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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE Centro de Ensino à Distância Manual do Curso de Licenciatura em Ensino da Língua Portuguesa Introdução aos Estudos Literários Código: P0182 Módulo único 24 Unidades Direitos de autor Este manual é propriedade da Universidade Católica de Moçambique, Centro de Ensino à Distância (CED) e contém reservados todos os direitos. É proibida a duplicação ou reprodução deste manual, no seu todo ou em partes, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (electrónicos, mecânico, gravação, fotocópia ou outros), sem permissão expressa de entidade editora (Universidade Católica de Moçambique-Centro de Ensino à Distância). O não cumprimento desta advertência é passivel a processos judiciais. Elaborado Por: dr. Lourenço Covane, Licenciado em ensino da Língua Portuguesa pela UP. Colaborador do Curso de Licenciatura em ensino da Língua Portuguesa no Centro de Ensino à Distância (CED) da Universidade Católica de Moçambique – UCM. Universidade Católica de Moçambique Centro de Ensino à Distância-CED Rua Correia de Brito No 613-Ponta-Gêa Moçambique-Beira Telefone: 23 32 64 05 Cell: 82 50 18 44 0 Fax:23 32 64 06 E-mail: ced@ucm.ac.mz Web site: www.ucm.ac.mz Agradecimentos A Universidade Católica de Moçambique-Centro de Ensino à Distância e o autor do presente manual, dr. Lourenço Covane, agradecem a colaboração dos seguintes indivíduos e instituições: Pela Coordenação e edição do Trabalho: dr. Armando Artur (Coordenador do Curso de Licenciatura em Ensino da Língua Portuguesa, no CED); Pela Revisão Linguística: dr. Armando Artur (Coordenador do Curso de Licenciatura em Ensino da Língua Portuguesa, no CED) Centro de Ensino à Distância i Índice Visão geral 5 Bem-vindo à Introdução aos Estudos Literários ............................................................. 5 Objectivos da cadeira .................................................................................................... 5 Quem deveria estudar este módulo ................................................................................ 5 Como está estruturado este módulo? .............................................................................. 5 Ícones de actividade ...................................................................................................... 6 Habilidades de estudo .................................................................................................... 6 Precisa de apoio? ........................................................................................................... 7 Tarefas (avaliação e auto-avaliação) .............................................................................. 7 Avaliação ...................................................................................................................... 7 Unidade 01: Evolução Histórica e Semântica do Lexema Literatura 8 Introdução 8 Sumário ....................................................................................................................... 10 Exercícios.................................................................................................................... 11 Unidade 02: A Problemática de uma Definição Referencial 12 do Conceito de Literatura 12 Introdução 12 Sumário ....................................................................................................................... 13 Exercícios.................................................................................................................... 13 Unidade 03: Ficcionalidade e Intertextualidade na Obra Literária 14 Introdução 14 Exercícios.................................................................................................................... 16 Unidade 04: Do conceito da Literatura ao conceito da Literariedade 17 Introdução 17 Sumário ....................................................................................................................... 18 Exercícios.................................................................................................................... 18 Unidade 05: Arte e Estética 20 Introdução 20 Obra de Arte: 22 Sumário ....................................................................................................................... 23 Exercícios.................................................................................................................... 23 Unidade 06: Texto Literário vs texto Não-Literário 24 Introdução 24 Centro de Ensino à Distância ii Exercícios.................................................................................................................... 26 Unidade 07: Função da Literatura 27 Introdução 27 Sumário ....................................................................................................................... 32 Exercícios.................................................................................................................... 33 Unidade 08: Semiose Literária: Sistema, Código (s) e Texto Literário 34 Introdução 34 Sumário ....................................................................................................................... 35 Exercícios.................................................................................................................... 35 Unidade 09: Divisão Tripartida dos Géneros Literários: 36 (Poética de Aristóteles e Platão) 36 Introdução 36 Sumário ....................................................................................................................... 39 Exercícios.................................................................................................................... 39 Unidade 10: Diversidade dos Géneros Literários: Teoria de Horácio 40 Introdução 40 Sumário ....................................................................................................................... 41 Exercícios.................................................................................................................... 41 Unidade 11: Teoria romântica dos Géneros Literários: 42 (Defesa do hibridismo) 42 Introdução 42 Sumário ....................................................................................................................... 43 Exercícios.................................................................................................................... 43 Unidade 12: O Género Romance 44 Introdução 44 Exercícios.................................................................................................................... 46 Unidade 13: O conceito de Géneros literários na estética de Croce: 47 (Unicidade e indivisibilidade) 47 Introdução 47 Centro de Ensino à Distância iii Sumário ....................................................................................................................... 47 Exercícios.................................................................................................................... 47 Unidade 14: Conceito dos géneros literários propostos por Lukács. 49 Introdução 49 Sumário ....................................................................................................................... 50 Exercícios.................................................................................................................... 50 Unidade 15: Teoria Jakobsiana da função poética 51 Introdução 51 Sumário .......................................................................................................................53 Exercícios.................................................................................................................... 53 Unidade 16: A Crise dos Géneros Literários 55 Introdução 55 Sumário ....................................................................................................................... 56 Exercícios.................................................................................................................... 57 Unidade 17: O Conceito de Períodos Literários 58 Introdução 58 Sumário ....................................................................................................................... 60 Exercícios.................................................................................................................... 61 Unidade 18: Períodos literários: periodizção 62 Introdução 62 Sumário ....................................................................................................................... 68 Exercícios.................................................................................................................... 68 Unidade 19: Níveis e Métodos de Análise textual: 70 Introdução 70 Sumário ....................................................................................................................... 72 Exercícios.................................................................................................................... 72 Unidade 20: Níveis e Métodos de Análise textual: 73 Introdução 73 Sumário ....................................................................................................................... 