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HMI HIPOMINERALIZAÇÃO de MOLARES e INCISIVOS Lourdes Santos-Pinto Camila Fragelli José Carlos Imparato sumário HIPOMINERALIZAÇÃO DE MOLARES E INCISIVOS Diagnóstico Etiologia HISTÓRICO, TERMINOLOGIA E CONCEITO 2001 2602 CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS, CRITÉRIOS E MÉTODOS AUXILIARES DE DIAGNÓSTICO 3403 CARACTERÍSTICAS ULTRAESTRUTURAIS DAS ALTERAÇÕES NO ESMALTE E SUAS IMPLICAÇÕES 4404 FUNDAMENTOS BIOLÓGICOS DOS DEFEITOS DE DESENVOLVIMENTO DO ESMALTE E O DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL 6405 PREVALÊNCIA DA HMI E ASSOCIAÇÃO COM A CÁRIE DENTÁRIA E OUTROS DEFEITOS DE ESMALTE: UMA QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA 7406 QUALIDADE DE VIDA 8207 MÉTODOS E ÍNDICES PARA O DIAGNÓSTICO 10 11 12 13 14 15 16 COMO INDIVIDUALIZAR O PLANO DE TRATAMENTO PARA O PACIENTE E O DENTE AFETADO PELA HMI? ORIENTAÇÃO DO COMPORTAMENTO CONTROLE DA DOR TRATAMENTO DE MOLARES AFETADOS TRATAMENTO ALTERNATIVO PARA MOLARES SEVERAMENTE AFETADOS OPÇÕES DE TRATAMENTO PARA INCISIVOS AFETADOS REABILITAÇÃO ESTÉTICA 132 144 152 164 174 182 194 102 112 08 09 FATORES SISTÊMICOS E AMBIENTAIS FATORES GENÉTICOS E ABORDAGEM FAMILIAR Tratamento 212 HIPOMINERALIZAÇÃO DE MOLARES DECÍDUOS 17 226 CONTRIBUIÇÕES DA PESQUISA BRASILEIRA NO ESTUDO DA HMI 18 TRATAMENTO 128 HMI Opacidades (branco/creme amarelo/marrom) Oclusal Medidas Preventivas Selante CIV Alterações Apulpares Alterações Apulpares Perda Estrutural Cárie Perda Estrutural Cárie Endodontia Endodontia Restauração CIV Restaurações CIV mod. por resina / RC Bandas Coroas Restaurações Indiretas Exodontia/Ortodontia Medidas Preventivas Medidas Preventivas Selante resinoso/ionomérico Oclusal Lisa Parcial Total Desfecho Primário Dentes Posteriores Irrupção Superfície Tratamento Tratamento Desfecho Secundário Avaliação do Risco à Cárie e Preservação Avaliação e Controle de Hipersensibilidade DECISÃO CLÍNICA A HMI é um problema complexo e diferentes possi- bilidades de tratamento têm sido propostas. A tomada de decisão ou a escolha do tratamento tem seu alicerce na constante análise de dados disponíveis na literatura, nos relatos dos pacientes e familiares e na experiência clínica reportada. Assim, para uma melhor orientação, elaboramos um diagrama que apresenta a estrutura bá- sica da análise de decisões para determinada situação clínica da HMI e a escolha dos protocolos de tratamento. A primeira etapa para a análise de decisões consis- te na identificação do problema, ou seja, na realização do diagnóstico utilizando as informações e ferramentas apresentadas nos Capítulos 01 a 09. Na segunda etapa cabe a tarefa de classificar o defeito com relação às suas 129 HIPOMINERALIZAÇÃO de MOLARES e INCISIVOS Opacidades Perda Estrutural Cárie Alterações Pulpares Endodontia Restauração Medidas Preventivas Medidas Preventivas Dessensibilização Infiltrante Dessensibilização Infiltrante Dessensibilização Restauração Dessensibilização Restauração Microabrasão Clareamento Infiltrante Microabrasão Clareamento Infiltrante Restauração Restauração Infiltrante Dessensibilização Pequena Pequena Pequena Pequena Grande Grande Grande Grande Não Não Sim Sim Não Não Não Não Sim Sim Sim Sim Amarelo/ Marron Branco/ Creme Dentes Anteriores Desfecho Primário Coloração Queixa Estética Hipersensibi- lidade Extensão Tratamento Tratamento Desfecho Secundário Avaliação do Risco à Cárie e Preservação Avaliação e Controle de Hipersensibilidade características clínicas que são determinantes na deci- são do tratamento (Capítulo 07). E finalmente, elencar os desfechos observados para a escolha do tratamen- to mais adequado. Nos capítulos que seguem (10-16) vocês encontrarão os detalhes das técnicas e materiais dos protocolos sugeridos nos diagramas 01 e 02. COMO INDIVIDUALIZAR O PLANO DE TRATAMENTO PARA O PACIENTE E O DENTE AFETADO PELA HMI? 10 Manuel Restrepo Restrepo Aline Leite de Farias Yasmy Quintero Moncada Lourdes Santos-Pinto HISTÓRIA CLÍNICA Atualmente não existe