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CAPITULO 4 O PROCESSO DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA E O USO DAS TÉCNICAS PROJETIVAS Monilly Ramos Araújo Melo Toda avaliação psicológica tem como objetivo fornecer informações, para que, a partir destas, sejam tomadas decisões. Existe uma variedade expressiva de instrumentos de avaliação psicológica gerados para a exploração de diversas variáveis e processos psicológicos. Cada tipo de instrumento oferece atributos positivos e limitações que o psicólogo deve considerar quando o inclui ou o exclui de um processo avaliativo. Independente da área de atuação, a atividade profissional do psicólogo vincula-se diretamente ao ato de avaliar e, na sociedade contemporânea, cada vez mais é solicitado ao psicólogo preciso avaliar fenômenos e comportamentos humanos em diferentes contextos e com alto grau de confiabilidade. As técnicas projetivas constituem um caso à parte dentro do espectro das técnicas de avaliação psicológica e é sobre suas especificidades que se pretende dissertar neste texto. As técnicas baseadas na projeção enfatizam os aspectos qualitativos e psicológicos do indivíduo avaliado, identificando tendências espontâneas, motivadas por necessidades implícitas (Villemor-Amaral; Werlang, 2008). Considerando esta definição, fica clara a ideia de que a apreensão dos dados do mundo externo sempre será plasmada por componentes subjetivos. Dessa forma, as autoras salientam que é possível pensar que na capacidade de percepção de um individuo existe em um continnum, que pode ir desde a percepção totalmente objetiva da realidade até a distorção aperceptiva extrema, presente em alguns quadros psicopatológicos. Apercepção é o processo pelo qual uma experiência é assimilada e transformada pelo resíduo da experiência passada, ou seja, é a interpretação subjetiva da percepção objetiva de um estímulo (Villermor-Amaral; Werlang, 2008). Este conceito pode ser tomado para sustentar a legitimidade da interpretação das técnicas projetivas por meio de outras abordagens teóricas é o de apercepção, que indica o processo pelo qual a experiência nova é assimilada e transformada pelo traço da experiência passada. Portanto, a apercepção é uma interpretação e, como tal, dá sentido à experiência do indivíduo, que pode, por sua vez, ser compreendida à luz de diferentes correntes teóricas. No momento em que o indivíduo responde a uma instrução, ele lançará mão de recursos próprios para realizar a tarefa proposta, construindo-lhe um sentido, a partir de sua subjetividade. Entra em jogo, então, além da projeção, a percepção, cognição, apercepção, inscrevendo essas técnicas em outras abordagens teóricas, que não exclusivamente a psicodinâmica. Nesse sentido, fica evidente que a forma com que cada indivíduo percebe e responde ao teste pode ser interpretada com base em outros parâmetros. Na tarefa de interpretação dos testes projetivos, cabe ao psicólogo desvendar as motivações inconscientes que se deflagram no momento em que as respostas são elaboradas porque frente a determinada situação, a forma como vai experimenta-la é de acordo com sua perspectiva pessoal, e é nisso que se traduz a estrutura de personalidade de cada indivíduo. Quando conta histórias, compõem imagens ou constrói formas, a pessoa utiliza-se de registros de vivências e imagens passadas para atualizar sua experiência, colocando em ação as formas com que lida com as situações de vida. Esse processo sinaliza não apenas como funciona o psiquismo da pessoa, mas, também, os elementos que o compõem, descortinando o seu dinamismo. As técnicas projetivas, como instrumentos que geram hipóteses interpretativas, são importantes ferramentas para a identificação de características e traços de personalidade, bem como de sinais e sintomas relacionados a quadros psicopatológicos. No processo de avaliação psicológica, Anastasi e Urbina (2000) tecem alguns comentários sobre o uso das técnicas projetivas pelo psicólogo. O primeiro deles diz respeito ao rapport e à sua aplicabilidade, destacando sua capacidade de funcionar como um “quebra-gelo” nos contatos iniciais com o indivíduo que esta sendo avaliado. Uma vez que os estímulos são pouco estruturados, não demandam, à primeira vista, respostas certas ou