ESTRUTURAL .................................................................................. 134 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................... 148 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 151 ANEXO: QUESTIONÁRIO - MODELO DE COLABORAÇÃO DE CURITIBA ......................................................................................... 160 vi LISTA DE QUADROS QUADRO 01 - SÍNTESE DAS CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS DO MODELO GERENCIAL E DO MODELO DEMOCRÁTICO- PARTICIPATIVO .......................................................................................22 QUADRO 02 – PADRÕES TRADICIONAIS E INOVAÇÕES NO CAMPO DE AÇÃO PÚBLICA ................................................................................. 45 QUADRO 03 – MUDANÇA DE PARADIGMA DO MODELO COLABORATIVO ................................................................................... 108 QUADRO 04 - RESULTADO DAS MEDIDAS E REDES – MODELO COLABORATIVO DE CURITIBA ............................................................ 139 vii LISTA DE FIGURAS FIGURA 01 – TRIPÉ DE DESENVOLVIMENTO ...................................... 90 FIGURA 02 – ILUSTRAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO REGIONAL CAJURU ................................................................................................. 111 FIGURA 03 – ILUSTRAÇÃO DA RENDA POR SETOR CENSITÁRIO NA ADMINISTRAÇÃO REGIONAL CAJURU ............................................... 112 FIGURA 04 – ILUSTRAÇÃO DAS ÁREAS EM OCUPAÇÕES IRREGULARES NA ADMINISTRÇÃO REGIONAL CAJURU ................ 113 FIGURA 05 – ILUSTRAÇÃO DAS ÁREAS DE OCUPAÇÃO IRREGULAR NA ADMINISTRAÇÃO REGIONAL CAJURU E SEUS PRINCIPAIS PROBLEMAS ......................................................................................... 114 FIGURA 06 - SOCIOGRAMA DA REDE DE COLABORAÇÃO – COMISSÃO DE ARTESANATO DA COMUNIDADE DO CAJURU ....... 135 FIGURA 07 - SOCIOGRAMA DA REDE DE CONFIANÇA – COMISSÃO DE ARTESANATO DA COMUNIDADE DO CAJURU ............................ 137 FIGURA 08 - SOCIOGRAMA DA REDE DE COMUNICAÇÃO – COMISSÃO DE ARTESANATO DA COMUNIDADE DO CAJURU ....... 138 FIGURA 09 – REDES DOS GRUPOS PERTENCENTES À COMISSÃO DE ARTESANATO DA COMUNIDADE DO CAJURU (SOCIOGRAMAS 04 A 09) ....................................................................................................... 141 FIGURA 10– CENTRALIDADES BASEADAS EM GRAU – COMISSÃO DE ARTESANATO DA COMUNIDADE DO CAJURU (SOCIOGRAMAS 10 A 12) ........................................................................................................... 144 viii FIGURA 11– CENTRALIDADES BASEADAS EM INTERMEDIAÇÃO – COMISSÃO DE ARTESANATO DA COMUNIDADE DO CAJURU (SOCIOGRAMAS 13 A 15) ..................................................................... 145 LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 01: TEMPO DE PARTICIPAÇÃO NO MODELO COLABORATIVO DOS INTEGRANTES DA REDE DE COLABORAÇÃO DO ARTESANATO ......122 GRÁFICO 02: OPINIÃO SOBRE OS ENCONTROS DO MODELO COLABORATIVO NAS AÇÕES DE GERAÇÃO DE TRABALHO E RENDA ................................................................................................... 124 LISTA DE TABELAS TABELA 01: AVALIAÇÃO DAS MUDANÇAS APÓS INÍCIO DA PARTICIPAÇÃO DOS ENTREVISTADOS NAS ATIVIDADES DE GERAÇÃO DE TRABALHO E RENDA DO MODELO COLABORATIVO ................................................................................. 130 ix LISTA DE SIGLAS PMC - Prefeitura Municipal de Curitiba IPPUC - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba IMAP - Instituto Municipal de Administração Pública ONG - Organização Não-Governamental ONU - Organização das Nações Unidas PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento IDH - Índice de Desenvolvimento Humano SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas ADS - Agência de Desenvolvimento Solidário ANTEAG - Associação Nacional de Trabalhadores e Empresas de Autogestão DLIS - Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável APLs - Arranjos Produtivos Locais IPARDES - Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social SEP - Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral MDIC - Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior FIEP - Federação das Indústrias do Estado do Paraná IEL -Instituto Euvaldo Lodi do Paraná BRDE - Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul SENAES - Secretaria Nacional de Economia Solidária FBES - Fórum Brasileiro de Economia Solidária URBS - Companhia de Urbanização de Curitiba CIC - Companhia de Desenvolvimento de Curitiba CES - A Comunidade Empreendedores de Sonhos OSCIP - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público SNA - Social Network Analysis x ARS - Análise de Redes SociaisCIDA - Conselho da Comunidade Solidária e da Agência de Cooperação Canadense UWC-CC - United Way of Canada-Central GETS - Grupo de Estudos do Terceiro Setor de São Paulo 1 1. INTRODUÇÃO A governança urbana tem sido um dos temas de maior destaque na atualidade quando o assunto é gestão urbana. Pode-se entender a governança urbana como uma maneira inovadora de governar uma cidade, onde a participação (em todos os níveis organizacionais e societais) é tida como premissa básica. A governança urbana surge como uma resposta aos inúmeros desafios encontrados pelos governantes na atual sociedade. Estes desafios dizem respeito à escassez de recursos públicos, aos problemas sociais e ambientais cada vez mais crescentes, à competitividade acirrada entre as cidades com vistas à atração de investimentos privados, ao avanço tecnológico, entre outros. Nesta dissertação, recorre-se ao debate acerca da governança urbana como referência teórico-conceitual para a análise de uma experiência de governança comunitária. Isto é, são considerados os mesmos preceitos da governança urbana e averiguada sua relevância para a governança comunitária. Esta opção deve-se ao fato de que a presente dissertação tem como foco central o desenvolvimento da comunidade local, mais especificamente, os novos arranjos de governança adotados na comunidade do Cajuru, em Curitiba.. Entende-se com isso que as transformações gerais que vêm provocando mudanças da gestão urbana tradicional – centrada na atuação da autoridade estatal – para uma prática de governança urbana com uma participação ampliada, acontecem crescentemente também em âmbito comunitário, mesmo tendo outros atores como seus principais protagonistas. Outro tema também de relevância no âmbito da gestão urbana são as novas configurações em rede das organizações. De acordo com Castells, “as redes constituem a nova morfologia social de nossas sociedade, e a difusão da lógica de redes modifica de forma substancial a operação e os resultados dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura” (CASTELLS, 1999, p. 497). O presente estudo tem por finalidade a análise de uma nova experiência de governança comunitária em Curitiba, denominada Modelo Colaborativo. Utiliza-se da metodologia de análise de redes sociais e, através de entrevistas de campo, efetuam-se levantamentos qualitativos e quantitativos para a identificação dos principais atores sociais locais e suas inter-relações, no que diz respeito à 2 experiência de geração de trabalho e renda de cinco grupos de artesanato da comunidade do Cajuru. Tal metodologia subsidia o estudo no sentido de verificar se o Modelo Colaborativo se configura como um processo de governança efetivo onde a comunidade local é envolvida e realmente torna-se participante dos processos de gestão urbana. Pretende-se apreender as estruturas e processos que caracterizam esta proposta de gestão pública participativa. O Modelo Colaborativo foi implantado na comunidade do Cajuru em janeiro de 2000, configurando uma nova experiência de governança no segundo mandato do Prefeito Cássio Taniguchi. Esta nova experiência de participação comunitária representa, conforme informações da Prefeitura Municipal de Curitiba, um novo modelo de gerenciamento onde a comunidade local é vista como parte integrante e co-responsável das ações de gestão urbana implantadas em seu território (PMC, 2000). Estas ações estão fundamentalmente definidas em quatro linhas: 1) integração urbana, 2) habitação, 3) meio ambiente, 4) desenvolvimento social e econômico (CIC/IPPUC, 2004). A presente dissertação tem como foco de análise, o desenvolvimento local, e destaca as ações de geração de trabalho e renda, contemplando a quarta linha de ação do Modelo Colaborativo que é a de desenvolvimento social e econômico. O objetivo é verificar se as atuais práticas de gestão na comunidade do Cajuru, no âmbito da geração de trabalho e renda, com os grupos locais escolhidos, têm contribuído para que tal comunidade se torne realmente sustentável, capaz de minimizar seus problemas locais de forma conjunta e emancipatória e não mais de forma dependente baseada em ações clientelistas por parte do governo local. 