um consenso na literatura científica sobre as causas da HMI, entretanto, uma história clínica bem detalhada poderá sinalizar a re- lação entre o defeito, o tempo e os possíveis eventos de saúde associados (Quadros 01 e 02). Ainda pode revelar as expectativas da família e do paciente frente a uma determinada situação clínica e fornecer infor- mação sobre tratamentos recebidos previamente e o perfil colaborador da criança. Um diagnóstico precoce da Hipomineralização de Molares e Incisivos (HMI), acompanhado de uma adequada história clínica e documentação por meio de fotografias, radiografias e modelos de estudos, é fundamental para a elaboração de um plano de tra- tamento adequado, individualizado e ajustado às ne- cessidades do paciente e da família. Adicionalmente, deve-se considerar as implicações clínicas e terapêu- ticas das alterações estruturais, de composição e pro- priedades dos dentes hipomineralizados, conforme descrito no Capítulo 03. Registros incompletos, aná- lises inadequadas e desorganizadas, assim como a falta de planejamento, podem gerar resultados desfa- voráveis e frustração não só para o paciente e os seus pais, mas também para o profissional. 132 HMI Informação Relevância História familiar A HMI pode ter componente genético associado. Variações nos genes relacionados com a amelogê- nese estão associadas com a suscetibilidade de desenvolver HMI1,2. Fatores pré-natais e perinatais Entre as causas pré-natais, as doenças maternas durante a gestação (amigdalites, febre alta e es- tresse psicológico) têm sido relacionadas com a HMI3-5. Parto prematuro4 e baixo peso ao nascer3 também têm sido associados com a HMI. Doenças sistêmicas durante a infância (até os 3 anos de idade) Febre alta3,4,6, pneumonia, doenças respiratórias3,6-8 e otite média6-9 têm sido associadas ao desenvol- vimento da HMI. Medicamentos O uso de antibióticos tem sido associado à HMI. Estudos experimentais em ratos mostram que a amoxicilina pode provocar alterações durante a amelogênese, especificamente no estágio secretor da matriz de esmalte, sugerindo um atraso na aposição da matriz10. Outras condições médicas Alergias11, diabetes gestacional12, deficiências nutricionais (vitamina D)13 e infecções têm sido asso- ciadas com a HMI. QUESTIONÁRIO DE FATORES ETIOLÓGICOS PARA RESPONSÁVEIS DE PACIENTES COM HMI Nome do Paciente: Data de nascimento:_______________________________Lugar de nascimento: Nome do responsável pelo preenchimento do questionário: Grau de parentesco com a criança: ( ) mãe biológica_____( ) pai biológico_____( ) outro: Você teve alguma doença ou alteração sistêmica durante o último trimestre de da gestação? ( ) Sim_____Não ( ) Seu filho nasceu de quantas semanas de gestação? Qual o peso do seu filho ao nascer? Quanto tempo o seu filho foi amamentado exclusivamente por leite materno? Seu filho teve alguma doença respiratória durante os três primeiros anos de vida? ( ) Sim_____Não ( )_____Qual? Seu filho teve pelo menos um episódio de febre alta (> 39°C) durante os primeiros três anos de vida? ( ) Sim_____Não ( )_____ Seu filho teve alguma doença da infância (sarampo, catapora, caxumba) durante os primeiros três anos de vida? ( ) Sim_____Não ( )_____ Seu filho tomou antibióticos (amoxicilina, penicilina ou cefalosporina) durante os primeiros três anos de vida? ( ) Sim_____Não ( )_____Quais? Quadro 01 Informações relevantes da história clínica. Quadro 02 Modelo de questionário de fatores etiológicos para pacientes com HMI, tomado e modificado de Mejía JD et al.14. 