erradas, isso costuma reduzir seu constrangimento e sua postura, geralmente, defensiva em processos de avaliação. Como se utilizam de respostas orais a estímulos pictóricos, algumas técnicas podem ser de muita utilidade na avaliação de crianças pequenas ou pessoas que não leem. Além disso, aspectos não verbalizados do comportamento do indivíduo podem ser esclarecidos, inclusive, para ele próprio, através deste tipo de instrumento. Outro ponto destacado pelas autoras é a questão da fraude ou da simulação por parte do individuo avaliado. Como os estímulos não exprimem diretamente o objetivo da técnica, fica mais difícil para o individuo avaliado ‘controlar’ suas respostas e prever a maneira com que elas serão pontuadas e interpretadas, o que pode ocorrer com alguns instrumentos de autorrelato. Cabe destacar que mesmo com a possibilidade de fraude diminuída, o psicólogo deve ficar atento às inconsistências encontradas, comparando fontes de coleta de informações sobre o indivíduo, buscando sempre a intervalidação dos resultados. Mesmo destacando os pontos fortes e positivos das técnicas projetivas, parece importante mencionar que elas não tem a intenção de substituir os testes psicométricos no processo de avaliação. O estudo das características psicodinâmicas dos indivíduos, através de técnicas projetivas, conduz a informações distintas e que não podem ser alcançadas com os procedimentos quantitativos disponíveis (Villemor-Amaral; Werlang, 2008). Essas informações podem ser importantes para integrar o arsenal de profissionais interessados em conhecer e investigar profundamente os processos psicológicos. Considerando que em uma situação de avaliação de um indivíduo interessa-se pelas semelhanças e singularidades, em relação aos outros indivíduos, as técnicas projetivas são instrumentos privilegiados em sua natureza, justamente porque possibilitam que ambas as informações sejam alcançadas. Em se tratando de enfermidades mentais, quadros em que, muitas vezes há a associação de patologias, a avaliação psicológica traz como expectativa a possibilidade de aprofundar-se a compreensão dessas comorbidades, eluciando-se aspectos relativos a estrutura e ao funcionamento da personalidade. Para que este objetivo seja alcançado é preciso romper com o uso exclusivo dos sistemas de classificação diagnósticas vigentes (O Código Internacional de Classificação das doenças-CID 10 e o Manual de estatístico de diagnóstico mental – DSM-IV-R), assumindo uma postura teórica conceitual que busque compreender, também, os aspectos dinâmicos e estruturais da personalidade dos indivíduos. Nesse sentido, as técnicas projetivas e sua avaliação psicodinâmica possibilitam a integração de indicadores encontrados nos testes e elementos da história pessoal e do contexto de vida do individuo avaliado. Técnicas projetivas podem ser utilizadas na avaliação da personalidade e de outros elementos como, por exemplo, relações interpessoais e dinâmica familiar, que se mostrem importantes para a compreensão sobre a forma com que o indivíduo percebe determinadas cenas ou situações, que é influenciada pelo seu mundo interno. Essa ideia abre espaço para que as técnicas projetivas sejam utilizadas em outros contextos e não apenas na investigação da personalidade. Por isso, concorda-se que a eleição do instrumento que será utilizado em cada situação de avaliação deve ser pautada por três grupos de fatores: os objetivos da avaliação, a orientação teórica e a preparação do avaliador para o uso de determinada técnica, e as características do indivíduo como idade e outras peculiaridades. As semelhanças existentes entre as diversas técnicas projetivas residem no fato de que todassão reveladoras de material dinâmico, normal ou patológico, através da projeção. Entretanto, cabe lembrar que não somente na projeção é que se fundamentam as técnicas projetivas, uma vez que aquele fenômeno integra outros processos psicológicos em seu dinamismo que participam da estruturação do mundo interno do indivíduo e o auxiliam, igualmente, a modelar sua impressão e percepção do meio externo (Fensterseifer; Werlang, 2008) Considerando que as técnicas projetivas visam a favorecer intensamente o aparecimento do mundo interno do testando, justifica-se o uso de estímulos que contenham os elementos