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DRUMMOND

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BIOGRAFIA
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - 1902 / 1987
		Nasceu em Itabira do Mato Dentro, interior de Minas Gerais, em 1902.
		Em Itabira, que será um dos temas constantes de sua obra poética, viveu alguns anos, realizando seus estudos primários.
 		Poema “Confidência do Itabirano” do Livro: Sentimento do Mundo.
			“Alguns anos vivi em Itabira. 
			 Principalmente nasci em Itabira.
			 Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.”
		Formou-se em Farmácia. Depois dedicou-se ao jornalismo e ingressou no funcionalismo público. Em 1925,junto com Emílio Moura,João Alphonsus,Pedro Nava e outros escritores mineiros, fundou “A Revista”, órgão mais expressivo do Modernismo em Minas Gerais, apesar de sua curta duração.
		Sua colaboração na imprensa continuou até 1987, ano de seu falecimento. Como funcionário público do MEC, muito contribuiu para a fundação do Instituto Nacional do Livro, hoje FENAME. 
			 
OBRAS DO AUTOR : POESIA
Alguma Poesia - 1930
Brejo das Almas - 1934
Sentimento do Mundo - 1940
José . Em Poesias - 1942
A Rosa do Povo - 1945
Novos Poemas. Em Poesia até Agora - 1948
Claro Enigma - 1951
Viola de Bolso - 1952
Fazendeiro do Ar. Em Fazendeiro do Ar & Poesia até Agora- 1954
Viola de Bolso Novamente Encordoada - 1955
A Vida Passada a Limpo. Em Poemas - 1959
Lição de Coisas - 1962
Versiprosa - 1967
4 Poemas e Viola de Bolso II. Em José & Outros - 1967
Boitempo & A Falta que Ama - 1968
Reunião - 10 Livros de Poesia - 1969
Versiprosa II . Em Poesia Completa & Prosa - 1973
Menino Antigo - Boitempo II - 1973
As Impurezas do Branco - 1973
Discursos de Primavera & Algumas Sombras - 1977
O Marginal Clorindo Gato - 1978
Esquecer para Lembrar - Boitempo III - 1979
A Paixão Medida - 1980
Corpo - 1984
Amar se aprende amando - 1985
O amor Natural - 1988
O Poeta quando faleceu deixou três obras inéditas:
O Amor Natural (esta publicada em 1988) ( poemas eróticos)
O Avesso das Coisas (aforismos)
Moça Deitada na Cama (Crônicas)
DRUMMOND - CONTEXTO HISTÓRICO
		Carlos Drummond de Andrade assim como outros poetas da geração de 1930 passa a questionar com mais vigor a realidade, e fato extramamente importante, passa a questionar tanto como um indíviduo em sua “tentativa de exploração e de interpretação do estar-no-mundo”, como em seu papel de artista. O resultado é uma literatura mais construtiva e mais politizada, que não quer e não pode se afastar das profundas transformações ocorridas nesse período.
 	A obra poética de Drummond acompanha a evolução desses acontecimentos, registrando todas as “coisas” que o rodeiam e que existem na realidade do dia-a-dia. São poesias que refletem os problemas do mundo, do ser humano brasileiro e universal diante dos regimes totalitários. 	
Assim é que Drummond é possuído de alguns momentos de esperança para, logo depois, tornar-se descrente, desesperançado com o rumo dos acontecimentos. Como no poema “Segredo”. 
 “A poesia é incomunicável. 				 	Fique torto no seu canto. 			 Não ame”. 	
Mas é acima de tudo um poeta que nega todas as formas de fuga da realidade; seus olhos atentos estão voltados para o momento presente: ( Poema Mãos Dadas) 				
“Não serei o poeta de um mundo caduco. 				 
Também não cantarei o mundo futuro. 				 
Estou preso à vida e olho meus companheiros. 				 ........................................................................ 				 
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.
	
Drummond começa sem uma preocupação evidente de perceber na linguagem passadista um adversário, como fez Oswald e Mário de Andrade. Dessa época ele mantém o poema-piada, se utiliza do verso livre e da ironia. 	
Em um primeiro momento de Drummond, o mundo parece estar poetizado e a separação entre o eu e o mundo é bem marcada. O eu lírico de Drummond consegue perceber o mundo diferente de si próprio - uma relação de harmonia objetiva. E se tem a idéia de uma relação irônica com o mundo. A ironia drummoniana vai estar presente, de forma mais explícita e corrosiva, com relação às ocorrências em voga. 
		Enquanto Oswald e Mário de Andrade tentavam pensar na questão da nacionalidade através de sua poesia, a obra drummoniana não se preocupava muito com isso. O poeta tinha em mente um projeto para o país, repensar a situação.
 	
AS VÁRIAS FACES DA POESIA DRUMMONIANA
	Drummond lança seu primeiro livro em 1930 - Alguma Poesia. Com este livro inaugura a segunda geração modernista.	 
		Nesta obra inicial domina a idéia de que a poesia vem de fora, é dada pela natureza do objeto, segundo a reconsideração do mundo graças à qual os modernistas romperam com as convenções acadêmicas. Drummond começa por integrar-se nesta orientação, fazendo o valor da poesia confundir-se com o sentimento poético e reduzindo em conseqüência o poema a um simples condutor. 		 
 POESIA	 	
Gastei uma hora pensando um verso 
que a pena não quer escrever.	 
No entanto ele está cá dentro 	 
inquieto, vivo.				 
�Ele está cá dentro 
e não quer sair.		 
Mas a poesia deste momento 
imunda minha vida inteira.
��		Este livro Alguma Poesia já contém em si um dos traços definidores do eu poético drummoniano. Através do veio humorístico e do coloquialismo que marcam a obra, já se percebe certa forma cautelosa, desconfiada e pessimistamente reservada de sentir e refletir. Essa postura, típica do poeta, o acompanhará até o fim de sua trajetória.	
		Este livro é marcado pelo senso de humor e pela ironia, que se expressam concretamente através do poema-piada, da captura do cotidiano, tornado assunto poético. O livro incorpora ainda outros procedimentos modernistas, como o verso livre e a linguagem coloquial.	O poema “Quadrilha”, publicado neste livro, representa bem esta fase. Nele os versos são soltos, o tom ameno, cotidiano, apesar do tema ser sério. E o poeta mostra o humor com claros traços de ironia, exemplo clássico do poema-piada que muito marcou a primeira fase do modernismo. 
 QUADRILHA	 
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, 
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
	
		Aqui já presentes também outras características fundamentais do poeta: contenção da emotividade, nostalgia em relação ao próprio passado, e o disfarce do eu através da personagem ‘torta’. Mediado por essa personagem, numa oscilação entre o trivial e o cósmico, entre a província e a cidade, Drummond contempla a realidade, posta-se acima dela e faz a crítica das aparências e das convenções sociais.
 INFÂNCIA					 CIDADEZINHA QUALQUER
 A Abgar Renault		 
 Casas entre bananeiras
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.			mulheres entre laranjeiras
Minha mãe ficava sentada cosendo.				pomar amor cantar.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras				Um homem vai devagar.
lia a história de Robinson Crusoé,				Um cachorro vai devagar.
Comprida história que não acabamais.			Um burro vai devagar.
No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu		Devagar... as janelas olham.	
a ninar nos longes da senzala - e nunca se esqueceu		
chamava para o café. 						Eta vida besta, meu Deus.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.								
Minha mãe ficava sentada cosendo			 
olhando para mim:				 	
- Psiu... Não acorde o menino.			
Para o berço onde pousou um mosquito.		
E dava um suspiro... que fundo!			
							
Lá longe meu pai campeava				
no mato sem fim da fazenda.				
											