3 1.2 PROBLEMA O estudo está relacionado à forma como a governança comunitária pode possibilitar um desenvolvimento sustentável local, focando a questão econômica, no que diz respeito à geração de trabalho e renda em Curitiba. Um dos principais obstáculos da governança comunitária é a questão da participação, pois, se sabe que na atual realidade brasileira, a participação acontece de forma incipiente. É um direito que o cidadão possui, mas que precisa ser muito melhor explorado e “refinado”. Tanto governos quanto cidadãos precisam se preparar para utilizar-se desta ferramenta, ou seja, da participação, imprescindível para os “novos tempos” da gestão urbana. Com relação à geração de trabalho e renda, a governança está diante de um grande desafio, pois entende-se que, somente a partir da Constituição de 1988, os municípios brasileiros puderam ter maior autonomia e suas responsabilidades e recursos expandidos. Porém, expandiram-se também as demandas sociais e os desafios advindos da globalização, criando novos campos de ação. Esta nova realidade faz com que as políticas públicas entrem num processo bastante intenso de municipalização, ou seja, suas definições agora se dão muito mais em nível local. A cidade agora “desponta como a unidade social básica da organização social, desempenhando um papel semelhante para a sociedade, ao que a empresa moderna representa para as atividades econômicas” (DOWBOR, 1999, p. 6). Diante desses novos campos de ação, a performance do setor público municipal é fundamental, sobretudo no que diz respeito à qualidade de desempenho dos governos locais nos planos econômico, social e político-administrativo. De acordo com Farah (1999, p. 325), as políticas públicas promovidas pelo Estado brasileiro até o início dos anos 1980 caracterizavam-se pela centralização decisória e financeira na esfera federal, ficando por conta dos Estado e municípios a função de executores das políticas formuladas centralmente, tendendo a estabelecer-se uma articulação entre governos estaduais e municipais e governo federal baseada na troca de favores de cunho clientelista, em que, muitas vezes, as instâncias locais de Poder Público transformavam-se em agenciadores de recursos federais para o 4 município ou Estado, procurando garantir a implementação de determinada política pública para sua clientela. Mesmo havendo uma forte centralização na esfera Federal, as políticas públicas caracterizavam-se pela fragmentação institucional, além de terem sua eficiência e efetividade comprometidas por conta da desarticulação existente no âmbito de um mesmo nível de governo, bem como entre as diferentes esferas. Outro problema relativo às políticas públicas está relacionado ao seu caráter setorial. Em cada área de atuação (educação, saúde, habitação, transportes, etc.) havia iniciativas de descentralização, mas ao mesmo tempo uma falta de articulação entre essas ações, causando a perda de potenciais efeitos positivos de ações coordenadas voltadas a um mesmo público-alvo. A exclusão da sociedade civil era uma característica central das políticas públicas vigentes no Brasil até os anos 80. De acordo com Farah, “as políticas públicas promovidas pelo Estado incorporavam interesses da sociedade civil e do mercado: no entanto, tal incorporação era excludente e seletiva, beneficiando alguns restritos trabalhadores e interesses de segmentos do capital nacional e internacional” (1999, p.328). Tratava-se de um padrão não democrático de articulação Estado-Sociedade,reforçando a exclusão de amplos segmentos da sociedade do acesso a bens e serviços públicos. Tal realidade começa a ser modificada a partir da Constituição de 1988, quando a valorização do poder local é retomado, a partir do debate de descentralização e de participação dos cidadãos na formulação e implementação das políticas. Inicia-se uma reformulação da agenda buscando a eficiência, eficácia e efetividade na ação estatal. “Nessa perspectiva, a preocupação com a eficiência e com a eficácia articula-se com a orientação para a equidade e para a democratização dos processos decisórios, envolvendo tanto alterações institucionais com ênfase à descentralização – como novos padrões de relação entre Estado e Sociedade” (FARAH, 1999). Dessa forma, reaparecem com um novo significado na perspectiva progressista cada um dos elementos presentes na proposta neoliberal de reforma de atuação do Estado na área social, tratando-se de novas formas de articulação com a 5 sociedade civil e com o setor privado, deixando o Estado de ser o provedor direto exclusivo, para agora, se transformar em coordenador e fiscalizador de serviços que podem ser prestados tanto pela sociedade civil quanto pelo mercado ou em parceria com esses setores. Porém, a descentralização em direção aos municípios também apresenta problemas. A mais importante no contexto deste trabalho é que nem sempre a descentralização significa a democratização do processo de decisão e controle. Segundo Marques, para que isso ocorra é “absolutamente necessário que a comunidade esteja organizada de forma a efetivamente participar dos conselhos ou demais órgãos criados na descentralização” (MARQUES, 1999, p.108). Sendo assim, a descentralização aparece como condição necessária, mas não suficiente. A efetiva participação da comunidade nos rumos das políticas locais sempre dependerá do grau de organização e interesse construído por ela mesma no seu processo decisório. 1.3 PERGUNTA DE PESQUISA O Modelo Colaborativo de Curitiba se configura como um modelo de governança comunitária onde a população está realmente envolvida e participa dos processos de gestão comunitária em favor do desenvolvimento local? 1.4 HIPÓTESES O estudo apresentado pretende dar resposta às seguintes hipóteses: 1) O Modelo Colaborativo de Curitiba representa um arranjo institucional capaz de promover um envolvimento efetivo da população na governança local. 2) O Modelo Colaborativo contribui para o aumento do capital social, da capacidade de ação coletiva e de uma nova forma de atuação em rede por parte das comunidades locais. 3) O trabalho colaborativo auxilia o processo de geração de trabalho e renda, além de propiciar uma melhor qualidade de vida à população. 6 1.5 OBJETIVOS 1.5.1 Objetivo geral Analisar as potencialidades e os limites do Modelo Colaborativo em relação à consolidação de uma prática de governança comunitária capaz de promover o desenvolvimento local. 1.5.2 Objetivos específicos - Identificar os principais atores envolvidos nas ações de geração de trabalho e renda no Modelo Colaborativo do Cajuru, bem como suas inter-relações e suas práticas de ação coletiva. - Identificar se as práticas colaborativas advindas do Modelo Colaborativo propiciam o desenvolvimento local. - Verificar um possível aumento do capital social na comunidade do Cajuru em decorrência da implantação do Modelo Colaborativo. 1.6 Estrutura da Dissertação A presente dissertação inicia com a introdução, onde são explanadas as idéias gerais de todo o contexto do trabalho, apresenta-se o problema, a pergunta de pesquisa, as hipóteses, os objetivos e a estrutura da dissertação. Em seguida, no capítulo dois sobre gestão urbana e governança comunitária, discute-se a reforma e a descentralização do Estado, os modelos de gestão pública e a importância da governança comunitária, enfatizando o capital social, o empowerment e as redes sociais. O capítulo três, sobre o desenvolvimento econômico local, aborda os fundamentos teóricos deste conceito, dando ênfase na dimensão socioeconômica do desenvolvimento local sustentável. Destaca a experiência da economia solidária e, de maneira sucinta, apresenta algumas iniciativas de promoção do desenvolvimento 7 econômico local em Curitiba. No quarto capítulo apresenta-se a abordagem metodológica da análise de redes sociais, seus diferentes paradigmas, além da importância e das características da análise estrutural das redes sociais. O capítulo cinco descreve a experiência do Modelo Colaborativo de Curitiba, os procedimentos metodológicos e apresenta os resultados da pesquisa empírica na comunidade do Cajuru, tanto da análise histórico-interpretativa quanto da análise estrutural. Por fim, nas considerações finais são apresentadas as conclusões da pesquisa, tentando evidenciar as potencialidades e as limitações do Modelo Curitiba de Colaboração como instrumento de gestão urbana participativa. 