133 HIPOMINERALIZAÇÃO de MOLARES e INCISIVOS MÉTODOS AUXILIARES DE DIAGNÓSTICO O exame radiográfico em crianças e adolescentes é importante para o diagnóstico, plano de tratamento, reavaliação e acompanhamento. O uso de radiogra- fias permite uma detecção precoce de transtornos de desenvolvimento, irrupção dos dentes, anomalias e patologias do complexo dento-maxilomandibular.Entretanto, é importante esclarecer que este tipo de exame não deve ser baseado na idade e sim na cir- cunstância individual de cada paciente. Assim, qual- quer exame radiográfico está indicado quando a in- formação obtida a partir dele beneficie o paciente ou influencie na decisão de tratamento, complementan- do os achados clínicos15. O diagnóstico das opacidades não é realizado em radiografias, no entanto; dentre as técnicas radiográ- ficas intraorais, a radiografia periapical está indicada quando se deseja examinar todo o dente e tecidos de suporte (Figura 02). Pode ser obtida com a técnica da bissetriz ou do paralelismo. Esta última é preferível porque é mais fácil de ser realizada e resulta em uma imagem mais confiável do dente e osso alveolar, com mínima distorção. Outra técnica intraoral é a interpro- ximal ou bitewing, a qual está indicada para determi- nar a presença e extensão de lesões de cárie dentária na superfície proximal e oclusal. Ainda, oferece infor- mação sobre o estado das restaurações (sobrecontor- no, distância do complexo dentino-pulpar e lesões de cárie secundária) e nível do osso alveolar (Figura 03). Entre as técnicas extraorais, a radiografia panorâ- mica é uma imagem que mostra em uma única toma- da, todas as estruturas ósseas e dentais da maxila e mandíbula (Figura 03). Nesta imagem é possível de- terminar as etapas de desenvolvimento da dentição, anomalias de forma, tamanho, posição, número de dentes e estágio de desenvolvimento radicular de to- dos os dentes. Estas informações são particularmen- te importantes caso se considerem exodontias den- tro do plano de tratamento. Em casos complexos que requerem consulta a outro profissional como, por exemplo, o ortodontista, a panorâmica e a telerradio- grafia lateral (Figura 04) são necessárias entretanto, a tomografia de feixe cônico tem permitido uma melho- ra na definição da imagem e precisão diagnóstica em comparação com as imagens bidimensionais16. 01 Radiografia periapical realizada para avaliar o dente 46 e os tecidos de suporte. 02 Radiografia interproximal realizada para avaliar a extensão do defeito associado à carie dentária na superfície oclusal do dente 46. 134 HMI 03 Radiografia panorâmica particularmente importante caso sejam consideradas exodontias dentro do plano de tratamento. 04 Telerradiografia lateral para avaliação caso extrações dos dentes afetados sejam consideradas. FOTOGRAFIAS E MODELOS DE ESTUDO As fotografias extra e intraoral são ferramentas úteis na odontologia e são parte essencial da prática con- temporânea, auxiliando no diagnóstico e plano de tratamento. As imagens extraorais podem ser de dois tipos: frontal e perfil (Figuras 05A-C). Elas permitem realizar uma análise vertical, determinar o espaço in- terlabial, a linha do sorriso, e fazer a aferição de dife- rentes ângulos, como o contorno facial, nasolabial e nasofrontal. Ainda, permite medir planos como o con- torno facial inferior e determinar a posição do mento, dos lábios e estabelecer a proporção facial vertical do terço inferior. As fotografias intraorais se dividem em: frontal da oclusão, lateral direita e esquerda, e oclusal superior e inferior (Figuras 06A-E). Estas últimas são importantes para classificar a forma do arco, iden- tificar anomalias de tamanho, posição e número de dentes, magnitude do apinhamento, detectar e acom- panhar defeitos na formação do esmalte como a HMI. Os modelos de estudo (em gesso ou digitais) também são auxiliares importantes no diagnóstico (Figuras 07A-C e 08A-D). São utilizados, principalmente, para prever o ta- manho mésio-distal dos dentes permanentes não irrom- pidos. Na dentição permanente são úteis para analisar o espaço (apinhamento), medir a profundidade da curva de Spee, avaliar a linha média dental, relação do molar na oclusão, relação canina, tamanho dentário e simetria dos arcos (anteroposterior e vestíbulo-lingual). Assim como nas fotografias, nos modelos de gesso ou digitais é pos- sível comparar as perdas estruturais pós irruptivas dos defeitos na HMI. Para estabelecer um adequado diagnós- tico e tratamento, é fundamental relacionar os achados dos modelos com o exame clínico e radiográfico. 