74 Exercícios.................................................................................................................... 74 Unidade 21: Conceito de Estilo e Análise Estilística 75 Introdução 75 Centro de Ensino à Distância iv Sumário ....................................................................................................................... 77 Exercícios.................................................................................................................... 77 Unidade 22: Géneros e modos literários: O Lírico 78 Introdução 78 Exercícios.................................................................................................................... 80 Unidade 23: Géneros e modos Literários: o Narrativo 82 Introdução 82 Exercícios.................................................................................................................... 85 Unidade 24: Géneros e modos Literários: O Texto Drmático 87 Introdução 87 Sumário ....................................................................................................................... 90 Exercícios.................................................................................................................... 90 Centro de Ensino à Distância 5 Visão geral Bem-vindo à Introdução aos Estudos Literários Você tem em suas mãos o módulo Único da cadeira de Introdução aos Estudos Literários (IEL). A sua abordagem centrar-se-á no estudo dos conceitos básicos de literatura, como sejam: o conceito de literatura, o de literariedade, géneros literários, o sistema semiótico literário, períodos e periodização literária, entre outros. É legítimo afirmar que estamos no início de uma longa abordagem de uma ciência tão antiga quanto o próprio mundo em que vivemos. Objectivos da cadeira Objectivos Quando terminar o estudo de Introdução aos Estudos Literários, o estudante (cursante) será capaz de: Adquirir conceitos fundamentais para os estudos literários, e para a exploração de textos literários nas aulas de língua Portuguesa; Reflectir sobre a génese histórico-cultural do lexema literatura; Compreender o conceito de géneros literários ao longo do tempo; Conhecer os períodos literários e sua periodização; Analisar textos de categoria literária diversa e de épocas diferentes. Quem deveria estudar este módulo Este módulo foi concebido para todos aqueles Estudantes candidatos ao Curso de Licenciatura em Ensino da Língua Portuguesa, que devido a sua situação laboral, não têm a oportunidade de poder estar num sistema de ensino totalmente presencial. Como está estruturado este módulo? Todos os manuais das cadeiras dos cursos oferecidos pela Universidade Católica de Moçambique-Centro de Ensino à Centro de Ensino à Distância 6 Distância (UCM-CED) encontram-se estruturados da seguinte maneira: Páginas introdutórias Um índice completo. Uma visão geral detalhada da cadeira, resumindo os aspectos- chave que você precisa conhecer para completar o estudo. Recomendamos vivamente que leia esta secção com atenção antes de começar o seu estudo. Conteúdo da cadeira A cadeira está estruturada em unidades de aprendizagem. Cada unidade incluirá, o tema, uma introdução, objectivos da unidade, conteúdo da unidade incluindo actividades de aprendizagem, um sumário da unidade e uma ou mais actividades para auto- avaliação. Outros recursos Para quem esteja interessado em aprender mais, apresentamos uma lista de recursos adicionais para você explorar. Estes recursos podem incluir livros, artigos ou sites na internet. Tarefas de avaliação e/ou Auto-avaliação Tarefas de avaliação para esta cadeira, encontram-se no final de cada unidade. Sempre que necessário, dão-se folhas individuais para desenvolver as tarefas, assim como instruções para as completar. Estes elementos encontram-se no final do manual. Comentários e sugestões Esta é a sua oportunidade para nos dar sugestões e fazer comentários sobre a estrutura e o conteúdo da cadeira. Os seus comentários serão úteis para nos ajudar a avaliar e melhorar este manual. Ícones de actividade Ao longo deste manual irá encontrar uma série de ícones nas margens das folhas. Estes ícones servem para identificar diferentes partes do processo de aprendizagem. Podem indicar uma parcela específica de texto, uma nova actividade ou tarefa, uma mudança de actividade, etc. Habilidades de estudo Caro estudante, procure reservar no mínimo 2 (duas) horas de estudo por dia e use ao máximo o tempo disponível nos finais de semana. Lembre-se que é necessário elaborar um plano de estudo individual, que inclui, a data, o dia, a hora, o que estudar, como estudar e com quem estudar (sozinho, com colegas, outros). Centro de Ensino à Distância 7 Lembre-se que o teu sucesso depende da sua entrega, você é o responsável pela sua própria aprendizagem e cabe a se planificar, organizar, gerir, controlar e avaliar o seu próprio progresso. Evite plágio. Precisa de apoio? Caro estudante: Os tutores têm por obrigação monitorar a sua aprendizagem, daí o estudante ter a oportunidade de interagir objectivamente com o tutor, usando para o efeito os mecanismos apresentados acima. Todos os tutores têm por obrigação facilitar a interacção. Em caso de problemas específicos, ele deve ser o primeiro a ser contactado, numa fase posterior contacte o coordenador do curso e se o problema for da natureza geral, contacte a direcção do CED, pelo número 825018440. Os contactos só se podem efectuar nos dias úteis e nas horas normais de expediente. Tarefas (avaliação e auto-avaliação) O estudante deve realizar todas as tarefas (exercícios), contudo nem todas deverão ser entregues, mas é importante que sejam realizadas. Só deverão ser entregues os exercícios que forem indicados pelo Tutor. Isto, antes do período presencial.Podem ser utilizadas diferentes fontes e materiais de pesquisa, contudo os mesmos devem ser devidamente referenciados, respeitando os direitos do autor. Avaliação A avaliação da cadeira será controlada da seguinte maneira: Três (3) Trabalhos realizados pelos estudantes, sendo divididos em três sessões presenciais de acordo com a programação do Centro. Dois (2) Testes escritos em presença e um (1) exame no fim do ano. Centro de Ensino à Distância 8 Unidade 01: Evolução Histórica e Semântica do Lexema Literatura Introdução De uma forma particular, far-se-á nesta unidade a introdução dos conceitos básicos do estudo do conceito de literatura, as diferentes significações que o lexema literatura foi assumindo ao longo dos tempos. Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de: Objectivos Conhecer o conceito de literatura; Compreender a história semântica do conceito literatura; Reflectir sobre a polissemia do lexema literatura. A questão sobre o termo literatura remete para uma pluralidade de conceitos complexos e não raro ambíguos. Este termo pode assumir significações diversas, é, portanto, fortemente polissémico. À partida, e simplificadamente, podemos dizer que a literatura pertence ao campo das artes (arte verbal), que o seu meio de expressão é a palavra e que a sua definição está comummente associada à ideia de estética/ valor estético. Etimologicamente, o lexema deriva do latim litteratura, a partir de littera, letra, aparentemente. Portanto, o conceito de literatura parece estar implicitamente ligado à palavra escrita ou impressa, à arte de escrever, à erudição. Nas línguas europeias, a palavra “literatura” designou em regra, até ao século XVIII, o saber, conhecimento, as artes e as ciências em geral. Até à segunda metade desse século, para designar especificamente a arte verbal, o corpus textual, eram utilizadas palavras como “poesia”, “verso” e “prosa” (que hoje reconhecemos enquanto classificação de géneros literários). Desde meados do século XVIII – tem o significado que hoje lhe damos. Até aí, a palavra existia mas com um sentido diferente: Centro de Ensino à Distância 9 designava, de modo geral, o que estava escrito e o seu conteúdo, o conhecimento. O vocábulo “literatura” durante o século XVIII, continuando ainda a designar o conjunto das obras escritas e dos conhecimentos nelas contidos, passa a adquirir uma acepção mais especializada, referindo-se especialmente às “belas artes”, ganhando assim uma conotação estética e passando a denominar-se a arte que se exprime pela palavra. Saliente-se que, ao significar a arte que se exprime pela palavra, o lexema assume desde logo uma referência nacional, enquanto conjunto da produção literária de determinado país. É na segunda metade do século XVIII que Voltaire (1827) caracteriza a literatura como forma particular de conhecimento que implica valores estéticos e uma particular relação com as letras. Na mesma linha de análise, Diderot (1751) define a literatura como arte e como o conjunto das manifestações dessa arte, os textos impregnados de valores estéticos. Diderot documenta dois novos e importantes significados com que o lexema “literatura” será crescentemente utilizado a partir da segunda metade do século XVIII: específico fenómeno estético, específica forma de produção, de expressão e de comunicação artísticas e corpus de objectos – os textos literários – resultante daquela particular actividade de criação estética. Digamos então, à partida, que o fenómeno literário se traduz em