8 2. GESTÃO URBANA E GOVERNANÇA COMUNITÁRIA Este capítulo inicia com uma abordagem sobre transformações ocorridas no âmbito urbano, desde a reforma do Estado, a autonomia dos municípios pós Constituição de 1988, até a definição do “local” como espaço estratégico para a indução do desenvolvimento local. O mesmo serve para ilustrar a importância que deve ser dada à atual autonomia municipal, autonomia esta que permite ao poder local a criação de políticas públicas próprias, tais como as políticas concernentes à geração de trabalho e renda. A autonomia local tem como alicerce as novas experiências de governança urbana e comunitária, a exemplo do Modelo Colaborativo de Curitiba e dos grupos de colaboração de artesanato da comunidade do Cajuru, escolhidos como objeto de pesquisa desta dissertação. Após esta contextualização das transformações ocorridas, aborda-se o tema dos novos modelos de gestão pública, tais como o modelo gerencial e o modelo democrático-participativo. Tem-se como objetivo principal explicar o conceito de governança comunitária, fruto de recentes transformações na gestão pública. De forma geral, o conceito remete a necessidade de mitigar os efeitos nocivos dos antigos “modos” de gerir as cidades, de cunho patrimonialista ou burocrático. Tais práticas não “cabem” mais na atual agenda pública, e estão cedendo lugar a dois principais modelos de gestão urbana: o gerencial e o democrático-participativo (FREY, 1996). O tema sobre governança comunitária é estudado tendo como direcionadores os conceitos de capital social, empowerment e redes sociais. 2.1 REFORMA DO ESTADO Reformar o Estado significa criar uma estrutura pública capaz de romper com o antigo sistema estatal burocrático que perdurava na década de 1980 e que mostrou sinais de esgotamento e ineficácia. Este rompimento com as práticas burocráticas e clientelistas de gestão se fez imprescindível por conta das novas demandas impostas aos Estados em decorrência do processo de globalização, que 9 passou a exigir um Estado eficiente, com novas instituições, novas competências e novas estratégias administrativas. Segundo Bresser Pereira, a reforma do Estado, por envolver aspectos políticos (relação com a promoção da governabilidade), aspectos econômicos e administrativos (que visam o aumento da governança) se constitui como um tema bastante amplo e complexo (1998b, p. 23). O principal ponto de interesse desta dissertação no tema da reforma do Estado se refere às possibilidades de mudança de um sistema burocrático de gestão para outros modelos de gerenciamento público, tais como o modelo gerencial e o modelo democrático-participativo, destacando dentre estas mudanças, o advento da descentralização, que possibilitou que muitas das ações antesde competência do governo federal, passassem a ser responsabilidades dos governos municipais. Um dos fatores mais marcantes da reforma do Estado, a busca de rompimento com os modelos patrimonialista e burocrático de administração pública, aconteceu porque os antigos modelos passaram a ser insuficientes frente às necessidades de uma nova sociedade inserida no processo de globalização. A administração burocrática veio substituir a administração patrimonialista das antigas monarquias e sistemas feudais que se revelou incompatível com o capitalismo industrial do século XIX. Dessa forma, a administração burocrática era vista, como superior ao patrimonialismo por ser mais eficiente. Porém, Bresser Pereira explica que essa visão não se tornou real, pois, a partir do momento em que o Estado liberal do século XIX cedeu lugar ao “grande Estado social e econômico de século XX”, verificou-se que a administração burocrática era ineficaz, lenta, cara e “pouco ou nada orientada para o atendimento das demandas dos cidadãos” (BRESSER PEREIRA, 1998a, p. 241). Osborne & Gaebler (1998, p. 16) ressaltam que o modelo burocrático teria funcionado por um período significativo porque correspondia às necessidades de uma sociedade lenta, onde as mudanças aconteciam com menor rapidez. Funcionava não porque era eficiente e sim porque resolvia os problemas fundamentais. Porém, atualmente, na sociedade da informação a realidade é outra, as mudanças são rápidas, o mercado é global e os consumidores se acostumaram a uma grande variedade e qualidade de produtos proporcionados pelos mercados. 10 De acordo com Bresser Pereira e Spink, a reforma do Estado configura-se como um “marco teórico e uma nova prática para a administração pública – a abordagem ‘gerencial’, que substitui a perspectiva ‘burocrática’ anterior” (1998b, p. 7). “A abordagem gerencial, também conhecida como ‘nova administração pública’, parte do reconhecimento de que os Estados democráticos contemporâneos não são simples instrumentos para garantir a propriedade e os contratos, mas formulam e implementam políticas públicas estratégicas para suas respectivas sociedades tanto na área social quanto na científica e tecnológica” (BRESSER PEREIRA & SPINK, 1998b, p. 7). Para Fernando Henrique Cardoso, passa-se por um processo de transição entre um modelo de Estado assistencialista e paternalista para um novo modelo “no qual não basta mais a existência de uma burocracia competente na definição dos meios para atingir os fins”, ou seja, “o que se requer é algo muito mais profundo: um aparelho de Estado que, além de eficiente, esteja orientado por valores gerados pela própria sociedade” (CARDOSO, 1998, p. 19). Para ele, esta transição é um dos grandes desafios do mundo contemporâneo. A reforma do Estado abriu caminho para a prática da “boa governança”, tema abordado no item 2.4. A seguir, descreve-se o processo de descentralização do Estado brasileiro, dando continuidade aos fatores que contribuíram para a efetivação dos modelos de gestão urbana contemporâneos. 2.2 DESCENTRALIZAÇÃO E O PODER DO LOCAL A descentralização iniciou-se a partir da Constituição de 1988, quando os municípios passaram a ter uma maior autonomia, inclusive no tocante à gestão de políticas públicas que até então ficavam a cargo dos Governos Federal e Estadual. As novas responsabilidades e posturas às quais os governos municipais precisavam incorporar incidem sobre a qualidade de vida dos cidadãos, em particular aos dos mais pobres, pois estes demandam atenção mais intensa principalmente nas áreas da saúde, educação, moradia, transportes, trabalho e renda. 11 Isto significou, para Pinho & Santana (2002, p. 275) “uma valorização dos níveis subnacionais de governo em detrimento do governo central”. De acordo com estes autores, “o esgotamento da capacidade de lidar com problemas complexos e extensos por parte dos governos centrais” foi o motivo que levou à transferência desses problemas para os níveis subnacionais, principalmente o municipal. Dessa forma, as novas atribuições do governo municipal, passaram a ser as seguintes: “políticas de responsabilidade fiscal, elevando a capacidade de arrecadação própria; reconhecimento da sociedade civil organizada como novo ator social, o que leva a institucionalização de mecanismos de democracia direta como orçamento participativo, conselhos municipais, fóruns de consulta, além de parcerias com o setor privado; práticas gerenciais centradas na qualidade e no exercício da participação; intervenções na área de abastecimento envolvendo produção, circulação, comercialização e consumo; defesa do meio ambiente; políticas de cunho redistributivo ou anticíclico para garantir a renda e o emprego; reconhecimento que a industrialização não é o único caminho para o desenvolvimento, mas que também a agricultura, o comércio e o turismo podem ser considerados como setores potenciais de geração de emprego e renda; abandono