suficientes para eliciar uma resposta passível de ser avaliada. Por esse motivo, os estímulos utilizados em técnicas projetivas são de maneira geral pouco estruturados, propiciando o aparecimento de elementos do funcionamento interno do indivíduo, dificultando que ele se apoie e se refugie em informações ou dados convencionais e que podem ser, por ele, manipulados. O estímulo, assim, torna-se um veiculo para que o examinando represente, na tarefa, seus sentimentos e suas características de personalidade: é um símbolo, um objeto pleno de significado, que por mais concreto que seja enquanto desenho, história ou impressão solicitada ao indivíduo, somente adquire o significado que o completa quando associado à singularidade de suas características individuais – sua história de vida, sua personalidade e seus processos psíquicos (Bandeira et al., 2006). As técnicas projetivas mais conhecidas encontram-se geralmente classificadas em agrupamentos distintos devido ao tipo de estímulo e o tipo de tarefa solicitada. Assim, tem-se as técnicas de manchas de tinta, as técnicas temáticas, as técnicas gráficas e as técnicas baseadas em estímulos diversos, não passíveis de serem agrupadas pelos critérios expostos. Com o objetivo de explicitar o seu uso na avaliação psicológica serão brevemente expostas as especificidades de algumas dessas técnicas mais empregadas na atualidade. A técnica de interpretação de manchas de tinta de Rorschach é uma prova de avaliação psicológica composta por um conjunto de dez pranchas (cartões) com manchas de tinta, padronizadas (Rorschach, 1921 apud Arzeno, 1995), constituindo‐se em um instrumento de investigação da estrutura e dinâmica da personalidade. Quanto à estrutura, abrange tanto os estados quanto os traços da personalidade do individuo. Em relação à dinâmica, investiga suas características subjetivas, necessidades, atitudes, conflitos e preocupações que definem o modo como lida com as circunstâncias presentes em sua vida. A aplicação é individual e os cartões são apresentados um a um, sendo solicitado ao respondente que faça associações e diga o que podem parecer os estímulos apresentados. Frente às respostas obtidas, é possível desenhar um quadro amplo do funcionamento psicológico dos indivíduos, seguindo‐se específicos sistemas avaliativos. A abordagem às informações coletadas frequentemente adotada é o Sistema Compreensivo para a codificação, interpretação e análise dos resultados. As variáveis estruturais da técnica compreendem as seis dimensões do comportamento humano – o modo como os indivíduos abordam as experiências e percebem os estímulos, como modulam o afeto, como lidam com o estresse, como percebem, como organizam o pensamento e como se relacionam com os demais. Este método de investigação pode ser considerado um instrumento tanto projetivo como objetivo, uma vez que envolve uma tarefa de estruturação que inclui um conjunto de estímulos uniformes, aplicação padronizada, codificação com base em normas pré-estabelecidas e diretrizes interpretativas específicas. Também é constituído por um estimulo a capacidade de fantasiar, que permite a exploração subjetiva de imagens temáticas que envolve a projeção (ARZENO, 1995). Considerando as técnicas temáticas o Teste de Apercepção Infantil com Figuras de Animais – Children’s Apperception Test - CAT-A (CUNHA, 2000) tem sido frequentemente utilizado na prática clínica e na pesquisa no campo da avaliação psicológica. É composto por uma série de 10 pranchas com figuras de animais em várias situações humanas, pretendendo com elas chegar à compreensão da criança em relação com o seu mundo externo (figuras importantes) e mundo interno (impulsos e fantasias). Destina-se a crianças de 3 a 10 anos de ambos os sexos e é analisado a partir de dez variáveis que devem ser observadas em cada história, são elas: o tema principal; herói principal; as principais necessidades e impulsos do herói; concepção do ambiente; como as figuras são vistas; os conflitos significativos; a natureza das ansiedades; as principais defesas; adequação do superego; a integração do ego. Dentre as técnicas gráficas, os desenhos fornecem dados menos suscetíveis a várias das distorções e restrições que afetam a comunicação verbal, em geral, a tarefa é simples e