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DIFICULDADES E DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM AULA 4 Profª Simone Silva 2 CONVERSA INICIAL Querido aluno, nesta aula estudaremos sobre dificuldades e distúrbios de aprendizagem, com foco específico na disortografia. Muitas pessoas a confundem com a dislexia e a disgrafia. Citaremos algumas situações recorrentes de confusão para ajudá-lo a entender em que os transtornos se diferem. Aliás, é importante entender que distúrbio de aprendizagem não é o mesmo que deficiência ou retardo mental, autismo, deficiência física, visual ou auditiva. Também não é um distúrbio emocional nem é causado por questões relacionadas às oportunidades educacionais, seja por falta dela, seja por falta às aulas, seja por falha no ensino. Cientes então, de que disortografia constitui um distúrbio, e é diferente da dislexia, vamos entender o que é, o que causa, como se apresenta e quais são as formas de tratá-la. Pontualmente, é considerado curável pelos especialistas. TEMA 1 – DISORTOGRAFIA Uma criança foi convidada a caminhar pela escola e, ao voltar, deveria apresentar um relatório detalhado sobre tudo o que viu. Em seu retorno, não conseguiu detalhar o que observou – aliás, não se lembrava de quase nada e precisou inventar algumas situações. Essa dificuldade em contar o que presenciou não é exatamente falta de atenção, mas uma dificuldade que a criança possui em reter informações visuais que recebe. É bastante recorrente entre os psicólogos, quando precisam investigar a presença da disortografia, perguntarem na consulta, logo no início, o que a criança viu na recepção do consultório ou no ambiente que estava antes de entrar na sala de consulta. Pereira (2009, p. 9) assim define a disortografia: Perturbação que afeta as aptidões da escrita e que se traduz por dificuldades persistentes e recorrentes na capacidade da criança em compor textos escritos. As dificuldades centram-se na organização, estruturação e composição de textos escritos; a construção frásica é pobre e geralmente curta, observa-se a presença de múltiplos erros ortográficos e [por vezes] má qualidade gráfica. Em virtude da dificuldade em reter as informações visuais, a criança com disortografia exercita a escrita com base no som, ou seja, no que ouve. Ela não 3 consegue perceber os erros que comete enquanto escreve; somente ao ler o que produziu, percebe que falta alguma coisa. Os erros cometidos são sempre relacionados às regras ortográficas, e, de algum modo, as palavras soam coerentes, ainda que escritas erradas. São trocas como “ç” por “s”, o “x” pelo “ch”, a falta do “m” antes do “p” e do “b”, dúvidas a respeito de quando utilizar um “r” ou dois, ou um “s” ou dois, e assim por diante. Diferentemente, em casos de dislexia a criança utiliza letras aleatórias e desprovidas de sentido na composição do vocábulo. A criança com disortografia ainda comete erros como esquecer de pontuar a letra “i”, cortar a letra “t” ou inserir pontuação em frases e textos. Portanto, a criança com dislexia não consegue escrever e também encontra dificuldade para ler o que escreveu; já aquela com disortografia tem dificuldades para escrever, mas lê com facilidade e até percebe o erro, mas não consegue resolvê-lo. TEMA 2 – DEFINIÇÃO A definição etimológica do termo disortografia deriva de três conceitos: “dis” (desvio) + “orto” (correto) + “grafia” (escrita); ou seja, é uma dificuldade manifestada por “um conjunto de erros da escrita que afetam a palavra, mas não o seu traçado ou grafia” (Vidal, 1989, citado por Torres; Fernández, 2001, p. 76). Sendo assim, é importante entender que a disortografia (dificuldade para escrever a palavra corretamente) e a disgrafia (dificuldade para reproduzir com mínima fidelidade o traçado das letras e das palavras) são distúrbios diferentes, e a presença de uma dificuldade não impõe a presença da outra. Aliás, quem tem apenas disortografia apresenta normalmente uma letra bonita e bem legível. Menezes e Santos (2001) definem a disortografia como: Tipo de dificuldade de aprendizagem relacionada à linguagem, caracterizada por um transtorno da escrita, incluindo inversões, aglutinações, omissões, contaminações, alterações internas da palavra e como consequência, desordem na categoria e estrutura da frase. A disortografia reflete um processo cognitivo da linguagem defeituoso e não se refere à falta de correção motora. Por sua vez, como já citado, Pereira (2009, p. 9) entende a disortografia como uma “perturbação que afeta as aptidões da escrita e que se traduz por dificuldades persistentes e recorrentes na capacidade da criança em compor textos escritos”. 