E eu não sabia que minha história			
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.			
 
POEMA DE SETE FACES					
Quando nasci, um anjo torto 				 
desses que vivem na sombra				 
disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida.		 	
							 
As casas espiam os homens				 
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,				 
não houvesse tantos desejos.				 
							 
O bonde passa cheio de pernas:			 
pernas brancas pretas amarelas.			 
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.		
Porém meus olhos
não perguntam nada.						
								
O homem atrás do bigode					
é sério, simples e forte.					
Quase não conversa.						 
Tem poucos, raros amigos					
o homem atrás dos óculos e do bigode.				
								
Meu Deus, por que me abandonaste				
se sabias que eu não era Deus				
se sabias que eu era fraco.
								
Mundo mundo vasto mundo,					.
se eu me chamasse Raimundo					
seria uma rima, não seria uma solução.			
Mundo mundo vasto mundo,					
mais vasto é meu coração.					
								
Eu não devia te dizer						
mas essa lua							
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo. 
 
(Poema do livro: Alguma Poesia )
	No seu segundo livro Brejo das Almas, Drummond continua a mesma linha de Alguma Poesia. Só que o eu escamoteado no 1o. livro apresenta-se mais abertamente neste livro. É a perda da esperança, mas é também a busca (cética) da realização amorosa, concretizando o diálogo eu-mundo e, ao mesmo tempo, ocultando sutilmente a ironia das primeiras composições. Essa tentativa de ir ao encontro do mundo prenuncia o poeta dos anos 40. 
 NÃO SE MATE
Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será
Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
reserve-se todo para 
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.
O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas, 
vitrolas,
Santos que se persignam	
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, praquê.
Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá.
( Poema do livro: Brejo das Almas)
 
	Segundo Antonio Candido, nestes dois primeiros livros de Drummond, o sentimento, os acontecimentos, o espetáculo material e espiritual do mundo são tratados como se o poeta limitasse a registrá-los, embora o faça da maneira anticonvencional preconizada pelo modernismo. Esse tratamento, mesmo quando insólito, garantiria a validade do fato como objeto poético bastante em si, nivelando fraternalmente o eu e o mundo como assuntos de poesia.
		Em Sentimento do Mundo publicado em 1940, o poeta inaugura um novo momento poético. O eu dos dois primeiros livros, cujo coração se julgava mais vasto que o mundo, cede lugar ao poeta marcado pela sensação de impotência. Restam-lhe apenas “Duas mãos e o sentimento do mundo”
		Essa consciência de ter “apenas” duas mãos e o mundo ser tão grande, longe de significar derrotismo, abre como perspectiva única para enfrentar esses tempos difíceis a união, as soluções coletivas. Em “Mãos Dadas” poema do mesmo livro, fala: 
“O presente é tão grande, não nos afastemos,
 não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”.
	
	O individualismo, evidente nos primeiros livros, é mais sutil agora, mas não é por isso menor. E embora permaneça também a sensação de isolamento dos livros anteriores, avulta, mais forte, a consciência da dolorosa realidade social, da tensão eu-mundo e o desejo do primeiro de comungar e agir sobre o segundo. O que não impede, ao contrário, reforça o ímpeto do eu poético de autocompreensão. É mergulhando no passado, onde se encontram suas raízes constitutivas, que Drummond procura chegar à explicação de si, para, desse modo, atingir a compreensão da vida presente.
		Depois de Sentimento do Mundo Drummond escreve José, livro que através da luta com as palavras, o poeta busca expressar essa relação eu-mundo. Relação bastante conflitiva, assim como em Sentimento do Mundo, fruto da autonegação, da solidão que invade o eu-poético, culminando na necessidade de adoção da máscara, José, a persona, através de quem fala o ser humano qualquer. 
 	JOSÉ 
E agora, José?		 		E agora, José?			Se você gritasse,
A festa acabou,			sua doce palavra,		se você gemesse,
a luz apagou,				seu instante de febre,		se você tocasse, 
o povo sumiu,				sua gula e jejum,		a valsa vienense,
a noite esfriou,			sua biblioteca,			se você dormisse,
e agora, José?				sua lavra de ouro,		se você cansasse,
e agora, você?				seu terno de vidro,		se você morresse...
você que é sem nome,			sua incoerência,	 Mas você não morre,
que zomba dos outros,		seu ódio - e agora?		você é duro, José!
você que faz versos,			
que ama, protesta?			
e agora, José?				
					
Está sem mulher,			Com a chave na mão		Sozinho no escuro	
está sem discurso,			quer abrir a porta,		qual bicho-do-mato,
está sem carinho,			não existe porta;		sem teogonia,
já não pode beber,			quer morrer no mar,		sem parede nua
já não pode fumar,			mas o mar secou;		para se encostar,
cuspir já não pode,			quer ir para Minas,		sem cavalo preto
a noite esfriou,			Minas não há mais.		que fuja a galope,	
o dia não veio,				José, e agora?			você marcha, José!
o bonde não veio,							José, para onde?
o riso não veio,
não veio a utopia
 	O ápice da preocupação social de Drummond está em seu livro Rosa do Povo 1945, Obra chave dentro da produção do poeta, reflete a maturidade que o poeta alcançou desde sua estréia. Nesta obra estão presentes duas conquistas decisivas para a evolução de nossa literatura: o realismo social, particularmente penetrante e que não se restringe, apenas, ao lirismo da poesia engajada; e a poesia metapoética , alimentada pela reflexão introspectiva sobre o sentido da escrita como obra de arte.
		Voltada para o presente, A Rosa do Povo resgata preocupações anteriores do poeta, como a terra natal e a família, integrando-as ao drama do cotidiano, ao canto comprometido com os problemas sociais de então. 
		O poeta também se pergunta sobre o sentido do fazer poético, enquanto instrumento capaz de questionar e modificar as relações humanas e a realidade social.
		Um dado fundamental que torna a obra de Drummond tão grandiosa é a brutal visão crítica de si próprio.
		Drummond não se insere na questão da nacionalidade como seus contemporâneos. Ele se engaja no contexto político como os socialistas. E também abandona as estruturas poéticas tradicionais e busca novas formas de expressar seu lirismo. E como já foi dito a inspiração drummoniana vem de dados do cotidiano, de temas atuais, de problemas e tensões dos nossos dias, de acontecimentos noticiados pelos jornais.
		Segundo Antonio Candido, entre 1935 e 1959, há em Drummond uma espécie de desconfiança em relação ao que diz e faz. Se aborda o ser, imediatamente lhe ocorre que seria mais válido tratar o mundo; se aborda o mundo, melhor fora limitar-se ao modode ser. E a poesia parece desfazer-se como registro para tornar-se um processo, justificado na medida em que institui um objeto novo, elaborado à custa da desfiguração, ou mesmo destruição ritual do ser e do mundo, para refaze-los no plano estético.
		A força poética de Drummond vem um pouco da sua falta de naturalidade, que distingue a sua obra , por exemplo, da de Manuel Bandeira. O modo espontâneo com que Bandeira fala de si, dos seus hábitos, amores, família, amigos, transformando qualquer assunto em poesia pelo simples fato de tocá-lo, talvez fosse uma aspiração profunda de Drummond, para quem o eu é uma espécie de pecado poético inevitável, em que precisa incorrer para criar, mas que o horroriza à medida que o atrai.
		A poesia, até aqui dividida entre uma perspectiva mais intimista, voltada para o próprio “eu” e uma dimensão mais participante, voltada para o social, passa por um apuramento formal, por uma recuperação disciplinar, de que não está isenta a contenção emocional, a severidade de linguagem.
 		E em Claro Enigma, publicado em 1951, abre essa nova fase de Drummond, do qual fazem parte também fazendeiro do Ar, publicado em 1954, na nova edição de Poesia até Agora, e também A vida Passada a Limpo, que aparece em 1959, como parte do volume Poemas.
		A epígrafe-abertura de Claro Enigma expressa com eloquência a mudança ocorrida. “Les événements m’ennuient” (“Os acontecimentos entediam-me”), diz Drummond, tornando suas as palavras do poeta francês Paul Valéry. Trata-se de uma óbvia negação da poesia participante que o poeta frente a seus arroubos anteriores, inclusive no que diz respeito a sua postura iconoclasta, como poeta modernista.
		Não por acaso, ressurge nessas três obras o clássico soneto, cujo aprimoramento formal indica expressamente a atitude de questionamento do poeta em relação a sua trajetória até aqui, tanto quanto revela suas novas preocupações em torno do fazer poético. 
 MEMÓRIA
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido	
contra o sem sentido
apelo do Não.
�As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.
				
Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.
��	Os poemas marcam-se, agora, pelo tom de sóbria dignidade, em oposição à irreverência das composições dos anos 30, ao mesmo tempo que carregam a busca existencial do eu poético, sua escavação da condição humana e da situação espiritual de sua época. 
NUDEZ 
Não cantarei amores que não tenho,			Não canto, pois não sei, e toda sílaba
e, quando tive, nunca celebrei.			acaso reunida
Não cantarei o riso que não rira			a sua irmã, em serpes irritadas vejo as
 [duas.
e que, se risse, ofertaria a pobres.
Minha matéria é o nada.				Amador de serpentes, minha vida
jamais ousei cantar algo de vida:			passarei, sobre a relva debruçado,
se o canto sai da boca ensimesmada,			a ver a linha curva que se estende,
é porque a brisa o trouxe, e o leva a brisa,		ou se contrai e atrai, além da pobre
nem sabe a planta o vento que a visita.		área de luz de nossa geometria.
							Estanho, estanho e cobre,
Ou sabe? Algo de nós acaso se transmite,		tais meus pecados, quanto mais fugi
mas tão disperso, e vago, tão estranho,		do que enfim capturei, não mais visando
que, se regressa a mim que o apascentava,		aos alvos imortais.
o ouro suposto é nele cobre e estanho,
estanho e cobre,					Ó descobrimento retardado
e o que não é amor maleável deixa de ser nobre,	pela força de ver.	
nem era amor aquilo que se amava.			Ó encontro de mim, no meu silêncio,
							configurado, repleto, numa casta
Nem era dor aquilo que doía;				expressão de temor que se despede. 
ou dói, agora, quando já se foi?			O golfo mais dourado me circunda
Que dor se sabe dor, e não se extingue?		com apenas cerrar-se uma janela.	
(Não cantarei o mar: que ele se vingue		E já não brinco a luz. E dou notícia
de meu silêncio, nesta concha.)			estrita do que dorme,
Que sentimento vive, e já prospera			sob placa de estanho, sonho informe,
cavando em nós a terra necessária			um lembrar de raízes, ainda menos
para se sepultar à moda austera			um calar de serenos
de quem vive sua morte?				desidratados, sublimes ossuários
Não cantarei o morto: é o próprio canto.		sem ossos ;
E já não sei do espanto,				a morte sem os mortos; a perfeita
da úmida assombração que vem do norte		anulação do tempo em tempos vários,
e vai do sul, e, aos quatro ventos,			essa nudez, enfim, além dos corpos,
ajusta em mim seu terno de lamentos.		a modelar campinas no vazio
							de alma, que é apenas alma, e se dissolve.
	Em Lição de Coisas - 1962, há uma certa recuperação do humorismo inicial e um interesse renovado pela anedota.
		 Neste livro Drummond retoma com mais ênfase alguns elementos de sua poética anterior: as raízes de seu ser, a própria história, as contradições do amor, o estar no mundo e até mesmo as questões sociais, ausentes das três obras anteriores.
 		Uma das marcas dessa obra é o trabalho poético que Drummond realiza com e sobre a linguagem, tendo em vista desvendar-lhe o aspecto sonoro-significativo, sua estrutura íntima. É o próprio poeta quem diz, na introdução do livro:
“O poeta abandona quase completamente a forma fixa que cultivou durante certo período, voltando ao verso que tem apenas a medida e o impulso determinados pela coisa poética a exprimir. Pratica, mais do que antes, a violação e a desintegração da palavra, sem entretanto aderir a receita poética vigente. A desordem implantada em suas composições é, em consciência, aspiração a uma ordem individual”.
		Além da criação verbal, o poeta volta-se sobre a condição humana, escavando-a em busca de um sentido nunca alcançado. Persistem neles as preocupações básicas da obra drummoniana: a autocompreensão, o desvendamento do mundo, a tentativa de distinção entre essência e aparência. 
AMAR-AMARO 
Por que amou por que amou
se sabia
p r o i b i d o p a s s e a r s e n t i m e n t o s
ternos ou soparedsesed 
nesse museu do pardo indiferente
me diga: mas por que
amar sofrer talvez como se morre
de varíola voluntária vágula ev
idente?
ah PORQUEAMOU
e se queimou
todo por dentro por fora nos cantos nos ecos
lúgubres de você mesmo(o,a)
irm(ã,o) retrato espéculo por que amou?
se era para
ou era por
como se entretanto todavia
toda vida mas toda vida
é indagação do achado e aguda espostejação
da carne do conhecimento, ora veja
permita cavalheir(o, a)
amig(o, a) me revele						
este malestar								
cantarino escarninho piedoso					
este querer consolar sem muita convicção			
o que é inconsolável de ofício				
a morte é esconsolável consolatrix consoadíssima
a vida também
tudo também mas o amor car(o,a) colega este consola nunca de núncaras.
		Apartir de 1968, com Boitempo, Drummond inicia a publicação do que acabou se constituindo em trilogia, com Menino Antigo, de 1973, e Esquecer para lembrar, de 1979. Estas obras representam, de modo significativo, um outro momento no conjunto da produção do poeta.
		Ao recuperar, no arsenal da memória, as lembranças que povoaram seu passado, desde suas origens mais longínquas - a de seus ancestrais - até a sua meninice, a adolescência e juventude, Drummond produz algo como uma autobiogafia. 
 NOTURNO 
Abença papai, abença mamãe.			Abença papai, abença mamãe.
Deus te abençoe. Não vá se esquecer			Já te dei abença. Vai dormir. Não tenho
de arear os dentes e lavar os pés			sono bastante para cochilar.
antes de deitar.					Espera quietinho que o resto vem.	
Sim senhora. E não vá dormir			Vou contar estrela. Não. Conto passarinho
sem rezar um padre-nosso, três aves-marias,		que já tive ou tenho ou terei um dia.	
uma Salve rainha.					Conto, reconto		
Rezo. Não vá se esquecer				vistas de cigarros, minha coleção
de apagar a luz antes de dormir.			é fraca. Nomes de países. 27 só. 
Fogo pegou						Ai, essa geografia.	
no quarto de Juquinha de Sá MiraNomes de meninas. todas são Lurdes,
porque ele dormiu de vela acesa. Apago.		Carmos, Rosários, faço confusão.
Dorme bem, meu filho. Não fique pensando
bobagens no escuro. O mais é com Deus.
Mas fico
	Em linguagem poética, misturam-se memória e ficção, num processo dialético palpável já no título de duas obras dessa trilogia: Menino x Antigo e Esquecer x Lembrar. Não por acaso, o poeta, também dialeticamente, oscila entre lirismo saudosista nostálgico e contenção emocional frente às lembranças que o incomodam e que irrompem, apesar dele próprio. 
		Segundo Luís Costa Lima, os poemas assumem um tom de historinha divertida ou de estilização jornalística. Ou então vêm marcados por um sentimento de culpa de alguém que sente o desejo inevitável de reprisar sua origem. 
AMOR SINAL ESTRANHO 
Amo demais, sem saber que estou amando,		ou Dulce ou Nazaré ou Carmem.
as moça a caminho da reza.				Todas me ferem - doce,
Entardecer.						passam sem reparar. O lusco -fusco
Elas também não se sabem amadas			já decompõe os vultos, eu mesmo
pelo menino de olhos baixos mas atentos.		sou uma sombra na janela do sobrado.
Olho uma, olho outra, sinto				Que fazer deste sentimento
o sinal silencioso de alguma coisa			que nem posso chamar de sentimento? 
que não sei definir - mais tarde saberei.		Estou me preparando para sofrer
Não por Hermínia apenas, ou Marieta 		assim como os rapazes estudam para 
									 [médico ou advogado.	
	Poesia de Circunstância: assim pode-se definir o conteúdo de um conjunto de obras que inclui Viola de Bolso - 1975, Viola de Bolso Novamente Encordoada - 1975, Viola de Bolso II - 1967 , Versiprosa - 1967, Versiprosa II - 1973 e Discurso de Primavera e Algumas Sombras - 1977.	Embora esse tipo de composição apareça em vários livros de Drummond, é nesse conjunto, independentemente da larga faixa de tempo que abrange, que predomina o aqui-e-agora tornado tema de poesia. Trata-se de celebrar os amigos e de cristalizar poeticamente os acontecimentos diários da vida brasileira. Os gostos, as modas, os hábitos, as personalidades marcantes do cenário nacional aparecem em poemas que, muitas vezes, foram em que colaborou o cronista regular. Buscando dar tratamento poético ao circunstancial, o poeta associa-se à tarefa do cronista, ao mesmo tempo que resgata o cotidiano de sua dimensão precária. 
 