familiar, provocando menos ansiedade. O procedimento de Desenhos – Estórias (abreviadamente, D – E) é uma técnica gráfica de investigação da personalidade, esta emprega, basicamente desenhos livres associados a estórias, que eles contam também de modo livre, servindo como estímulos de apercepção temática no contexto de diagnóstico psicológico de tipo compreensivo. Este instrumento de investigação foi introduzido por Walter Trinca, em 1972, no intuito de explorar profundamente a dinâmica inconsciente da personalidade, especialmente queixas e outras angústias emergentes em dada situação. Ao resultado desta técnica, os desenhos que eliciam as estórias e formam um todo, soma-se ainda a utilização de inquérito para obter alguns esclarecimentos, sendo finalmente solicitado um título ao material produzido. O uso do D – E expressa-se com grande valor não somente na detecção de componentes das experiências subjetivas, mas também no reconhecimento das características formais e estruturais da personalidade. A avaliação baseia-se na análise a partir do conjunto da produção (desenhos – estórias, respostas aos inquéritos e outras associações), são levantadas hipóteses referentes às angústias e conflitos predominantes, à natureza dos impulsos, das fantasias inconscientes, dos vínculos mais significativos, das defesas mais utilizadas, entre outros aspectos. Esses aspectos são relacionados com as queixas. Acerca das técnicas gráficas com estímulos diversos, o Teste das Pirâmides Coloridas de Pfister (TPC) tem se destacado como recurso pertinente à abordagem projetiva na avaliação psicológica: compreende em um jogo com três cartões em papel bege com um esquema de pirâmide desenhado em cada um deles (Villemor-Amaral, 2005), sendo que a forma padrão da pirâmide possui uma direção que se orienta da base para o ápice, estando subdivida em 15 campos, podendo sugerir tridimensionalidade. Além disso, há um conjunto de quadrículos coloridos nas cores verde, azul, vermelho, amarelo, laranja, marrom, violeta, preto, cinza e branco, distribuídas em 24 tonalidades diferentes e a folha de aplicação. As vantagens do TPC são evidenciadas pelo fato de ser uma técnica não verbal, com características lúdicas, que requer um tempo curto de aplicação (de 15 a 20 minutos) e pode ser aplicado em qualquer pessoa com idade superior a 7 anos. Trata-se de um instrumento de fácil aplicação, na qual é solicitado que o testando preencha um esquema de pirâmide com quadrículos coloridos de diferentes tonalidades para que fiquem bonitas ao seu gosto. Após o preenchimento da primeira pirâmide é solicitado que preencha outra e depois uma terceira pirâmide. Ao término da terceira pirâmide preenchida é realizado um inquérito para verificar a preferência do examinando pelas pirâmides (Villemor- Amaral, 2005). Recomenda-se que os dados sejam analisados com base nos indicadores processo de execução, que reflete o modo como a pessoa aborda a tarefa. Os indicadores permitem que se conheçam aspectos da dinâmica afetivae emocional, bem como das funções estruturais e cognitivas do examinando. Ou seja, o teste permite verificar se o examinando reage aos estímulos emocionais com menor ou maior controle das funções cognitivas (ARZENO, 1995). Seguindo o percurso histórico do conceito de projeção, fica clara a sua relação com a teoria psicanalítica, o que, em um primeiro olhar, aplica-se também às técnicas projetivas. No entanto, atualmente, alguns autores tem usado outras abordagens teóricas para a interpretação de técnicas de cunho projetivo, as quais tem demonstrado sua utilidade. Como exemplo pode ser citado o uso do TAT em uma abordagem gestaltica ou simplesmente através da técnica da análise de conteúdo (AZEVEDO, 2002) a partir do que o indivíduo relata. O uso da teoria sistêmica para a interpretação das respostas dadas à uma técnica projetiva também pode ser citado como outro exemplo. A leitura que se fará do material produzido pelo individuo é orientada por pressupostos sistêmicos, revelando, além dos seus conteúdos intrapsiquícos singulares, a forma com que ele percebe e discrimina o jogo interativo entre os demais membros da família (Osório, 2002). Em tempos de utilização da testagem computadorizada Valle (2002) utilizando o computador como um recurso de avaliação