da visão tradicional assistencialista substituída por políticas mais consistentes de combate à exclusão social e à pobreza, e sobretudo um novo papel de agente de desenvolvimento local, desenvolvimento este que abrange o econômico, o social e o humano” . (PINHO & SANTANA, 2002, p. 275). Segundo Abrucio & Couto (1996), analisando as condições da reforma do Estado no nível municipal, fica constatado o enfrentamento de dois principais desafios: “o cumprimento das funções de bem-estar e de desenvolvimento local” (p.46). Para os autores, os municípios estão cada vez mais assumindo o papel de welfare, através de iniciativas “em prol do desenvolvimento econômico local, especialmente direcionadas à geração de emprego e renda”. Segundo eles, “talvez seja essa a maior novidade em termos de redesenho do Estado no nível local” (1996, p. 41). Estes processos e desafios fizeram com que os governos locais vissem suas agendas ampliadas, passando a ter uma importância cada vez mais relevante no processo de desenvolvimento. Neste contexto, os prefeitos e governantes locais precisavam reconhecer suas limitações em resolver os problemas urbanos unilateralmente. Os desafios eram inúmeros diante da responsabilidade e da dinâmica urbana. Sendo assim, ficou evidente a necessidade de chamar a sociedade para uma gestão conjunta das ações e políticas públicas a serem implementadas. 12 “A descentralização representa em teoria a possibilidade de ampliação para o exercício dos direitos dos cidadãos, a autonomia da gestão, a participação cotidiana dos cidadãos na gestão pública e uma potencialização de instrumentos adequados para um uso e redistribuição mais eficientes dos recursos públicos” (JACOBI & TEIXEIRA, 1996, p. 119). Para Cohn, a descentralização associa-se à democratização política e social, “de modo quase imediato e mecânico, uma vez que em princípio ela favorece a ampliação do espaço público”. (COHN, 1998, p. 145). Segundo Melo, a descentralização pode ser entendida “enquanto transferência de poder decisório a municípios ou entidades e órgãos locais” e expressa “tendências democratizantes, participativas e de responsabilização”, como também, expressa “processos de modernização gerencial da gestão pública” (MELO, 1996, p. 13). Contudo, por mais que a descentralização possua inúmeros pontos positivos, com um potencial de transformar as antigas sociedades regidas pelo autoritarismo, clientelismo, etc., em sociedades mais democráticas e justas, ela não se configura como uma solução absoluta em seu processo de gestão. Segundo Lobo, por mais que exista um consenso sobre a “relação positiva e a maior eficiência e eficácia das ações na área social, deve-se ter cautela para não se ”mistificar o processo de descentralização e assumi-lo como a solução mágica para males muito além da centralização” (LOBO, apud COHN, 1998, p. 159). Para a autora, as experiênciasde governo local onde a participação da sociedade na gestão pública é priorizada, acontece “de forma tensa e contraditória entre si”1. Conforme visto até este momento, a transferência de competências do governo federal para o governo municipal, leva a uma discussão sobre o poder destinado aos municípios, ou seja, ao local. Mais do que nunca, após a reforma do Estado, cabe aos gestores municipais chegar pelo menos próximos à governança ideal, o que seria dizer, transformar seus municípios em locais nos quais, em conjunto com a sociedade civil, efetivamente se alcance o desenvolvimento sustentável, a partir de um modelo de gestão democrático e participativo. Ladislau Dowbor, em seu estudo sobre processos de “reprodução social” e suas implicações para a gestão pública, destaca o conceito de espaço e a 1 Para uma exposição aprofundada sobre alguns dos efeitos negativos da descentralização após a Constituição de 1988, consultar MELO, M. A. Crise federativa, guerra fiscal e “hobbesianismo municipal” efeitos perversos da descentralização? ; ABRUCIO, F. L.; COUTO, C. G. A redefinição do papel do estado no âmbito local. Ambos artigos se encontram na revista São Paulo em Perspectiva, 10 (3), 1996. 13 importância que este espaço assume no cotidiano das comunidades. Para o autor, existe uma crescente complexidade nos processos de transformação dos espaços: “O que está ocorrendo, é uma nova hierarquização dos espaços, segundo as diferentes atividades, envolvendo tanto globalização como formação de blocos, fragilização do Estado-nação, surgimento de espaços subnacionais fracionados de diversas formas, transformação do papel das metrópoles, reforço do papel das cidades, e uma gradual reconstituição dos espaços comunitários desarticulados por um século e meio de capitalismo. E estes diversos espaços em plena transformação e rearticulação abrem novas dimensões para a inserção do indivíduo no processo de reprodução social, permitindo talvez a reconstituição de um ser humano mais integrado a partir dos segmentos hoje fragmentados” (DOWBOR, 1998, p. 30). A globalização teve uma grande importância para o processo de se repensar o local. Para Pinzani (2001), pode-se considerar dois aspectos principais que caracterizam a globalização: o primeiro, foi a expansão do espaço da economia e da política, quebrando o paradigma do “progresso como fenômeno ligado à temporalidade”. O tempo, segundo este autor, se reduz “ao breve momento, ao instante necessário para a transferência de informações dum ponto ao outro do planeta através dos ‘novos’ meios tecnológicos: o telefone, o rádio, a televisão, o computador. As grandes transformações sobressaltam a humanidade de repente e tomam posse do mundo num tempo incrivelmente breve (...). Elas se movem mais na dimensão espacial que na temporal” (PINZANI, 2002, p. 213). O segundo aspecto da globalização se refere ao predomínio da lógica econômica, que traz uma expansão do mercado limitada aos países industrialmente mais avançados, como os Estados Unidos, Japão e países da Europa, ficando apenas as migalhas para os outros países. Além das “simples transações comerciais ou das especulações financeiras”, o autor se refere também às várias culturas que se abrem a outros âmbitos culturais até então desconhecidos (PINZANI, 2002, p. 215). Contudo, Dowbor adverte que a “globalização não é geral”, nem tudo se globalizou, basta prestar atenção na vida cotidiana para perceber que muitas das atividades continuam sendo locais, tais como a moradia, “o médico para a família, o local de trabalho, até os horti-fruti-granjeiros da nossa alimentação cotidiana” (1998, p. 32). Para o autor, existe a necessidade de uma “melhor compreensão de como os 14 diversos espaços do nosso desenvolvimento se diferenciam e se rearticulam, cada nível apresentando os seus problemas e as suas oportunidades, e, a totalidade representando um sistema mais complexo”. A partir deste entendimento, os problemas mais específicos devem se concentrar nos locais mais próximos de decisão dos cidadãos, o que exige uma maior participação dos atores sociais locais e sistemas mais democráticos de gestão, enquanto que outros problemas devem ficar num nível mais central de decisão do país, tais como os equilíbrios macroeconômicos, as desigualdades regionais, a inserção do país na economia mundial, eixos tecnológicos de longo prazo, etc. Para ilustrar esta questão, o autor utiliza uma frase de um relatório das Nações Unidas2 que resume bem o problema: “O Estado-nação tornou-se pequeno demais para as grandes coisas, e grande demais para as pequenas” (DOWBOR, 1998, p. 32-36). Dessa forma, Dowbor afirma que se deve apostar no poder local, bem como em modelos de gestão democrática e participativa como formas de se atingir o desenvolvimento sustentável a partir das localidades. Vieira & Vieira (2003, p. 130) referem-se ao poder em três esferas distintas: o poder político, o poder social e o poder econômico. O poder político é determinante da ação administrativa e se traduz como a soma de vários poderes compartilhados, emanados das entidades que representam a sociedade organizada. Os dois grandes domínios do exercício do poder são o executivo e o legislativo. O poder social distribui-se em diversos segmentos e é representado pelas entidades de classe, pelas organizações não governamentais e “pelo domínio intelectual do conhecimento e das técnicas”. Compartilhado, o poder social tem se ampliado e vem sendo utilizado como instrumento de ação política e como “respaldo na implementação das estratégias de gestão”. Tal ampliação do poder social deve-se a um contexto cada vez mais complexo na dinâmica das cidades. O terceiro poder, o econômico, define-se como “o mais dinâmico e influente mecanismo de atuação na gestão pública”, pois ao mesmo tempo em que agrega valores, também destrói princípios e respeito aos direitos comuns bem como à sustentabilidade ambiental (VIEIRA & VIEIRA, 2003, p. 130). 