Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Intervenção PSICOPEDAGÓGICA na Escola Intervenção PSICOPEDAGÓGICA na Escola In te rv en çã o PS IC O PE D A G Ó G IC A n a Es co la Mari Angela Calderari Oliveira 2.ª edição 2009 Mari Angela Calderari Oliveira Intervenção PSICOPEDAGÓGICA na Escola Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Es- pecialista em Psicologia Social pela PUCPR. Especialista em Psicopedagogia pelo Centro de Especialização em Psicopedagogia de Curitiba (CEP – Curitiba). Gradua- da em Psicologia pela PUCPR. Diretora Adjunta do curso de Psicologia da PUCPR e responsável técnica pelo Núcleo de Prática em Psicologia da PUCPR. Supervisora em Psicopedagogia Clínica e Institucional. Professora de Graduação e Pós-Gradu- ação da PUCPR. Professora dos cursos de Psicopedagogia da Faculdade Bagozzi e da Faculdade Espírita. Mari Angela Calderari Oliveira Sumário Um pouco mais sobre Psicopedagogia ............................ 11 Revendo alguns conceitos ..................................................................................................... 11 Algumas considerações sobre o objeto de estudo da Psicopedagogia ................ 12 A visão sistêmica e a Psicopedagogia ............................... 27 A Teoria Geral dos Sistemas ................................................................................................... 28 Psicopedagogia atuando no âmbito da instituição ..... 41 A escola enquanto instituição ............................................. 55 Os elementos do sistema escolar ........................................................................................ 59 O sistema escolar ....................................................................................................................... 62 A intervenção psicopedagógica na instituição educacional .................................................... 69 A demanda da escola para a intervenção psicopedagógica ..................................... 71 O que é “intervenção psicopedagógica”? ......................................................................... 72 Recursos psicopedagógicos para intervenção na instituição educacional ......... 74 O diagnóstico psicopedagógico: matriz diagnóstica ................................................................... 85 Matriz do Pensamento Diagnóstico ................................................................................... 87 Diagnóstico psicopedagógico: instrumentos e técnicas ......................................................... 97 Entrevista para exposição de motivos ............................................................................... 97 Enquadramento do processo diagnóstico ....................................................................... 98 Observação e análise do sintoma........................................................................................ 99 Organização do primeiro sistema de hipóteses ...........................................................100 Escolha de instrumentos de investigação ......................................................................100 Levantamento do segundo sistema de hipóteses ......................................................101 Pesquisa da história ................................................................................................................101 Terceiro sistema de hipóteses .............................................................................................101 Devolutiva e o informe diagnóstico .................................................................................102 Mudanças na ação educativa: do ensinar para o aprender ................................................113 O fazer psicopedagógico na relação educador-educando ......................................113 A afetividade na sala de aula ...............................................................................................116 O que é modalidade de aprendizagem ..........................................................................119 Contribuições da Psicopedagogia na relação família e escola ..................................................131 Contextualizando a família ..................................................................................................132 A família e os problemas de aprendizagem ..................................................................133 A relação família e escola .....................................................................................................136 Um olhar psicopedagógico sobre as dificuldades de aprendizagem ........................149 O modelo nosográfico: uma proposta psicopedagógica .........................................152 A aprendizagem sob o enfoque da Neuropsicologia ..........................................165 Aprendizagem e as bases neuropsicológicas ...............................................................165 A Neuropsicologia e o processo de aquisição da leitura e escrita .........................168 Alfabetização: o processo de leitura e escrita ...............................................................171 Princípios para trabalhar com grupos na escola .........185 O funcionamento grupal ......................................................................................................185 Algumas contribuições da técnica de grupos operativos ........................................189 Contribuições da Psicopedagogia no uso do lúdico .....................................................................199 O valor educativo dos jogos ................................................................................................201 Contribuições da Psicopedagogia no trabalho com projetos ....................................................215 Realização de um projeto .....................................................................................................216 Caixa de trabalho: uma contribuição da Psicopedagogia ............................229 Como operacionalizar a caixa de trabalho para o espaço da sala de aula .........232 Gabarito .....................................................................................241 Referências ................................................................................249 Anotações .................................................................................259 Apresentação Considerar a atuação psicopedagógica como uma possibilidade de levar o su- jeito que aprende a se tornar mais consciente e ativo no seu próprio processo de aprender, requer do psicopedagogo olhar e escuta diferenciados. Embora as fronteiras dessa atuação precisem ser definidas e delimitadas, o caráter interdisci- plinar está intimamente relacionado com a possibilidade da intervenção no pro- cesso de aprendizagem. A leitura deste livro possibilitará o conhecimento mais profundo da proposta prá- tica da Psicopedagogia, destacando a amplitude de possibilidades de interven- ção na instituição educacional. Para isso, inicialmente, será apresentada uma breve retomada da caminhada da Psicopedagogia, caracterizando seu objeto de estudo e o processo de aprendiza- gem, sob o enfoque da Epistemologia Convergente de Jorge Visca. Essa teoria faz referência à Psicopedagogia e irá nos subsidiar teoricamente para que se aproprie de um dos âmbitos da Psicopedagogia: o institucional. Dessa forma, retoma-se alguns conceitos, além de se possibilitar a construção de novos conhecimentos. O contexto em questão será a instituição educacional. Estudaremos a escola em seu status de instituição, pensando sobre sua organização e funcionamento, tendo como referencial a Teoria Geral dos Sistemas. O principal objetivo deste curso, no entanto,está focado na intervenção psicope- dagógica na escola e nas contribuições que essa área fornece como subsídio para o desenvolvimento da função do educador. Além de aspectos específicos da atuação dos profissionais que se especializam em Psicopedagogia, trataremos de aspectos que auxiliam os educadores que procuram um referencial a mais para sua função na instituição educacional. Para isso, será proposta uma reflexão sobre a relação entre educador e educando, bem como serão estudadas as contribuições da Psicopedagogia no que diz res- peito às dificuldades de aprendizagem. Serão também enfocados alguns aspectos da Neuropsicologia no que se refere à aprendizagem e à construção da leitura e da escrita. Importante também, para a Psicopedagogia, serão os capítulos sobre o trabalho com grupos e as contribui- ções do trabalho com o lúdico como modalidade de intervenção na aprendiza- gem, bem como o trabalho com projetos e a proposta psicopedagógica da caixa de trabalho. Outro aspecto bastante discutido dentro das escolas, que será enfocado nesse livro, é a relação entre família e escola, com a proposta de refletirmos sobre que contribuição a Psicopedagogia pode nos dar. Espera-se que este estudo seja muito proveitoso, de maneira que as reflexões que realizarem sejam um diferencial significativo, não só na vida profissional, mas também para uma vivência enquanto seres humanos. Revendo alguns conceitos A Psicopedagogia é uma área que desenvolve seus estudos concretizan- do seu corpo teórico e aprimorando seus instrumentos para compreender, cada vez com mais precisão, o processo de aquisição do conhecimento, isto é, o aprender do ser humano. Tomando, portanto, como referencial esse objeto de estudo da Psico- pedagogia, é perceptível a importância dessa área, diante da ampla visão que ela sugere sobre a aprendizagem. A exigência de uma ressignificação do saber sobre a aprendizagem requer do estudioso um aprofundamento em teorias que