4 TEMA 3 – CAUSAS As causas da disortografia podem ser inúmeras. Entre muitos autores que estudam esse tema, Citoler (1996, citado por Cruz, 2009) apresenta como fatores possíveis: • problemas na automatização dos processos utilizados para a escrita, que se traduzem na produção deficiente de textos, ou seja, na construção de textos pobres, curtos e cheios de erros; • estratégias de ensino ineficazes que não geram segurança e conhecimento para o aluno, mantendo-o ignorante acerca das regras de composição escrita; • desconhecimento ou dificuldade para lembrar os processos e subprocessos necessários à escrita (deficiência nas capacidades metacognitivas de regulação e controle da referida atividade). É importante entender os aspectos que estão relacionados às causas da disortografia. São eles: • Aspectos perceptivos – estão associados a deficiências na percepção ou mesmo na memória visual; em resumo, a criança não é capaz de reter na memória o que aprendeu, especialmente a informação recebida por meio da visão; então, quando precisa transcrever o que aprendeu, ela se sente confusa, esquecendo o conteúdo, as regras e/ou trocando as informações. • Aspectos intelectuais – fazem referência a um déficit ou falta de maturidade da criança para apreender as informações relacionadas à construção das palavras por meio dos signos, no caso, as letras. • Aspectos linguísticos – são problemas de linguagem ligados à pronúncia e à articulação e/ou um conhecimento deficiente de vocabulário que vai refletir diretamente na utilização dele. Para esses casos, a melhor solução é realmente a prática, por meio da qual será capaz de ajudar o aluno a desenvolver confiança e memorizar as regras, até que o processo da escrita se torne automático. • Aspectos afetivo-emocionais – atrapalham a afirmação do processo de alfabetização e podem gerar a disortografia; geralmente a criança apresenta níveis muito baixos de atenção e de motivação. 5 • Aspectos pedagógicos – podem levar à disortografia; são os métodos, muitas vezes inadequados ou inapropriados, como utilização exagerada e repetitiva do ditado ou da leitura em voz alta, por exemplo, além de toda e qualquer ferramenta de ensino que não se ajusta às necessidades dos alunos e desrespeita o ritmo de aprendizagem deles. TEMA 4 – CARACTERIZAÇÃO Torres e Fernández (2001) explicam que uma criança com disortografia não apresenta vontade alguma de escrever, e seus textos são pobres em organização, curtos e com graves erros de pontuação e muitos e diferentes erros ortográficos. A criança também apresenta dificuldades para organizar as ideias dentro do texto. Os erros, portanto, dentro da disortografia, podem ter caráter linguístico, visuoespacial, visuoanalítico ou serem referentes ao conteúdo ou às regras ortográficas. 4.1 Erros de caráter linguístico A respeito dos erros de caráter linguístico, Torres e Fernández (2001) explicam que os mais comuns são as omissões, adições ou inversões de letras, sílabas e até mesmo troca de símbolos linguísticos que possuem sons semelhantes, como “passa”/“massa”, “faca”/“vaca”, “ver”/“ter”. Em uma palavra como hipopótamo, será naturala criança esquecer o “h” e suprimir algum “o”, que se repete muito no mesmo termo. 4.2 Erros de caráter visuoespacial Já em relação aos erros de caráter visuoespacial, Torres e Fernández (2001) explicam que a criança troca aquelas letras que se diferenciam pela sua posição no espaço, ou seja, que possuem traçado espelhado ou inverso, como “b”/”d”/”p”, ou mesmo quando determinado fonema possui dupla grafia, como “ch”/”x”, “g”/”j”. Nesses casos, é comum também a criança omitir a letra “h” das palavras quando a presença dela não “soa” dentro do fonema. 4.3 Erros de caráter visuoanalítico Nesses casos, Torres e Fernández (2001) exemplificam que a criança não consegue produzir sínteses ou associar fonemas e grafemas. Quando essas 6 situações ocorrem, as trocas de letra não possuem nenhum sentido, e ela apresenta dificuldades e lentidão para o aprendizado. 