visava diferentes objetivos, entre eles o projetivo, uma vez que a tela funcionava como um estímulo à projeção, um espaço onde o indivíduo poderia expressar seus sentimentos e conflitos internos. Observa-se, então, que as técnicas projetivas tem um papel definido nos processos de avaliação psicológica e que, por essa razão, a preocupação coma a qualidade das informações geradas por esses instrumentos deve ser considerada e é pertinente somar esforços no sentido de submetê-los a estudos e pesquisas sobre suas qualidades psicométricas, fortalecendo seu status científico. Villemor-Amaral e Werlang (2008) compartilham dessa posição salientando que é falsa a ideia de que pouca validade e pouca confiabilidade lhes são características inerentes. Uma forma de se aproximar dessa garantia é sempre basear as interpretações nos fundamentos teóricos da técnica e em dados de pesquisas, considerando conhecimentos gerais da Psicologia, como, por exemplo, as fases de desenvolvimento humano. Com a Segunda Guerra Mundial o entusiasmo que cercou o advento das técnicas projetivas pode ser sintetizado em dois fatores: o fato de que os testes valorizados na época anterior, principalmente na área militar e da indústria, já não pareciam tão úteis e adequados para a avaliação de problemas clínicos (como por exemplo, psicose, neurose), e a valorização atribuída pela comunidade psiquiátrica ao entendimento dinâmico. Entretanto, a crescente necessidade de criação de classes para análise formal e validação de técnicas projetivas, exigiu a maior concentração de uma teoria da psicologia projetiva, sugerindo e explicitando conceitos claros para condutas e para a personalidade, passíveis de verificação. A partir de então, as técnicas projetivas começaram a apresentar certo declínio em seu uso, por problemas metodológicos, pelo incremento de pesquisas com instrumentos psicométricos alternativos, como os inventários de personalidade, por sua associação com uma perspectiva teórica, notavelmente a psicanalítica, e pela ênfase na interpretação intuitiva apesar dos esforços para o desenvolvimento de sistemas de escore (CUNHA, 2000). É certo que as concepções que guiam a interpretação e o uso de técnicas projetivas devem ser explicitadas e estudadas, buscando cada vez mais a solidez e confiança em seus resultados, bem como nos pulares que sustentam a psicologia projetiva. Entretanto Villemor-Amaral e Werlang (2008) enfatizam que o critério de cientificidade das técnicas projetivas não pode se fundamentar apenas nos parâmetros da psicometria, desconsiderando-se o raciocínio clínico e o estudo de aspectos idiográficos, presentes em determinados instrumentos. Especificamente para as técnicas projetivas, as críticas centralizam-se na suposta ausência de espírito científico por parte daqueles que constroem esses instrumentos como para os que os utilizam. Os críticos sustentam o excessivo subjetivismo na interpretação desses instrumentos – a grande influência que sofrem do ambiente e do examinador, a baixa fidedignidade, poucos trabalhos de validação e a necessidade de dados normativos. Os defensores, por sua vez, destacam a riqueza qualitativa das informações produzidas pelas técnicas projetivas e a possibilidade de investigar comportamentos de grande complexidade. Talvez, justamente por essas qualidades, ainda são frequentemente utilizadas. Dessa maneira, vê-se que muitas críticas e objeções podem ser, no mínimo, discutidas e, inclusive, refutadas. Vale lembrar que ainda não se dispõe de técnicas de pesquisa totalmente adequadas para a investigação envolvendo as técnicas projetivas, o que gera dificuldades. De acordo com Tavares (2003) as críticas deveriam fundamenta-se mais no processo de verificação da validade da informação do que na forma de apresentação dos instrumentos, por exemplo, objetivos versus projetivos. Isso, entretanto, não exclui a necessidade de se verificar por meios científicos a validade das inferências feitas a partir do desempenho dos indivíduos nas técnicas projetivas. Não há dúvidas da utilidade da técnicas projetivas no processo de avaliação psicológica, tampouco da frequência com que vem sendo utilizada no campo clínico e em outros campos de atuação profissional. Entretanto, também não há dúvidas de que esse tipo de instrumento