05A-C Fotografias extraorais. Frente (A). Sorriso (B). Perfil (C). A B C 135 HIPOMINERALIZAÇÃO de MOLARES e INCISIVOS 06A-E Fotografias intraorais para acompanhamento do paciente com HMI. Frente (A). Lateral direita (B). Lateral esquerda (C). Oclusal superior (D). Oclusal inferior (E). Caso clínico cortesia de Mejía JD e Restrepo MR, Universidade CES (Colômbia). A C E B D 136 HMI 07A-C Modelos de gesso para diag- nóstico da oclusão e acompanhamento das perdas estrutu- rais dos defeitos de esmalte. 08A-D Modelos digi- tais para diagnóstico da oclusão e acompa- nhamento das perdas estruturais dos defeitos de esmalte (A-C). Evidência de de- talhes do defeito com a possibilidade de anotações importan- tes para controle (D). Caso clínico do Muñoz Instituto Odontológi- co, cortesia do Prof. Dr. Oscar Muñoz, Unesp. A A C C D B B 137 HIPOMINERALIZAÇÃO de MOLARES e INCISIVOS CÁRIE DENTÁRIA: AVALIAÇÃO DA SEVERIDADE/ATIVIDADE DA LESÃO E DO RISCO INDIVIDUAL A melhor evidência científica tem demonstrado asso- ciação positiva entre a HMI e cárie dentária17,18. Diante dessa situação é fundamental que o clínico avalie a se- veridade e atividade das lesões cariosas assim como, o risco individual à cárie dentária uma vez que essas informações irão orientar os objetivos, estratégias de tratamento e a frequência de retorno do paciente ao consultório odontológico. Para avaliação da severidade e atividade das le- sões de cárie dentária o clínico pode utilizar os crité- rios Nyvad19. Este é um método tátil-visual que con- tém 10 códigos para registrar os diferentes estágios das lesões (severidade), desde superfícies hígidas, passando por lesões não cavitadas e microcavitadas até lesões cavitadas em dentina. A atividade das le- sões é dada segundo as características clínicas (bri- lho, cor e textura), classificando-as como ativas ou inativas (Quadro 03). Os códigos também diferen- ciam superfícies hígidas, restauradas e lesões de cárie secundária. Este critério permanece o mesmo desde 1999 e pode ser utilizado em dentes decíduos e permanentes, é simples, permite monitorar clinica- mente a efetividade das estratégias preventivas ou terapêuticas, apresenta bom desempenho em ter- mos de acurácia, reprodutibilidade e validade, pode ser empregado por clínicos no consultório e no servi- ço público, ou por pesquisadores em estudos trans- versais, longitudinais ou ensaios clínicos20. Escore Categoria Descrição 0 Sadio O esmalte apresenta textura e translucidez normal (leve mancha permitida em fissura hígida). 1 Cárie ativa (superfície intacta) Superfície de esmalte esbranquiçada/amarelada opaca com perda de brilho; sente-se duro quando a ponta da sonda move-se gentilmente pela superfície; geralmente coberta com placa. Sem perda detec- tável de estrutura. Superfície lisa: lesão de cárie tipicamente perto da margem gengival. Fossa e fissura: morfologia intacta da fissura; lesão estende-se pelas paredes da fissura. 2 Cárie ativa (superfície descontínua) Mesmo critério que o escore 1. Defeito localizado (microcavidade) só em esmalte. Sem esmalte cavitado ou assoalho amolecido detectado com a sonda. 3 Cárie ativa (cavidade) Cavidade em esmalte/dentina facilmente visível a olho nu. A superfície da cavidade apresenta-se frágil ao toque. Pode haver ou não envolvimento pulpar. 4 Cárie inativa (superfície intacta) Superfície de esmalte esbranquiçada, acastanhada ou escura. O esmalte pode estar brilhante e apre- senta-se rígido e liso quando a ponta da sonda é movida pela superfície. Sem perda clínica de estrutura. Superfície lisa: lesões de cárie tipicamente localizada com alguma distância da margem gengival. Fossas e fissuras: morfologia intacta da fissura; lesões estendem-sepelas paredes da fissura. 5 Cárie inativa (superfície descontínua) Mesmo critério do escore 4. Defeito de superfície localizado (microcavidade) apenas em esmalte. Sem esmalte cavitado ou assoalho amolecido detectável com explorador. 