2 UNDP, Human Development Report, 1993, p. 5. 15 Anete Ivo (2000) levanta a questão dos conflitos que surgem no âmbito do poder local. Para a autora, este poder não se consolida apenas nas “relações entre o governo municipal e a sociedade civil, como espaço do exercício responsável e solidário”. Ele também assume muitas vezes um caráter conflitivo quando “na criação de soluções alternativas para o tratamento dos problemas vinculados à produção da pobreza e das desigualdades sociais, sustentadas pela ampliação de atores participativos” (IVO, 2000, p. 15). Um dos grandes desafios da gestão do local é adequar e integrar as diferentes instâncias de poder que influenciam a vida dos cidadãos. As pressões sofridas pelos gestores por parte das comunidades é mais um dos desafios da gestão local. Conforme Frey, estas comunidades “são expostas aos chamados ‘efeitos colaterais’ do progresso econômico e da globalização – aumento do desemprego, da criminalidade e violência urbana, deterioração ambiental e de qualidade de vida em geral”. Para o autor, o dilema enfrentado pelo gestor urbano está entre a necessidade de “criar condições favoráveis para uma inserção dos setores mais modernos e dinâmicos da cidade no mundo da economia globalizada” e ao mesmo tempo, “procurar medidas e políticas capazes de mitigar os crescentes problemas sociais, econômicos e ambientais que afetam os setores sociais mais fragilizados e empobrecidos” (FREY, 2003). Para fazer frente aos desafios expostos, surgem novos modelos de gestão pública, analisados a seguir, sendo eles o modelo gerencial e o modelo democrático- participativo. 2.3 NOVOS MODELOS DE GESTÃO PÚBLICA NO ÂMBITO DA GOVERNANÇA URBANA A nova dinâmica urbana em que vivem as cidades, na qualo local ganha cada vez mais força de transformação exige da gestão pública modelos inovadores e adequados a este novo cenário que vem se configurando nas cidades. 16 Sendo assim, dois novos modelos de gestão pública vêm se delineando para fazer frente aos novos anseios da sociedade urbana atual: o modelo gerencial e o modelo democrático-participativo. 2.3.1 Modelo Gerencial de Administração Pública A modelo gerencial de administração pública surgiu na segunda metade do século XX, como resposta à crise do Estado, com os objetivos principais de enfrentar a crise fiscal, reduzir os custos, tornar mais eficiente a administração pública e proteger o patrimônio público “contra os interesses do rent-seeking ou da corrupção aberta”. (BRESSER PEREIRA, 1998b, p. 28). O modelo gerencial associa-se aos preceitos de um novo modo de governar, a partir do conceito da reinvenção do governo. Segundo Osborne & Gaebler, “o surgimento de uma economia global pós-industrial, baseada no conhecimento, abalou velhas realidades em todo o mundo, criando oportunidades maravilhosas e problemas espantosos” (1998, p XVI). Sendo assim, os autores defendem a idéia de que é necessário que os governos reajam e se reinventem, transformem-se em governos empreendedores ou governos inovadores. Bresser Pereira define as seguintes características básicas da administração pública gerencial: é orientada para as necessidades dos cidadãos, para o alcance de resultados, considera que políticos e funcionários públicos são merecedores de limitado grau de confiança, serve-se da descentralização e do incentivo à criatividade, bem como à inovação como estratégias, além de se utilizar dos contratos de gestão como instrumento para controlar gestores públicos (1998b, p. 28). Ao contrário da gestão burocrática, “toda administração pública gerencial tem de considerar o indivíduo, em termos econômicos, como consumidor (ou usuário) e, em termos políticos, como cidadão” (BRESSER PEREIRA, 1998b, p. 33). Os processos de reforma possuem uma amplitude que vai além do Estado. Constituem-se num conjunto bastante diverso de ações descentralizadas nas diversas formas de governo local, estimulando e gerando novos fóruns de debate 17 sobre a eficácia e a efetividade da gestão pública. Estes diversos novos atores que passam a incluir o processo administrativo por meio de parcerias, assumem um papel cada vez maior na provisão de serviços públicos sociais e científicos (BRESSER PEREIRA & SPINK, 1998, p. 13). 2.3.2 Modelo Democrático-participativo de Administração Pública Para entender o modelo democrático-participativo no Brasil, se faz necessário uma breve introdução dos conceitos de democracia e participação. Segundo o dicionário Aurélio, democracia é uma “doutrina ou regime político baseado nos princípios da soberania popular e da distribuição eqüitativa do poder” (AURÉLIO, 2004, p. 291). Para Fleury (2003, p. 111), a construção da democracia no Brasil deve-se principalmente ao novo formato constitucional das políticas sociais brasileiras. Fazendo uma retrospectiva dos ciclos da democracia nas grandes cidades brasileiras, Soares & Gondim (1998) afirmam que o primeiro ciclo do novo modelo de “democracia urbana” se iniciou em 1985 quando se retomou as eleições diretas para prefeito. Neste ciclo prevaleceu a “soberania do voto” possibilitando “aos novos movimentos sociais a oportunidade de intervir diretamente na definição e fiscalização das políticas públicas no plano local” (p. 64). Nessa primeira fase, dentre as cidades que tiveram administrações que se propunham realizar mudanças no modelo de relacionamento entre governo e sociedade civil, apenas Recife e Curitiba conseguiram executar, de forma mais consistente, propostas que viriam em larga medida orientar um novo padrão de gestão nas administrações locais. A primeira destacou-se por programas com alta densidade de participação popular. A segunda conseguiu combinar o elevado padrão de planejamento já existente na cidade com programas de grande repercussão social. As experiências das outras capitais terminaram naufragando, em decorrência, principalmente, de problemas na composição das alianças políticas, de falta de experiência e da ausência de uma equipe de governo trabalhando de forma coordenada (SOARES & GONDIM, 1998, p. 65). Para Soares & Gondim (1998), o segundo ciclo da democracia é marcado pelas eleições de 1988, época em que o PT sai vitorioso em mais de quarenta cidades e passa a administrar 20% do eleitorado brasileiro. Neste ciclo inaugurou-se 18 uma nova concepção de gestão local centrada na capacidade ativa do povo, o discurso da participação direta se torna radical a partir das propostas de instalação de “conselhos populares deliberativos” (p.66). No entanto, segundo os autores, tais propostas não conseguiram se viabilizar. As administrações petistas não corresponderam às expectativas com relação às propostas alternativas de gestão municipal, principalmente nas cidades de São Paulo e Campinas. Em contrapartida aos “conselhos deliberativos”, algumas prefeituras “consagraram um novo estilo de negociação, por intermédio da discussão do orçamento municipal, que passaria a ser marca das administrações inovadoras no poder local” (p. 67). Esta experiência iniciou-se em Porto Alegre, na gestão do governo Olívio Dutra, perdurando nas administrações seguintes e, inclusive, sendo adotada por outros municípios brasileiros. Por fim, o terceiro ciclo das gestões locais inovadoras reforça a participação, a parceria e o desenvolvimento econômico. Destaca-se a experiência do orçamento participativo e a “combinação de formas de participação semidireta na gestão (os conselhos setoriais) com a parceria da iniciativa privada, ONGs e organizações populares no desenvolvimento de projetos econômicos” (SOARES & GONDIM, 1998, p. 67). Após a reconstituição dos ciclos da democracia brasileira, observa-se que este regime político possui classificações distintas, tais como democracia formal e democracia participativa. Segundo Singer (1998, p. 125), a democracia formal apresenta uma divisão de trabalhos entre