carece de mais estudos de validade e fidedignidade. O status científico das técnicas projetivas é algo sempre discutido. Dados sobre a validade e a fidedignidade desse tipo de instrumento psicológico são alvos de críticas há várias décadas. A popularidade no uso clínico das técnicas projetivas continua muito expressiva, apesar de nem sempre apresentarem resultados psicométricos positivos, o que demarca uma discrepância entre a pesquisa empírica em psicologia e a pratica. No Brasil, Noronha, Primi e Alchieri (2005), demonstraram em levantamentos nos mais variados contextos que, apesar de certo descrédito existente em relação aos parâmetros de validade e fidedignidade produzidos por testes projetivos, muitos psicólogos utilizam-nos em suas práticas. A asserção atual acerca da validade dos instrumentos psicológicos de que um teste não é válido por si só, mas apresenta evidências cumulativas de validade para as inferências feitas a partir dos resultados, considerando- se determinados contextos e determinados fins é, especialmente verdadeira no caso das técnicas projetivas. É preciso persistir no estudo de procedimentos metodológicos que demonstrem e acrescentem evidências de validade a técnicas projetivas, uma vez que o rigor psicométrico agrega confiabilidade aos instrumentos, quesito não apenas importante, mas necessário. Entretanto, não se pode esquecer da validade de um enfoque clínico aplicado a interpretação dos resultados, em correlação com outros dados coletados sobre o sujeito avaliado, sobretudo, quando se pensa na complexidade da natureza humana e na importância de buscar uma compreensão mais global e dinâmica da singularidade dos indivíduos, tendo como objetivo primordial a implementação de propostas de intervenção mais eficazes, em diferentes campos de atuação do psicólogo. Uma das dificuldades na investigação de propriedades psicométricas das técnicas projetivas vincula-se ao fato de, normalmente, não fornecerem um escore, mas sim um protocolo não quantitativo, inicialmente não suscetível de tratamento estatístico pelas técnicas convencionais. Além disso, a falta de um sistema único de avaliação também dificulta a categorização objetiva das respostas dadas ao teste (Villemor-Amaral; Werlang, 2008). Desse modo, não se pode esquecer que os procedimentos de validação utilizadosna investigação de testes psicométricos não se aplicam, exatamente da mesma maneira, às técnicas projetivas. As autoras em referência destacam que pelo fato de esta diferença ter sido ignorada é que se tem tantos resultados inconsistentes no campo de verificação das qualidades psicométricas das técnicas projetivas. Villemor-Amaral e Werlang (2008) destacam que o importante é saber exatamente as capacidades e limitações de cada técnica projetiva, assim como de qualquer outra técnica, verificando sua validade para o propósito específico para o qual se deseja utilizá-la. Sem a confiança de que a técnica produz resultados úteis que contribuem para o tratamento do sujeito avaliado, é difícil justificar seu uso. Com as técnicas projetivas não é diferente. Tavares (2003) destaca que uma das tarefas do psicólogo clinico é demonstrar a validade das informações produzidas, circunstanciando as afirmações por meio de exemplos e observações confirmatórias externas aos instrumentos utilizados. Essa tarefa põe a perspectiva clínica no centro do processo, desloca o foco exclusivo do conceito de validade dos parâmetros estatísticos dos instrumentos. A concepção de validade clínica (TAVARES, 2003) permite demonstrar que as técnicas projetivas podem trazer informações baseadas na inferência diagnóstica, isso não significa que a interpretação será baseada apenas na opinião do psicólogo, e sim que o julgamento profissional faça referencia a características que possa, ser comprovadas e justificadas, até porque o próprio método clínico em psicologia não se reduz a simples intuição. A validade clínica vem oferecer uma concepção mais contextualizadora dos resultados produzidos em uma avaliação psicológica, caracterizando assim uma das questões-chave para que seja assegurada a legitimidade das técnicas projetivas. A importância desse conceito, particularmente, toma forma quando se pensa que a atribuição de significados aos resultados obtidos através