deem conta de um ser humano que se relaciona com um mundo em constante movimento. Hoje, o ser cognoscente, sujeito que está em constante busca do co- nhecimento, é visto como um ser inserido em um contexto que lhe permi- te infindáveis aprendizagens, nos diferentes âmbitos da sociedade. Retomemos, neste momento, a história da Psicopedagogia, no que se refere às visões sobre seu objeto de estudo e tentemos refletir como cada momento da história, por mais absurdo que nos pareça, teve sua im- portância para que hoje pudéssemos ter uma compreensão ampliada do processo de aprender, que vai muito além da aplicação da Psicologia à Pedagogia. O status interdisciplinar da Psicopedagogia requer do profissional um mergulho em áreas de estudo, que antes pareciam ser distantes das ex- plicações que se buscavam para as dificuldades no aprender, bem como uma transformação que perpassa níveis pessoais do profissional estudio- so dessa área. Não só o conhecimento teórico, sobre: Psicologia da Aprendizagem, Psicologia Genética, Teorias da Personalidade, Pedagogia, Fundamentos da Biologia, Linguística, Psicologia Social, Filosofia, Ciências Neurocogniti- vas, mas, principalmente, a capacidade de articular esses conhecimentos Um pouco mais sobre Psicopedagogia 12 Intervenção Psicopedagógica na Escola e manter o compromisso ético e social na prática e na investigação científica do processo de aprender, formam o alicerce da prática psicopedagógica. A proposta do aprender o aprender do outro não se concretiza se o profissio- nal da Psicopedagogia não abrir um espaço para uma escuta e um olhar clínico para seu próprio aprender, que para Alicia Fernandez (apud BOSSA, 2000, p. 24) configura a atitude psicopedagógica. Segundo Bossa (2000, p. 21), o termo Psicopedagogia distingue-se em três co- notações: como uma prática, como um campo de investigação do ato de apren- der e como um saber científico. Portanto, é importante que se tente entender a Psicopedagogia como uma área que vem, ao longo de sua história, criando um corpo teórico próprio, sistematizando instrumentos capazes de dar conta de suas investigações, não se propondo a especializar um profissional dando a ele somente parte do que lhe falta. Algumas considerações sobre o objeto de estudo da Psicopedagogia Estudando Psicopedagogia é consenso de diferentes autores que o objeto de estudo dessa área é o processo de aprendizagem. Embora esse consenso esteja presente, as definições sobre esse processo são complexas e dificilmente dão esse assunto por encerrado. Segundo Bossa (2000, p. 20), “[...] a concepção de aprendizagem é o re- sultado de uma visão de homem e é em razão desta que acontece a práxis psicopedagógica”. Portanto, não podemos ficar observando perplexos as mudanças que vêm ocorrendo. Muitas questões se impõem, levando-nos a rever antigos paradig- mas de uma ciência tradicional. Segundo Gómez e Terán (2009, p. 31) “A aprendizagem supõe uma constru- ção que ocorre por meio de um processo mental que implica a aquisição de um conhecimento novo. É sempre uma reconstrução interna e subjetiva, processada e construída interativamente”. A aprendizagem, enquanto processo de construção, define-se como um efeito que, a partir de uma articulação de esquemas, sugere a coexistência de Um pouco mais sobre Psicopedagogia 13 dimensões para possibilitar ao ser humano configurar uma dinâmica própria de funcionamento, caracterizando assim o seu processo de aprendizagem. Muitos autores descrevem essas dimensões a partir de diferentes axiomas, que perpassam as bases estruturais, funcionais, energéticas e sociais. Pain (1986, p. 13) descreve a aprendizagem como um acontecimento histórico em que coin- cidem um organismo, uma etapa genética da inteligência e um sujeito associado a outras estruturas teóricas. Nessa articulação de esquemas, pode-se incluir uma dimensão biológica de caráter estruturante, uma dimensão cognitiva de conti- nuidade biológica funcional, uma dimensão social que se insere na dimensão da cultura, provendo a educação e a dimensão afetiva que, definitivamente, perso- naliza o aprender, pois visualiza aspectos estruturais da personalidade dos agen- tes deste processo. Jorge Visca1 apresenta a aprendizagem como um esquema evolutivo com base interacionista, estruturalista e construtivista. Para ele, aprendizagem, por- tanto, é o “[...] resultado de uma construção (princípio construtivista) dada em virtude de uma interação (princípio interacionista) que coloca em jogo a pessoa total (princípio estruturalista)[...]” (VISCA, 1987a, p. 56). Tomando esses aspectos como base, é importante que a noção que se cons- trói sobre um processo de aprendizagem esteja respaldada no conhecimento das possíveis condutas aprendíveis do sujeito, dentro de um determinado con- texto sociocultural, em função das competências por ele adquiridas nos distin- tos níveis de aprendizagem. Conceitos contemporâneos sobre a aprendizagem vêm confirmar esse pen- samento quando afirmam que “A aprendizagem é um processo integral que ocorre desde o princípio da vida. Exige de quem aprende o corpo, o psiquismo e os processos cognitivos que ocorrem dentro de um sistema social organizado, sistematizado em ideias, pensamento e linguagem” (RISUENO; LAMOTTA apud GOMEZ; TERÁN, 2009, p. 32). Pain (1986), postulando fundamentos teóricos para classificar a noção de não aprendizagem como processo diferente de aprendizagem, descreve o processo de aprendizagem sistemática e assistemática como inscrito na dinâmica da trans- missão da cultura, que constitui a definição mais ampla da palavra educação. 1 Psicopedagogo argentino, que postulou a linha teórica da Epistemologia Convergente, possibilitando uma leitura do processo de aprendizagem, e entende esse processo à luz de sua teoria e o realiza pela integração da Escola de Genebra, que postula o pensamentode Piaget a cerca do desen- volvimento cognitivo, da Escola Psicanalista, que abordou a construção da personalidade, e da Psicologia Social representada por Pichon- Riviére, que estruturou seu pensamento sobre as vinculações nas relações interpessoais. 14 Intervenção Psicopedagógica na Escola Para isso, a autora descreve quatro funções da educação, que podem explicar o papel reprodutor social da escola enquanto espaço de sistematização da edu- cação, referido acima. Segundo Pain (1986), a função mantenedora da educação reproduz em cada indivíduo o conjunto de normas que regem a ação possível, sendo que a condu- ta humana realiza-se por meio da instância ensino-aprendizagem. A função so- cializadora transforma o indivíduo em sujeito, quando ele aprende modalidades de ações, regulamentadas por normas, que transformam o sujeito em sujeito social, identificado em um grupo. A função repressora conserva e reproduz as limitações que o poder destina a cada classe e grupo social, segundo o papel que lhe atribui na realização de seu projeto socioeconômico. Por fim, a função transformadora da educação, que nas contradições do sistema opera mudanças que se transmitem por meio de um processo que revela formas peculiares de expressão. Portanto, em função de um caráter tão complexo e contraditório da educa- ção, a aprendizagem se dá simultaneamente como instância alienante e como possibilidade libertadora. Essa concepção, que a autora nos postula, possibilita um entendimento mais amplo da necessidade de fazermos uma leitura do processo de aprendizagem além dos muros da escola. É necessário que se descompatibilize o processo de exercício de poder, por meio do qual a escola efetiva a aprendizagem, para que possamos começar a visualizar a gama de relações que se estabelece frente aos diversos contextos que inserem o sujeito na construção de seu conhecimento. A aprendizagem é um processo que não se restringe somente à escola. Esta é apenas um meio que promove a aprendizagem, pois o processo é produzido no sujeito nas mais diferentes situações. O meio cultural ao qual pertence lhe impõe situações que são por ele transformadas, algumas em bens pedagógicos. Partindo dessa concepção de aprendizagem, podemos conceituá-la como uma construção que nasce da interação de aspectos estruturais ou cognitivos e energéticos ou afetivos, reagindo num determinado contexto social, tornando-se um processo específico e individualizado, constituindo a modalidade de aprendi- zagem, ou seja, o jeito de aprender de cada um. A visão da Epistemologia Convergente, proposta por Jorge Visca (1987a, p. 58), justifica teoricamente essa concepção, propondo uma leitura com base Um pouco mais sobre Psicopedagogia 15 na integração da Escola de Genebra, da escola Psicanalista e da Psicologia Social. Portanto, a aprendizagem apresenta-se como um esquema evolutivo, a partir de três axiomas: o interacionista, o estruturalista e o construtivista. Dessa forma, o sujeito sempre é visto a partir de uma unidade de análise que envolve o grupo no qual este está inserido, a instituição que contém este grupo, bem como a comunidade à qual a instituição pertence. Essa macrovisão dá conta da percepção da inserção cultural do sujeito, facilitando a compreensão do estabelecimento de seu processo de aprendizagem, enquanto processo de produção e estabilização de conduta. A visão interacionista da Escola Psicanalista propõe um pensamento baseado em duas classes de interação: Interação interpsíquica � – acontece entre o sujeito em relação com o meio, percebendo o que acontece entre ele e o seu meio externo, sua ca- pacidade de reconhecer as individualidades, pensando no processo inter- no da unidade de análise, sujeito grupo instituição comunidade. Interação intrapsíquica – � acontece entre o sujeito e ele mesmo, sua ca- pacidade de conhecer-se e administrar seus sentimentos considerando seus aspectos afetivos ou energéticos e cognitivos ou estruturais, respal- dados em bases biológicas. Na proposta estruturalista, baseada na escola da Psicologia Social de Pichon Riviere, a aprendizagem não é uma função isolada, pois toda a personalidade compromete-se com a aprendizagem, a conduta é sempre modificada em um todo integrado. Podemos pensar sob o foco de duas perspectivas: histórica ou evolutiva, unidade de análise da personalidade, e a histórica ou situacional, sendo a unidade de análise da conduta. O interjogo dinâmico desses sistemas, entre si e com o meio, é o que permite a evolução de cada nível e de um todo caracteri- zando o movimento da aprendizagem. A visão construtivista, baseada na Escola de Genebra, da Epistemologia Ge- nética de Piaget, concebe a aprendizagem em função de uma construção que se dá a partir do intercâmbio entre sujeito e meio, onde estruturas mais primitivas, genéticas são bases para estruturas mais complexas. A construção é concebida nas relações entre a lógica e a aprendizagem, sendo que a compreensão e o uso de estratégias diante de objetos e novas situações dependem do nível de ativi- dade lógica de quem aprende. 