duas dimensões: por um lado, a actividade de criação ou produção literária; por outro, o texto, o corpus textual de determinada colectividade, de determinado grupo, de determinada época. Tal evolução, porém, não se quedou aí, prosseguiu ao longo dos séculos XIX e XX. Vejamos, em rápido esboço, as mais relevantes acepções adquiridas pela palavra neste período de tempo: a) Conjunto da produção literária de uma época – literatura do século XVIII, literatura victoriana -, ou de uma região – pense-se na famosa distinção de Mme. de Staël entre "literatura do norte" e "literatura do sul", etc. Trata-se de uma particularização do sentido que a palavra apresenta na obra de Lessing (Briefe die Literaturbetreffend). b) Conjunto de obras que se particularizam e ganham feição especial quer pela sua origem, quer pela sua temática ou pela sua intenção: literatura feminina, literatura de terror, literatura revolucionária, literatura de evasão, etc. c) Bibliografia existente acerca de um determinado assunto. Ex: "Sobre o barroco existe uma literatura abundante...". Este sentido é próprio da língua alemã, donde transitou para outras línguas. Centro de Ensino à Distância 10 d) Retórica, expressão artificial. Verlaine, no seu poema Art poétique, escreveu: "Et tout le reste est littérature", identificando pejorativamente "literatura" e falsidade retórica. Este significado depreciativo do vocábulo data do final do século XIX e é de origem francesa. Com fundamento nesta acepção de "literatura", originou-se e tem- se difundido a antinomia "poesia -literatura", assim formulada por um grande poeta espanhol contemporâneo: "[...] ao demónio da Literatura, que é somente o rebelde e sujo anjo caído da Poesia." e) Por elipse, emprega-se simplesmente "literatura" em vez de história da literatura. f) Por metonímia, "literatura" significa também manual de história da literatura. g) "Literatura" pode significar ainda conhecimento organizado do fenómeno literário. Trata-se de um sentido caracteristicamente universitário da palavra e manifesta-se em expressões como literatura comparada, literatura geral, etc. A história da evolução semântica da palavra imediatamente nos revela a dificuldade de estabelecer um conceito incontroverso de literatura. Como é óbvio, dos múltiplos sentidos mencionados nos interessa apenas o de literatura como actividade estética, e, consequentemente, como os produtos, as obras daí resultantes. Não cedamos, porém, à ilusão de tentar definir por meio de uma breve fórmula a natureza e o âmbito da literatura, pois tais fórmulas, muitas vezes inexactas, são sempre insuficientes. Sumário A história da evolução semântica da palavra imediatamente nos revela a dificuldade de estabelecer um conceito incontroverso de literatura. Como é óbvio, dos múltiplos sentidos mencionados nos interessa apenas o de literatura como actividade estética, e, consequentemente, como os produtos, as obras daí resultantes. Não cedamos, porém, à ilusão de tentar definir por meio de uma breve fórmula a natureza e o âmbito da literatura, pois tais fórmulas, muitas vezes inexactas, são sempre insuficientes. Centro de Ensino à Distância 11 Exercícios 1. De uma forma sucinta, apresente o significado que o conceito de literatura foi adquirindo ao longo dos tempos. 2. Como é que se definiu a literatura na segunda metade do século XVIII? 3. Porquê se considera que o conceito de literatura polissémico? 4. Diga em que aspectos o conceito de literatura definido por Voltaire difere com o de Diderot? Centro de Ensino à Distância 12 Unidade 02: A Problemática de uma Definição Referencial do Conceito de Literatura Introdução Oque acabamos de abordar atrás deixa antever as dificuldades inerentes ao estabelecimento de uma definição do conceito de literatura, um conceito fortemente polissémico, nesta unidade vamos reflectir sobre a problemática e objecções que estão por de trás desse fenómeno. Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de: Objectivos Analisar as diferentes vertentes que dificultam o estabelecimento de um conceito consensual da literatura; Identificar autores que questionam o epicentro da literatura. A busca de uma definição para a literatura faz parte das preocupações de vários teóricos e críticos. Adentra-se os seguintes autores que se dedicaram ao assunto: Tolstoi, com O que é arte? (Paris : Perrin, 1898); Jakobson, com “O que é poesia?” (Questions de poétique. Paris : Seuil, 1973), Charles Du Bois, com O que é literatura ? (Paris : Plon, 1945) e também Jean-Paul Sartre, com O que é literatura? (Paris : Gallimard, 1948). Em virtude da impossibilidade de se solucionar o enigma, Barthes teria concluído: “Literatura é aquilo que se ensina, e ponto final”. Isto porque diferentes épocas e culturas vêem diferentemente a literatura, e objecções são levantadas em relação às definições até então elaboradas. Em geral, as respostas às perguntas não diferenciam adequadamente duas ordens de objectos que, embora sociocultural e funcionalmente indissociáveis, devem todavia ser consideradas como distintas, tanto sob ponto de vista ontológico como os ponto de vista epistemológico e lógico. Por um lado, é necessário considerar a literatura como sistema semiótico de significação de comunicação; por outro a literatura como conjunto ou soma de todas as obras ou textos literários. Centro de Ensino à Distância 13 É sintomático, aliás, verificar que às perguntas, anteriormente indicadas, muitos autores acabam por responder com tentativas de definição ou de caracterização da obra literária. Torna-se extremamente difícil, senão impossível estabelecer um conceito de literatura rigorosamente delimitado intencional e extensionalmente que apresente validade pancrónica e universal, dado que: a) Inexistem traços peculiares a certos textos de modo a distingui- los dos textos não-literários, isto é, não há uma “essência” da literatura; b) Não se observa um denominador comum entre todas as obras literárias, a não ser o emprego da linguagem; c) O critério de valor que qualifica um texto como literário não é literário nem teórico, mas ético, social e ideológico; d) A definição de literatura não depende da natureza do que é lido, mas da maneira pela qual as pessoas lêem um texto; Sumário Porque é difícil, senão impossível estabelecer um conceito de literatura rigorosamente delimitado intencional e extensionalmente que apresente validade pancrónica e universal, tal como deixamos antever é, desaconselhável impor dogmaticamente à heterogeneidade das obras literárias durante séculos. Mas, essas objecções e as dúvidas sobre a impossibilidade de uma definição referencial de literatura são pertinentes sob ponto vários aspectos, porque obrigam a reexaminar com novo rigor soluções teóricas rotineiras, e revelam-se também, nalguns pontos muito importantes, mal fundamentadas, teoricamente inconsistentes e empiricamente irrefutáveis. Exercícios 1. Refira-se à problemática que preside a dificuldade de uma definição referencial da literatura. 2. Por que será relevante reflectirmos sobre as objecções e dúvidas sobre a definição referencial do fenómeno literário? Centro de Ensino à Distância 14 Unidade 03: Ficcionalidade e Intertextualidade na Obra Literária Introdução O texto literário é, sempre, sob modalidades várias, um intercâmbio, discursivo no qual se entrucruzam, se metamorfoseiam, se corroboram ou se contestam outros textos, outras vozes e outras consciências, pois é reflexo de algo de imaginação que não existe particularizado na realidade de todos, mas no espírito de, apenas seu criador. Por esse motivo, nesta unidade, propomo-nos em falar especificamente da ficcionalidade e intertextualidada numa obra literária. Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de: Objectivos Explicar por que razão um texto literário é uma obra de ficção. Compreender que o texto ficcional é simultaneamento um intertexto. Ficcionalidade e semântica do texto literário A literatura é chamada de ficção, isto é, imaginação de algo que não existe particularizado na realidade, mas no espírito de seu criador. O objecto da criação poética não pode, portanto, ser submetido à verificação extratextual. A literatura cria o seu próprio universo, semanticamente autónomo em relação ao mundo em que vive o autor, com seus seres ficcionais, seu ambiente imaginário, seu código ideológico, sua própria verdade: pessoas metamorfoseadas em animais, animais que falam a linguagem humana, tapetes voadores, cidades fantásticas, amores incríveis, situações paradoxais, sentimentos contraditórios, etc. Mesmo a literatura mais realista é fruto de imaginação, pois o carácter ficcional é uma prerrogativa indeclinável da obra literária. Se o facto narrado pudesse ser documentado, se houvesse perfeita Centro de Ensino à Distância 15 correspondência entre os elementos do texto e do extratexto, teríamos então não arte, mas história, crónica, biografia. A obra literária, devido à potência especial da linguagem poética, cria uma objectualidade própria, um heterocosmo contextualmente fechado. Essa realidade nova, criada pela ficção poética, não deixa de ter, porém, uma relação significativa com o real objectivo. Ninguém pode criar a partir do nada: as estruturas