o governo e a sociedade civil, onde o governo trata de negócios públicos, a sociedade civil cuida dos interesses privados. Nestas condições, o autor explica que a participação da sociedade civil só acontece na época das eleições, ou seja, é uma participação limitada. Para Singer (1998), o grande desafio político é tornar a democracia participativa, não se opondo à democracia formal, mas sim, deixando-a mais ampla e mais autêntica, além de servir como elemento de melhoria do desempenho das autoridades, permitindo a formação de parcerias entre poder público e organizações de cidadãos, empresas, etc. Com a parceria, abre-se oportunidade de viabilização 19 de diversas atividades que sozinhas, as instituições não conseguiriam viabilizar (p. 125). Para isso, os prefeitos precisam conquistar a confiança dos líderes comunitários e de classe, a fim de convencê-los de que “vale a pena aceitar o desafio de participar” (SINGER, 1998, 125). A democracia participativa oferece oportunidades para que as decisões não rotineiras, que possam afetar amplos setores da sociedade possam ser discutidas e decididas com todos os interessados. O modelo democrático-participativo de administração pública possibilita o envolvimento e o apoio dos cidadãos e da sociedade civil organizada, ou seja, cria- se uma parceria que tende a minimizar os problemas e a facilitar o processo de desenvolvimento das comunidades locais. O processo de parceria entre governo e sociedade civil gera um grande potencial de inovação social, “transformando as estruturas governamentais e as formas de gestão pública e permitindo, assim, a inclusão de setores anteriormente excluídos da condição de cidadania”(Fleury, 2003, p. 112). “O ponto fundamental é, sem dúvida, a compreensão da importância de abrir as estruturas estatais de planejamento e gestão à sociedade, para que se possam criar processos democráticos de co-gestão. Aceitar, enfim, que dividir poder não diminui o poder do governante, mas sim o multiplica: eis a base da geração de governabilidade local, requerida na transformação da gestão de estruturas tradicionalmente comprometidas com o clientelismo e a corrupção. No campo das políticas sociais, em que há interesses tão diversos em jogo e em que são enormes as disparidades de recursos dos diferentes grupos de interessados, é imprescindível criar espaços públicos nos quais os interesses possam ser confrontados de forma transparente, gerando possibilidades de negociação e geração de consensos” (FLEURY, 2003, p. 112). Para Soares & Gondim, a participação popular na administração pública, “tornou-se hegemônica na cultura política brasileira recente, ou seja, deixou de ser apanágio dos partidos de esquerda e dos movimentos sociais e passou a ser incluída nas propostas de governos e no planejamento estratégico das cidades, independente da orientação ideológica dos gestores” (1998, p. 81). Porém, a democracia participativa faz parte de uma nova cultura política, que precisa ser exercitada cada vez mais por toda a sociedade para que seus conceitos e aplicações sejam realmente eficazes. Cidades tais como Fortaleza, Recife, Santos, 20 São Paulo e Porto Alegre3 foram as primeiras a utilizar-se de maneira intensa deste modelo de gestão e podem testemunhar as dificuldades que ocorrem no dia-a-dia da administração municipal, “o recurso à participação popular, mesmo servindo para impactar positivamente a máquina administrativa, muitas vezes poderia atuar também como um complicador, pois, ao invés de agilizar, podia emperrar ainda mais a máquina burocrática. Uma das justificativas é que, ao abrir espaços para o confronto de interesses divergentes, a prática da democracia semidireta, numa sociedade marcada por fortes desigualdades socioeconômicas, pode acirrar os conflitos, em vez de viabilizar soluções negociadas” (SOARES & GONDIM, 1998, p. 82). As dificuldades intrínsecas à participação popular são bastante diversas. Vão desde a falta de cultura participativa até à manutenção da participação. Com relação à falta de uma cultura participativa, Soares & Gondim explicam que, nas “administrações populares” percebe-se que “a população tende a só considerar válida a participação quando suas reivindicações são atendidas” (1998, p. 83). Estas dificuldades acontecem porque, segundo Cohn (1998), não existe “uma tradição intersetorial de enfrentamento da questão social, nem por parte dos governos locais nem dos próprios setores sociais mais diretamente envolvidos” (p. 163). Tendências de tensões são evidenciadas: “entre o particular e o universal, entre a segmentação e a setorização e a necessidade de se equacionar as questões urbanas em termos mais gerais, orientadas para a garantia de melhor qualidade de vida para todos” (p. 165). Os principais atores envolvidos nestas “tensões” são o poder público, assessoria técnica, lideranças populares e comunidade, ressaltando “difícil negociação entre a racionalidade política da administração, a racionalidade técnica da máquina administrativa e as necessidades e demandas das organizações populares e da comunidade” ( p. 167). A falta de uma cultura democrática participativa, de acordo com Soares & Gondim (1998) faz com que a participação seja efetiva “apenas durante períodos limitados, quando uma ameaça externa catalisa a união dos diversos segmentos 3 “Um conjunto de experiências inovadoras no âmbito da gestão local vêm sendo registradas pelo programa Gestão Pública e Cidadania, dirigido por Peter Spink na FGV; pelo Dicas Municipais do Instituto Pólis, pelo Cepam no quadro de seu Catálogo de Experiências Municipais; pela Secretaria de Assuntos Internacionais do Partido dos Trabalhadores; pela Fundação Abrinq no quadro do movimento Prefeito-Criança” (DOWBOR, 2000, p. 4). 21 afetados, ou quando há demandas específicas e localizadas a serem atendidas” (p. 83). Para os autores, não existe continuidade nos processos de participação por parte da sociedade, tornando-se essencial que se busque “mecanismos capazes de institucionalizar os processos participativos, de modo a assegurar-lhes continuidade e eficácia” bem como sua auto-sustentabilidade (SOARES & GONDIM, 1998, p. 84). A parceria entre governo e sociedade é um processo político cada dia mais dominante na governança local, por isso, as dificuldades existentes quanto à efetivação da democracia devem ser superadas, pois a participação representa “o reconhecimento dos próprios limites da ação estatal”. Governar, então, “torna-se um processo interativo porque nenhum ator detém sozinho o conhecimento e a capacidade de recursos para resolver problemas unilateralmente” (STOKER, 2000: 93, apud FREY, 200). Ainda sobre a parceria governo sociedade, ela se “desdobra” em algumas estruturas. Entre elas, a estrutura de redes sociais, que significam um potencial instrumento de participação e interação entre governo, comunidade e setor privado. O tema das redes sociais é abordado no capítulo cinco deste trabalho. 2.3.3 Diferenças e Complementaridades entre os Modelos de Administração Pública “Referir-se ao local é dizer que mais do que administrar com maior eficácia (modelo gerencial) existe um movimento bastante intenso no sentido da gestão democrática: Estado, sociedade civil, participação, universo organizacional e qualificação dos gestores” (NOGUEIRA, 2005, p. 11). Seguindo a idéia de Nogueira, para cada modelo de gestão acima exposto, existem vantagens e desvantagens. Porém, eles não são excludentes e sim, complementares. O modelo gerencial foca muito mais a eficiência enquanto que o modelo participativo valoriza sobremaneira a participação da sociedade nas decisões das ações públicas. 22 FREY, em seus estudos sobre modelos de administração pública, faz uma relação de características dos modelos gerencial e democrático-participativo, conforme sintetizado no quadro abaixo: QUADRO 01 - SÍNTESE DAS CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS DO MODELO GERENCIAL E DO MODELO DEMOCRÁTICO-PARTICIPATIVO. MODELO GERENCIAL MODELO DEMOCRÁTICO-PARTICIPATIVO 1 - Inspira-se na prática do gerenciamento de empresas privadas, buscando transferir instrumentos de gerência empresarial para o setor público. 1 - Inspira-se na teoria da democracia participativa e passa pelo aumento do controle social, pela democratização das relações Estado-sociedade e a ampliação da participação da sociedade civil e da população na gestão da coisa pública. 