 AMOR EM VIAGEM 
TREM arquejante, cansado,				Numa jangada de vela,
a subir a mantiqueira,					eu beijei e fui beijado,
também eu chego atrasado,				mas no vento foi-se aquela
não encontro quem me queira.			que navegava a meu lado.
Do Rio Grande ao Pará,				Piloto que dás teu giro
de Mato Grosso a Sergipe,				montado em peixe de prata,
coitado de quem está					carrega este meu suspiro,
procurando amor num jipe.				e leva a quem me maltrata.
A recuperação poético-expressiva do passado, presente na trilogia Boitempo, encaminha Drummond em direção a outros rumos. Nas obras anteriores, apesar de insistentemente presente, o amor aparecia sempre como sinônimo de desencontro/desencanto. Nos livros publicados na década de 80, verifica-se do contrário. Em A Paixão Medida - 1980, Corpo -1984 e Amar se Aprende Amando-1985, o poeta chega a um “Reconhecimento do Amor”.
		Esses três novos livros indicam um processo de maturação do eu poético, fruto da filtragem que se efetuou ao longo de toda uma trajetória, cuja síntese está nos volumes de Boitempo. Incorporados os fantasmas do passado, o poeta reelabora certas tônicas de sua obra até aqui, como a visão oblíqua e o desafio a si e aos outros como forma de existência e projeto de atividade estética, admitindo ter ocorrido uma transformação. Nesse sentido, cumpre assinalar que, em Amar se Aprende Amando, Drummond coloca a seguinte epígrafe:
 
“O amor que move o sol como as estrelas”. Fazendo suas as palavras do poeta italiano, o autor acrescenta: “O verso de Dante é uma verdade resplandescente e curvo-me diante de sua magnitude. Ouso insinuar, sem pretensão a contribuir para que se desvende o mistério amoroso: Amar se aprende amando. Sem omitir o real cotidiano, também matéria de poesia”.
		Agora o “outro” sempre escamoteado passa a ocupar, ele também, seu espaço no universo poético do autor. O que equivale a dizer que estamos diante também de uma linguagem mais franca e aberta, da celebração da vida, da admissão da duplicidade eu latente/eu aparente e da aceitação da vida e da morte como realidades que se impõem inapelavelmente.
 
 AMOR 
				 		
O ser busca o outro ser, e ao conhecê-lo 			
acha a razão de ser, já dividido.				
São dois em um: amor, sublime selo				
que à vida imprime cor, graça e sentido.			
								
“Amor”- eu disse - e floriu uma rosa				
embalsamando a tarde melodiosa				
no canto mais oculto do jardim,				
mas seu perfume não chegou a mim.				
								
	O AMOR ANTIGO 
O amor antigo vive de si mesmo,		
não de cultivo alheio ou de presença.	
Nada exige nem pede. Nada espera,		
mas do destino vão nega a sentença.						
O amor antigo em raízes fundas,		
feitas de sofrimento e de beleza.		
Por aquelas mergulha no infinito,		
e por estas suplanta a natureza. 
�Se em toda parte o tempo desmorona 	
aquilo que foi grande e deslumbrante,	
o antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.
Mais ardente, mas pobre de esperança
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.
��
				
	Sua última obra que é O Amor Natural , também conserva a mesma linha destes últimos três livros, só que agora o amor é mais picante pontuado por poemas eróticos. Este livro é um dos que o poeta quando faleceu deixou inédito. 
 
A LÍNGUA LAMBE MULHER ANDADO NUA
 PELA CASA
A língua lambe as pétalas vermelhas 
da rosa pluriaberta; a língua lavra		 Mulher andando nua pela casa
certo oculto botão, e vai tecendo			envolve a gente de tamanha paz.
lépidas variações de leves ritmos.			Não é nudez datada, provocante.
							É um andar vestida de nudez,
E lambe, lambilonga, lambilenta, 			inocência de irmã e copo d’água.	
a licorina gruta cabeluda, 
e, quanto mais lambente, mais ativa,			O corpo nem sequer é percebido
atinge o céu do céu, entre gemidos,			pelo ritmo que o leva.
							Transitam curvas em estado de pureza,
entre gritos, balidos e rugidos				dando este nome à vida: castidade.
de leões na floresta, enfurecidos.
							Pêlos que fascinavam não perturbam.
							Seios, nádegas (tácito armistício)
							repousam de guerra. Também eu repouso.
O GAUCHE NA OBRA DRUMMONIANA
		Abrindo seu primeiro livro, Carlos Drummond de Andrade coloca claramente um dos tópicos fundamentais, sessão o fundamental, a partir do qual se deve procurar uma interpretação totalizante de sua obra. A confissão de que é um gauche.
POEMA DE SETE FACES					
Quando nasci, um anjo torto 				 
desses que vivem na sombra				 
disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida.		 	
							 
As casas espiam os homens				 
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,				 
não houvesse tantos desejos.				 
							 
O bonde passa cheio de pernas:			 
pernas brancas pretas amarelas.			 
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.		
Porém meus olhos
não perguntam nada.						
								
O homem atrás do bigode					
é sério, simples e forte.					
Quase não conversa.						 
Tem poucos, raros amigos					
o homem atrás dos óculos e do bigode.				
								
Meu Deus, por que me abandonaste				
se sabias que eu não era Deus				
se sabias que eu era fraco.
								
Mundo mundo vasto mundo,					.
se eu me chamasse Raimundo					
seria uma rima, não seria uma solução.			
Mundo mundo vasto mundo,					
mais vasto é meu coração.					
								