6 Cárie inativa (cavidade) Cavidade em esmalte/dentina detectável a olho nu. Superfície da cavidade pode estar brilhante e rígida à sondagem com leve pressão. Sem envolvimento pulpar. 7 Restaurado (superfície hígida) Restauração com margens íntegras e ausência de lesões cariosas secundárias. 8 Restaurado + cárie ativa Lesões de cárie podem estar cavitadas ou não. 9 Restaurado + cárie inativa Lesões de cárie podem estar cavitadas ou não. Quadro 03 Descrição do critério Nyvad19. 138 HMI A avaliação do risco à cárie dentária (em inglês, caries risk assessment- CRA) é um componente es- sencial da atenção integral do paciente. É definida como a probabilidade de um indivíduo desenvol- ver novas lesões em um determinado período de tempo e/ou a probabilidade de mudança na seve- ridade/atividade das lesões de cárie já existentes21. Considerando que a cárie dentária é uma doença multifatorial e biofilme açúcar-dependente, dife- rentes fatores protetores (saliva, fluoretos, etc.) e de risco (bactérias, consumo elevado de carboi- dratos fermentáveis, etc.) estão envolvidos22. Os processos de desmineralização e remineralização são modulados por esses fatores e determinarão o progresso ou controle/paralisação das lesões23. Com frequência, os clínicos registram informações com relação à fatores de risco para cárie dentá- ria, porém geralmente não é feito de uma forma padronizada e sistematizada. Para isso, tem sido proposto modelos os quais consideram diferentes fatores e indicadores de risco. O Quadro 04 apre- senta os modelos mais utilizados no mundo para avaliar o risco à cárie dentária. É importante que o clínico reconheça que os pacientes sempre estão expostos a diferentes fatores de risco ao longo da vida, isto quer dizer que o risco é dinâmico e pode variar durante o tempo, dependendo da idade, comportamentos individuais e estilo de vida. Modelo de avaliação do risco Fatores avaliados Observações CARIOGRAM24,25 Experiência de cárie anterior ou atual, doenças sistêmicas associadas, dieta (composição e frequência), quantidade de placa, S. mutans, fluoretos, fluxo salivar, capacidade tampão e critério clínico do dentista. Ilustra a interação de fatores associados à cárie e as chances de não desenvolver a doença. Apresenta graficamente o risco à cárie e sugere terapias preventivas. CAT (Caries Risk Assessment Tool)26 É dividido em três seções que considera fatores biológicos, protetores e clínicos. Nível socioeconômico familiar, dieta, fluoretos, atendimento odontológico, higiene bucal, experiência de cárie anterior ou atu- al, lesões de mancha branca, defeitos de formação do esmalte, aparelho ortodôntico, saúde sistêmica, fluxo salivar, S. mutans. Recomendado pela Academia Americana de Odontopediatria (AAPD). Tem dois formatos de acordo com a idade: de 0 a 5 anos e para maiores de 6 anos. Depois de conferir cada item, o paciente é classificado com risco baixo, moderado ou alto. CAMBRA (Caries Management by Risk Assessment)27 Nível socioeconômico familiar, antecedentes de alimentação infantil, dieta, fluoretos, atendimento odontológico, higiene bucal, experiência de cárie anterior ou atual, lesões de man- cha branca, aparelho ortodôntico, saúde sistêmica, medica- mentos, fluxo salival, S. mutans e Lactobacillus. O clínico deve avaliar os fatores etiológicos e protetores para estabelecer o risco e desenvolver plano de tratamento indi- vidualizado e baseado na evidência científica. Tem dois formatos de acordo com a idade: de 0 a 5 anos e para maiores de 6 anos. Depois de conferir cada item, o paciente é classificado com risco baixo, moderado ou alto. Oferece guias clínicos de manejo de acordo com o risco e ida- de do paciente. NUS-CRA (National University of Singapore Caries Risk Assessment)28 Idade, etnia, nível socioeconômico familiar, antecedentes de alimentação infantil, dieta, fluoretos, higiene bucal, ex- periência de cárie anterior ou atual, saúde sistêmica, S. mu- tans e Lactobacillus. O software calcula as chances de apresentar novas lesões de cárie. Aplica-se somente para crianças em fase pré-escolar. Quadro 04 Características dos modelos de avaliação do risco à cárie dentária. 