Buscar

DRUMMOND (atualizado)

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 12 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 12 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 12 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Expectativa e esperança no contexto da Segunda Guerra em
“COM O RUSSO EM BERLIM” 
Élin Cunha Luiz Cardoso*
Com o Russo em Berlim
Carlos Drummond de Andrade
	1
2
3
4
5
6
7
8
9
	Esperei (tanta espera), mas agora,
nem cansaço nem dor. Estou tranqüilo.
Um dia chegarei, ponta de lança,
com o russo em Berlim.
O tempo que esperei não foi em vão.
Na rua, no telhado. Espera em casa.
No curral; na oficina: um dia entrar
com o russo em Berlim.
Minha boca fechada se crispava.
Ai tempo de ódio e mãos descompassadas.
Como lutar, sem armas, penetrando
com o russo em Berlim?
Só palavras a dar, só pensamentos
ou nem isso: calados num café,
graves, lendo o jornal. Oh, tão melhor
com o russo em Berlim.
Pois também a palavra era proibida.
As bocas não diziam. Só os olhos
no retrato, no mapa. Só os olhos
com o russo em Berlim.
Eu esperei com esperança fria
calei meu sentimento e ele ressurge
pisado de cavalos e de rádios
com o russo em Berlim.
Eu esperei na China e em todo canto,
em Paris, em Tobruc e nas Ardenas
para chegar, de um ponto em Stalingrado,
com o russo em Berlim.
Cidades que perdi, horas queimando
na pele e na visão: meus homens mortos,
colheita devastada, que ressurge
com o russo em Berlim.
O campo, o campo, sobretudo o campo
Espalhado no mundo: prisioneiros
Entre cordas e moscas; desfazendo-se
Com o russo em Berlim.
	10
11
12
13
14
15
16
17
	Nas camadas marítimas, os peixes
me devorando; e a carga se perdendo,
a carga mais preciosa: para entrar 
com o Russo em Berlim.
Essa batalha no ar, que me traspassa
(mas estou no cinema, e tão pequeno,
e volto triste à casa: por que não
com o russo em Berlim?)
Muitos de mim saíram pelo mar.
Em mim o que é melhor está lutando.
Possa também chegar, recompensado
com o russo em Berlim.
Mas que não pare aí. Não chega o termo.
Um vento varre o mundo, varre a vida.
Este vento que passa, irretratável,
com o russo em Berlim.
Olha a esperança à frente dos exércitos,
Olha a certeza. Nunca assim tão forte.
Nós que tanto esperamos, nós a temos
com o russo em Berlim.
Uma cidade existe poderosa
a conquistar. E não cairá tão cedo.
Colar de chamas forma-se a enlaçá-la,
com o russo em Berlim.
Uma cidade atroz, ventre metálico,
pernas de escravos, boca de negócio,
ajuntamento estúpido, já treme
com o russo em Berlim.
Essa cidade oculta em mil cidades,
trabalhadores do mundo, reuni-vos
para esmagá-la, vós que penetrais 
com o russo em Berlim.
_______________
* Universidade Federal de Goiás. Goiânia. Especialista em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira.
elin_cardoso@yahoo.com.br
O poema “Com o russo em Berlim” encerra uma série escrita por Drummond a propósito da Segunda Guerra. A série reúne os poemas “Notícias”, “América”, “Cidade prevista”, “Carta a Stalingrado”, “Telegrama de Moscou”, “Mas viveremos”, “Visão 1944” e “Com o russo em Berlim”, publicados em A rosa do povo.
O poemas desta obra foram escritos entre 1943 e 1945, quando os horrores da II Guerra Mundial angustiavam a humanidade e o exército nazista recuava, especialmente na extinta União Soviética. Graças à obstinação heróica do povo russo e sua imensa capacidade de sacrifício, as melhores divisões alemãs tinham sido desbaratadas no leste europeu, prenunciando a capitulação do III Reich. 