2 - As diretrizes baseiam-se na nova administração pública, ou New Public Management, orientando-se para a obtenção de resultados, a utilização do contrato de gestão como instrumento de controle dos gestores públicos, a descentralização administrativa, os incentivos à criatividade e à inovação como estratégias principais e para a transferência de ampla autonomia e responsabilidade aos gerentes públicos. 2 - As diretrizes baseiam-se na promoção das condições de accountability através de estímulos ao envolvimento e à partição da sociedade civil organizada e dos cidadãos tanto na formulação como na implementação de políticas e projetos públicos. 3 - Visa isolar e proteger o gestor público das pressões oriundas da sociedade; 3 – Visa novas habilidades do gestor público, sobretudo em relação à articulação e à cooperação com os mais variados atores políticos e sociais. 4 - O gestor público é avaliado conforme sua capacidade de alcançar as metas estabelecidas pelo sistema de decisão política. 4 – Ganharelevância o próprio processo da gestão pública, particularmente no que diz respeito ao seu caráter democrático, ao apoio popular alcançado e ao engajamento cívico almejado. FONTE: FREY, 2004. 23 Segundo Frey, nas recentes práticas da administração municipal observa-se uma mesclagem das duas abordagens acima citadas, comprovando uma tendência de aproximação entre os dois distintos modelos, sem, no entanto, “chegar a uma dissolução de antagonismos ideológicos”. (2004, p. 4). “Governos municipais, tradicionalmente de esquerda e comprometidos com o discurso democrático-participativo, recorrem crescentemente a instrumentos de gestão defendidos pelo novo gerencialismo, ao passo que governos do campo político de tendência neoliberal, advogando a revolução gerencial no setor público, vêem-se obrigados a abrir espaços para a participação popular em função da perda de legitimidade política e das crescentes demanda sociais. Mesmo no tocante ao debate teórico, a distinção entre as duas abordagens, antagônicas nas suas origens, se torna mais difícil, na medida em que, de um lado, o discurso da cidadania e da participação pública entrou nas concepções gerenciais e, de outro lado, estratégias de privatização e de parcerias público- privado são cada vez mais defendidos pelos adeptos do modelo democrático- participativo” (FREY, 2004, p. 8). Neste contexto, vem se delineando a nova estrutura de governança urbana, com governos enfatizando cada vez mais, tanto o aumento da eficiência e efetividade, quanto o potencial democrático. 2.4 GOVERNANÇA COMUNITÁRIA Após descrito o processo de descentralização do Estado e os conseqüentes desdobramentos de tal acontecimento, isto é, a incumbência de novos papéis assumidos pelos municípios, além do surgimento dos novos modelos de gestão pública, será aprofundado a partir deste momento o conceito da governança comunitária. Este tópico tem por finalidade explicar o que se entende sobre o conceito de governança, além de refletir sobre sua relevância para o espaço do urbano, considerando a atual dinâmica das relações entre Estado e sociedade civil. A gestão, segundo Kliksberg, (1997, p. 74), em todo o mundo, “é uma das grandes questões de nosso tempo”, um recurso estratégico e escasso. Para o autor, gerenciar, isto é, exercer uma gestão, significa “alcançar as metas previstas”. De acordo com Fischer, “a gestão é um ato relacional que se estabelece entre pessoas, em espaços e tempos relativamente delimitados, objetivando realizações e expressando interesses de indivíduos, grupos e coletividades”. (2002, p. 29).No 24 âmbito deste trabalho, “o espaço” ao qual Fischer se refere, diz respeito às cidades e à sua zona urbana, ou seja, à gestão pública das cidades. Gerenciar nos dias de hoje é bastante diferente de gerenciar nos anos 80, principalmente no âmbito do setor público, por serem as questões cada vez mais complexas e muito particulares a cada organização pública (Kliksberg, 1997, p. 74). No atual contexto da sociedade da informação, do conhecimento e dos fluxos globais, as cidades e sua expressão maior, a zona urbana, possuem incumbências cada vez maiores quando comparadas à era industrial. Precisam cada vez mais se apropriar de uma nova personalidade, de um novo poder e de novas estratégias de gestão. Estão ligadas de forma cada vez mais intensa às estratégias globais, “articulando-se às redes de produção, circulação e consumo mundial” (VIEIRA & VIEIRA, 2003, p. 128). Em especial nos últimos 50 anos, a urbanização se intensificou de maneira extraordinária, o que “torna os centros urbanos caixas de ressonância das demandas humanas, projetadas por fatores econômicos, sociais, culturais e mais recentemente, tecnológicos” (VIEIRA & VIEIRA, 2003, P. 128). De acordo com estes autores, são estas demandas que obrigam as cidades a exercer novas funções, influenciando fortemente para a criação de novas estruturas organizacionais, bem como novas metodologias de gestão. Para Kliksberg, as novas demandas apresentadas à gerência do setor público referem-se ao “desafio de estabilizar a democracia, de impulsionar o desenvolvimento e a competitividade, de enfrentar a gravíssima situação social e de promover maior integração econômica” (1997, p. 79). Gerir a cidade, para Vieira & Vieira “é enfrentar extraordinários fluxos de demandas sociais, a exigirem permanentemente redefinição, inovação e articulação de estratégias à minimização dos impactos que a dinâmica de funcionamento descarrega, diariamente, sobre a estrutura de poder e a capacidade de gestão” (2003, p. 127). A “boa gestão” que se impõe aos atuais governantes, passa a ser identificada por Fischer e diversos outros autores, como “governança”. Este conceito traduz uma gestão idealizada, entendida como “o poder compartilhado ou a ação coletiva gerencial” (2002, p. 26). 25 “A governança transformou-se em categoria analítica, associada a conceitos como participação, parceria, aprendizagem coletiva, regulação, sinônimo de ‘bom governo’, enfim, um guarda-chuva para as boas práticas valorizadas pelas agências internacionais, como o orçamento participativo e ações de desenvolvimento local e regional” (FISCHER, 2002, p. 26). Para Cassiolato & Lastres, governança origina-se da implantação de “práticas democráticas locais por meio da intervenção e participação de diferentes categorias de atores – Estado, em seus diferentes níveis, empresas privadas locais, cidadãos e trabalhadores, organizações não-governamentais etc. – nos processos de decisões locais” (2002, p. 71). Anete Ivo utiliza-se do conceito de governança conforme descrito pelo Banco Mundial que o define enquanto: “capacidade governamental de fazer prevalecer regras universalistas nas transações políticas e sociais, através da promoção, formas e mecanismos de coordenação e cooperação, nem sempre sustentado no uso da autoridade pública, mas em arranjos cooperativos, que reduziriam os custos de transação e evitariam ações predatórias, como clientelismo, corrupção, etc.” (IVO, 2000, p. 15). Neste sentido, de acordo com Dowbor (1996, p. 27), a governança “trata de deixar a sociedade gerir-se de forma mais flexível segundo as características de cada município”, através de mecanismos participativos simplificados, comunicação de forma ágil com a população, flexibilização dos mecanismos financeiros, ampliação da área de atuação da prefeitura, ultrapassando “preocupações com a cosmética urbana e algumas áreas sociais” e tornando-se catalisadora de “forças econômicas e sociais da região” além de, também, organizar “redes horizontais de coordenação e cooperação entre municípios, tanto no plano geral como, sobretudo, em torno de programas setoriais”. O conceito de governança diz respeito à superação da pobreza, à eficiência dos programas públicos, ao trabalho conjunto entre poder público e os demais atores sociais que pertençam à comunidade em torno de projetos estruturantes, tendo como objetivo principal, “contribuir para a redefinição de um modelo de desenvolvimento para cada sociedade” (KLIKSBERG, 2001 apud FISCHER, 2002, p. 27). Segundo estes autores, a governança só apresentará uma boa “performance” com relação ao desafio de vencer os obstáculos e realmente redefinir um modelo de desenvolvimento para as comunidades locais, a partir do momento em que haja uma forte integração entre poder público e a sociedade. 