139 HIPOMINERALIZAÇÃO de MOLARES e INCISIVOS COMUNICAÇÃO COM ESPECIALISTAS Diante dos casos severos de HMI, com sintomatologia dolorosa, lesões cariosas extensas, grande destruição coronária com comprometimento pulpar e/ou perio- dontal é fundamental que o clínico consulte um espe- cialista em odontopediatria, ortodontia, endodontia, reabilitação oral e/ou periodontia, compartilhando os achados da história clínica, exame clínico e dos métodos auxiliares de diagnóstico com o objetivo de avaliar o caso, estabelecer os diagnósticos, elaborar a lista de problemas, objetivos de tratamento, estimar o prognóstico e definir as opções terapêuticas para o paciente e a família. DIAGNÓSTICO, LISTA DE PROBLEMAS, OBJETIVOS E PROGNÓSTICO Uma vez que o clínico possui todas as informações coletadas durante a anamnese, exames extra e intra- bucal e aquelas obtidas a partir das radiografias, foto- grafias e modelos, deve-se estabelecer o diagnóstico de forma completa e precisa: � Sistêmico: especificar doenças, alterações médicas e síndromes. � Estomatológico: lesões de desenvolvimento, traumáticas ou reacionais, infecções ou inflama- ções, doenças autoimunes, cistos, tumores e altera- ções das glândulas salivares. � Articular: especificar desordens temporomandibu- lares (DTM) que afetam músculos mastigatórios, arti- culação temporomandibular e/ou estruturas associa- das assim como dores neuropáticas. � Facial: especificar o tipo facial, perfil, forma do crâ- nio, sorriso e assimetrias faciais. � Esquelético: especificar a relação intermaxilar, des- crevendo para a maxila e a mandíbula a posição, o tamanho e a rotação. Determinar o estágio de cresci- mento e, caso houver assimetria, especificar a causa e a localização. � Dental: especificar para cada dente a severidade e extensão da HMI (ver os Capítulos 02 e 07) e severida- de e atividade de lesões de cárie dentária (utilizando os critérios Nyvad). Classificar os defeitos de desen- volvimento do esmalte e/ou da dentina e especificar as alterações na forma, no tamanho, no número, na erupção e formação dos dentes. � Pulpar: especificar para cada dente o diagnóstico pulpar e periapical. � Periodontal: classificar as doenças e condições pe- riodontais e peri-implantares (quando aplicável). � Oclusal: especificar o tipo de maloclusão, overjet, overbite, linhas médias, apinhamento, curva de Spee, angulação dos incisivos, posição vertical dos dentes e presença de mordidas cruzadas, abertas ou profundas. � Funcional: presença de hábitos, tipo de respiração e contatos prematuros. Posteriormente, é ideal que o clínico elabore uma lista dos problemas para identificar clara- mente as características que não são normais ou desfavoráveis. A lista deve ser em ordem de impor- tância, considerando as prioridades do paciente e da família (Quadro 05). Quadro 05 Fatores do paciente com HMI que devem ser considerados na lista de problemas. Saúde dental e periodontal Oclusão estática e dinâmica Estética Padrão esquelético de crescimento* Maturação esquelética* Função articular *Aplica para pacientes em fase de crescimento e desenvolvimento. 140 HMI A elaboração dos objetivos representa o processo e justificativa do plano de tratamento e deve responder à pergunta: O que desejo alcançar ou corrigir no pa- ciente? Estes objetivos devem estar articulados com a queixa do paciente, suas expectativas e lista de pro- blemas. Devem ser expressas em frases curtas, preci- sas e podemenvolver várias atividades para resolver um ou mais problemas específicos (Quadro 06). A avaliação do prognóstico faz referência a uma pre- visão, baseada em circunstâncias reais e do presente, sobre o futuro da condição do paciente. Requer uma interpretação e análise das características do paciente em ordem de importância, avaliando a possibilidade de solucioná-las de maneira total ou parcial. Geralmen- te se expressa em termos como