Cada poema dessa série é uma reflexão do poeta sobre um momento da guerra, embora não haja em nenhum deles o propósito de refletir estágios do conflito. Todos os poemas estão contagiados pela guerra, travados de escombros, crivados de balas e de mortos, mas o que se ergue deles ainda consegue ser flor – não se pode perder de vista o título do livro em que estão inseridos.
“Com o russo em Berlim” capta o instante derradeiro da Segunda Guerra: o avanço do Exército Vermelho sobre Berlim. Lê com olhos questionados de dor, de ódio e de esperança o momento final do conflito que espalhou horror por todo o mundo.
 “Cansaço”, “dor”, “tempo de ódio”, “lutar”, “armas”, “prisioneiros”, “exércitos”, e mais uma quantidade grande de termos com sentido semelhante, compõem o campo semântico do poema. São signos, frases, expressões, adjetivos, substantivos, imagens, símbolos etc. que carregam em seu bojo o sentido da destruição e transportam para o interior do poema o campo de batalha, a dor e a morte, tornando-o uma verdadeira metáfora do teatro de operações da Segunda Guerra.
É no interior desse campo semântico, atravessado de expressões verbais a descrever e refletir a tristeza e a derrota humana, que o poeta travará a luta pela reconstrução da sua própria emoção, dilacerada pela dúvida – expectativa – e pela esperança.
Esse poema vem nos provar que lírica e sociedade podem e devem estar intrinsecamente relacionados, conforme nos esclarece Adorno:
“ (...) o conteúdo de um poema não é mera expressão de emoções e experiências individuais. Pelo contrário, essas só se tornam artísticas quando, exatamente em virtude da especificação do seu tornar-forma estético, adquirem participação no universal.” (p. 193)
E, sobre a linguagem, ele completa:
“(...) a linguagem estabelece a mediação entre lírica e sociedade no que há de mais intrínseco. Por isso a lírica se mostra mais profundamente garantida socialmente ali onde não fala segundo o paladar da sociedade, onde nada comunica, onde, ao contrário, o sujeito, que acerta com a expressão feliz, chega ao pé de igualdade com a própria linguagem, ao ponto onde esta, por si mesma, gostaria de ir.” (p. 198)
Assim sendo, temos um indivíduo no poema (o eu-lírico) que transcorre sobre um fato, de acordo com sua visão, aquilo que toda uma sociedade sentiu, cada qual a seu modo, mas com traços bastante semelhantes dentro do coletivo.
De palavras que representam cacos dos prédios destroçados e dos corpos despedaçados, ordenará um sentido coeso e coerente. E esse sentido íntegro, que se constrói de cacos, projeta sobre os escombros da guerra sua sombra quente de humanidade e solidariedade combativa. É assim, com a ordenação das palavras aparentemente soltas, que o poeta transforma o que é derrota em esperança e o que é dor e morte em revolta.
À primeira leitura, o poema apresenta-se como uma articulação de palavras desorganizadas, aleatórias, como num campo bombardeado. Porém, à medida que nossos sentidos se habituam às repetições – verdadeiro tiroteio de palavras com sentidos aproximados, notamos que elas estão bastante organizadas.
O poema é composto de 17 estrofes e cada estrofe possui 4 versos. Em cada estrofe há 3 versos decassílabos heróicos (metrificação ideal para poesia épica) e 1 verso refrão hexassílabo (o último).
Os versos são todos brancos, com exceção dos versos 2 e 3 da estrofe 5 onde ocorre uma rima idêntica: só os olhos.
Ocorre enjambement na minoria das estrofes. Alguns tropos podem ser identificados ao longo do poema:
a) No verso 1 da estrofe 9, ocorre epizeuxe: O campo, o campo, sobretudo o campo.
b) No verso 2 da estrofe 13 ocorre uma anáfora: Um vento varre o mundo, varre a vida. Assim como nos versos 1 e 2 da estrofe 14: Olha a esperança à frente dos exércitos./Olha a certeza. Nunca assim tão forte.