Eunão devia te dizer						
mas essa lua							
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo. 
 (Poema do livro: Alguma Poesia )
		Nessa primeira etapa da obra Drummoniana - Eu maior que o mundo - (“Mundo mundo vasto mundo / mais vasto é meu coração” em Poema de Sete Faces), o personagem está postado num canto, escuro, imóvel e torto, contemplando a cena a distância e assumindo uma posição predominantemente irônica e egocêntrica. Neste sentido, fica presente aqui o estudo das características estáticas e dinâmicas do personagem. A palavra Gauche significa “esquerdo”, na língua francesa, e diz respeito ao indivíduo desajustado, marginalizado, à esquerda simbolicamente representa “região de infelicidade e presságio nefasto” e, relacionado com o corpo, é “lado desabitado”.
		Caracteriza o Gauche, o contínuo desajustamento entra a sua realidade e a realidade de exterior. Há uma crise permanente entre o sujeito e o objeto que, ao invés de interagirem e se completarem, terminam por se opor conflituosamente. Nos versos 1 e 2, “Quando nasci, um anjo torto / desses que vivem na sombra”, seria muitas vezes retomada ou sugerida pelo poeta para falar de seu modo de ver e viver a vida, sempre de um jeito diferente, distante do senso comum. Prosseguindo, vemos versos 10 e 11 (“Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração / Porém meus olhos...”), o que Antonio Candido chama de inquietudes na poesia de Dummond. “Inquietudes que descrevem o estado-de-espírito desse “eu todo retorcido”, que fora anunciado por um “anjo torto” e, sem saber estabelecer comunicação real, fica “torto no seu canto”, “torcendo-se calado”, com seus “pensamentos curvos” e seu “desejo torto”, capaz de amar apenas de maneira torcida”. A nudez dos olhos em oposição à inquietação, pergunta de coração que mostra uma contradição muito comum a essa poética: a percepção aguda de muitos fatos e o silêncio diante deles.
		Ao mesmo tempo que o poema mostra a atitude natural do indivíduo conflituado, compensa-se narcisticamente pretendendo uma posição de superioridade que disfarça a precariedades de suas origens. Quer se postar acima das adversidades afirmando ter um “coração maior que o mundo”.
		Sendo assim, podemos considerar no primeiro Gauche em eu maior que o mundo, um olhar irônico sobre o mundo. O olhar revela um interesse apenas superficial pelas coisas. O poeta vê, porém, seus olhos não perguntam nada. Esse olhar caracteriza-se por “uma visão para baixo”. O mundo que o poeta apresenta é o mundo da terra.
O SOCIAL NA POESIA DE DRUMMOND
		A partir de seu terceiro livro, Sentimento do Mundo Drummond toma a consciência de que nos livros anteriores estava centrado muito em si mesmo, em virtude dessa tomada de consciência o poeta se arma em relação a si próprio e ao mundo. O culto ao eu, evidente nos primeiros livros, é mais sutil, mas não é por isso menor.
MÃOS DADAS	 			 
Não serei o poeta de um mundo caduco.				
Também não cantarei o mundo futuro.				
Estou preso à vida e olho meus companheiros.			
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.					
O presente é tão grande, não nos afastemos.				
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.			
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,			
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,			
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.				
O tempo é a minha matéria, o tempo presente,			
os homens presentes,							
a vida presente.
		Publicado em 1940, Sentimento do Mundo inaugura um novo período da poética drummoniana. Agora, o eu dos dois primeiros livros, cujo coração se julgava mais vasto que o mundo, cede lugar ao poeta marcado pela sensação de impotência. Restam-lhe apenas “duas mãos e o sentimento do mundo”.
		Embora permaneça a sensação de isolamento dos livros anteriores, se faz mais forte, a consciência da dolorosa realidade social, da tensão eu-mundo e o desejo do primeiro de agir sobre o segundo.
		Em Sentimento do Mundo sua poesia afasta-se da linha modernista, segundo a qual tudo é assunto de poesia, presente em boa parte de seus primeiros livros. Atenuando o individualismo, o eu poético, sempre movido pelo desejo de auto-superação e de integração com o mundo, prossegue no caminho do questionamento e da busca. E faz da palavra seu campo de pesquisa. A poesia torna-se ferramenta de luta e combate. As palavras, a quem busca dominar, exprimem a angústia e a escavação do eu. Pode-se observar isso no poema O lutador.
		Na realidade, sempre de viés, o poeta realiza no processo de auto-escavação, tendo em vista a aceitação de si, caminho para a aceitação do mundo. É a luta entre essência e aparência, entre o eu que se mostra e o eu que se esconde.
		Em 1942, ano em que o Brasil declara guerra a Alemanha Drummond publica José. O poema que dá título ao livro, sintetiza as preocupações básicas do poeta neste momento: a consciência de sue ser-no-mundo, o questionamento do sentido da existência humana. Através da luta com as palavras, o poeta busca expressar essa relação eu-mundo. Relação, ainda, bastante conflituosa, fruto da autonegação, da solidão que invade o eu poético, culminando na necessidade de adoção da máscara, José, a persona, através de quem fala o ser humano qualquer. Portanto, este José outro não é senão o poeta. A personagem funciona, no poema, como o desdobramento da personalidade poética do autor.
		Em José, o eu poético manifesta uma angústia metafísica, se perguntando, através do personagem, para onde ele próprio caminhava: “Você marcha, José / José, para onde?” Nessa interrogação, Drummond argüi sobre o sentido do homem e de seu estar-no-mundo e a resposta caminha em direção ao ceticismo.
		A medida que Drummond vai evoluindo sua trajetória, vai se tornando mais angustiosa. Cada vez mais sua poesia vai desaguar na tensão entre o eu lírico e seu mundo. Aos poucos, o sentimento de mal-estar do mundo vai ser constante em sua poesia.
		A maturação do poeta coincide com um processo histórico de tensões e lutas internas e externas: crise social e política dentro e fora do país, guerras, regimes totalitários, abuso de poder. Drummond não assiste este espetáculo imune, ele faz de sua poesia um instrumento de participação. Participação onde se encaixam, notadamente em A Rosa do Povo (publicado em 1945) a denúncia do caos, dos conflitos aliada ao papel redentor da própria poesia, assumida como elemento catalizador e capaz de realizar a ordem e a síntese por que aspira o poeta. Nesse sentido, sua poesia funciona como instrumento capaz de questionar e modificar as relações humanas e a realidade social. Conforme Afffonso Rommano Sant’Anna, aqui o poeta atinge certo equilíbrio em sua relação com o mundo: do eu maior que o mundo, de Alguma Poesia, ao eu menor que o mundo de Sentimento do Mundo, chega-se ao eu igual ao mundo. Pode-se observar isso no poema Cidade Prevista, onde o autor sugere, a reorganização do mundo em bases mais justas. Em alguns momentos ele é muito otimista, e acredita que, embora no momento essa reorganização não seja possível, um dia isso acontecerá:
“Irmãos, cantai esse mundo
que não verei, mas virá
um dia, dentro em mil anos,
talvez mais... não tenho pressa”.
		O Drummond poeta público da Rosa do Povo foi a fase intensa, mas breve, de uma esperança que nasceu sob a resistência do mundo livre à fúria nazi-facista, mas que logo se retraiu com o advento da Guerra Fria.
		Essa tônica social participante, mais rara na década de 60, à exceção de poemas como A Bomba, voltará a freqüentar a poesia do autor nos anos 70 e 80. É o momento de composições como: Favelário Nacional, ou é o momento da poesia de denúncia a supervalorização da tecnologia (Ao Deus Kom Unik Assão), o desengfreado consumismo. “Já não me convém o título de homem. Meu nome novo é coisa. / Eu sou a coisa, coisamente”, concluirá o poemaem Etiqueta, responsabilizando a sociedade pela reificação do ser humano.
A POESIA DE CIRCUNSTÂNCIA
		Várias são as obras de Carlos Drummond de Andrade em cujos poemas podemos encontrar temas ligados ao cotidiano; apesar de não ser este aspecto mais explorado e estudado pela crítica especializada. Não há, todavia, uma obra específica e cínica que verse sobre esse tema.
		Em seus primeiros livros (Alguma Poesia e Brejo das Almas) o escritor faz referência ao prosaico e ao coloquial explorando uma veia humorística.
	