16 Intervenção Psicopedagógica na Escola Portanto, o Esquema evolutivo da aprendizagem (fig.1), proposto por Visca (1991, p. 27), respaldado teoricamente por estes três axiomas descritos, propõe que a partir do nascimento, quando o sujeito, como organismo biológico, entra em contato com o meio na interação recíproca com a função materna, não ne- cessariamente a mãe biológica, que assume a função de iniciar o contato físico e emocional da criança com o mundo, vai estabelecendo uma matriz de aprendi- zagem, a qual vai ser um referencial para as diversas aprendizagens futuras que vão surgindo. (V IS CA , 1 99 1, p . 2 7) Sujeito Meio Substrato biológico Protoaprendizagem Deutero- aprendizagem Aprendizagem assistemática Aprendizagem sistemática 1.º nível de aprendizagem 2.º nível de aprendizagem 3.º nível de aprendizagem 4.º nível de aprendizagem Instituições escolares Comunidade restrita Grupo familiar Mãe Figura 1 – Esquema evolutivo da aprendizagem. Nessa visão, a aprendizagem é um processo de continuidade genética que, com as diferenças qualitativas que vão sendo observadas na sua evolução, per- mite que se identifique quatro importantes níveis, que vão de certa forma es- tabelecendo o processo particular de aprender de cada um de nós. Segundo Visca (1991, p. 22), “este modelo concebe a aprendizagem como uma construção intrapsíquica com continuidade genética e diferenças evolutivas, resultantes das precondições energéticas/estruturais do sujeito e das circunstâncias do meio”. O primeiro nível que se identifica é o nível da protoaprendizagem, que significa as primeiras aprendizagens e estabelece-se a partir das primeiras relações vincu- lares (afetivas e cognitivas), até o momento que por transformações qualitativas o sujeito começa a entrar em contato com o seu meio familiar. Um pouco mais sobre Psicopedagogia 17 Nesse nível, a função materna coloca-se como um objeto privilegiado, ao mesmo tempo mediador das características culturais, das características da história familiar e da sua situação atual. Nesse momento, é como se o sujeito estabeleces- se um limite que, segundo Visca (1991, p. 37), é uma “placenta biológica”, a qual se constitui a partir do grau de sensibilidade entre o sujeito e sua mãe. Os pro- cessos inter e intrapsíquicos operam cognitiva e afetivamente, e podem, em um movimento de desenvolvimento irregular ou regular, apresentar três momentos: o de indiscriminação, no qual os sistemas cognitivo e afetivo encontram-se indife- renciados, passando para o momento da discriminação, quando os sistemas cog- nitivo e afetivo vão se diferenciando, sendo que uma parte do afetivo investe no aspectomotor e, por fim, o momento da integração quando o sitema motor dá lugar ao aparecimento do simbólico, e esse à construção da cognição operativa. Há, na verdade, uma transformação do nível biológico em protoaprendizagem, ou seja, transformam-se algumas condutas da mãe em protoaprendizagens do filho. O intercâmbio entre o interno e o externo permite um processo de enri- quecimento do sujeito em função do qual se opera o crescimento psicológico, implicando tanto em uma construção afetiva como cognitiva. Esta configuração vincular inicial Visca (1991) chamou de Matriz de Aprendizagem. O segundo nível proposto é o da deuteroaprendizagem, que significa a segun- da aprendizagem, e vai sendo elaborada pela interação e pelas trocas entre o sujeito que chega ao nível da protoaprendizagem e seu grupo familiar. Segundo Visca (1991, p. 52) é nesse segundo nível que se inicia a função semiótica, descri- ta por Piaget, que é a capacidade que o indivíduo tem de gerar imagens mentais de objetos ou ações e que permite a evolução do pensamento. Esse segundo nível prolonga-se até que o sujeito, já com uma maior plasti- cidade de relacionamentos e ampliando seu universo de aprendizagens, con- diciona novas percepções de mundo, diversificando o investimento de suas es- truturas cognitivas e energéticas. Existem processos inter e intrapsíquicos, mas a diferença substancial está no fato da criança tomar como principal objeto de interação os membros do grupo familiar e as relações dos mesmos entre si e também com os objetos animados e inanimados, as que se dão em função de uma escala de valores. A vinculação com sua mãe ainda tem continuidade, porém, esta adota, na maioria dos casos, uma posição que permite a participação de terceiros, facili- tando a construção destse nível mais elaborado. 18 Intervenção Psicopedagógica na Escola No terceiro nível, com um grau de sensibilidade já bem mais ampliado, o su- jeito passa a entrar em contato com os diferentes eixos, as características cul- turais amplas bem como o espaço geográfico de sua convivência rotineira e particular relacionados com sua comunidade próxima, passando a internalizar uma instrumentalização que lhe fornece conhecimentos, atitudes e destrezas, permitindo-lhe um acesso à sociedade culturalmente definida, a qual ele está inserido. Esse nível é denominado aprendizagens assistemáticas, pois, segundo Visca (1991, p. 26), [...] o caráter assistemático é dado, não porque nos âmbitos intrapsíquico e social falte organização de seus fatores constitutivos, mas sim porque intercâmbios propostos pelo meio carecem do nível da consciência, graduação, ritmo e metodologia com que se efetivam nas instituições educativas. Caracteriza-se por um período em que o sujeito entra em contato com os níveis mais complexos de sua cultura (eixo vertical). Por outro lado, conhe- ce apenas lugares próximos, como seu bairro, sua cidade (eixo horizontal). No entanto, esse processo das aprendizagens assistemáticas é importante para o desenvolvimento do ser humano e indispensável para que as aprendizagens sis- temáticas realizem-se com verdadeira significação, permitindo sua instrumenta- ção em função da cultura, à qual o sujeito pertence. Evidencia-se que a modali- dade de aprendizagem nasce na forma que o sujeito opera com a realidade nas aprendizagens assistemáticas. No quarto nível, passa a estabelecer uma relação mais íntima com objetos e situações que a sociedade veicula por intermédio das instituições educativas, que para Visca (1991, p. 26) organizam-se [...] a partir do nível da educação primária, o qual possui subestágios: o das aprendizagens instrumentais, o de conhecimentos fundamentais, o de aquisições transculturais, o de forma- ção técnica e o de aperfeiçoamento profissional; cada um dos quais implica em uma maior descentralização, objetividade e instrumentalização. Aprendizagem sistemática é como se denomina esse nível que realiza a trans- formação dos bens culturais de uma sociedade em bens pedagógicos, que tem como base as aprendizagens instrumentais da leitura, escrita e conceitos matemáticos. Como um processo construtivo, essas aprendizagens vão abrindo caminho aos conhecimentos fundamentais sobre o espaço geográfico, histórico e cultural, para mais tarde se estabelecer na percepção daquilo que vai além da experiência temporoespacial, abrangendo as aprendizagens transculturais. O ápice desse processo dá-se quando o sujeito tem a possibilidade de formar-se tecnicamente, bem como de aperfeiçoar-se profissionalmente. Um pouco mais sobre Psicopedagogia 19 Com a sistematização deste último nível tem-se o fechamento do esquema que propõe a aprendizagem como um processo evolutivo, tendo seu início nas primeiras interações do sujeito biológico com a função materna, que o acolhe, estabelecendo uma matriz de aprendizagem que regulará o percurso do sujeito por estes níveis descritos. Tomando esses aspectos como base, é importante que a noção que se constrói sobre um processo de aprendizagem esteja respaldado pelo conhecimento das possíveis condutas aprendíveis do sujeito, dentro de um determinado contexto sociocultural, em função das competências por ele ad- quiridas, nos distintos níveis de aprendizagem. Retomar alguns conceitos sobre a Psicopedagogia e seu objeto de estudo no enfoque da Epistemologia Convergente nos leva a pensar a aprendizagem como um processo de construção que não se satisfaz com uma visão reducionista do ato de aprender. O sujeito que busca o conhecimento pode ser caracterizado como um sujeito inteiro, constituído de diferentes dimensões: biológica, afetiva, relacional, funcional, cultural, que interagem entre si, e é capaz de construir um conhecimento do seu ambiente natural e sociocultural bem como um conheci- mento sobre si mesmo (BARBOSA et al., 2007, p. 40). A Psicopedagogia como uma área de estudo e especialização vai nos pos- sibilitar criar estratégias que busquem caminhos para a potencialização dessa capacidade de aprender traçada pela história das teias de relações universais de cada um. Texto complementar Psicopedagogia: superando a fragmentação do conhecimento e da ação (NOFFS, 2009) Causa-me perplexidade esta reação de ataque e não de diálogo do Con- selho Federal de Psicologia. Já presenciei esta ação quando a própria Psico- logia, ao diferenciar-se da Psiquiatria, exigiu respeito às suas ideias, ao novo que emergia. 