Algumas características da epopéia nos fazem concluir que este poema pertence a este gênero:
a) Compõe-se num metro uniforme e é narrativo;
b) Em todas as estrofes predominam os decassílabos heróicos;
c) Caráter predominantemente histórico, descrevendo determinado evento e suas conseqüências num contexto mundial.
As repetições presentes no texto, assim como os tropos, nos auxiliam a compreender as divisões que organizam o poema:
A) Impotência, expectativa, esperança e espera
Não por acaso a expressão “ponta de lança” encontra-se na estrofe 1. Ela é a ponta de lança do poema: introduz os temas da espera (expectativa) e da esperança (convicção) e anuncia o engajamento combativo do poeta: Um dia chegarei, ponta de lança, com o russo em Berlim.
O verso 1 da estrofe 1 desdobra-se na série (estrofes 2 a 5), que reflete a situação emocional do poeta, situaçãode espera, de indecisão, de expectativa, de apreensão, de dúvida. Os versos 2 e 3 da estrofe 1 desdobram-se na série de estrofes de 6 a 10, que trata do ressurgimento da esperança. Enquanto na série de estrofes de 2 a 5 o poeta olha para seu interior e reflete sobre sua impotência de indivíduo isolado, na série de estrofes 6 a 10 ele volta seus olhos para o mundo e vê a esperança simbolizada na possível aliança com o soldado russo. Do desdobramento da estrofe 1 em duas séries (de 2 a 5 e de 6 a 10), surge o primeiro campo semântico.
B) A batalha
Na estrofe 11 o poeta expressa novamente, agora de modo mais intenso, o tema da expectativa e da dúvida. A certeza enfatizada na série de estrofes de 6 a 10, cede espaço a uma interrogação: “com o russo em Berlim?”. Além disso, o que poderia significar o verso “Essa batalha no ar, que me traspassa”? e por que a estrofe termina sem ponto final?
Antes de responder essas questões, é necessário estudar um elemento complicador: há no poema duas estrofes que comportam interrogações explícitas, a 3 e a 11, o que obriga o leitor a compará-las.
Na estrofe 3, o poeta expressa sua tortura interior: as expectativas (“Minha boca fechada se crispava”), o pessimismo (“Ai tempo de ódio e mãos descompassadas”) e a impotência (“Como lutar sem armas”); e emprega o verbo principal da estrofe no passado: crispava (não crispa mais, pois a ação é passada).
Na estrofe 11, o poeta não expressa apenas o que está dentro de si (“tão pequeno”, “volto triste”), mas também o que está fora, no mundo, e que o atravessa (“Essa batalha no ar, que me traspassa”, “mas estou no cinema”, “e volto”); os verbos estão todos no presente: traspassa, estou, volto (ou seja, está traspassando, está no cinema, está voltando). E não são verbos de reflexão, ou seja, que expressam pensamento, mas verbos de ação: o poeta está se expressando e agindo ao mesmo tempo: está falando seu poema, está sendo traspassado por uma batalha exterior, está localizado fisicamente (no cinema), está voltando para casa (movendo-se no espaço). Ou seja, o poeta não está mais apenas dentro de si, está dividido: interior e exterior, “eu” e mundo, pensamento e ação.
A aproximação das duas estrofes (3 e 11), pela presença de interrogação explícita, fez-se revelar um dado importante: há três tempos no poema: o passado, o presente e o futuro, sendo que é a partir de um ponto presente que o poeta fala.
Isso obriga o leitor a comparar a estrofe 11 com outras em que a forma verbal do presente seja empregada. A leitura revela duas outras, anteriores à 11a: a 1a e a 6a.
Na estrofe 1, verso 2, o poeta diz, no presente, “Estou tranqüilo” e tudo o que disser, a partir disso, será passado-pessimismo: “Esperei (tanta espera)” ou futuro-otimismo: “chegarei, ponta de lança”.