CIDADEZINHA QUALQUER
Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.	
Eta vida besta, meu Deus.
		A força pictórica e sugestiva das imagens produz uma criação rítmica (Alguma Poesia). As recordações de infância se apresentam sob uma forma quase expositiva. Em um tom objetivo-narrativo, liberto de indagações mais densas, os pemas mostram-se ilustrados por cenas curtas.
		Em Brejo das Almas, sua atitude é um pouco mais subjetiva e interpretativa; com uma certa tendência para o mistério, a crença.
 POEMA PATÉTICO� O VÔO SOBRE AS IGREJAS �����Que barulho é esse na escada?
É o amor que está acabando,
é o homem que fechou a porta
e se enforcou na cortina.
Que barulho é esse na escada?
É Guiomar que tapou os olhos
e se assoou com estrondo.
É a lua imóvel sobre os pratos
e os metais que brilham na copa.
Que barulho é esse na escada?
É a torneira pingando água,
é o lamento imperceptível
de alguém que perdeu no jogo
enquanto a banda de música
vai baixando, baixando de tom.
Que barulho é esse na escada?
É a virgem com um trombone,
a criança com um tambor,
o bispo com uma campainha
e alguém abafando o rumor
que salta de meu coração.�Vamos até a Matriz de Antônio Dias
onde repousa, pó sem esperança , pó sem lembrança, o [Aleijadinho.
Vamos subindo em procissão a lenta ladeira.
Padres e anjos, santos e bispos nos acompanham
e tornam mais rica, tornam mais grave a romaria de [assombração.
Mas já não há fantasmas no dia claro,
tudo é tão simples,
tudo tão nu,
as cores e cheiros do presente são tão fortes e tão [urgentes
que nem percebem cantigas e rouges, boduns e outros do [século 18.
Vamos subindo, vamos deixando a terra lá embaixo.
Nesta subida só serafins, só querubins fogem conosco,
de róseas faces, de nádegas róseas e rechonchudas,
empunham coroas, entoam cantos, riscam ornatos no azul [autêntico.
Este mulato de gênio
lavou na pedra-sabão
todos os nossos pecados,
as nossas luxúrias todas,
e esse tropel de desejos,
essa ânsia de ir para o céu
e de pecar mais na terra;
este mulato de gênio
subiu nas asas da fama,
teve dinheiro, mulher,
escravo, comida farta,
teve também escorbuto
e morreu sem consolação.
Vamos subindo nessa viagem, vamos deixando
na torre mais alta o sino que tange, o som que se perde,
devotas de luto que batem joelhos, o sacristão que limpa [os altares,
os mortos que pensam, sós, em silêncio, nas catacumbas [e sacristias,
São Jorge com seu ginete,
o deus coberto de chagas, a virgem cortada de espadas,
e os passos da paixão, que jazem inertes na solidão.
Era uma vez um Aleijadinho,
não tinha dedo, não tinha mão,
raiva e cinzel, lá isso tinha,
era uma vez um Aleijadinho, 
era uma vez muitas igrejas
com muitos paraísos e muitos infernos,
era uma vez São João, Ouro Preto,
Mariana, Sabará, Congonhas,
era uma vez muitas cidades
e o Aleijadinho era uma vez.��(Poemas do Livro: Brejo das Almas)		
Apesar de referir-se sobretudo a cenas do cotidiano de sua cidade natal, bem como de seus habitantes, familiares e cenários da infância, não há arroubos emocionais: toda emoção é contida; o rir de si, a auto-ironia assume um giro brincalhão ao registrar o que o cerca. Enquadram-se, sobretudo neste contexto as poesias de Boitempo, cuja lírica assume ares de comicidade.
Em contraposição, os poemas de A Falta que Ama e Menino Antigo se inserem numa linha meditativa
 ASSINANTES� CORREIO�����Somos os leitores do Tico-Tico.
Somos importantes, eu e Luís Camilo.
Cada um em sua rua.
Cada um com sua revista.
o que um sabe, o outro sabe.
Ninguém sabe mais do que sabemos.
É nossa propriedade Zé Macaco.
Jagunço vai latindo a nosso lado
e Kaximbown nos leva
convidados especiais ao Pólo Norte.
Nossa importância dura até dezembro.
Temos assinaturas anuais. �A grande hora da chegada
do Correio.
Ninguém te escreve, mas que importa?
Correio é belo de chegar.
Surge no alta da ladeira
a mula portadora de malas,
trazendo o mundo inteiro no jornal.
O Agente do Correio está a postos
com os filhos funcionários a seu lado.
É a família postal há muitos anos
consagrada a esse ofício religioso.
As malas borradas de lama
com registrados e impressos
que a chuva penetrante amoleceu
abrem-se perante os destinatários
com flores de lona
vindas de muito longe.
Cada família ou firma tem sua caixa aberta
onde se deposita a correspondência
mas bom é recebê-la fresquinha das mãos
de Sô Fernando, que negaceia,
brinca de sonegar a carta urgente:
- Hoje não tem nada pra você.
- Mas eu vi, eu vi na sua mão.
- Engano seu. Quer um conselho?
Vai apanhar tziu, que está voando
lá fora.
Ver abrir a mala é coisa prima.
Traz as revistas de sábado
com três dias de viagem morro acima
abaixo acima, e o cheiro liso de papel
invadindo gravuras: Duque dança,
as barbas de Irineu bolem na brisa
do Senado, e na Rússia
e czar Nicolau tem o olhar vago
de quem vai ser fuzilado e ainda não sabe.
Tudo chega na hora
do Correio. A mula é mensageira
do fato, e sabe
antes de nós toda a terrestre
aventura. Mal comeu
sua cota de milho, já prossegue
rumo do Itambé, levando o mundo.��
NOTURNO 
Abença papai, abença mamãe.			Abença papai, abença mamãe.
Deus te abençoe. Não vá se esquecer			Já te dei abença. Vai dormir. Não tenho
de arear os dentes e lavar os pés			sono bastante para cochilar.
antes de deitar.					Espera quietinho que o resto vem.	
Sim senhora. E não vá dormir			Vou contar estrela. Não. Conto passarinho
sem rezar um padre-nosso, três aves-marias,		que já tive ou tenho ou terei um dia.	
uma Salve rainha.					Conto, reconto		
Rezo. Não vá se esquecer				vistas de cigarros, minha coleção
de apagar a luz antes de dormir.			é fraca. Nomes de países. 27 só. 
Fogo pegou						Ai, essa geografia.	
no quarto de Juquinha de Sá Mira			Nomes de meninas. todas são Lurdes,
porque ele dormiu de vela acesa. Apago.		Carmos, Rosários, faço confusão.
Dorme bem, meu filho. Não fique pensando
bobagens no escuro. O mais é com Deus.
Mas fico
(Poesias do livro: Menino Antigo)
onde a memória se desprende da lírica para se devanear ao longo das estórias nos vários cenários e Itabira, com motivos reflexivos e meditativos. 
A IRONIA E O HUMOR DRUMMONIANO
		A ironia em Drummond obedece a um dos traços de sua personalidade ou até mesmo a uma explicação genética (de acordo com Álvaro Lins). Em seus primeiros livros corresponde a um recurso muito utilizado durante os anos iniciais do Modernismo, através do qual se fazia crítica e auto-crítica de uma cultura.
		Esta ironia evolui à medida que sua obra entra em novas etapas. Ela deve ser interpretada em relação aos demais escritores da geração e dentro do pensamento estético que provocou a Semana da Arte Moderna em 1922.
		Mário de Andrade tenta explicar a ironia na obra de Drummond como sendo uma reação contra sua timidez. Mas certa vez Drummond declarou: “fomos as primeiras vítimas de nossa própria ironia, e, impiedosos com o próximo, não nos perdoávamos a nós nenhuma fragilidade”.
		Não foi gratuito o surgimento da ironia como atitude de toda uma geração. Assim como o humor pessoal coletivizado teve em suas origens um dado social definido; já que este humor correspondeua uma necessidade histórica.
		A ironia e o humor foram a grande invenção do espírito modernista e estava vinculada a uma revolução que se operava na moral, na política, na estética, e que se configuraria melhor nos anos de 1930 com um movimento efetivamente armado, instalando novos métodos de política e ingressando o país em nova fase.
		O humor drummoniano encontra-se concentrado em seu poema No Meio do Caminho que em si condensa não só a história de um poema-poeta, mas a história de um momento literário. Assim como também é visível o humor e a ironia das relações humanas em Quadrilha.
 NO MEIO DO CAMINHO� QUADRILHA	 �����No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho	
no meio do caminho tinha uma pedra.�João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que [amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para [o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou [para tia, 
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto [Fernandes
que não tinha entrado na história.��
		De Drummond pode-se dizer que aprendeu primeiro a rir de si mesmo. Dessa forma, sua poesia sendo irônica, é essencialmente crítica do próprio amor. Num largo número de poemas os vocábulos humor-riso-ironia vem ligados à sua própria pessoa.
“.... 
Eu irônico deslizava
satisfeito de ter meu ritmo.
Mas acabei confundindo tudo.
Hoje não deslizo mais não,
não sou irônico mais não,
não tenho ritmo mais não.”�“Quebra-luz, aconchego.
Teu braço morno me envolvendo.
A fumaça de meu cachimbo subindo.
Como estou bem nesta poltrona de humorista [inglês 
...”.��Também já fui Brasileiro�Sweet Home��(Poesias do livro: Alguma Poesia)��“....
(não a morte),
vida mínima, essencial; um início; um sono;
menos que terra, sem calor; sem ciência nem [ironia;
o que se possa desejar de menos cruel: vida
....”�“....
Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humour?
....”��Vida Menor�Consolo na Praia��
(Poesias do livro: A Rosa do Povo)�����“....
Lá onde não chegou minha ironia,
entre ídolos de rosto carregado,
ficaste, explicação de minha vida,
como os objetos perdidos na rua.”�“Não amando mais escolher
entre mil serôdios programas,
e posto entre o tédio e o dever,
sabendo a ironia das camas
...”.��Versos à Boca da Noite�Pequeno Mistério Policial ou a Morte pela Gramática��
(Poesia do Livro: A Rosa do Povo)�
(Poesia do Livro: Novos Poemas)��
		O estudo da estrutura do verso drummoniano apontaria um contínuo processo de ruptura do sistema através da ironia. Aí o humor reverte tanto nos conceitos, quanto nos mínimos detalhes técnicos.