linguísticas, sociais e ideológicas fornecem ao artista o material sobre o qual ele constrói o seu mundo de imaginação. A teoria clássica da arte como mímese da vida é sempre válida, quer se conceba a arte como imitação do mundo real, quer como imitação de um mundo ideal ou imaginário. A ficcionalidade não caracteriza de modo suficiente o texto literário – há ficções não literária, desde as ficções mitológicas até às lendárias mas constitui uma propriedade necessária para a sua existência. A ficcionalidade1 manifesta-se textualmente em dois níveis. No nível da enunciação, pois o autor textual e o narrador são co-referenciais com o autor empírico e produzem textos que não dependem, imediata e explicitamente, de um contexto de situação actual; no nível dos referentes textuais. A afirmação de que o texto literário carece de referentes não nos parece correcta2, excepto se se entender restritivamente por referentes os objectos do mundo real. Os enunciados do texto literário também denotam e fazem referência, simplesmente “ constituem uma ficcionalizaçao d acto de denotar, manifestam uma pseudo-referencialidade, porque as condições e os objectos da referência são produzidos pelo próprio texto (por isso a pseudo- referencialidade se identifica, sob váriaos aspectos, com auto- referencialidade). Os referentes do texto literário constituem objectos de ficção, isto é, objectos que não não existem no mundo empírico, que não são factualmente verdadeiros. Texto, intertextualidade3 e intertexto Todo o texto verbal apresenta como dimensão construtiva múltiplas relaçoes dialógicas com outros textos. Estas relações pressupõem necessariamente a langue, que possibilita e garante a interindividualidade dos signos, mas não existem no sistema linguístico, manifestando-se a nível da enunciação e, por conseguinte, da produação textual.1 Conjunto de regras pragmáticas que prescrevem como estabelecer as possíveis relações entre o mundo construido pelo texto literário e o mundo empírico, actual. 2 Aguiar & Silva (2002: 640), Teoria da Literatura, 8.ª ed. Lisboa, Almedina. 3 Ver unidade 20. Centro de Ensino à Distância 16 O texto é sempre, sob modalidades várias, um intercâmbio, discursivo no qual se entrucruzam-se, se metamorfoseiam, se corroboram ou se contestam outros textos, outras vozes e outras consciências. Definindo-se intertextualidade como a interacção semiótica de um texto com outros textos, definir-se-á intertexto como o texto ou o corpus de textos com os quais um determinado texto mantém aquele tipo de interacção. Michael Riffaterre, como intento de evitar as ambiguidades e imprecisões resultantes de um conecito muito lato de intertexto, propõe que se defina a intertextualidade como uma relação regida por uma identidade estrutural, devendo ser considerados o texto e o seu sobredeterminado pelo hipograma. Pode-se afirmar, porém que o fenómeno da intertextualidade desempenha, quer na produção, quer na recepção literárias, uma função relevante, que não encontra paralelo em qualquer outra classe de textos. A intertextualidade desempenha uma função complexa e contraditória nos processos de homeostase e de mudança do sistema semiótico literário. Por um lado, a intertextualidade representa a força, a autoridade e o prestígio da memória do sitema, da tradição literária. Por outro, a intertextualidade, porém, pode funcionar como meio de desqualificar, de contestar e destruir a tradição literária, o código literáio vigente. Quer a função corrobradora, quer a função contestatária da intertextualidade dependem imediatamente da metalinguagem literária , exemplo: a metaliguagem do neoclassicismo justifica, aconselha e impõe a função corroboradora, ao passo que a metalinguagem dos movimentos de vanguarda proclama a necessidade da função contestatária e subversiva e, mediatamente, da ideologia correlacionada com aquela metalinguagem. Exercícios 1. Discorra sobre os conceitos de ficcionalidade e intertextualidade. 2. “A obra literária, devido à potência especial da linguagem poética, cria uma objectualidade própria, um heterocosmo contextualmente fechado. Essa realidade nova, criada pela ficção poética, não deixa de ter, porém, uma relação significativa com o real objectivo.” a) Comente. 3. Discorra sobre os conceitos de texto e intertexto. Centro de Ensino à Distância 17 Unidade 04: Do conceito da Literatura ao conceito da Literariedade Introdução Já reparou que nas unidades anteriores referimo-nos a vários problemas que tornam difícil encontrar respostas satisfatórias sobre o conceito de literária. Essa preocupação não termina nunca. Já no início do século XX, um grupo de teóricos da literatura, mais tarde denominados formalistas russos imaginou que seria possível determinar uma propriedade, presente nas obras literárias, que as caracterizaria como pertencentes à literatura. Para denominar esta propriedade, criaram o termo literaturnost, que foi traduzido para a língua portuguesa como literariedade. Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de: Objectivos Compreender o fenómeno da literariedade; Identificar o movimento teórico que propõe o termo literariedade nas obras literárias. De acordo a proposta dos teóricos russos a que acabamos de apresentar-te, surgiu outra questão não menos relevante: Mas será que esta propriedade existiria mesmo? A resposta poderá ser decepcionante, para o leitor interessado apenas em opiniões definitivas e irrefutáveis, porque há argumentos tanto a favor de um sim quanto de um não. A argumentação positiva sustentaria que existe a "literariedade", porque podemos verificar objectivamente a existência de propriedades ou características que, quando presentes numa obra qualquer, permitem-nos não só classificá-la como literária, como também inscrevê-la num estilo de época. Nesta ordem de ideias a "literariedade" seria aquela propriedade, caracteristicamente "universal" do literário, que se manifestaria no "particular", em cada obra literária. Contudo, é bom lembrar que, em vez de imaginar que a "literariedade" é um universal que se manifesta no particular, podemos também supor o contrário: a "literariedade" seria um particular que se pretende universal. Nesta perspectiva, "literariedade" seria um rótulo que receberiam os critérios socialmente estabelecidos para se considerar uma obra como Centro de Ensino à Distância 18 pertencente à literatura. Assim, o pesquisador seleccionaria, dentre todas as obras de natureza verbal, aquelas que possuíssem a tal "literariedade", para formar a lista das obras reconhecidas como literárias. Por outro lado, a argumentação contra a existência de uma propriedade que possibilitasse a identificação de uma obra como literária afirma que o termo "literariedade" não teria um conteúdo permanente, mas variável. Em outras palavras, Roman Jakobson poderia ter-se equivocado, ao imaginar a "literariedade" como "aquilo que faz uma mensagem verbal uma obra de arte" porque "aquilo" variaria de acordo com o momento. Poderia ser algo diferente, caso adoptássemos o ponto de vista do Renascimento ou do Modernismo, por exemplo. No entanto, se concebermos a "literariedade" como sujeita a mudanças, será que isto não significaria que não podemos mais determinar, com um certo grau de precisão, o que vem a ser literatura? Como então ficariam os estudos literários, se seu objecto não tem delimitação precisa? Para começar, a própria mudança nos critérios e concepções sobre o que é literatura pode ser matéria de estudo para o estudioso da literatura. Quando se volta para o que o passado considerou literatura, ele confronta a sua perspectiva presente com as anteriores. Os modos de produção de sentido do presente interrogam os do passado, a formação social dele entra em contacto com outra formação, às vezes profundamente diferente da sua. Mas, se podemos verificar, em diversos momentos, modificações nas concepções e critérios sobre o que é literatura, será que isto nos conduziria necessariamente a um cepticismo de tal ordem que passaríamos a duvidar da própria possibilidade de existência de um objecto de pesquisa, suficientemente delimitado? Não, pois a mudança não implica necessariamente caos ou anomia. Na verdade, em cada período histórico podemos observar uma certa ordem, a partir da qual se estabelecem, com maior ou menor rigidez, as fronteiras do literário. Sumário Literariedade, é tudo o que faz com que uma obra seja literária: estranhamentos, tropos ou figuras de estilo, etc. Exercícios 1. A "literariedade" seria aquela propriedade, caracteristicamente "universal" do literário, que se manifestaria no "particular", em cada obra literária” Centro de Ensino à Distância 19 a) Comente a citação. Centro de Ensino à Distância 20 Unidade 05: Arte e Estética Introdução Nesta unidade, centrar-nos-emos na diferenciação dos termos estética, natureza e funções da Arte, o que nos vai permitir sobremaneira compreender o que constitui ou não a obra de criação artística, bem como os princípios que regulam os desvios à normas artísticas. Ao completar esta unidade / lição,você será capaz de: Objectivos Diferenciar os termos arte e valores estéticos; Diferenciar os termos útil e Belo; Arte = unidade do eterno e do novo, aparentemente impossível, realizada