Isso é sinal de que o poema não pode ser lido linearmente apenas (palavra após palavra, verso após verso, estrofe após estrofe, do início para o fim do texto), a voz do poeta deverá ser acompanhada, e ela se desloca em ziguezague do presente para o passado e para o futuro:
	Estrofe
	O passado
	O presente
	O futuro
	1
	Esperei (tanta espera)
	Mas agora, / Nem cansaço nem dor. Estou tranqüilo
	Um dia chegarei, ponta de lança, / com o russo em Berlim.
	6
	Eu esperei com esperança fria, / calei meu sentimento pisado / de cavalos e de rádios
	E ele ressurge / com o russo em Berlim
	
	11
	
	Essa batalha no ar, que me traspassa / (mas estou no cinema, e tão pequeno / e volto triste à casa: por que não / com o russo em Berlim?)
	
Enquanto a estrofe 1 divide-se entre presente, passado e futuro e a estrofe 6 divide-se entre presente e passado, a estrofe 11 está mergulhada no presente. E isso indica que ela deve ser isolada do bloco de estrofes 1 a 10, pois tem característica própria.
É, de certo modo, claro que o “vento” que “varre o mundo, varre a vida”, da estrofe 13, é sinônimo da “batalha no ar”, da estrofe 11, bem como fica evidente que as reflexões da estrofe 12, “Muitos de mim saíram pelo mar, (...) Possa também (...)”, são desenvolvimento das expressadas na 11, “tão pequeno”, “triste”, “por que não(?)”.
A estrofe 11 se constrói, então, não pela oposição entre espera e esperança no interior, no coração do poeta, mas pela oposição interior e exterior (os sentimentos do poeta e o mundo em guerra): a “batalha”, exterior, o “traspassa”, não se congela no seu interior, seu coração, atravessa sua emoção e prossegue sem ponto-final, ou seja, não no pensamento ou na emoção, mas no mundo real: “Essa batalha no ar [exterior], que me traspassa [atravessa]”.
Não se trata de o poeta relatar sua fraqueza e sua impotência passadas (estrofes 2 a 5) ou reunir armas interiores para reconstrução do sentimento de esperança (estrofes 6 a 10), mas da autocrítica desse poeta em relação a sua situação limitada e impotente de indivíduo isolado: “(Mas estou no cinema, e tão pequeno, e volto triste à casa:” em oposição à possibilidade de ação ampla, coletiva e poderosa no mundo exterior, real: “por que não com o russo em Berlim?)”.
O “eu”, indivíduo, perdido no pessimismo, no isolamento e na espera torturante, é o lugar onde mora a derrota e a fraqueza; o “nós” (o poeta e o soldado russo) é o lugar onde está a possibilidade de vitória e de fraternidade. A batalha que atravessa o poeta é uma guerra aberta entre o que, nele mesmo, é impotência, fraqueza, pequenez, e o que, nele mesmo, é desejo de solidariedade e ação irmanada no mundo real, onde uma guerra brutal se desencadeia (a Segunda Guerra) e outra se pronuncia.
Nas estrofes 12 e 13 vê-se melhor, porque desdobrada, essa “batalha” interior X exterior. Na estrofe 12, uma parte do sujeito é perda: “Muitos de mim saíram pelo mar.” Mas parte dele é luta: “Em mim o que é melhor está lutando.”. Na estrofe 13, “um vento que varre o mundo, varre a vida” é sinônimo, como já foi visto, de “batalha (...) que traspassa” e é munição que auxilia o poeta na sua batalha em busca da ação no mundo real: 
“Este vento que passa, irretratável,
 com o russo em Berlim.”.
As estrofes 12 e 13 subordinam-se à 11, como ocorre nas séries de estrofes 2 a 5 e 6 a 10 em relação à 1; 12 e 13 desenvolvem o que na estrofe 11 surgiu de modo concentrado (a batalha entre interior e exterior, “eu” e mundo em guerra). Mas não deixa de ser significativo o fato de o verso 1 da estrofe 11 vir seguido de parênteses e de a estrofe toda não ser encerrada em ponto-final – o que a coloca “no ar”.