excelente, bom, favo- rável, desfavorável, mau, duvidoso ou indefinido. Pode ser estabelecido para cada dente individualmente, di- versas condições bucais, diferentes tratamentos ou de maneira global para o paciente (Quadro 07). PLANO DE TRATAMENTO O conceito de decisão baseada em evidência (eviden- ce-based decision making) é a integração da melhor evidência científica disponível com a experiência clíni- ca acumulada do profissional e as expectativas do pa- ciente. Idealmente, qualquer tratamento na área da saúde deve estar suportado por revisões sistemáticas com metanálises ou estudos clínicos randomizados, cegos e controlados, porém, para muitos deles (in- cluindo o tratamento para HMI) este tipo de evidência ainda não está disponível. É importante esclarecer que a falta de evidência não necessariamente significa que uma técnica ou material não possa ser utilizado, e sim que não exis- te evidência de boa qualidade metodológica para demonstrar categoricamente a sua efetividade, o que demonstra a necessidade de novos estudos. Eis que surge então uma pergunta: Como é possível de- cidir por um tratamento para a HMI se a evidência disponível não é suficientemente forte? Para isso, o clínico pode adaptar protocolos de manejo de le- sões de cárie dentária, avaliar tratamentos prévios e considerar os antecedentes do paciente com relação ao tratamento. Caso o paciente não responda satis- fatoriamente em um determinado tempo, deve-se reconsiderar e buscar outra opção terapêutica. Ain- da que a qualidade e o nível de evidência devam ser parte integral da decisão de tratamento, outros fato- res também devem ser considerados, os quais estão listados no Quadro 08. No momento de elaborar o plano de tratamento, sugere-se dividi-lo em fases de acordo com a idade do paciente (Quadros 09 e 10). Isso facilita a organi- zação, auxilia no prognóstico de cada caso e melho- ra a compreensão por parte do paciente. Para o caso específico da HMI, o clínico pode optar pelo manejo dos dentes afetados de acordo com a severidade ou pelo tipo de tratamento (temporário ou a curto prazo e definitivo ou a longo prazo). Nos Capítulos de 13 a 16 serão abordadas as diferentes modalidades tera- pêuticas para os dentes afetados pela HMI. Realizar um diagnóstico precoce dos defeitos de desenvolvimento do esmalte dentário. Avaliar o risco à cárie dentária. Avaliar a severidade e atividade das lesões de cárie dentária. Informar, conscientizar, educar e motivar o paciente e a família. Identificar as necessidades reais do paciente e da família. Controlar a sintomatologia associada (hipersensibilidade). Adotar estratégias de uso individual e profissional para o controle da cárie dentária. Preservar a estrutura dentária. Melhorar as propriedades físicas, mecânicas e químicas do dente afetado. Delinear um plano de tratamento racional a curto, médio e longo prazo. Biológicos (por exemplo, cárie dentária). Fatores ambientais. Econômicos e comportamentais. Qualidade do tratamento odontológico. Manutenção da saúde bucal. Quadro 06 Objetivos de tratamento no paciente com HMI. Quadro 07 Fatores que influenciam o prognóstico do tratamento em pacientes com HMI29. 141 HIPOMINERALIZAÇÃO de MOLARES e INCISIVOS Sintomatologia associada Extensão e severidade Idade e comportamento do paciente Compromisso e motivação Expectativas do paciente e da família Nível socioeconômico Estética Longevidade Relação custo-benefício Tempo de tratamento Tipo de maloclusão Presença de terceiros molares Experiência profissional Sistêmica Implica em uma avaliação exaustiva da saúde geral e procedimentos para o seu controle durante o tratamento. Inclui consulta com outros profissionais de saúde, profilaxia antibiótica e manejo do estresse e da ansiedade. Urgência Procedimentos orientados ao controle de sintomatologia dolorosa, infecções, edema, dentes fraturados e restaura- ções fraturadas ou ausentes. Inclui exodontias obrigatórias, tratamento endodôntico, restaurações temporárias ou definitivas, além do uso de medicamentos e laserterapia para o