20 Intervenção Psicopedagógica na Escola A Psicopedagogia é uma interseção entre a Psicologia e a Pedagogia? Não. Ela é um novo conhecimento que nasce a partir da interseção, é a própria interseção. Isso significa que tanto destas disciplinas, quanto de outras como: filosofia, linguística etc. são selecionados conhecimentos espe- cíficos que colaboram na compreensão do objeto da Psicopedagogia (que é o processo de aprendizagem, como se constrói o conhecimento) dessa forma, quem fez curso específico de Psicologia, e de Pedagogia, não encon- trará necessariamente a Psicopedagogia. Ela é uma ação que nasce desse conhecimento interdisciplinar, mas essa ação é voltada para subsidiar o sujeito cada vez mais em sua própria aprendi- zagem, nesse sentido, o processo de aprendizagem é que é estudado criterio- samente pela Psicopedagogia, bem como as dificuldades dela decorrentes. Qual o objeto de estudo da Psicopedagogia? O objeto de estudo é o processo de aprendizagem, o processo utilizado pelo sujeito enquanto construtor de seu conhecimento. Algumas pessoas, ao estudarem aprendizagem, entendem que o contrário da aprendizagem é a dificuldade da aprendizagem, mas não entendo desta forma, o contrário da aprendizagem é a não aprendizagem. As causas da não aprendizagem podem ser de três naturezas distintas: a) Não aprenderam porque não passaram por um processo sistemático de ensino; b)Foram ensinadas, mas por algum motivo externo ao sujeito (didática do professor, filosofia da escola, número de alunos por classe, proble- mas sociais, culturais etc.), não aprenderam; c) Finalmente não aprenderam por dificuldades individuais específicas (orgânicas e emocionais). Cabe ao psicopedagogo inicialmente diferenciar as situações facilitado- ras/dificultadoras pelas quais as pessoas passaram resgatando seu proces- so (incluindo na história de vida a aprendizagem), exemplo: Como andou? Como falou? Como se adaptou à escola? Como reagiu frente às tarefas esco- lares... Posteriormente identificar o quando e o porquê. [...] Um pouco mais sobre Psicopedagogia 21 Há no mercado cursos que atendam essa especificidade? A partir da nova LDB de número 9.394/96 houve uma abertura para novos cursos que atendessem à necessidade do futuro. É a responsabilidade de pessoas no presente que propiciem a sobrevivência do homem em uma sociedade de mudanças. Convivíamos antes da LDB com a Resolução 12/83 que criava cursos de pós-graduação, em nível de especialização e aperfeiçoamento, que se desti- navam à qualificação de docentes para o magistério superior e que tinham a duração mínima de 360h, não computando o tempo de estudo individual ou em estudo sem assistência docente. Simultaneamente convivíamos com o curso de pós-graduação stricto sensu, cuja intenção era o aprofundamento de um conhecimento de uma determinada área que culminaria na construção de novas ideias que benefi- ciassem a sociedade como um todo. Porém, em 16/12/1998, foi criada a Por- taria 80 da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) para o aprimoramento de conhecimento ou técnicas de investigação científica, tecnológica ou artística, visando uma atuação mais dinâmica e efetiva no mercado. Foi denominado de mestrado profissionalizante, uma vez que não impli- ca na eliminação do mestrado anteriormente denominado acadêmico, sua intenção é desenvolver capacidades de concepção e elaboração de projetos, visando à área profissional garantindo a compreensão e resolução de pro- blemas imediatos, porém direcionadas para o futuro. Ou seja, a sociedade exige profissionais, com perfis diferenciados e habi- lidades específicas para enfrentar um mercado diversificado e em constante renovação, nesse sentido o psicopedagogo se apresenta como um dos que atendem a essa nova necessidade, o que justifica a sua formação em nível de pós-graduação. É o encontro da universidade com as exigências da socie- dade. Nesse encontro se exige do profissional maturidade, experiência pro- fissional mínima, e ter passado por um processo de aprendizagem reflexiva e consciente. Isto só é atingido num processo de interação, ação, atuação, e construção de conhecimento “útil” às pessoas. Inicialmente a pós-graduação lato sensu, com 360h apenas, propiciava uma especialização sem a intenção de profissionalizar, porém a Psicopedagogia de 22 Intervenção Psicopedagógica na Escola forma intuitiva já propunha essa formação com uma carga horária e exigên- cia acadêmica maiores, aproximando-se das ideias envolvendo atualmente o mestrado profissionalizante. Em minha compreensão a Psicopedagogia neste momento deveria fazer parte das pós-graduações em nível de mestrado e não em nível de lato sensu, os cursos nos quais trabalho já vivem isso há muito tempo. Esta nova profissão estaria criando uma nova reserva de mercado? É comum encontrarmos atualmente em cada família, uma pessoa que precise de apoio em seu processo de aprendizagem, estas famílias têm pro- curado psicopedagogos na tentativa de entender o que está acontecendo com seus filhos, afastando-se de “rótulos” precipitados. O que buscam é o atendimento que facilite o retorno de seu filho ao pro- cesso de aprendizagem escolar e não mais subsídios familiares que protelam de forma muito significativa este retorno. A família não nega seu problema, porém ela espera o atendimento à escolaridade de seu filho reduzindo a re- petência, a evasão, a troca de escola como soluções aos problemas escolares e a ajuda efetiva junto aos profissionais da escola e à própria família. O psico- pedagogo participa ativamente em parceria com profissionais de diferentes áreas como: psicólogos, fonoaudiólogos, médicos etc., sem perder a sua es- pecificidade e nem utilizar instrumentos que são exclusivos de outras áreas como testes psicológicos. Esse atendimento ocorre em nível clínico e a regulamentação dessa profis- são permitirá a expansão desse atendimento às diferentes camadas sociais. Nossas crianças empobrecidas têm esse atendimento clínico junto aos cursos de formação em Universidades como: PUC de São Paulo, Faculdade São Marcos, UNI Santana, Universidade Potiguar, Instituto Sedes Sapien- thiae, além de trabalhos específicos como em Brasília junto às Secretarias de Educação etc. Essa profissão cria um novo mercado de trabalho e não uma reserva, visto que já há mais de 30 anos os psicopedagogos atuam. Um pouco mais sobre Psicopedagogia 23 Como Doutora em Educação, como entende esta reação do Conselho Fe- deral de Psicologia, quando ataca veementemente a questão da profissiona- lização do psicopedagogo? Causa-me perplexidade essa reação de ataque e não de diálogo. Já presenciei essa ação quando a própria Psicologia, ao diferenciar-se da Psiquiatria, exigiu respeito às suas ideias, ao novo que emergia. Cuidar do sujeito psíquico não poderia ser exclusividade de psiquiatras e sim de parceria entre psiquiatras e psicólogos. O conhecimento psicológico é inicialmente retirado da psiquiatria e nem por isso se confundia, ou invadia campos. Surgia um novo fazer que na opi- nião (inicial) dos psiquiatras era inconsistente, pois lidar com o sujeito psí- quico requeria lidar com patologias e medicamentos apropriados, abrir mão deste fazer significaria não favorecer a cura do sujeito, protelar a solução. Psiquiatras aceitaram os argumentos dos psicólogos. Várias escolas preferem profissionais formados em Psicopedagogia. Lega- lizar essa profissão amplia o mercado de trabalho para pedagogos e psicólo- gos que convivem harmoniosamente no momento da formação. Não aceito os argumentos que o fazer psicopedagógico deveria acontecer naturalmen- te na ação dos professores. Lido com eles a mais de 30 anos, e esse conheci- mento não fragmentado, ainda não chegou com essa força, pois a tendência (psicologizar ou pedagogizar) ocorre. Só uma formação específica gera um fazer específico. [...] Dica de estudo Psicopedagogia: um modelo fenomenológico, de Roseli B. Laurenti, Editora Vetor. Essa obra relata o percurso que a autora fez com base no método fenome- nológico com o objetivo de aprimoramento de atitudes frente o processo de aprendizagem. O percurso da autora reflete experiências vividas com crianças e adolescentes acerca da essência do fenômeno da aprendizagem e seus obstácu- los. Descreve a possibilidade da compreensão do objeto de estudo da Psicope- dagogia sob uma ótica fenomenológica. 24 Intervenção Psicopedagógica na Escola Atividades 1. Comente a seguinte afirmativa, tomando como base a proposta teoria da área de estudo da Psicopedagogia: “A Psicopedagogia utiliza-se de diversas lentes para compreender o processo de aprendizagem”. 