C) Esperança-general 
A estrofe 14 é o ponto de viragem do poema, resumo de tudo que o poeta vinha dizendo. As dúvidas e incertezas do poeta foram dissipadas e ele, abandonando o isolamento (interior), se mobiliza para a ação solidária, no mundo real (exterior).
A estrofe 14 é o espaço em que a esperança surge limpa e livre: no bloco de estrofes 1 a 10 ela estava emaranhada nas dúvidas e nos escombros dos campos destruídos; no bloco de estrofes 11 a 13 ela surge no vento que dissipa a fraqueza e a impotência do poeta. Mas nada comparado ao que é expresso na estrofe 14: a esperança é promovida a general, está à “frente dos exércitos”.
O poeta encontra-se, enfim, no “nós”, e a sua solidão impotente deságua na certeza coletiva: “Nós que tanto esperamos, nós a temos”. Mas essa estrofe 14 tem uma característica que a isola de todas as demais, anteriores ou posteriores: o poeta se comunica diretamente com o leitor, pondo a esperança diante de seus olhos: “Olha a esperança à frente dos exércitos, / olha a certeza. Nunca assim tão forte.”.
O “nós”, de que ele passará a falar, não é apenas o poeta e os que estavam “calados num café”, mas também o leitor: “Nós que tanto esperamos, nós a temos / com o russo em Berlim”.
A estrofe 14 é, também, ponto de superação de todos os elementos de pessimismo: a espera é superada pela “esperança à frente dos exércitos”; o “eu”, pelo “nós”; a dúvida pela certeza.
A partir da estrofe 14 (isolada das anteriores pela mudança do direcionamento do discurso – não mais do poeta para ele mesmo, mas agora dele para o leitor, diretamente)o poema toma novo rumo.
D) O inimigo e os companheiros
O motivo de a esperança ser tão necessária é revelado na estrofe 15: “Uma cidade existe poderosa / a conquistar.” A estrofe 15 (como a 11, em relação às 12 e 13) introduz temas que não estão presentes na 14 e que serão desenvolvidos na forma de paráfrase nas estrofes 16 e 17:
	Estrofe-tema
	Estrofes-paráfrese
	15
	16
	17
	Uma cidade existe poderosa / a conquistar. 
E não cairá tão cedo / Colar de chamas forma-se a enlaçá-la, / com o russo em Berlim.
	Uma cidade atroz, ventre metálico, / pernas de escravos, boca de negócio, / ajuntamento estúpido, 
já treme / com o russo em Berlim.
 
	Essa cidade oculta em mil cidades, 
Trabalhadores do mundo, reuni-vos / para esmagá-la, vós, que penetrais / com o russo em Berlim.
O poema, que à primeira leitura parece uma desorganização caótica de palavras, revela-se uma estrutura planejada, que organiza e hierarquiza as estrofes na forma de estrofes-tema e estrofes-paráfrase, que praticamente repetem o assunto empregando novas palavras.
	Estrofe-tema
A impotência, a espera (expectativa)
1 Esperei (tanta espera),
	Estrofe-tema
Esperança
1 mas agora,
 nem cansaço nem dor. Estou tranqüilo.
 Um dia chegarei, ponta de lança,
 com o russo em Berlim.
	Estrofes-paráfrase
	Estrofes-paráfrase
	2 O tempo que esperei não foi em vão.
 Na rua, no telhado. Espera em casa.
 No curral; na oficina: um dia entrar
 com o russo em Berlim.
3 Minha boca fechada se crispava.
 Ao tempo de ódio e mãos descompassadas.
 Como lutar, sem armas, penetrando
 com o russo em Berlim?
4 Só palavras a dar, só pensamentos
 ou nem isso: calados num café,
 graves, lendo o jornal. Oh, tão melhor
 com o russo em Berlim.
5 Pois também a palavra era proibida.
 As bocas não diziam. Só os olhos
 no retrato, no mapa. Só os olhos
 com o russo em Berlim.