de instrumentos psicológicos é um processo complexo, que só pode ter sua validade garantida se todas as fontes de informações possíveis, quantitativas e qualitativas, que são recursos com princípios diferentes, forem integradas. Mais do que em outros instrumentos psicológicos, nos projetivos, o sistema de interpretação é o responsável por transformar uma “massa de dados qualitativos – as respostas livres do indivíduo, em uma forma acessível à interpretação, para tanto, antes de ser possível codificar, é preciso ter definido as categorias fundamentais em função das quais as respostas vão ser classificadas (ANZIEU, 1981). Com base nesses apontamentos, parece que, considerando essas técnicas, é possível dizer que a fidedignidade do sistema de classificação das respostas dadas ao instrumento que deve ser investigada. A técnica mais utilizada na verificação de sua fidedignidade é a que se baseia na consistência das avaliações feitas por diferentes examinadores. É fundamental lembrar que o domínio teórico e a experiência na técnica em questão, por parte dos examinadores consultados, é indispensável na implementação desta técnica. Visando aproximar-se e atender aos critérios científicos de coleta de informações sobre os indivíduos, vários estudos tem sido realizados, através das técnicas projetivas, às s quais se aplicam tratamentos estatísticos, buscando dados que comprovem sua validade e confiabilidade. Dentre as técnicas projetivas que vem sendo foco de investigação empírica, o Rorschah, o Teste de Apercepção Temática (TAT), o Teste de apercepção Temática Infantil (CAT) e as técnicas projetivas gráficas de desenho, são as que tem sido mais frequentemente analisadas. Estas foram as técnicas apresentadas anteriormente neste texto. Quanto ao Rorschah, o reconhecimento gradativo de alguns sistemas demonstra que foi possível registrar diversas pesquisas de validação, normatização e precisão mais recentes. Técnicas como o CAT - A e o procedimento de desenhos- estória (D-E) puderam também ser atualizadas devido a alguns estudos sobre os seus parâmetros e sistemas de interpretação. Contudo, outras técnicas ainda restam na espera de maiores evidencias de validade. Sendo assim, observa-se que, embora lentamente, ocorrem avanços no contexto das técnicas projetivas no que diz respeito a sua cientificidade, que a tarefa é árdua mas não impossível e que a escassez de estudos reflete a dificuldade metodológica, mas não atesta pouca confiabilidade dos métodos, e os obstáculos assinalados são desafios para seguir sempre adiante. Por isso que o desmerecimento do aporte projetivo, baseando-se em uma fundamentação incoerente ou até discriminatória, significaria um retrocesso em tempos que demandam a integração e o discurso dialético na teoria e na prática psicológica. REFERÊNCIAS ANZIEU, D. Os métodos projetivos. Rio de Janeiro: Campus, 1981. ARZENO, M. E. G. Psicodiagnóstico clínico: novas contribuições. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. Azevedo, D. C. Análise situacional ou psicodiagnóstico infantil: uma abordagem humanista-existencial. In V. A. Angerami-Camon (Org.). Psicoterapia fenomenológico-existencial. São Paulo: Pioneira Thompson Learning Ltda, 2002, p. 93-121. BANDEIRA, M.; GUAGLIA, M. A. C.; FREITAS, L. C.; de SOUZA, A. M.; COSTA, A. L. P.; GOMIDES, M. M. P.; LIMA, P. B. Habilidades interpessoais na atuação do psicólogo. Interação em psicologia, Curitiba, v. 10, n. 1, p. 139-149, 2006. NORONHA, A.P.P.; PRIMI, R.; ALCHIERI, J.C. Instrumentos de avaliação mais conhecidos/utilizados por psicólogos e estudantes de psicologia. Psicologia Reflexão e Crítica, 2005, 18, 3, p. 390-401. OMS. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10). São Paulo: Edusp, [1992] 2000. TAVARES, M. (2003). Validade clínica. Psico USF, Campinas, 8, 2, p. 125-136. Villemor-Amaral, A. E.; Primi, R.; Franco, R. R. C; Farah, F. H. Z.; Cardoso, L. M.; Silva, T. C. (2005). O teste de Pfister e sua contribuição para diagnóstico da esquizofrenia. Revista do Departamento de Psicologia, Rio de Janeiro, 2005, 17, 2, p.89-98. Villemor-Amaral, A. E.; Werlang, B. S. G. (Orgs.). (2008). Atualizações em Métodos Projetivos para Avaliação Psicológica. São Paulo: Casa do Psicólogo.
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