2. Assinale a alternativa que explica de que forma a visão da Epistemologia Convergente sobre o processo de aprendizagem auxilia o psicopedagogo a ressignificar sua concepção sobre esse processo. a) Porque lhe fornece um maior número de instrumentos formais para ava- liar a aprendizagem. b) Porque constrói uma noção de aprendizagem que parte das possíveis condições aprendíveis do sujeito, considerando o contexto sociocultural e seus diferentes níveis de aprendizagem. c) Porque o psicopedagogo tem a possibilidade de diagnosticar o alunoem sala de aula. d) Porque ela traz em sua base a teoria da Epistemologia genética de Piaget. Um pouco mais sobre Psicopedagogia 25 3. Relacione a coluna da direita com a da esquerda, de maneira que os concei- tos sobre os âmbitos de atuação da Psicopedagogia se complementem. ( 1 ) Âmbito clínico ( ) Indivíduo e grupos ( 2 ) Âmbito institucional ( ) Indivíduo ( 3 ) Âmbito clínico e institucional ( ) Comunidade ( ) Instituição educacional Tendo como proposta básica a ampliação do olhar sobre o processo de aprendizagem, a Psicopedagogia procura proporcionar aos seus estu- diosos uma mudança nesta visão, o que também vai atingir a visão de homem e de mundo. Isso significa que quando o profissional se submete a um processo de especialização na sua formação, observa-se a necessi- dade de uma mudança que não alcance somente a dimensão profissional, mas sim a inteireza desse sujeito. Transpor paradigmas não é tarefa fácil. O enfrentamento de uma nova situação e de um novo fazer traz medo e insegurança. Porém, atualmente, é impossível pensarmos em um profissional, respaldado pela Psicopeda- gogia, atuando com paradigmas mecanicistas e reducionistas. Para mudar, é preciso viver a mudança. Nenhum profissional trans- põe paradigmas se estes não forem vividos em cada papel que esse ser humano assume no seu contexto social. Portanto, teremos a construção de um novo profissional se ele também for um novo filho, uma nova mãe, uma nova usuária do transporte coletivo, um novo colega de trabalho etc. É preciso mudar por inteiro, é preciso aprender a aprender, é preciso res- significar a experiência de vida em novas e saudáveis aprendizagens. Dessa forma, propomos uma teoria que auxilia o psicopedagogo a al- cançar o objeto do seu estudo – a compreensão do processo de aprendi- zagem do sujeito que busca o conhecimento. A Teoria Geral dos Sistemas propõe uma nova abordagem de mundo, de homem, de sociedade, e portanto ela não é específica para a Psicope- dagogia, auxiliando várias outras áreas de estudo com o mesmo objetivo de ampliar o olhar para um determinado fenômeno. Segundo Gasparian (1997, p. 19), “[...] o conceito de sistemas, invadiu vários campos da ciência e penetrou no pensamento popular, na gíria e nos meios de comunicação da massa. O pensamento, em termos de sistemas, desempenha um papel dominante, em uma ampla série de campos.” A visão sistêmica e a Psicopedagogia 28 Intervenção Piscopedagógica na Escola Para a Psicopedagogia, seus pressupostos vêm ao encontro da necessidade desse profissional entender a construção da aprendizagem a partir de uma rede de relações e dinâmicas que envolvem o sujeito da aprendizagem. É importan- te, não só para o profissional da clínica psicopedagógica, que caracteriza como seu cliente a rede de relações que sustentam o “paciente identificado” que se identifica por ser possuidor de dificuldades, transtornos, deficiências etc., como também, e principalmente, para o profissional que trabalha no âmbito da insti- tuição, pois esta é caracterizada por ser um sistema. Essa importância reside no fato de essa teoria oportunizar ao psicopedagogo uma melhor análise da dinâmica das relações entre os elementos envolvidos no processo, o que auxilia na visão sobre o ensinar e o aprender, que é básica na instituição educacional. A Teoria Geral dos Sistemas, por oferecer referências teóricas úteis à compreensão das leis que regulam os sistemas vivos, torna-se um modelo epistemológico cada vez mais eficaz para os profissionais que, trabalhando com a escola e com as famílias, podem utilizar os modelos elaborados a partir de observação do comportamento de apenas um indivíduo. (GASPARIAN, 1997, p. 35) A Teoria Geral dos Sistemas A palavra sistemas não surgiu no vocabulário de várias ciências de uma hora para a outra. As raízes dessa evolução são complexas. Usaremos as reflexões que Maria Cecília Gasparian faz em seu livro Psicopedagogia Institucional Sistêmica (1997, p. 19) sobre essa evolução, para situar o pensamento sistêmico. Quando a máquina passa a fazer parte do cotidiano do homem, muitos com- portamentos que antes não suscitavam dúvidas e incompreensão começam a ser estudados nas mais diversas áreas. Os problemas econômicos, sociais e polí- ticos entram em jogo, bem como a relação entre homem e máquina. Para Gasparian (1997, p. 19), um fator diferencial nestas modificações sociais está relacionado ao surgimento da engenharia dos sistemas e dos campos que se especializaram nas ciências dos computadores. “Esse importante fator não é apenas a tendência da tecnologia em fazer as coisas maiores e melhores; trata-se de uma transformação nas características básicas de pensamento” (GASPARIAN, 1997, p. 19). O homem se vê obrigado a lidar com questões mais complexas que envol- vem a percepção de totalidades. O pensamento mecanicista e reducionista, que leva a uma visão unidirecional, não dá mais conta da demanda do pensamento A visão sistêmica e a Psicopedagogia 29 científico. Pensar sobre o esquema causa-efeito, isolando fatos e comportamen- tos, tornou-se insuficiente, especialmente para as ciências biossociais. A ideia dessa teoria, que transforma o pensamento das partes para o todo, foi introduzida pelo biólogo Ludwig Bertalanffy, na década de 1920. As lacunas existentes na pesquisa e na teoria da Biologia levaram esse cientis- ta a pensar os fenômenos da vida de uma forma mais sistêmica, isto é, deixar de lado a visão mecanicista que negava o todo. “Ele advogava uma concepção organísmica na Biologia, que acentuasse a consideração do organismo como uma totalidade ou sistema e visse o principal objetivo das ciências biológicas na descoberta dos princípios de organização em seus vários níveis” (GASPARIAN, 1997, p. 20). Conceitos e propriedades do pensamento sistêmico A Teoria Geral dos Sistemas nos proporciona uma mudança no modo de pensar sobre os fenômenos. Portanto, propõe alguns conceitos que devem ser considerados. Para essa teoria, as propriedades das partes só podem ser enten- didas a partir da dinâmica do todo. A teia inseparável de relações leva o sistema a caminhar como um bloco, agindo e interagindo para sua evolução. Da mesma forma, não há uma estrutura estática, o movimento interno de cada estrutura leva à visualização de um processo. Na concepção do pensamento sistêmico, as teorias científicas devem incluir a compreensão do processo de conhecimento, isto é, passam de uma ciência objetiva para uma ciência epistêmica. Para Gasparian (1997, p. 26), “[...] à medida que a realidade é percebida como uma rede de relações, as descrições de um indivíduo formam igualmente uma rede interconexa representando os fenôme- nos observados. Não há hierarquias nem alicerces”. Para essa teoria, a dinâmica das relações não deixa que se tenha uma com- preensão completa e definitiva da realidade: todas as teorias e descobertas são limitadas e aproximadas. Esses conceitos são fundamentais para o fazer psicopedagógico na instituição. Nela, o psicopedagogo volta-se para trabalhos em grupo. Ele desfoca sua ação da parte, que é o indivíduo, para o todo, que são os grupos. Na sua inter-relação, os grupos formam o todo da instituição. Portanto, para o psicopedagogo, o im- portante é compreender o processo histórico de funcionamento e estabeleci- 30 Intervenção Piscopedagógica na Escola mento da estrutura maior que é a instituição a partir das redes de relação. Esse pensamento amplia sua visão e lhe dá maior flexibilidade para agir e compreen- der o estado atual da organização, isto é, como ela se caracteriza hoje. Tomando como base a interpretação dada por Jorge Visca (1999) às unidades de análise (fig. 1) que se articulam e aprendem mutuamente, consideramos os conceitos da abordagem sistêmica fundamentais paracompreensão da ampli- tude e flexibilidade da ação psicopedagógica. Cada unidade de análise, sujei- to, grupo, instituição e comunidade, é a representação do organismo vivo que aprende, sendo que uma influencia a outra e cada uma possui elementos consti- tutivos que movimentam-se em interação constante em seu interior. Os elemen- tos constitutivos do sujeito são as estruturas afetiva e cognitiva, caracterizando uma aprendizagem intrapsíquica. Do grupo, são o conjunto de indivíduos e as estratégias e mecanismos interpsíquicos, caracterizando a aprendizagem intra- grupal. Na unidade instituição, os elementos constituintes são o conjunto de grupos e as estratégias e mecanismos intergrupais, que caracterizam a aprendi- zagem institucional e, na unidade comunidade, esses elementos se caracterizam como o conjunto de instituições e os mecanismos e estratégias comunitárias, concebendo a aprendizagem comunitária. Figura 1 – Unidades de análise. (V IS CA , 1 99 7. A da pt ad o) SUJEITO GRUPO INSTITUIÇÃO COMUNIDADE Âmbito Clínico Âmbito Institucional Seria importante, neste momento, levantarmos o conceito de sistema: con- junto de elementos materiais ou não que dependem reciprocamente uns dos outros, de maneira a formar um todo organizado (GASPARIAN, 1997, p. 27). Um sistema pode ser aberto ou fechado, dependendo do grau de trocas que estabelece com outros sistemas de seu ambiente. A escola, por exemplo, pode ser considerada um sistema aberto, pois o movimento constante de seus mem- bros proporciona uma interação com elementos de outros sistemas. Esse movi- mento de entrada e saída leva o sistema aberto a uma organização controlada pela informação e abastecida pela energia. A visão sistêmica e a Psicopedagogia 31 Podemos dizer que um sistema aberto possui algumas propriedades funda- mentais para a compreensão da organização e funcionamento das instituições, dentre elas a