26 O conceito de governança surge no momento em que os governos encontram-se numa situação crucial, em que não conseguem mais “dar conta” sozinhos dos desafios políticos, sociais e econômicos. Sendo assim, a proposta da governança se apresenta como uma possível solução para a crise de governabilidade que atinge as prefeituras brasileiras, tendo como premissa básica para sua efetivação, a parceria, a inclusão de novos atoresda sociedade civil para gerir de forma conjunta com o poder público, os espaços urbanos. O tema sobre governança, cada vez mais destacado na literatura sobre gestão urbana, salienta “novas tendências de administração pública e de gestão de políticas públicas, particularmente a necessidade de mobilizar todo conhecimento disponível na sociedade em benefício da melhoria da performance administrativa e da democratização dos processos decisórios locais” (FREY, 2004, p.3). Estas novas tendências de administração pública inerentes ao processo de governança se manifestam nos modelos gerencial e democrático-participativo, abordados anteriormente neste mesmo capítulo. Com relação ao espaço no qual a governança se materializa, espaço este que abrange mais do que a própria cidade, abrange seu entorno, tanto físico quanto espacial, este pode ser caracterizado como espaço urbano. Este espaço urbano, para Vieira & Vieira (2003, p. 128), é uma expressão maior das cidades. Para o autor, as cidades são consideradas “um acontecimento populacional, social e econômico e de poder político”, enquanto que o urbano refere-se a “uma articulação espacial, contínua ou descontínua, da população e suas atividades”. Segundo Lefebvre, é preferível utilizar o termo fenômeno urbano ou o urbano à palavra “cidade”, pois para o autor, o termo cidade “parece designar um objeto definido e definitivo, objeto dado para a ciência e objetivo imediato para a ação, enquanto a abordagem teórica reclama inicialmente uma crítica desse objeto e exige a noção mais complexa de um objeto virtual ou possível”. Para o autor, o urbano é o possível, define-se por uma direção, e não “como realidade acabada, situada, em relação à realidade atual, de maneira recuada no tempo, mas, ao contrário, como horizonte, como virtualidade iluminadora” (LEFEBVRE, 1999). A cidade, para muitos analistas, perde seu “sentido conceitual ao tempo que cresce o conceito urbano de uma nova relação de espaço e sociedade” (VIEIRA & 27 VIEIRA, 2003, p. 128). Neste trabalho o que se faz relevante é destacar as mudanças da gestão pública no âmbito urbano e suas implicações para a governança comunitária. Em nível nacional, estas mudanças têm início, principalmente, a partir da reforma do Estado, tema discutido no início do presente capítulo. O próximo subitem, explica como ocorreram e como Curitiba se inseriu neste contexto de mudanças de gestão, expostas até o presente momento. 2.4.1 Planejamento Urbano e Gestão Pública em Curitiba Durante as décadas de 1950 a 1980, Curitiba (assim como outras cidades brasileiras) sofreu um intenso processo de urbanização, apresentando uma das maiores taxas de crescimento anual no país, principalmente na década de 1970, pois enquanto a taxa populacional do Brasil crescia a 2,48% ao ano, Curitiba crescia 5,34% ao ano. Com o intuito de evitar as crises crônicas estabelecidas na maioria das outras cidades brasileiras devido ao crescimento exagerado e descontrolado, Curitiba preocupou-se em ordenar e direcionar o crescimento urbano, desenvolvendo o Plano Diretor de Curitiba, ocasião onde é fundado o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba - IPPUC, com o objetivo de implantar as diretrizes do Plano Diretor, em 1963. Desde então o IPPUC foi o órgão responsável em planejar a cidade, seja no aspecto ambiental e de lazer, seja na área de equipamentos urbanos ou de sistema viário. Durante muitos anos a cidade foi destaque nacional e internacional no que dizia respeito ao seu planejamento urbano. Atualmente, porém, o atual sistema parece dar sinais de esgotamento, principalmente em seu sistema viário. Os impactos são sentidos principalmente por conta da nova dinâmica urbana que toma conta de todo o país. As cidades estão cada vez mais “inchadas”, as demandas pelos serviços públicos são cada vez maiores e o governo municipal acaba por não vencer, sozinho, os atuais desafios. 28 Dessa forma, Curitiba começou a criar canais de participação, por exemplo, através da realização de audiências públicas, realizadas desde a gestão anterior do ex-prefeito Cássio Taniguchi e se intensificando no atual governo do prefeito Beto Richa, no sentido de trabalhar de maneira mais próxima à comunidade.Além das audiências públicas, as reuniões realizadas com entidades empresariais, de classe e universidades, os Conselhos Municipais e o Portal da Prefeitura (IMAP, 2005) se constituem em canais de participação e de comunicação entre governo municipal, sociedade civil e cidadãos. Outra ferramenta utilizada pela Prefeitura, visando a participação baseada na parceria entre governo, sociedade civil e iniciativa privada, é o Modelo Curitiba de Colaboração, que é investigado nesta pesquisa. Segundo o Instituto Municipal de Administração Pública – IMAP, órgão do governo municipal, a gestão pública de Curitiba pode ser caracterizada da seguinte maneira (IMAP, 2005): • Estruturas organizacionais mais flexíveis, adaptáveis às demandas da sociedade, favorecendo o uso da criatividade e inovação, • Administração pública mais próxima da população através da descentralização com melhor conexão e flexibilidade entre os níveis: local, regional e central, resultando em respostas mais ágeis, • Raciocínio estratégico presente em todos os níveis e voltado para resultados (forte presença do modelo gerencial), • Mecanismos de participação da sociedade reforçados, o que constitui e amplia a rede de parcerias com a apropriação da metodologia do Modelo Curitiba de Colaboração, • Intersetorialidade presente na ação da PMC, • Criação de redes eficazes de comunicação interna e externa, • Ações territoriais, com dimensões e contornos próprios em função do local ou público a quem se destina. Dessa maneira, em parceria com a comunidade, a Prefeitura acredita conseguir, ao menos, amenizar os “efeitos colaterais” da globalização e da nova dinâmica urbana, seja no âmbito do planejamento urbano, da saúde, da educação, da habitação, do transporte, do desenvolvimento econômico, etc. 29 • No entanto, a questão do desenvolvimento econômico objeto desta investigação é uma das atribuições mais recentes assumidas pelos municípios em virtude da descentralização do Estado nacional, conforme abordado no primeiro capítulo deste trabalho. Conforme visto até o presente momento, a governança no atual contexto da sociedade da informação, do conhecimento e dos fluxos globais é um dos maiores desafios aos gestores públicos, face às novas imensas e diversificadas demandas desta nova sociedade. A seguir apresentam-se dois fatores intrínsecos à governança urbana ou, mais especificamente neste caso, à governança comunitária, que podem vir a potencializar a “boa governança”, já que se tratam de fatores diretamente ligados a uma atuação ativa e efetiva da comunidade local, quais sejam a promoção do capital social e de redes sociais, bem como condições favoráveis ao empowerment. 2.4.2 Capital Social A literatura sobre o tema é vasta e os aspectos sobre o capital social são bastante diversos, podendo contemplar as áreas política, econômica e/ou social. Segundo Costa, trabalhar o conceito de capital social é desafiador, pois além de envolver outros conceitos em seu “corpo estrutura”, tais como a confiança, as redes sociais, a solidariedade e a reciprocidade entre outros, o conceito também envolve aspéctos políticos, sociais e econômicos, ora analisados por alguns autores de maneira conjunta e associada, ora de formas isoladas e desconectadas. (COSTA, 2003, p.156). Enfatiza-se de forma primordial nesta parte do trabalho, a dimensão sociopolítica do capital social, ou seja, seu potencial de dar suporte à democracia e à governança local. Salienta-se que, a relevância do capital social nos processos de desenvolvimento econômico será discutida no capítulo
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