4.4 Erros relativos ao conteúdo Nesses casos, Torres e Fernández (2001) explicam que a criança apresenta dificuldades para separar as sequências gráficas de determinada sucessão fônica: ou ela une as palavras, une sílabas de palavras diferentes ou as separa incorretamente, como na frase “meu pai comprou uma bola”, que a criança pode escrever “meupai com prouma bola”. Os limites das palavras ficam confusos para esse aluno. 4.5 Erros referentes às regras de ortografia Torres e Fernández (2001) explicam que nesses casos a grande dificuldade da criança é cumprir as regras da língua falada no Brasil, a língua portuguesa. Normalmente, ela não se lembra de acrescentar a letra “m” antes das letras “b” e “p”, que é uma regra. Ela também atenta para a letra maiúscula no início das frases ou mesmo quando se trata de nome próprio e, com frequência, se esquece de pontuar as frases ou as pontua de forma equivocada. Essa criança também tem dificuldade para separar as palavras no momento da mudança de linha, não conseguindo estabelecer a divisão silábica ou utilizar corretamente o hífen. Sobre as formas como a disortografia se manifesta, Coelho ([s.d.]) sintetiza que “de uma forma geral, a característica mais comum nas crianças com disortografia é, sem dúvida, a ocorrência de erros ortográficos, sejam estes de caráter linguístico-perceptivo, visuoespacial, visuoanalítico, de conteúdo ou referentes às regras de ortografia”. Portanto, a criança com disortografia sabe e consegue ler e identificar erros, a falha é mesmo de ortografia. Para o professor e o psicopedagogo, é um dos distúrbios com maior facilidade de interação e redução, ou até mesmo cura, desde que as aulas e as interações sejam adequadas à realidade dessa criança. TEMA 5 – INTERVENÇÃO Como já explicado, a disortografia é reversível, ou seja, pode ser extinguida do processo de aprendizagem de uma criança. Mas é preciso saber 7 como encorajar e desafiar essa criança para superar esse obstáculo. Antes de tudo, é preciso entender que a intervenção não seguirá um modelo único e concreto, mas parte de um trabalho contínuo com variada adoção de técnicas que consideram, além da correção dos erros ortográficos, a análise e correção da percepção auditiva, visual e também espaço temporal da criança. Estimular as memórias auditiva e visual também é fundamental para o processo. Uma estratégia muito simples e assertiva é conversar com esse aluno sobre o que aconteceu no final de semana, onde ele esteve, provocando a necessidade de exercício da memória e também a atenção para a localização, desenvolvendo senso de tempo e de espaço com base no diálogo. Outra estratégia simples, mas fundamental, é corrigir o aluno sempre no exato momento em que o erro é identificado; se o professor ou o familiar demorarem para abordá-lo, ele nem sequer saberá qual foi o erro. Torres e Fernández (2001) destacam duas áreas importantes no processo de reeducação da criança com disortografia: a primeira está relaciona aos fatores associados ao fracasso ortográfico, e a segunda, à correção dos erros ortográficos específicos. Quando o objetivo é tratar os fatores associados ao fracasso ortográfico, o professor deve propor atividades que considerem aspectos associados à percepção, à discriminação e mesmo à memória auditiva e ou visual. Para isso, são úteis os exercícios de discriminação de ruídos, reconhecimento e memorização de ritmos, tons e melodias, e os de reconhecimento das formas gráficas, desenvolvimento e análise de figuras, procurando erros e desenvolvendo percepções como a da figura-fundo, por exemplo. É sempre importante ressaltar que todo exercício, por mais simples que pareça, ativa e estimula alguma parte do cérebro, ampliando a perspectiva e promovendo o desenvolvimento da criança, que vai observar com mais cuidado a sua escrita à medida que é submetida aos processos. Ainda sobre as intervenções relacionadas aos fatores associados ao fracasso ortográfico, os exercícios de distinção de noções espaciais básicas, que desenvolvem a consciência de direita e esquerda, em cima e embaixo e frente e atrás, são importantes para corrigir as características de organização e estruturação espacial da criança. Nesses casos, os jogos que exploram a consciência de espaço, tempo e lateralidade a ajudam a se perceber e também a perceber as próprias dificuldades com tais elementos e superando-os. Vale 8 lembrar que crianças se esforçam para participar das atividades lúdicas – no caso, as brincadeiras. Já os exercícios de consciencialização do fonema isolado, da sílaba, da