escola. Essas propriedades podem ser definidas como abaixo. Causalidade circular � : nada pode ser entendido sem estar relacionado com a circularidade das reações entre os elementos de um sistema. Pode também ser conceituada como retroalimentação ou feedback. Este concei- to vem para contrapor a causalidade linear, na qual só uma causa é rela- cionada com um efeito. Para Gasparian (1997, p. 28), “[...] nessa mesma concepção, todos os elementos de um dado processo, no caso da instituição escolar, mo- vem-se juntos. A descrição do processo é feita em termos de relação de informações e organização entre seus membros. “ O psicopedagogo, internalizando o pensamento sistêmico na sua prática, será capaz de perceber a escola na sua funcionalidade, identificar um circuito de retroalimentação no qual cada sujeito afeta e é afetado pelo todo da instituição. A intervenção, propriamente dita, conduzirá a instituição a uma nova visão de si mesma, como um todo. Por exemplo, a dificuldade de aprendizagem de um aluno, que antes se pensava ser resultado de um déficit do próprio sujeito, pode agora ser pensada a partir da rede de relações que envolve esse aluno, ou seja, suas relações escolares e familiares. O conceito de causalidade circular afirma, portanto, que um todo não possui começo nem fim e qualquer tentativa por parte do psicopedagogo de transferir responsabilidades para onde o problema começou é tão inapropriada quanto a atitude da classe em atirar sobre os membros sintomáticos a culpa de serem a fonte do problemas. (GASPARIAN, 1997, p. 29) Homeostase ou equilibração (movimento) � : é um processo que leva à mudança, à transformação. O caráter dinâmico de um sistema aberto ca- racteriza o grau de funcionamento sadio desse sistema, a partir da per- cepção que esse mesmo sistema tem da necessidade de buscar trocas, de flexibilizar suas fronteiras. Portanto, o sistema aberto que busca esse equilíbrio, essa homeostase, mostra-se capaz de mudar, de realizar trocas e, a partir da retroalimentação ou feedback, ampliar desvios de padrões rígidos e imutáveis de interação que o sistema quer manter. 32 Intervenção Piscopedagógica na Escola O psicopedagogo que atua na instituição educacional deve estar atento a como a escola funciona em relação às novas situações que deve enfrentar. Por exemplo, a necessidade de ter a família mais perto do sistema escolar pode causar resistências e dificultar o movimento da escola em abrir suas portas para a família de seu aluno. Para Gasparian (1997, p. 32), “[...] caberá ao psicopedagogo articular as relações entre os subgrupos, para que não ocorram disfunções nos padrões de interação e para que possa haver uma harmonia entre o ensinar e o aprender e, consequentemente, um avanço para transformações.” Equifinalidade � : em qualquer sistema, comportamentos diferentes podem levar à mesma consequência. Os mesmos resultados podem derivar de condições iniciais diferentes e resultados diversos podem advir de circuns- tâncias semelhantes, o que indica que os parâmetros do sistema predomi- nam sobre as condições iniciais. Para o psicopedagogo, esta propriedade é importante no trabalho junto aos professores, quando estes tendem a mitificar a construção da queixa escolar a partir de um pensamento linear e de uma desresponsabilização frente ao fracasso escolar. Globalidade ou totalidade � : também pode ser considerada uma proprie- dade do pensamento sistêmico, pois em um sistema não há mudança somente em partes: se uma parte muda, o todo também sofrerá uma mu- dança. O planejamento da prática interventiva do psicopedagogo deve estar sintonizado com esta propriedade, pois ele deverá ser capaz de atuar num determinado conjunto de elementos, ou nos subsistemas, para atingir o todo da instituição. Na visão psicopedagógica, o pressuposto sistêmico, vem ao encontro da ne- cessidade de entender a construção da aprendizagem, a partir da dinâmica e das relações entre os elementos envolvidos no processo, e auxilia na visão sobre o ensinar e o aprender, que é básico na instituição educacional. Compreender o processo histórico de funcionamento e estabelecimento da estrutura maior que é a instituição, a partir das redes de relação, amplia a possibilidade de visão em rela- ção à aprendizagem e confere uma maior flexibilidade de atuação e compreensão da situação atual da instituição, isto é, como ela se caracteriza no aqui e agora. Segundo Oliveira (2009) desfocar a ação da parte, que é o indivíduo, para o todo, que são os grupos, que na sua inter-relação formam o todo da instituição, A visão sistêmica e a Psicopedagogia 33 parece ser fundamental na atuação junto à instituição educacional. Internalizar o pensamento sistêmico, para uma leitura psicopedagógica, supõe uma capa- cidade de perceber a escola na totalidade de seu funcionamento e de sua es- trutura, seu espaço de conhecimento e relacional, identificando um circuito de retroalimentação, onde cada sujeito afeta e é afetado pelo todo da instituição. Texto complementar Psicopedagogia sistêmica na instituição para crianças com dificuldades de aprendizagem (POLITY, 2009) Não podemos ainda esquecer da força sistêmica. O sistema tem uma força brutal. Se colocarmos uma criança mais frágil num sistema onde ela vai ser engolida, isso não pode ser bom em hipótese alguma, ela não tem recursos para lidar com esse sistema, ela não pode fazer frente à força desse sistema. Como você está vendo o trabalho psicopedagógico atualmente? A Psicopedagogia está ganhando um espaço muito grande, muito forte e muito bom. Contamos com bons cursos de especialização, consistentes, abarcando uma base teórica ampla. Esses cursos também contemplam a for- mação clínica, com prática e supervisão. Assim, o profissional adquire condi- ções de desenvolver um trabalho de excelência. Ao mesmo tempo, noto nas escolas,nas empresas e nas clínicas um espaço aberto para o psicopedagogo. Tenho conhecimento de empresas, que operam na área de RH, solicitando psicopedagogos para o corpo de profissionais. A Psicopedagogia vem se consolidando como área de conhecimento, como área de atuação, trabalhando interdisciplinarmente e fazendo as pes- soas compreenderem que aprender não é algo necessariamente ligado ao ensino sistematizado, à escola. “Aprender é algo que se faz o tempo todo, durante toda a vida. Depois que deixamos de fazer as coisas por reflexos, tudo o que fazemos demanda aprendizagem. Aprendemos nas empresas, 34 Intervenção Piscopedagógica na Escola aprendemos nas instituições, aprendemos nas escolas, aprendemos com as famílias e nas famílias”, o que amplia muito o campo do psicopedagogo. O psicopedagogo nas empresas já é uma realidade? Tenho notícias de que isso é uma realidade. O profissional integrando equipes multidisciplinares, dentro de empresas, na área de relações huma- nas, trabalhando com as questões relacionais, com as questões da organi- zação que aprende, com a visão compartilhada. Para as culturas orientais, aprender significa estudar e praticar constantemente. Creio ser este o espíri- to das organizações que pretendem atingir grandes mudanças. Atualmente estou lendo um livro muito interessante chamado A Quinta Disciplina, que foi escrito por um administrador (SENGE, 1999), e tem por base o pensamento sistêmico. Ele afirma a questão da necessidade da aprendiza- gem das e nas relações: um profissional não pode só conhecer ou dominar o seu campo de trabalho. Ele precisa conhecer como se processam as relações, ter um razoável domínio pessoal, ter uma visão compartilhada e promover a aprendizagem em equipe. Creio que são requisitos plenamente tangíveis para um psicopedagogo, tendo em vista a pluralidade de sua formação. [...] Qual a vantagem do enfoque sistêmico no olhar psicopedagógico? Penso que para melhor compreendermos as questões da aprendizagem, elas devem ser consideradas sistemicamente. O que vem a ser isso? A escola, a família do aluno, ele próprio, os professores, são todos integrantes de um sistema que formam uma unidade e tendem para a manutenção de um equilíbrio. Ao olharmos esses subsistemas de forma circular estaremos nos responsabilizando, e a todos os envolvidos, pelos processos de aprendiza- gem e pelas possíveis rupturas que possam aí surgir. Dentro da minha experiência, trabalhando com alunos com a queixa de dificuldade de aprendizagem, pude perceber que embora essa possa ser uma condição ligada a múltiplos fatores internos do sujeito, ela está sobremaneira sustentada pelo meio familiar, escolar, social, no qual o sujeito está inserido. A circularidade, enquanto propriedade dos sistemas, evita que sejamos presos pela cômoda possibilidade de eleger uma única causa para o problema. E quanto à instituição, o que o olhar sistêmico propicia? A visão sistêmica e a Psicopedagogia 35 Tão importante quanto ter um modelo é perceber que ele não passa de uma metáfora. Assim, quando se fala em olhar sistêmico na instituição isso é apenas um recurso que nos auxilia a ordenação de uma realidade complexa, possibilitando definições operacionais, lógicas e pragmáticas. O que este modelo nos permite é perceber como as questões do apren- der e do saber operam de uma forma relacional e circular. Tanto quem apren- de como quem ensina, estão ambos implicados e mutuamente responsá- veis pelos/nos resultados. Colocar tanto o ensinante quanto o aprendente, quanto as famílias de ambos, assim como os terapeutas envolvidos nesse processo, a escola, o próprio contexto social, implicados e corresponsáveis pela mesma situação. Dessa forma tiramos o foco da criança, deixamos de olhá-la como bode expiatório, e redistribuímos o sintoma (no caso, as dificul- dades de aprendizagem), por todos os