pelos e para os humanos. A arte pode ser o caminho do instituído ao instituinte. Um leve deslocamento do sentido instituído e a explosão de um outro sentido. Transfiguração do existente numa outra realidade, que o faz renascer sob a forma de uma obra. As obras de arte realizam o desvendamento do mundo recriando o mundo noutra dimensão e de tal maneira que a realidade não está aquém e nem na obra, mas é a própria obra de arte. Arte vem do latim ars que corresponde ao termo grego techne (técnica), significando: o que é ordenado ou toda espécie de actividade humana submetida a regras. Seu campo semântico se define em oposição ao acaso, ao espontâneo e ao natural. Assim sendo, arte é um conjunto de regras para dirigir uma actividade humana qualquer. Nessa perspectiva falamos em arte médica, poética, política, bélica, retórica etc. Platão não a distinguia das ciências nem da Filosofia, uma vez que, como a arte, estas são actividade ordenadas. Aristóteles estabelece uma distinção entre acção (práxis) e fabricação (poiesis). A política e a ética são ciências da acção. As artes ou técnicas são actividades de fabricação. Centro de Ensino à Distância 21 Plotino distingue técnicas ou artes cuja finalidade é auxiliar a Natureza (medicina, agricultura) daquelas cuja finalidade é fabricar um objecto com os materiais oferecidos pela Natureza (artesanato). Distingue também outro conjunto de técnicas que não se relacionam com a Natureza, mas apenas com o homem, para torná-lo melhor ou pior (música e retórica, por exemplo). A classificação das técnicas ou artes seguirá um padrão calcado na estrutura social fundada na escravidão, que despreza o trabalho manual. O historiador romano Varrão ofereceu uma classificação que perdurou do séc. II d.C. ao séc XV: artes liberais (gramática, retórica, lógica, geometria, astronomia e música – própria dos homens livres) e artes mecânicas (medicina, arquitectura, agricultura, pintura, escultura, olaria, tecelagem etc – própria do trabalhador manual). Essa classificação será justificada por Santo Tomás de Aquino (Idade Média) como diferença entre as artes que dirigem o trabalho da razão e as artes que dirigem o trabalho das mãos. Somente a alma é livre e o corpo é uma prisão. Assim as artes liberais são superiores as artes mecânicas. A partir da Renascença, com o humanismo que dignifica o corpo humano, passa-se a valorizar as artes mecânicas. Além disso, a medida que o capitalismo se desenvolve, o trabalho passa a ser considerado fonte e causa de riquezas. No final do séc. XVII e a partir do XVIII, distinguiram-se as finalidades das artes mecânicas: as que tem por finalidade serem úteis aos homens (medicina, agricultura, culinária, artesanato) e aquelas cuja finalidade é o belo (pintura, escultura, arquitectura, poesia, música, teatro, dança). Com a ideia do belo surge as sete artes ou belas artes. Com a distinção entre o útil e o belo, leva a noção da arte como acção individual vinda da sensibilidade do artista como génio criador. Com a criação do belo (finalidade da arte) torna-se inseparável a figura do público, que julga e avalia o objecto artístico conforme tenha realizado ou não a beleza. Surge o conceito de juízo de gosto, estudado amplamente por Kant. Génio criador (do lado do artista) beleza, (do lado da obra); juízo de gosto (do lado do público) constituem os pilares sobre os quais se erguerá uma disciplina filosófica: a estética. Porém, desde o final do século XIX e durante o séc. XX, modificou-se a relação entre arte e técnica. As artes passaram a ser concebidas menos como criação genial e mais como expressão criadora, isto é, como transfiguração do visível, do sonoro, do movimento, da linguagem, dos gestos em obras artística. Centro de Ensino à Distância 22 A arte não perde, necessariamente, seu vínculo com a ideia de beleza, mas a subordina a outros valores. As artes não pretendem imitar a realidade, nem pretendem ser ilusões sobre a realidade, mas exprimir por meios artísticos, a realidade. Obra de Arte: sensibiliza; emociona; atrai; choca; chama atenção; desperta curiosidade; identidade; cria asbstracção; deleita Estética O significado da beleza e a natureza da arte têm sido objecto da reflexão de numerosos autores desde as origens do pensamento filosófico, mas somente a partir do século XVIII, com a obra de Kant, a estética começou a configurar-se como disciplina filosófica independente. Ciência da criação artística, do belo, ou filosofia da arte, a estética tem como temas principais a génese da criação artística e da obra poética, a análise da linguagem artística, a conceituação dos valores estéticos, as relações entre forma e conteúdo, a função da arte na vida humana e a influência da técnica na expressão artística. Os primeiros teóricos da estética foram os gregos, mas como "ciência do belo" a palavra aparece pela primeira vez no título da obra do filósofo alemão Alexander Gottlieb Baumgarten, Æesthetica (1750-1758). A partir dessa obra, o conceito de estética restringiu-se progressivamente até chegar a referir-se à reflexão e à pesquisa sobre os problemas da criação e da percepção estética. O objecto da estética, segundo Hegel, é o belo artístico, criado pelo homem. A raiz da arte está na necessidade que tem o homem de objectivar seu espírito, transformando o mundo e se transformando. Não se trata de imitar a natureza, mas de transformá-la, a fim de que, pela arte, possa o homem exprimir a consciência que tem de si mesmo. O valor ou o significado da arte é proporcional ao grau de adequação entre a ideia e a forma, proporção que permite a divisão e classificação das artes. Centro de Ensino à Distância 23 Sumário Arte refere-se a toda a espécie de actividade humana submetida a regras, ou melhor, conjunto de regras para dirigir uma actividade humana qualquer. Estética “ciência do belo” Exercícios 1. Diga qual é a relação existente entre arte e estética. 2. Refira-se às funções da arte. Centro de Ensino à Distância 24 Unidade 06: Texto Literário vs texto Não-Literário Introdução O Texto Literário distingue-se, nomeadamente, pelo facto de transformar a realidade, servindo-se dela como modelo para a arquitectar mundos “fantásticos”, que só existem textualmente e que se estabelecem através da metáfora, da caricatura, da alegoria e pela verosimelhança. Esta perpectiva literária é sobre a qual nos propomo delimitar o conceito do texto literário. Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de: Objectivos Distinguir o texto literário do não-literário. Texto Literário, Texto Não-Literário Imaginemos que, na comunicação quotidiana, alguém nos diga a seguinte frase: "Uma flor nasceu no chão da minha rua!" Conforme as circunstâncias em que é dita, isto é, de acordo com a situação de fala, entendemos que se refere a algo que realmente ocorreu, corresponde a um facto anterior ao seu enunciado e de fácil comprovação. Mesmo diante de sua transcrição escrita, o que nela se comunica basicamente permanece. Num ou noutro caso, para trazer essa informação, o nosso interlocutor selecionou uma sériede palavras do idioma que nos é comum e, de acordo com as regras que presidem o seu funcionamento e que todos conhecemos, as dispôs numa sequência. A selecção feita e a sucessão estabelecida conferem à frase uma significação que pode ser submetida à prova da verdade em relação à realidade imediata. Como é fácil concluir, é isso que acontece ao nos comunicarmos no dia-a-dia do nosso convívio social. Retomemos a nossa frase inicial, agora ligeiramente modificada e combinada com outros elementos: Centro de Ensino à Distância 25 Uma flor nasceu na rua! Passem de longe, bondes, ônibus, rios de aço do tráfego. Uma flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto. Façam completo silêncio, paralisem os negócios, Garanto que uma flor nasceu Sua cor não se percebe. Suas pétalas não se abrem. Seu nome não está nos livros. É feia. Mas é realmente uma flor. Percebemos, desde logo, que estamos diante de uma utilização especial da língua que falamos. O ritmo que caracteriza o texto, a natureza do que se comunica e, ao chegar até nós por escrito, a distribuição das palavras no espaço do papel, justificam essa conclusão. A nossa frase-exemplo depende também, como acto linguístico que é, da gesticulação e da entoação que a acompanharem ao ser enunciada; por força, entretanto, de sua situação nesse conjunto e da associação com as demais afirmações que a ela se vinculam, abre-se para um sentido múltiplo, ganha marcas de ambiguidade: no contexto do fragmento transcrito e da totalidade do poema de que faz parte – "A flor e a náusea", de Carlos Drummond de Andrade – podemos entender essa flor como esperança de mudança, por exemplo. Mas esse sentido que o texto a ela confere não reproduz nenhuma realidade imediata; nasce tão- somente do próprio texto. A flor dessa rua deixa de ser um elemento vegetal para alçar-se à condição de símbolo, ganha uma significação que vai além do real concreto e que passa a existir em função do conjunto em que a palavra se encontra. É claro que os versos remetem a uma realidade dos homens e do mundo, mas muito mais profunda do que a realidade imediatamente perceptível e traduzida no discurso comum das