soletração e até da formação de famílias de palavras e análise de frases são fundamentais para a percepção linguístico-auditiva. Nesses casos, a utilização de músicas é muito assertiva. Por fim, os exercícios que enriquecem o léxico e ampliam o vocabulário da criança também devem ser explorados. Já no segundo item apresentado por Torres e Fernández (2001), as intervenções úteis para promover a correção dos erros ortográficos específicos são variadas e contínuas. A primeira providência é observar com atenção os erros de ortografia natural e buscar eliminá-los por meio de exercícios que ajudem a rarear confusões como a de substituição de um fonema por outro ou de letras de sons semelhantes, além de omissões, adições, inversões, rotações, uniões e separações de letras, sílabas e até palavras. No caso da ortografia visual, é preciso exercitar os fonemas com dupla grafia, diferenciar sílabas e promover o reforço geral da aprendizagem. Exercícios que reafirmem as regras de uso do “h” e das regras de ortografia, como quando utilizar um “r” ou dois, quando utilizar determinada pontuação e também quando utilizar letras maiúsculas e minúsculas, além de repetir atividades que sigam a regra da inclusão do “m” antes do “p” e do “b”. Ainda é importante para o professor diferenciar o que é erro de ortografia e o que é falha na compreensão, observando a elaboração das respostas. Pontualmente, no momento da avaliação, também é relevante oferecer mais tempo para o aluno com disortografia responder às questões e ainda confirmar se ele compreendeu bem o enunciado delas. Vale lembrar ainda que, entre as estratégias de avaliação, a oralidade é uma alternativa de segurança para o referido aluno. Enfim, é sempre importante que o professor esgote as possibilidades de ensino e avaliação em proteção da aprendizagem e evolução da criança. NA PRÁTICA O grande desafio do corpo docente de uma escola e de um professor em sua sala de aula é encontrar, para cada indivíduo com dificuldades, as respostas que vão ao encontro das necessidades específicas dele. A estratégia requer a 9 mobilização de saberes das diferentes disciplinas, além do envolvimento de outros professores e da organização dos recursos que existirem. Uma vez que todas as possibilidades dentro de sala forem esgotadas, se o aluno ainda persistir em sua dificuldade, então o momento seráo de buscar ajuda com outros profissionais capazes de ofertar-lhe atendimento e direcionamento ao trabalho desenvolvido pelo professor. FINALIZANDO Encerramos aqui a presente aula sobre disortografia, que ainda representa um grande desafio aos pesquisadores do tema. Existem muitos estudos em curso a respeito de maneiras criativas e assertivas de atendimento a esse aluno, mas o mais importante é entender que é o professor quem primeiro percebe a dificuldade da criança e inicia movimentos de intervenção com o objetivo de eliminar a disortografia da vida daquele aluno. O fundamental é lembrar que qualquer que seja o procedimento adotado, o educador precisa conhecer e respeitar as reais habilidades e dificuldades enfrentadas pela criança. Só assim será capaz de planejar um conjunto de atividades que sejam capazes de reverter o quadro de disgrafia existente no processo de aprendizagem dela. 10 REFERÊNCIAS COELHO, D. T. Dislexia, disgrafia, disortografia e discalculia. Braga: CIEC, [s.d.]. Disponível em: <http://www.ciec- uminho.org/documentos/ebooks/2307/pdfs/8%20inf%c3%a2ncia%20e%20inclu s%c3%a3o/dislexia.pdf>. Acesso em: 9 nov. 2019. CRUZ, V. Dificuldades de aprendizagem específicas. Lisboa: Lidel, 2009. MENEZES, E. T. de; SANTOS, T. H. dos. Verbete disortografia. In: Dicionário Interativo da Educação Brasileira – Educabrasil. São Paulo: Midiamix, 2001. Disponível em: <https://www.educabrasil.com.br/disortografia/>. Acesso em: 10 de nov. 2019. PEREIRA, R. S. Dislexia e disortografia ‒ programa de intervenção e reeducação. Montijo: You! Books, 2009. v. I e II. TORRES, R.; FERNÁNDEZ, P. Dislexia, disortografia e disgrafia. Amadora: McGraw-Hill, 2001. http://www.ciec-uminho.org/documentos/ebooks/2307/pdfs/8%20inf%c3%a2ncia%20e%20inclus%c3%a3o/dislexia.pdf http://www.ciec-uminho.org/documentos/ebooks/2307/pdfs/8%20inf%c3%a2ncia%20e%20inclus%c3%a3o/dislexia.pdf http://www.ciec-uminho.org/documentos/ebooks/2307/pdfs/8%20inf%c3%a2ncia%20e%20inclus%c3%a3o/dislexia.pdf
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