		A ironia-humor descreve uma curva no transcorrer de sua obra. No princípio mais aberta e constante, devido às influências do movimento modernista. Numa fase posterior, ele evolui e sua temática ganha mais gravidade.
		Na primeira fase, a ironia está ligada aos mecanismos de defesa do gauche, e rir é, praticamente, sinônimo de ficar torto e incomunicável num canto.
		Na medida em que empreende a travessia do mundo e se dirige a uma poesia nitidamente metafísica, o humor se transforma num desconsolo barroco diante da eternidade.
		Foi na ironia que ele temperou seus conflitos e foi por ela que reverteu a perda em ganho.
		A ironia, como um ato de defesa, sendo uma afirmação que nega e uma negação que afirma, é um estágio do pensamento dialético a ser desenvolvido. É uma solução menor para os dualismos com os quais o SER tem que se haver. 
POESIA METALINGÜÍSTICA
		Drummond deixou registrada a sua teoria poética em alguns poemas ou trechos de poema. Para ele a poesia não é apenas um meio para se comunicar alguma coisa; a poesia é algo que se comunica a si mesma:
“Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam para ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície inata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
.............................................................................
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?”
Procura da Poesia
“De que se formam nossos poemas? Onde?
Que sonho envenenado lhes responde,
se o poeta é um ressentido, e o mais são nuvens?”
				 Conclusão
		Desde a primeira “seção”, quando Carlos Drummond de Andrade tenta traçar um retrato do “eu todo retorcido”, podemos notar que há uma preocupação que é constante em todo o seu itinerário: o cuidado com o ato de escrever. Utilizando o poema para declarar sua indignação ou para se reencontrar no encontro do amor, Drummond não se descuida de sua condição de poeta e revela a atenção que o ofício de escritor merece.
		Então, depois de olhar para si mesmo, para a terra, para família, os companheiros, os homens na rua e o terrível amor, o poeta contempla a poesia, jeito novo e velho de olhar uma vez mais para si mesmo e todo aquele universo já revirado pelos seus olhos míopes e atentos.
		Em alguns poemas, Drummond nos apresenta suas certezas e hesitações, quando o foco de sua atenção é a própria poesia, forma encontrada por esse “gauche” para conversar com o mundo. Se na relação com a vida as contradições são muitas e intensas, no diálogo com a poesia elas reaparecem fortes e decisivas, obrigando o poeta a uma dura “peleja” também com a palavra. 
“Palavra, palavra
(diga exasperado),
se me desafias,
aceito o combate.”
		 O lutador
		O “inútil duelo” não cessa nunca e o poeta a ele se entrega de mil formas e jeitos, remexendo o “reino das palavras”, exercendo o papel que lhe cabe na “procura da poesia”, trabalhando sempre na expectativa de que ela possa oferecer alguma explicação para o vazio da vida. Por isso é preciso manter o ânimo e a tranqüilidade.
		Apaixonado pela poesia, Drummond vive de maneira tensa (e “retorcida”) esse convívio com as palavras. A consciência de que a poesia é uma forma de dialogar com o mundo torna aguda a sua preocupação com o ato de escrever. Porque entende que “poesia é negócio de grande responsabilidade”, ele julga que é fundamental “se entregar aos trabalhos cotidianos e secretos da técnica, da leitura, da contemplação e mesmo da ação”. Diante de tal convicção, é preciso atentar para todas as armadilhas na busca do essencial: encontrar a poesia onde ela pode estar e, através da organização das palavras, transformá-la em texto. Isso que dizer que é necessário saber extrair das coisas, mesmo as mais comuns, o “seu poder de palavra/e seu poder de silêncio”.
		Como tudo está no mundo, cabe ao poeta a tarefa de selecionar o essencial e, através de uma especial capacidade para arrumar as palavras encontrar um modo de apresentá-lo aos homens comuns. Não há leis que passam determinar o que é e o que não é poético. Para Drummond, a poesia pode vir da heróica resistência de uma cidade ameaçada pela violência nazista da Segunda Guerra Mundial.
“A poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais.
Os telegramas de Moscou repetem Homero.
Mas Homero é velho. Os telegramas cantam um mundo novo
que nós, na escuridão, ignorávamos.
Fomos encontrá-lo em ti, cidade destruída,
na paz de tuas ruas mortas, mas não conformadas,
no teu arquejo de vida mais forte que o estouro das bombas,
na tua fria vontade de resistir.
...............................................................................................
mas a vida em ti é prodigiosa e pulula como insetos ao sol,
ó minha louca Stalingrado
					Carta a Stalingrado
A ESTILÍSTICA DA REPETIÇÃO
		Um dos aspectos formais daobra de Carlos Drummond de Andrade que merece destaque é o recurso estilístico da repetição.
		A repetição é um processo rítmico evidente desde os seus primeiros livros e apenas por acaso não ocorre num ou noutro poema. Segundo Antônio Houassis essa repetição se dá num dos seguintes processos: a) ênfase coloquial; b) ênfase obsessiva, de estados interiores, solilóquios; c) repetição imitativa; d) repetição retórica de encadeamento (forma de refrão). Em todos os casos é óbvio o uso lúdico do vocábulo repetido, às vezes sem nenhum conteúdo próprio isolado, mas valorizado assim.
		Ernesto Guerra Cal afirma que por meio da repetição “podemos ver as coisas mais cotidianas e simples palavras da língua ganharem uma intensa carga poética e convertem-se de imediato em focos de irradiação lírica em agentes de poetização de estilo”.
		Tal procedimento estilístico é explorado por Drummond sem preferência por elemento sintático ou categoria gramatical, recorrendo, assim um valor inesperado a palavras sem valor. 
“Meu pai montava a cavalo, ia para o campo
Minha mãe ficava sentada cosendo
Meu irmão pequeno dormia
ou
“O trem chega na estação
O poeta desembarca
O poeta toma um auto
O poeta vai para o hotel...”
ou
“Um homem vai devagar
Um cachorro vai devagar
Um burro vai devagar”
Cidadezinha Qualquer
		A repetição ocorre, constantemente, também no esquema sintático.
		Há repetições às quais Drummond recorre para decompor um todo contínuo para valorizar-lhe os membros:
“Café preto que nem preta velha,
Café gostoso
Café bom”
	Infância
		Outras vezes a repetição é usada para encadear oposições:
“Lá embaixo
suspiram bocas machucadas
suspiram rezas? Suspiram manso,
de amor”
		Ou para enfatizar o erotismo:
“E os corpos enrolados
ficam mais enrolados ainda
e a carne penetra na carne”
		Exemplos dos mais perfeitos da técnica de repetição são No meio do caminho e José.
		No meio do caminho pela íntima correlação que tem a repetição com o sentido geral da composição.
 NO MEIO DO CAMINHO
��No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho	
no meio do caminho tinha uma pedra.
��		A repetição, neste poema, é um fator de primeira grandeza. Ele se estrutura sobre esse recurso. Nos versos iniciais da segunda estrofe, justamente os que escapam à técnica geral, opõe-se à repetição a quebra da repetição, encontra-se a chave do poema.
		O poeta se depara com o objeto que dá a imagem de sua angústia - o ritmo da repetição consegue refletir exatamente o estado psicológico. Ele vê a pedra no meio do caminho, e o elemento material assume o sentido de verdadeira visão do mundo. A repetição, neste poema não é puramente lexical, ela perde o seu caráter geral para se transformar num recurso de ampliação do vocábulo e de seu conteúdo, com notável efeito estilístico.
		Em José é através da repetição de palavras ou grupos de palavras que deflui a poesia. A expressão “E agora, José?”, repetida exaustivamente no poema transformou-se numa expressão de domínio popular, utilizada quando se quer cobrar de alguém uma resposta ou uma solução para uma situação muito grave. Essa interrogativa, com a repetição, vai adquirindo intensidade e significado, passando o nome “José” a representar todo ser humano, com suas esperanças e angústias. É pela organização rítmica que o poeta atinge essa relação de inescusável conteúdo humano.
		Nos versos 2, 3, 4 e 5 trabalha-se o tema de uma situação sem saída. Essa imagem vai sendo construída através da seqüência desses versos.
		O verso 8 destaca o caráter genérico do nome “José”, que serviria para designar o ser humano em geral. Também se pode ver “José” como uma espécie de pseudônimo do poeta, que, não raro, é transformado em personagem do seu próprio texto.
		Nos versos 9, 10 e 11 há uma contraposição entre as habilidades de José (“zomba dos outros”, “faz versos”, “protesta”) e a sua dificuldade para superar os obstáculos colocados pela vida.
		O uso reiterado das expressões “sem” e “não”, nos versos 13 a 23, contribuem para reforçar a noção de carência que define a atmosfera do poema.
		Nos versos 29 a 36 registra-se a inutilidade das tentativas de “José” para resolver seu problema. Nem os versos, nem o delírio, nem as leituras, nem a riqueza, nem a revolta, metamorfizadas no texto, se mostram suficientes para vencer a crise.
		A utilização dos verbos no imperfeito do subjuntivo, versos 45 a 51, compondo orações condicionais, anuncia a possibilidade de mudança que o verso seguinte desmente: “Mas você não morre”. Nessa estrofe o ritmo do poema parece sugerir o compasso da valsa citada no verso 48.
		O uso do verbo “marchar”, no verso 61, expressa a reação de “José” mesmo privado de qualquer recurso (“parede nua”, “teogonia”, “cavalo preto”).
		O verso final (62), construído na forma interrogativa, vem conformar a perplexidade diante da vida registrada em todos os momentos do poema.
		Através da repetição variada, Drummond, quebra a monotonia e revela a situação de carência quase absoluta de “José”.
		