pessoas. É o que acontece com essa modalidade de linguagem, a linguagem da literatura, tanto na prosa, como nas manifestações em verso. Na prosa, por exemplo, podemos encontrar a palavra flor em outro contexto linguístico e com outro sentido, que lhe é conferido exactamente por essa nova circunstância: trata-se do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, onde o termo parece numa afirmação vinculada a um famoso personagem criado pelo escritor: "Uma flor, o Quincas Borba". Aí está um conteúdo inteiramente distinto do que se configura no poema drummondiano e que só pode ser percebido plenamente, na força de sua causticante ironia, quando a frase é considerada na totalidade do romance de que faz parte. É possível perceber a estreita relação entre a dimensão linguística e a dimensão literária que envolve a significação das palavras quando estas integram o sistema semiótico que é o texto literário. Centro de Ensino à Distância 26 Os três exemplos que acabamos de examinar permitem algumas conclusões: A fala ou discurso é, no uso quotidiano, um instrumento da informação e da acção e não exige, no mais das vezes, atitude interpretativa. A significação das palavras, nesse caso, tem por base o jogo de relações configuradoras do idioma que falamos. A fala comum se caracteriza pela transparência. O mesmo não acontece com o discurso literário. Este encontra-se a serviço da criação artística. O texto da literatura é um objecto de linguagem ao qual se associa uma representação de realidades físicas, sociais e emocionais mediatizadas pelas palavras da língua na configuração de um objecto estético. O texto repercute em nós na medida em que revele emoções profundas, coincidentes com as que em nós se abriguem como seres sociais. O artista da palavra, compartícipe da nossa humanidade, incorpora elementos dessa dimensão que nos são culturalmente comuns. Nosso entendimento do que nele se comunica passa a ser proporcional ao nosso repertório cultural, enquanto receptores e usuários de um saber comum. O discurso literário traz, em certa medida, a marca da opacidade: abre-se a um tipo específico de descodificação ligado à capacidade e ao universo cultural do receptor. Já se percebe o alto índice de multisignificação dessa modalidade de linguagem que, de antemão, quando com ela travamos contacto, sabemos ser especial e distinta da modalidade própria do uso quotidiano. Quem se aproxima do texto literário sabe a priori que está diante de manifestação da literatura. Exercícios 1. Por palavras suas, distinga o texto literário do não literário. Centro de Ensino à Distância 27 Unidade 07: Função da Literatura Introdução Desde os primeiros tempos em que o homem começou a estudar a arte literária, o questionamento sobre natureza e função da literatura tem sido assunto de muitas controvérsias. Nesta unidade, portanto, vamos analisar a função da literatura ao longo dos tempos. Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de: Objectivos identificar as funções que a literatura foi adquirindo dos tempos, desde Horácio à contempraneidade. Os conhecidos versos de Horácio que assinalam com finalidade da poesia aut prodesse aut delectare, não implicam um conceito de poesia autónoma, de uma poesia exclusivamente fiel a valores poéticos, ao lado de uma poesia pedagógica. O prazer, o dulce referido por Horácio e mencionado por uma longa tradição literária europeia de raiz horaciana, conduz antes a uma concepção hedonista da poesia, o que constitui ainda um meio de tornar dependente, e quantas vezes de subalternizar lastimavelmente, a obra poética. De feito, até meados do século XVIII, confere-se à literatura, quase sem excepção, ou uma finalidade hedonista ou uma finalidade pedagógico-moralista. E dizemos quase sem excepção, porque alguns casos se podem mencionar nos quais se patenteia com maior ou menor acuidade a consciência da autonomia da literatura. Calímaco, por exemplo, característico representante da cultura helenística, procura e cultiva uma poesia original, rica de belos efeitos sonoros, de ritmos novos e gráceis, alheia a motivações morais. Séculos mais tarde, alguns trovadores provençais transformaram a sua actividade poética numa autêntica religião da arte, consagrando-se de modo total à criação do poema e ao seu aperfeiçoamento formal, excluindo dos seus propósitos qualquer intenção utilitária. Um fino conhecedor da literatura medieval, o Prof. Antonio Viscardi, escreve a este respeito: "O que conta é a fé nova da arte, em que todos observam e praticam com devoção sincera". Desta fé nasce o sentido trovadoresco da arte que é o fim de si mesma. A arte pela arte é descoberta dos trovadores. Já atrás nos referimos, acerca das doutrinas da arte pela arte, a Centro de Ensino à Distância 28 uma importante finalidade frequentemente assinalada à literatura: a evasão. Em termos genéricos, a evasão significa sempre a fuga do eu a determinadas condições da vida e do mundo, de um mundo imaginário, diverso daquele de que se foge, e que funciona como sedativo, como ideal compensação, como objectivação de sonhos e de aspirações. A evasão, como fenómeno literário, é verificável quer no escritor quer no leitor. Deixando para ulterior e breve análise o casodeste último, examinemos primeiramente os principais aspectos da evasão no plano do criador literário. Na origem da necessidade que o escritor experimenta de se evadir, podem actuar diversos motivos. Entre os mais relevantes, contam- se os seguintes: a) Conflito com a sociedade: o escritor sente a mediocridade, a vileza e a injustiça da sociedade que o rodeia e, numa atitude de amargura e de desprezo, foge a essa sociedade e refugia-se na literatura. Este problema da incompreensão e do conflito entre o escritor e a sociedade agravou-se singularmente a partir do pré- romantismo, em virtude sobretudo das doutrinas de Rousseau acerca da corrupção imposta ao homem pela sociedade, e atingiu com o romantismo uma tensão exasperada. Nesta oposição em que se defrontam o escritor e a sociedade, desempenha primacial papel o sentimento de unicidade que existe em todo o artista autêntico. b) Problemas e sofrimentos íntimos que torturam a alma do escritor e aos quais este foge pelo caminho da evasão. A inquietação e o desespero dos românticos – o mal du siècle – estão na origem da fuga ao circunstante e do anélito por uma realidade desconhecida. O tédio, o sentimento de abandono e de solidão, a angústia de um destino frustrado constituem outros tantos motivos que abrem a porta da evasão. c) Recusa de um universo finito, absurdo e radicalmente imperfeito. Geralmente, esta recusa envolve um sentido metafísico, pois implica uma tomada de posição perante os problemas da existência de Deus, da finalidade do mundo, do significado do destino humano, etc. Lembremos a revolta dos românticos ante o mundo finito, ou a fuga dos surrealistas de um mundo falsificado pela razão. A evasão do escritor pode realizar-se, no plano da criação literária, de diferentes modos: (i) Transformando a literatura numa autêntica religião, numa actividade tiranicamente absorvente no seio da qual o artista, empolgado pelas torturas e pelos êxtases da sua criação, esquece o mundo e a vida. Flaubert e Henry James são dois altíssimos Centro de Ensino à Distância 29 exemplos desta evasão através do culto fanático da arte. (ii) Evasão no tempo, buscando em épocas remotas a beleza, a grandiosidade e o encanto que o presente é incapaz de oferecer. Assim os românticos cultivaram frequentemente, pelo mero gosto da evasão, os temas medievais, tal como os poetas da arte pela arte, como vimos, se deleitaram com a antiguidade greco-latina. (iii) Evasão no espaço, manifestando-se pelo gosto de paisagens, de figuras e de costumes exóticos. O Oriente constituiu em todos os tempos copiosa fonte de exotismo, mas não devemos esquecer outras regiões igualmente importantes sob este aspecto, como a Espanha e a Itália para os românticos (Gautier, Mérimée, Stendhal) e as vastas regiões americanas para alguns autores pré- românticos e românticos (Prévost, Saint-Pierre, Chateubriand, escritores indianistas do romantismo brasileiro, etc.). (iv) A infância constitui um domínio privilegiado da evasão literária. Perante os tormentos, as desilusões e as derrocadas da idade adulta, o escritor evoca sonhadoramente o tempo perdido da infância, paraíso distante onde vivem a pureza, a inocência, a promessa e os mitos fascinantes. (v) A criação de personagens constitui outro processo frequentemente utilizado pelo escritor, particularmente pelo romancista, para se evadir. A personagem, plasmada segundo os mais secretos desejos e desígnios do artista, apresenta as qualidades e vive as aventuras que o escritor para si baldadamente apetecera. (vi) O sonho, os paraísos artificiais provocados pelas drogas e pelas bebidas, a orgia, etc., representam outros processos de evasão com larga projecção na literatura. A literatura romântica e simbolista oferece muitos exemplos destas formas de evasão. Actividade 1 1. Umas das funções da literatura é o evasionismo. Em termos gerais, diga o que significa o termo evasão. 