	6 Eu esperei com esperança fria,
 calei meu sentimento e ele ressurge
 pisado de cavalos e de rádios
 com o russo em Berlim.
7 Eu esperei na China e em todo canto,
 em Paris, em Tobruc e nas Ardenas
 para chegar, de um ponto em Stalingrado
 com o russo em Berlim.
8 Cidades que perdi, horas queimando
 na pele e na visão: meus homens mortos,
 colheita devastada, que ressurge
 com o russo em Berlim.
9 O campo, o campo, sobretudo o campo
 espalhado no mundo: prisioneiros
 entre cordas e moscas; desfazendo-se
 com o russo em Berlim.
10 Nas camadas marítimas, os peixes
 me devorando; e a carga se perdendo,
 a carga mais preciosa: para entrar
 com o russo em Berlim.
	Estrofe-tema
	Estrofe-paráfrase
	A batalha
	
	11 Essa batalha no ar, que me traspassa
	13 Mas que não pare aí. Não chega o termo.
 Um vento varre o mundo, varre a vida.
 Este vento que passa, irretratável,
 com o russo em Berlim.
	A impotência, a espera (expectativa)
	
	11 (mas estou no cinema, e tão pequeno,
 e volto triste à casa: por que não
 com o russo em Berlim?)
	12 Muitos de mim saíram pelo mar.
 Em mim o que é melhor está lutando.
 Possa também chegar, recompensado,
 Com o russo em Berlim.
Estrofe-tema
Esperança-general (isolada)
14 Olha a esperança à frente dos exércitos,
Olha a certeza. Nunca assim tão forte.
Nós, que tanto esperamos, nós a temos
Com o russo em Berlim.
	Estrofe-tema
	Estrofes-paráfrase
	O inimigo
	
	15 Uma cidade existe poderosa
 a conquistar. E não cairá tão cedo.
	16 Uma cidade atroz, ventre metálico,
 pernas de escravos, boca de negócio,
 ajuntamento estúpido, já treme
 com o russo em Berlim.
	Os companheiros
	
	15 Colar de chamas forma-se a enlaçá-la,
 com o russo em Berlim.
	17 Essa cidade oculta em mil cidades,
 Trabalhadores do mundo, reuni-vos
 Para esmaga-la, vós que penetrais
 Com o russo em Berlim.
Isso tudo que está dito aqui pode ser apenas mais uma leitura, dentre as muitas encontráveis fartamente na literatura, já que Umberto Eco (1995) nos revela: 
“A iniciativa do leitor consiste em fazer uma conjectura sobre a intentio operis, conjectura essa que deve ser aprovada pelo complexo do texto como um todo orgânico. Isso não significa que só se possa fazer sobre um texto uma e apenas uma conjectura.” (p. 15)
Mas pode ser também coincidência planejada:
· Por que a expressão “ponta de lança” está exatamente na primeira estrofe?
· Por que a estrofe que contém a expressão “batalha no ar” termina sem ponto final? (estrofe 11)
· O que significa a expressão “E não cairá tão cedo”? (estrofe 15)
· Haveria neste “não cairá” e nesta “batalha no ar” uma mensagem cifrada, uma charada a ser desvendada?
Aparentemente não: no jargão militar, quando uma cidade “cai”, não significa que esteve voando alguma vez. Mas que dizer quanto à estrofe 16?
Uma cidade atroz, ventre metálico,
pernas de escravos, boca de negócio,
ajuntamento estúpido, já treme
 com o russo em Berlim.
Que seria “ventre metálico”? o bojo de um avião da Luftwaffe a despejar morte do ar? Que vento é esse que na estrofe 13 “varre o mundo, varre a vida”? pode-se entender como o deslocamento de ar das explosões? A ofensiva militar do Exército Vermelho contra a Alemanha nazista? A batalha final? Qual batalha final?
Na estrofe 10 diz o poeta:
Nas camadas marítimas, os peixes
me devorando; e a carga se perdendo,
a carga mais preciosa: para entrar 
com o Russo em Berlim.