envolvidos. [...] Quais são os problemas mais comuns encontrados na população de crianças com problemas de aprendizagem? Quando fiz minha tese de mestrado “As dificuldades de Aprendizagem à Luz das Relações Familiares: um ensaio sistêmico” ocorreu-me fazer uma pesquisa, no colégio, a cerca das “ dificuldades” que mais apareciam como queixa inicial. À primeira vista, os problemas emocionais emergiram como maioria. Depois, com um olhar mais detalhado e mais atento, pude perceber que as dificuldades se sobrepõem. Na verdade, você nunca tem uma única causa, mas um conjunto de situações que favorecem o aparecimento e a manu- tenção do sintoma (aqui entendido como dificuldade de aprendizagem). Na maioria das vezes, há um entrelaçamento de vários fatores (por exemplo: neurológicos, genéticos, cognitivos, familiares, sociais, escolares etc.) que precisam ser compreendidos sistemicamente. Esse movimento me permitiu observar o papel fundamental dos siste- mas envolvidos, em especial o da família, que foi o alvo de minha pesquisa e poder concluir que seja qual for a etiologia da dificuldade de aprendizagem o apoio do sistema familiar é decisivo para a condução do processo. Um exemplo que cito na minha dissertação: o estudo de uma criança com síndrome de X Frágil (alteração cromossômica caracterizada pela mutação 36 Intervenção Piscopedagógica na Escola do cromossomo X do par sexual XY. Atinge pessoas do sexo masculino e ca- racteriza-se por sintomas como: dificuldade para entender conceitos abstra- tos, depressão ou hiperatividade, traços de autismo, lentidão de raciocínio). No caso a que me refiro, a criança vem de uma família funcional, onde o pai e mãe têm muita clareza para lidar com a situação propiciando, desta forma, que a criança desenvolva seu potencial. Apesar das dificuldades próprias do quadro, outras variáveis favoráveis estavam presentes e se faziam notar, ofe- recendo um bom desenvolvimento para a aquisição da aprendizagem. Estudei também o caso de um jovem, com queixa de abandono escolar em virtude de drogadição, proveniente de uma família disfuncional (onde as funções familiares ou não são claras ou não existem. Famílias onde não exis- tem hierarquia, fronteiras, onde filhos e pais são “iguais”). Embora ele apre- sentasse a capacidade cognitiva preservada, sua condição emocional não permitia que ele fizesse uso de suas competências. Assim, o fator emocional comprometia o cognitivo, o relacional, o social, que por sua vez impediam sua aprendizagem. Novamente voltamos para questão sistêmica: as situações não devem ser analisadas isoladamente, porque na realidade, o todo não é a soma das partes. Qual é o limite do psicopedagogo na prática do atendimento psicopeda- gógico? Aí entramos numa questão muito interessante que é a Psicopedagogia como área de interseção, como um conhecimento multi e interdisciplinar. Delimitar o campo de atuação de um profissional é antes de tudo preo- cupar-se com a qualidade do trabalho e a respectiva competência para exe- cutá-lo. Daí a importância da regulamentação dos cursos de especialização, dos estágios, da supervisão. Falando em limite da prática profissional, fala-se em Ética e em responsabilidade; em (re)conhecimento de seus próprios limi- tes pessoais. O psicopedagogo, por ter uma formação pluralista, pode estar apto a exercer práticas diferentes. Explicando melhor: o psicopedagogo que é também fonoaudiólogo, pode trabalhar com os distúrbios da fala. O que é psi- canalista está apto a fazer interpretações. O que é psicólogo pode fazer tera- pia, e assim por diante. O psicopedagogo que tenha uma formação em terapia familiar está apto a atender também a família. Cada um na sua área, tendo em comum a preocupação com a aprendizagem. A visão sistêmica e a Psicopedagogia 37 Creio que o que se pode destacar aqui é a possibilidade de se procurar parcerias e trabalhar em redes que ofereçam um atendimento adequado aos nossosclientes. A ideia de “Rede de Apoio” no Brasil ainda é nova, mas em outros locais, como EUA e Europa, ela já é largamente utilizada. Trata-se de um conjun- to de pessoas, que de maneira formal ou informal vinculam-se entre si. Ela diz respeito aos processos dessa interação social que são estabeleci- dos pelos indivíduos em seu cotidiano. Muitas são as redes que se pode dispor: a igreja, a comunidade social, o clube, o sistema de saúde, profissio- nais de outras áreas, entre outros. Cabe a nós, saber tecer os nós de rede que beneficiem nosso trabalho e o atendimento ao nosso cliente/aluno. Como ilustração cito um trabalho que apresentei no IV Congresso de Terapia Familiar – RJ, cujo tema era: “Flexibilizando as tramas das Lealdades Familia- res: relato de um atendimento”. Descrevo o caso de uma família que atendi, onde o apoio de uma rede mais ampla, uma igreja evangélica, foi decisivo para o andamento do processo terapêutico. O paciente identificado veio com diagnóstico de psicose e naquele momento a família não dispunha de recursos internos para ajudá-lo. Era um grupo pobre de contatos, que vivia isolado e com padrões de comunicação muito empobrecidos. A partir do momento que esse rapaz começou a fazer contato com esse grupo social, que foi incorporado no coro, que passou a fazer amizades, pode-se observar uma significativa mudança nos padrões relacionais dele e de todo o grupo. Fica aqui uma sugestão desse recurso como aliado do atendimento psicopedagógico. [...] Como reagem famílias de crianças que estudam em escolas “especiais”? Como já mencionei, percebo a necessidade de elaboração do luto por se ter um filho diferente daquele que se imaginava. Normalmente, quando as famílias chegam para nós, percebe-se uma di- ferença muito interessante: as famílias que vem procurando vaga para crian- ças até a 4.ª série, em sua maioria, ainda está naquele período em que não aceitou bem a dificuldade da criança, ainda tem a esperança de que um dia ela vá para uma escola “normal”. Existe a vergonha porque a criança precisa de uma escola diferente; eles querem ver como é “a cara dos outros alunos”, aparece o preconceito. Por 38 Intervenção Piscopedagógica na Escola outro lado, os pais do Ensino Médio, são pais com maior tranquilidade em aceitar aquele filho diferente, já trilharam um caminho, veem a possibilidade de continuar. Percebe-se uma aceitação maior, não existe mais a questão do preconceito, na sua maioria estabeleceram um relacionamento mais amplo dentro da comunidade. Pode-se observar uma clara analogia entre a aceitação de um filho dife- rente e as fases que Bowby descreveu para a aceitação do luto: sentimentos como raiva, ansiedade e medo, a família está desorganizada internamente, tendem a esconder essas crianças do mundo externo, da realidade. Depois disso vai existindo um salto qualitativo onde os pais começam a trabalhar melhor essa ideia e vão passando para uma fase de maior aceitação, de mais organização. Temos experiências de crianças que entraram nas Séries Inicias e ficaram até o 3.º ano do Ensino Médio. Assim podemos observar por muitos anos essas famílias e perceber esse processo de mudança, de maneiras diferentes de se relacionar com o sujeito, com o mundo, com a comunidade. Obvia- mente que essa divisão que estou fazendo não é rígida e nem tenho a pre- tensão de generalizar. Serve apenas para efeito de elucidação. [...] Dica de estudo Assista ao filme Edgar Morin, da Coleção Grandes Educadores – ATTA mídia e educação. São Paulo: Editora Paulus, 2005. É um filme que normalmente as escolas têm e que pode ser adquirido pelo site da Editora Paulus: <www.edito- rapaulus.com.br>. Esse filme traduz o pensamento de um intelectual que critica a fragmentação do conhecimento e propõe o desenvolvimento de um pensamento complexo que deve estar coadunado com a educação do futuro em termos de uma ação transdisciplinar. Esse pensamento vem ao encontro da proposta do subsídio da abordagem sistêmica para a ação psicopedagógica. A visão sistêmica e a Psicopedagogia 39 Atividades 1. Levante três aspectos sobre a construção da queixa escolar, pensando na caracterização do fracasso escolar, com base na abordagem sistêmica. 2. Por que a escola poder ser considerada um sistema aberto? a) Porque o movimento constante de seus membros proporciona interação com elementos de outros sistemas. b) Porque a escola deve manter seus portões sempre abertos para que a família possa entrar quando desejar. c) Porque o professor tem a liberdade de ação dentro da sala de aula. d) Porque ela se propõe a trabalhar com o aluno, mesmo que ele tenha uma dificuldade de aprendizagem. 