2. Diga como se pode realizar a evasão de escritor no plano da criação literária. Função da literatura segundo Platão e Aristóteles Na estética platónica aparece o problema da literatura como conhecimento, embora o filósofo conclua pela impossibilidade de a obra poética poder ser um adequado veículo de conhecimento. Centro de Ensino à Distância 30 Segundo Platão, a imitação poética não constitui um processo revelador da verdade, assim se opondo à filosofia que, partindo das coisas e dos seres, ascende à consideração das Ideias, realidade última e fundamental; a poesia, com efeito, limita-se a fornecer uma cópia, uma imitação das coisas e dos seres que, por sua vez, são uma mera imagem (phantasma) das Ideias. Quer dizer, por conseguinte, que a poesia é uma imitação de imitações e criadoras de vãs aparências. Este mesmo problema assume excepcional relevo em Aristóteles, pois na Poética claramente se afirma que "a Poesia é mais filosófica e mais elevada do que a História, pois a Poesia conta de preferência o geral e, a História, o particular". Por conseguinte, enquanto Platão condena a mimese poética como meio inadequado de alcançar a verdade, Aristóteles considera-a como instrumento válido sob o ponto de vista gnosiológico: o poeta, diferentemente do historiador, não representa factos ou situações particulares; o poeta cria um mundo coerente em que os acontecimentos são representados na sua universalidade, segundo a lei da probabilidade ou da necessidade, assim esclarecendo a natureza profana da acção humana e dos seus móbeis. O conhecimento assim proposto pela obra literária actua depois no real, pois se a obra poética é "uma construção formal baseada em elementos do mundo real", o conhecimento proporcionado por essa obra tem de iluminar aspectos da realidade que a permite. Actividade 2 Platão e Aristóteles contradizem-se quanto ao conhecimento como finalidade fundamental da literatura. Comente. Função da literatura no Romantismo Apenas com o romantismo e a época contemporânea voltou a ser debatido, com profundidade e amplidão, o problema da literatura como conhecimento. Na estética romântica, a poesia é concebida como a única via de conhecimento da realidade profunda do ser, pois o universo aparece povoado de coisas e de formas que, aparentemente inertes e desprovidas de significado, constituem a presença simbólica de uma realidade misteriosa e invisível. O mundo é um gigantesco poema, uma vasta rede de hieróglifos, e o poeta decifra este enigma, penetra na realidade invisível e, através da palavra simbólica, revela a face oculta das coisas. Schelling afirma que a "natureza é um poema de sinais secretos e misteriosos" e von Arnim refere-se à poesia como a forma de conhecimento da realidade íntima do universo: o poeta é o vidente que alcança e interpreta o desconhecido, reencontrando a unidade primordial que se reflecte analogicamente nas coisas. "As obras poéticas, acentua von Arnim, não são verdadeiras daquela verdade Centro de Ensino à Distância 31 que esperamos da história e que exigimos dos nossos semelhantes, nas nossas relações humanas; elas não seriam o que procuramos, o que nos procura, se pudessem pertencer inteiramente à terra. Porque toda a obra poética reconduz ao seio da comunidade eterna o mundo que, ao tornar-se terrestre, daí se exilou. Chamamos videntes os poetas sagrados; chamamos vidência de uma espécie superior à criação poética...". Nestes princípios da estética romântica encontra-se já explicitamente formulado o tema do poeta vidente de Rimbaud, o poeta da aventura luciferiana rumo ao desconhecido: "Digo que é necessário ser vidente, fazer-se vidente.– O Poeta torna-se vidente através de um longo, imenso e racional desregramento de todos os sentidos. Inefável tortura em que tem necessidade de toda a fé, de toda a força sobre-humana, em que se torna, entre todos, o grande doente, o grande criminoso, o grande maldito, - e o supremo Sábio! – Porque chega ao desconhecido!" Assim a poesia se identifica com a experiência mágica e a linguagem poética se transforma em veículo do conhecimento absoluto, ou se volve mesmo, por força encantatória, em criadora de realidade. Através sobretudo de Rimbaud e de Lautréamont, a herança romântica da poesia como vidência é retomada pelo surrealismo, que concebe o poema como revelação das profundezas vertiginosas do eu e dos segredos da supra-realidade, como instrumento de perquisição psicológica e cósmica. A escrita automática representa a mensagem através da qual o mistério cósmico – o "acaso objectivo" (le hasard objectif), na terminologia do movimento surrealista – se desnuda ao homem; e a intuição poética, segundo Breton, fornece o fio que ensina o caminho da gnose, isto é, o conhecimento da realidade supra-sensível, "invisivelmente visível num eterno mistério". Actividade 3 Explique por palavras tuas a finadade da literatura, de acordo com a estética romântica. Função da literatura na época contemporânea Contemporaneamente, a questão da literatura como conhecimento tem preocupado particularmente a chamada estética simbólica ou semântica – representada sobretudo por Ernest Cassirer e Susanne Langer - , para a qual a literatura, longe de constituir uma diversão ou actividade lúdica, representa a revelação, através das formas simbólicas da linguagem, das infinitas potencialidades obscuramente pressentidas na alma do homem. Cassirer afirma Centro de Ensino à Distância 32 que a poesia é "a revelação da nossa vida pessoal" e que toda a arte proporciona um conhecimento da vida interior, contraposto ao conhecimento da vida exterior oferecido pela ciência, e Susanne Langer igualmente considera a literatura como revelação "do carácter da subjectividade", opondo o modo discursivo, próprio do conhecimento científico, ao modo apresentativo, próprio do conhecimento proporcionado pela arte. Para alguns estetas e críticos, porém, a literatura constitui um domínio perfeitamente alheio ao conhecimento, pois enquanto este dependeria do raciocínio e da mente, aquela vincular-se-ia ao sentimento e ao coração, limitando-se a comunicar emoções. A literatura, com efeito, não é uma filosofia disfarçada, nem o conhecimento que transmite se identifica com conceitos abstractos ou princípios científicos. Todavia, a ruptura total entre literatura e actividade cognoscitiva representa uma inaceitável mutilação do fenómeno literário, pois toda a obra literária autêntica traduz uma experiência humana e diz algo acerca do homem e do mundo. "Objectivação, de carácter qualitativo, do espírito do homem", a literatura exprime sempre determinados valores, dá forma a uma cosmovisão, revela almas – em suma, constitui um conhecimento. Mesmo quando se transforma em jogo e se degrada em factor de entretenimento, a literatura conserva ainda a sua capacidade cognoscitiva, pois reflecte a estrutura do universo em que se situam os que assim a cultivam. Longe de ser um divertimento de diletantes, a literatura afirma-se como meio privilegiado de exploração e de conhecimento da realidade interior, do eu profundo que as convenções sociais, os hábitos e as exigências pragmáticas mascaram continuamente: "A arte digna deste nome – escreve Marcel Proust – deve exprimir a nossa essência subjetiva e incomunicável. [...] O que não tivemos que decifrar, esclarecer através do nosso esforço pessoal, o que era claro antes de nós, não nos pertence. Não vem de nós próprios senão o que arrancamos da obscuridade que está em nós e que os outros não conhecem". Actividade 4 A literatura afirma-se como meio privilegiado de exploração e de conhecimento da realidade interior, do eu profundo que as convenções sociais, os hábitos e as exigências pragmáticas mascaram continuamente. Comente. Sumário Cada período histórico produz sua literatura com uma marca particular, seja pelas técnicas de produção, ou seus modos de recepção e, sobretudo sua definição enquanto prática social e Centro de Ensino à Distância 33 actividade humana. Ao desses tempos a literatura desempenhou entre várias funções: prazer e o doce; evasão, conhecimento profundo do ser humano, diversão, etc. Exercícios 1. Aponte a função da literatura desde horácio até a contemporaneidade. 2. Diga em que reside o paradoxo da função da literatura concebido por Platão e Aristóteles. 3. Quer o romantismo, quer a contemporaneidade discutem a literatura como um conhecimente. Identifique os aspectos diferenciadores. Centro de Ensino à Distância 34 Unidade 08: Semiose Literária: Sistema, Código (s) e Texto Literário Introdução Partindo do princípio de que o estudante já fez uma abordagem introdutória a conteúdos fundamentais desta disciplina, a presente unidade pretende alargar tais noções, particularmente no que diz respeito ao sistema semiótico literário. Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de: Objectivos Definir o conceito de semiótica; Caracterizar o sistema semiótico literário; Distinguir o sistema modelizante primário do secundário; Caracterizar o sistema semiótico literário, distinguindo – o dos outros. Semiótica A obra literária, como o próprio lexema “obra” denota, constitui o resultado de um fazer, de um produzir que, embora sendo também um processo de expressão, é necessária e primordialmente um processo de significação e de comunicação. [os semioticistas soviéticos] concebem as línguas naturais como sistemas modelizantes primários, e os sistemas semióticos culturais (arte, religião, mito, folclore, etc.), que se instituem, se organizam e desenvolvem sobre os sistemas modelizantes primários, como sistemas modelizantes secundários. O sistema semiótico literário representa assim um peculiar sistema modelizante secundário. Construindo-se sobre a língua natural, só podendo existir e desenvolver-se em indissolúvel interacção com a expressão e o conteúdo da língua natural, a literatura tem um sistema seu de signos e de regras para a sintaxe de tais signos, sistema que lhe é próprio e que lhe serve para transmitir comunicações peculiares, não transmissíveis com outros meios. A existência deste sistema semiótico, desta langue, é que possibilita a produção de textos literários e é que fundamenta a capacidade de estes mesmos textos funcionarem como objectos comunicativos no âmbito de uma determinada cultura. O texto literário é sempre codificado pluralmente: é codificado Centro de Ensino à Distância 35 numa determinada língua natural, de acordo com as normas que regulam esse sistema semiótico, e é codificado em conformidade com outro sistema semiótico, com outros códigos actuantes na cultura da colectividade em que se integra o seu autor / emissor: códigos métricos, códigos estilísticos, códigos retóricos, códigos ideológicos, etc. Esta pluricodificação gera um texto de informação altamente concentrada e quanto mais complexa for a estruturação de um texto, em função dos códigos que se intersectam, se combinam, se interinfluenciam na sua organização, tanto menor será a predizibilidade da sua informação e, por conseguinte,tanto mais rica esta se revelará. Nesta perspectiva, o código literário configura-se como um policódigo que resulta da dinâmica intersistémica e intra-sistémica de uma pluralidade de códigos e subcódigos pertencente ao sistema modelizante secundário que é a literatura e que entram em relação de interdependência – nuns casos, necessariamente; noutros casos, opcionalmente – com os códigos do sistema modelizante primário e com códigos de outros sistemas modelizantes secundários. Victor Manuel de Aguiar e Silva, Teoria da Literatura, Coimbra, Almedina, 1997, pp. 75, 95-6, 100 Sumário O sistema semiótico literário representa assim um peculiar sistema modelizante secundário. O código literário configura-se como um policódigo que resulta da dinâmica inter e intra-sistémica de uma pluralidade de códigos e subcódigos pertencentes ao sistema modelizante secundário. Exercícios 1. Defina semiótica 2. “O código literário configura-se como um policódigo que resulta da dinâmica intersistémica e intra-sistémica de uma pluralidade de códigos e subcódigos pertencente ao sistema modelizante secundário”. Explique a citação. 3. “O sistema semiótico literário representa assim peculiar sietema modelizante secundário, representa uma langue, na acepção semiótica do termo, que não coincide com a língua natural nem com extracto- funcional dessa”. Com base na transcrição, refira-se aos conceitos de sistema semiótico literário e de língua natural. Centro de Ensino à Distância 36 Unidade 09: Divisão Tripartida dos Géneros Literários: (Poética de Aristóteles e Platão) Introdução O conceito de género literário tem sofrido múltiplas variações históricas desde a antiguidade helénica até os nossos dias e permanece como um dos mais árduos da estética literária. Como poderá ver daqui até a unidade dezasseis iremos apresentar as diferentes concepções sobre os géneros literários que se foram dando ao longo da história literária. Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de: Objectivos Identificar a função e valor dos géneros literários; Referir-se sobre os géneros literários na concepção de Platão e de Aristóteles. O problema dos géneros literários relaciona-se intimamente com outros problemas de fundamental magnitude, como as relações do individual e do universal, as relações entre visão do mundo e forma artística, a existência ou inexistência de regras, etc, e estas implicações agravam a complexidade do assunto. Os géneros literários Existem ou não? Se existem, como deve ser concebida a sua existência? E qual a sua função, o seu valor? Considerando a questão numa perspectiva diacrónica, encontramos para estas perguntas muitas e discordantes respostas. E como os valores literários se afirmam e actuam na história, o modo mais adequado de abordar o problema dos géneros literários será adoptar a perspectiva diacrónica e analisar as mais significativas soluções concedidas a tal problema no percurso da história. Platão, no livro III de A República, estabeleceu uma fundamentação e uma classificação dos géneros literários que, tanto pela sua relevância intrínseca como pela sua influência ulterior, devem ser consideradas como um dos marcos fundamentais da genologia, isto é, da teoria dos gêneros literários. Segundo Platão, todos os textos literários ("tudo quanto dizem os prosadores e poetas") são "uma narrativa de acontecimentos passados, presentes e futuros". Na categoria global da diegese, distingue Platão três modalidades: (i) a simples narrativa, (ii) a imitação ou mímese e (iii) uma modalidade mista, esta última, conformada pela associação das duas anteriores modalidades. A Centro de Ensino à Distância 37 simples narrativa, ou narrativa estreme, ocorre quando «é o próprio poeta que fala e não tenta voltar o nosso pensamento para outro lado, como se fosse outra pessoa que dissesse, e não ele»; a imitação, ou mímese, verifica-se quando o poeta como que se oculta e fala «como se fosse outra pessoa», procurando assemelhar «o mais possível o seu estilo ao da pessoa cuja fala anunciou», sem intromissão de um discurso explícita e formalmente sustentado pelo próprio poeta ("[...] é quando se tiram as palavras do poeta no meio das falas, e fica só o diálogo"); a modalidade mista da narrativa comporta segmentos de simples narrativa e segmentos de imitação. Estas três modalidades do discurso consubstanciam-se em três macro-estruturas literárias, em cada uma das quais são discrimináveis diversos géneros: "em poesia e em prosa há uma espécie que é toda de imitação, como tu dizes que é a tragédia e a comédia; outra, de narração pelo próprio poeta - é nos ditirambos que pode encontrar-se de preferência; e outra ainda constituída por ambas, que se usa na composição da epopéia e de muitos outros géneros". Assim, Platão lança os fundamentos de uma divisão tripartida dos géneros literários, distinguindo e identificando: (i) o género imitativo ou mimético, em que se incluem a tragédia e a comédia; (ii) o género narrativo puro, prevalentemente representado pelo ditirambo, e (iii) o género misto, no qual avulta a epopéia. Nesta tripartição, não é claro, nem a nível conceptual nem a nível terminológico, o estatuto da poesia lírica. Actividades 1 1. Platão lança os fundamentos de uma divisão tripartida dos géneros literários. a) identifique e caracterize cada um deles. Segundo Aristóteles, a matriz e o fundamento da poesia consistem na imitação: «Parece haver, em geral, duas causas, e duas causas naturais, na génese da Poesia. Uma é que imitar é uma qualidade congénita nos homens, desde a infância (e nisso diferem dos outros animais, em serem os mais dados à imitação e em adquirirem, por meio dela, os seus primeiros conhecimentos); a outra, que todos apreciam as imitações.» A mímese poética, que não é uma literal e passiva cópia da realidade, uma vez que apreende o geral presente nos seres e nos eventos particulares - e, Centro de Ensino à Distância 38 por isso mesmo, a poesia se aparenta com a filosofia -, incide sobre «os homens em acção», sobre os seus caracteres (ethe), as suas paixões (pathe) e as suas acções (praxeis). A imitação constitui, por conseguinte, o princípio unificador subjacente a todos os textos poéticos, mas representa também o princípio diferenciador destes mesmos textos, visto que se consubstancia com meios diversos, se ocupa de objectos diversos e se realiza segundo modos diversos. Consoante os meios diversos com que se consubstancia a mímese, torna-se possível distinguir, por exemplo, a poesia ditirâmbica e os nomos, por um lado, pois que são géneros em que o poeta utiliza simultaneamente o ritmo, o canto e o verso, e a comédia e a tragédia, por outro, pois que são géneros em que o poeta usa aqueles mesmos elementos só parcialmente (assim, na tragédia e na comédia o canto é apenas utilizado nas partes líricas). Se se tomar em consideração a variedade dos objectos da mímese poética, isto é, dos «homens em acção», os géneros literários diversificar-se-ão conforme esses homens, sob o ponto de vista moral, forem superiores, inferiores ou semelhantes à média humana. Os poemas épicos de Homero representam os homens melhores, as obras de Cleofonte figuram-nos semelhantes e as paródias de Hegemão de Taso imitam-nos piores. A tragédia tende a imitar os homens melhores do que os homens reais e a comédia tende a imitá-los piores; a epopeia assemelha-se à tragédia por ser uma «imitação de homens superiores». Finalmente, da diversidade dos modos por que se processa a imitação procedem importantes
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