JOSÉ 
E agora, José?		 		E agora, José?			Se você gritasse,
A festa acabou,			sua doce palavra,		se você gemesse,
a luz apagou,				seu instante de febre,		se você tocasse, 
o povo sumiu,				sua gula e jejum,		a valsa vienense,
a noite esfriou,			sua biblioteca,			se você dormisse,
e agora, José?				sua lavra de ouro,		se você cansasse,
e agora, você?				seu terno de vidro,		se você morresse...
você que é sem nome,			sua incoerência,	 Mas você não morre,
que zomba dos outros,		seu ódio - e agora?		você é duro, José!
você que faz versos,			
que ama, protesta?			
e agora, José?				
Está sem mulher,			Com a chave na mão		Sozinho no escuro	
está sem discurso,			quer abrir a porta,		qual bicho-do-mato,
está sem carinho,			não existe porta;		sem teogonia,
já não pode beber,			quer morrer no mar,		sem parede nua
já não pode fumar,			mas o mar secou;		para se encostar,
cuspir já não pode,			quer ir para Minas,		sem cavalo preto
a noite esfriou,			Minas não há mais.		que fuja a galope,	
o dia não veio,				José, e agora?			você marcha, José!
o bonde não veio,							José, para onde?
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
BIBLIOGRAFIA
BARBOSA, Rita de Cássia. Carlos Drummond de Andrade: literatura comentada. São Paulo: Abril Educação, 1980.
BOSI, ALFREDO. História concisa da literatura brasileira. 33a. ed. Cultrix. São Paulo, 1994.
BRAYNER, Sônia. Carlos Drummond de Andrade. Coletânea Fortuna Crítica, 2a. edição, vol. 1, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira., 1978. 
CANDIDO, Antonio. “Inquietudes na poesia de Carlos Drummond de Andrade”. In: Vários Escritos, São Paulo, Duas Cidades, 1970, p. 93 - 122
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 Vários Escritos. 3a. ed. revista e ampliada - São Paulo: Duas Cidades, 1995.
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE: Poesia e Prosa. Volume único. Biblioteca Luso-Brasileira. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1983.
SANT’ANNA, Affonso Romano de. Carlos Drummond de Andrade: análise da obra. 3a. edição. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 1980.
 
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