Pode-se entender que o poeta transmuta-se em navio – ou submarino militar? Não seria de todo ocioso que se dispusessem as estrofes do poema tal como foi proposto:
	É importante, também, perceber que a própria estrutura (observando ao lado) do poema nos parece ser metáfora de arma de guerra a ser extinta pelos que são a ela contra.
	[1]
[2 – 3 – 4 – 5]
[6 – 7 – 8 – 9 – 10]
[11]
[12 – 13]
[14]
[15]
[16 – 17]
e se procedesse à leitura. E se ela não resultar em verdadeiro delírio interpretativo, seria então indício de uma leitura possível: o Drummond-navio (tanque, submarino), o “colar de chamas”, os “trabalhadores do mundo”, o soldado russo, comandados pela esperança-general, porão abaixo o “ventre metálico” (alegorizado pela própria estrutura formal do poema). Todavia o poeta alerta: “é cidade oculta em mil”. E restará, ainda que a tremer, após a marcha sobre Berlim – posto que o poeta apela a “vós (vós, leitores?), que penetrais com o russo em Berlim” para derrubá-la, assim que desvendada.
Pode-se interpretar essa “cidade atroz, ventre metálico, / pernas de escravos, boca de negócio, / ajuntamento estúpido,” como metáfora do sistema capitalista? Essa cidade que “já treme”, “oculta em mil”, de que Berlim sob o nazismo era apenas a mínima parte? A leitura aqui proposta de Drummond de 1945 diz: sim; assim como o verso “trabalhadores do mundo, reuni-vos” clara referência ao já clássico Manifesto do Partido Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels, publicado pela primeira vez em 1848: “Podem as classes dominantes tremer ante uma revolução comunista! Nela os proletários nada têm a perder, a não ser suas cadeias. Têm um mundo a ganhar: Proletários de todos os países, uni-vos”
Acima, o poeta parodia o referido Manifesto, diz-se parodiar pois ele apropriou-se do texto e alterou-lhe o sentido de modo importante: ao dizer “reuni-vos”, Drummond está dizendo que um dia (os trabalhadores) estiveram unidos e agora não estão. Seu apelo não é pela união, mas pela reunião: não é só para os proletários, mas para todos os trabalhadores; não é somente para os países, mas para todo o mundo.
E que esperança poderia depositaro poeta em semelhante batalha? Muitas, pois conta:
· consigo, poeta-navio/poeta-tanque;
· com o “nós”, o poeta + o leitor do seu tempo;
· com o “colar de chamas” – metáfora do bloco socialista formado a partir da marcha dos soviéticos sobre Berlim?-;
· com o leitor futuro (“vós que penetrais com o russo em Berlim”), a quem caberá a revelação da “cidade atroz”, “oculta em mil”;
· e conta com o verso decassílabo heróico, que dá cadência épica (de guerra, de luta) à leitura, e é rigoroso em todas as estrofes – descontado o verso final de cada uma delas, que é repetição do título na forma de balada – e que irmana início e fim da composição: “com o russo em Berlim”.
Todos os questionamentos feitos podem ser respondidos, porém num estudo posterior e mais aprofundado do texto, haja vista a extensão do poema, assim como sua carga semântica.
Referências
ANDRADE, Carlos Drummond de. A rosa do povo. Rio de Janeiro: Record, 1998. p. 176.
BENJAMIM et al. Os pensadores. Trad. José Lino Güinnewald et al. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1975.
ECO, Umberto. Os limites da interpretação. Trad. Pérola de Carvalho. São Paulo: Perspectiva, 1995.
GARCIA, Orthon M. Comunicação em prosa moderna. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1986.
MARTINS, Wilson. A crítica literária no Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983.
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich, Manifesto do Partido Comunista, 1 ed. Londres, 1848. URSS. Edições Progresso, 1987.
NOVAES COELHO, Nelly. Literatura e linguagem. São Paulo: José Olympio, 1974.
PAGE 
12

Continue navegando