3. Explique o que significa a mudança de uma visão de causalidade linear para causalidade circular. Enfocar o estudo da Psicopedagogia no âmbito da instituição requer um conhecimento anterior que perpassa pelo conceito de Psicopeda- gogia como área de estudo, bem como compreender sua abrangência quando se define seu objeto de estudo como o ser cognoscente, aquele que busca conhecimento e aprende. Caracterizar a atuação da Psicopeda- gogia na instituição requer a compreensão das inter-relações das diferen- tes unidades de análise da Psicopedagogia, indivíduo, grupo, instituição e comunidade. Portanto, se tomarmos como base o que nos fala Barbosa (2000, p. 103), devemos ter cuidado somente para não fragmentar a Psicopedagogia a ponto de descaracterizá-la. A Pscicopedagogia Institucional e a Psicopedagogia Clínica estão in- seridas em uma mesma disciplina que atua em diferentes âmbitos. Não podemos caracterizar práticas diferenciadas em cada uma delas, pois es- taríamos salientando quatro diferentes psicopedagogias. Para Barbosa (2001, p. 104), [...] sempre que estivermos lendo referências sobre a Psicopedagogia Institucional, leia-se Psicopedagogia atuando no âmbito institucional, e, por isto, apresentando especificidades, o que não impede de relacionarmos seus conteúdos aos indivíduos, aos grupos, às comunidades e às culturas que fazem parte da construção de uma instituição. Como a Psicopedagogia chegou até a instituição? Como é de conhecimento de todos, o campo de conhecimento da Psi- copedagogia teve sua origem no atendimento aos problemas relaciona- dos com as dificuldades de aprendizagem. Porém, os estudos realizados nessa área voltam-se cada vez mais para uma ação preventiva, pois foi se percebendo ao longo do tempo que é preciso uma ação anterior ao apa- recimento dos problemas encaminhados à clínica. Acreditando-se que muitas dificuldades com que os sujeitos deparam- -se na construção da aprendizagem devam-se às relações institucionais, escolares e familiares – que influenciam diretamente nesse processo – os Psicopedagogia atuando no âmbito da instituição 42 Intervenção Psicopedagógica na Escola trabalhos que foram sendo desenvolvidos por profissionais que atuaram dire- tamente com os problemas de aprendizagem mostraram que a intervenção di- recionada ao sujeito identificado como portador de dificuldades muitas vezes adaptava-o a uma situação externa pretendida, deslocando o sintoma e não o eliminando. Dessa forma, os profissionais que atuavam junto às questões que envolviam o objeto de estudo da Psicopedagogia foram ampliando seu campo de atua- ção para âmbitos mais abrangentes de forma a atuar no âmbito etiológico dos obstáculos na aprendizagem, bem como foram transformando suas práticas em ações de cunho preventivo, onde a prioridade localiza-se no funcionamento da aprendizagem e não nos obstáculos. Esse aspecto facilita a ação psicopedagó- gica, pois são as potencialidades que devem ser ativadas para que obstáculos sejam vencidos. Voltado, então, para as instituições que constituem o sujeito da aprendiza- gem, com ações mais preventivas do que remediativas,o psicopedagogo trans- forma a atenção individual em grupal. O suporte da abordagem sistêmica, que produz no psicopedagogo uma mudança que alcança seu olhar e sua escuta, transforma a visão reducionista e mecanicista dos fenômenos em uma visão de circularidade e totalidade. Ele deve considerar a gama de relações e ter um olhar direcionado para o todo e conceber a realidade por inteiro. As questões indivi- duais devem ser pensadas em relação ao contexto em que são produzidas e às relações que são estabelecidas. Para Bossa (2000, p. 89) [...] a Psicopedagogia Institucional caracteriza-se pela própria intencionalidade do trabalho. Atuamos como psicopedagogos na construção do conhecimento do sujeito, que neste momento é a instituição com sua filosofia, valores e ideologia. A demanda da instituição está associada à forma de existir do sujeito institucional, seja ele a família, a escola, uma empresa industrial, um hospital, uma creche, uma organização assistencial. O caráter interdisciplinar da Psicopedagogia coloca-a como um campo que teoriza contemporaneamente sobre a questão da aprendizagem, efetivando sua prática na relação entre aprendizagem e saberes múltiplos. Não se funda- menta em bagagens conteudistas, mas sim em saberes que disputam prazer, configurando uma relação positiva com a aquisição de conhecimentos. Isso nos faz pensar a Psicopedagogia de forma articulada, sem rupturas e sem barreiras, com o objetivo de entender como as pessoas aprendem diante das experiências vivenciadas no cotidiano institucional. Psicopedagogia atuando no âmbito da instituição 43 Tradicionalmente, pode-se pensar a Psicopedagogia exclusivamente como um trabalho voltado para a instituição educacional. Porém, o olhar sobre a apren- dizagem que ela se propõe a estabelecer oferece espaço para a Psicopedagogia nas mais diversas instituições, visto que o processo de aprendizagem é um pro- cesso constante no desenvolvimento do sujeito, inserido em todo o contexto. A Psicopedagogia Institucional propõe-se, portanto, a estar atenta às inúme- ras possibilidades de construção do conhecimento e valorizar o imenso universo de informações que nos circunda. Dessa forma, se pensarmos na criança hospitalizada que terá novas rotinas inseridas na sua vida, ou vai saber sobre doenças, sobre o que pode ou não pode fazer, o psicopedagogo tem espaço nos hospitais. Se pensarmos no motorista de ônibus que deverá aprender novas trajetórias, ter em mente uma nova distribui- ção espacial da cidade, vai aprender a estabelecer novas relações, há espaço em uma empresa de ônibus para o psicopedagogo. Assim, o psicopedagogo pode, nos mais diversos contextos institucionais, atuar sobre a aprendizagem. Nádia Bossa (2000, p. 89) cita Fagali, que aborda a Psicopedagogia Institucio- nal, dizendo: Dependendo da natureza da instituição, a Psicopedagogia pode contribuir trabalhando em vários contextos: Psicopedagogia familiar: ampliando a percepção sobre os processos de aprendizagem de � seus filhos, resgatando a família no papel educacional, diferenciando as múltiplas formas de aprender e respeitando as diferenças dos filhos. Psicopedagogia empresarial: ampliando formas de treinamento, resgatando a visão do � todo, as múltiplas inteligências, trabalhando a criatividade e os diferentes caminhos para buscar saídas, desenvolvendo o imaginário, a função humanística e dos sentimentos na empresa, ao construir projetos e dialogar sobre eles. Psicopedagogia hospitalar: possibilitando a aprendizagem, o lúdico e as oficinas psicope- � dagógicas com os internos. Psicopedagogia escolar: priorizando diferentes projetos. � Diagnóstico da escola. � Busca da identidade da escola. � Definições de papéis na dinâmica relacional em busca de funções e identidade diante do � aprender. Instrumentalização de professores, coordenadores, orientadores e diretores sobre práticas � e reflexões diante de novas formas de aprender. 44 Intervenção Psicopedagógica na Escola Reprogramação curricular, implantação de programas e sistemas avaliativos. � Oficinas para vivência de novas formas de aprender. � Análise de conteúdo e reconstrução conceitual. � Releitura, ressignificando sistemas de recuperação e reintegração do aluno no processo. � O papel da escola no diálogo com a família. � A ação interventiva do psicopedagogo ressaltará as aprendizagens múltiplas construídas no contexto do sujeito, o aproveitamento de antigas aquisições e a sua reestruturação psicológica, por intermédio da crença na sua capacidade de aprender sempre. Segundo Visca (1991, p. 15), “[...] a ampliação no âmbito da Psicopedagogia nos deu a possibilidade tanto de estudar o sujeito individual em profundidade, quanto de extrapolar estes conceitos para o macrossistema, os quais antes não tinham sido pesquisados”. A partir desse pressuposto, ele propõe uma análise do processo de aprendi- zagem a partir de quatro unidades de análises, determinando diferentes âmbi- tos: o indivíduo, o grupo, a instituição e a comunidade (VISCA, 1997, p. 22). Indivíduo Grupo Instituição Comunidade (V IS CA , 1 99 7. A da pt ad o) No que se refere ao indivíduo, que se caracteriza como a primeira unidade de análise, Visca elaborou um quadro que mostra a evolução da atenção ao indiví- duo com dificuldade de aprendizagem até o atendimento no nível preventivo. Psicopedagogia atuando no âmbito da instituição 45 Crianças, adolescentes, adultos e terceira idade.5.º momento 4.º momento 3.º momento 2.º momento 1.º momento Aprendizagem sistemática Crianças, adolescentes, adultos e terceira idade. Crianças, adolescentes, adultos e terceira idade. Diagnóstico e tratamento de adolescentes, adultos e terceira idade. Diagnóstico e tratamento de crianças. Assistência AssistênciaPrevenção Prevenção (V IS CA , 1 99 7, p . 2 3. A da pt ad o) A segunda unidade de análise, o grupo, é vista como funcional que também aprende. A tarefa da Psicopedagogia consiste em aprender a aprender por meio de atividades que emergem do grupo como uma forma de resolução de confli- tos cognitivo-afetivos. Portanto, ele pode ser estudado, em função do vetor de aprendizagem, sendo importante diferenciar, na unidade funcional da aprendi- zagem grupal, a aprendizagem do grupo e a aprendizagem em grupo. Deve-se considerar que saber compreender a aprendizagem do grupo implica em uma tarefa mais complexa e completa. Portanto, o grupo constitui um nível de inte- gração superior ao indivíduo, é um sistema ativo, no qual é possível reconhecer processos que são estratégias e mecanismos intrapsíquicos (do próprio sujei- to) como também aprendizagens intragrupais, configurando-se no alcance de todos os graus de estabilidade. 46 Intervenção Psicopedagógica na Escola A terceira unidade diz respeito à instituição, o que nos interessa particular- mente, nesta disciplina. A instituição, nesta visão, é concebida como um conjun- to de normas, costumes, usos etc. que permanecem por um tempo em funcio- namento e servem como referencial para a conduta grupal. Considerando esse conceito, o enfoque psicopedagógico nos leva a perceber que no interior da instituição os grupos interagem entre si, ao mesmo tempo em que são configurados por normas próprias, porém sob a rigidez da ação ins- titucional. Os conflitos frente a esta ação nos ajudam a entender o processo da aprendizagem institucional. Quando o nível institucional permite o desenvolvimento da aprendizagem, é fácil perceber um movimento adequado de crescimento, que desarticula qualquer possibilidade de oclusão ou cristalização e fecha-se a intercâmbios, impossibilitando a concretização de um processo de aprendizagem conseguin- te àquele que a constitui. Considerando, portanto,
Compartilhar