controle da dor e infecção. Adequação do meio Identificação dos fatores de risco e controle da cárie dentária. Inclui instrução de higiene oral e dietética, profilaxia profis- sional, uso de meios profissionais de flúor, agentes cariostáticos, selantes e restauração de cavidades já existentes. Restauradora Procedimentos restauradores de caráter definitivo em dentes decíduos e permanentes. Inclui restaurações diretas, semi-diretas ou indiretas para dentes posteriores, cimentação de bandas ortodônticas ou coroas de aço para reforço e recobrimento da estrutura coroas de zirconia, coroas de cerômero remanescente e restaurações estéticas em dentes anteriores (infiltrante e resina composta). Ortodontia preventiva e interceptiva Orientada a prevenir, interceptar e corrigir problemas dentais, esqueléticos ou combinados (anteroposteriores, verticais, transversais ou combinados). Inclui a avaliação do crescimento e desenvolvimento craniofacial pelo ortodontista, manutenção do perímetro dos arcos, terapias com fonoaudiólogo, guia de erupção e extração seriada, exodontia de dentes permanentes, expansão da maxila, distalização de molares superiores e inferiores, intervenção no crescimento vertical do osso alveolar e no osso basal por meio da ortopedia funcional e ortodon- tia corretiva precoce com aparelhos ortodônticos fixos. Manutenção Reavaliação periódica do paciente para controle das doenças, alterações e tratamento. Deve ser personalizada de acordo com o risco do paciente e deve incluir uma avaliação detalhada dos tecidos duros e moles, condição dentá- ria e periodontal, reforço das instruções de higiene bucal e dietética, uso de meios profissionais de flúor e, quando necessário, solicitar radiografias. Quadro 08 Fatores associados à decisão de tratamento em pacientes com HMI. Quadro 09 Plano de tratamento por fases para crianças e adolescentes afetados pela HMI. 142 HMI CONSIDERAÇÕES FINAIS Um plano de tratamento completo e individualizado é a base para oferecer ao paciente uma experiên- cia odontológica satisfatória. Ele deve ser elaborado entre o dentista, o paciente e/ou a família, conside- rando as características individuais, as expectativas, o diagnóstico, a lista de problemas e os objetivos de tratamento. Além disso, deve ser funcional e dinâmico, evoluindo em resposta às mudanças na saúde geral e bucal do paciente. Sistêmica Implica em uma avaliação exaustiva da saúde geral e procedimentos para o seu controle durante o tratamento. Inclui consulta com outros profissionais de saúde, profilaxia antibiótica e manejo do estresse e da ansiedade. Urgência Procedimentos orientados ao controle de sintomatologia dolorosa, infecções, edema, dentes fraturados e restaura- ções fraturadas ou ausentes. Inclui exodontias obrigatórias, tratamento endodôntico, restaurações temporárias ou definitivas, além do uso de medicamentos e laserterapia para o controle da dor e infecção. Adequação do meio � Identificação dos fatores de risco e controle da cárie dentária: inclui instrução de higiene oral e dietética, profilaxia profissional, uso de meios profissionais de flúor, agentes cariostáticos, selantes e restauração de cavidades já existentes. � Restaurações temporárias: restaurações realizadas com o objetivo de proteger a superfície afetada. Incluem as res- taurações realizadas com cimento de ionômero de vidro e cimentação de bandas ortodônticas para reforço daestru- tura dental remanescente. � Periodontia: tratamento periodontal cirúrgico para favorecer a higienização e remoção de tecido gengival hiperplási- co e invaginado do interior da cavidade. � Endodontia: procedimentos desde os mais conservadores até o tratamento radical. Inclui a proteção pulpar indireta ou direta, pulpotomia, pulpectomia ou retratamentos. � Cirurgia: exodontia de dentes com extensa destruição coronária e perda estrutural severa do esmalte que dificulte a realização do procedimento reabilitador convencional. � Ortodontia corretiva: distalização de dentes mesializados no arco devido às perdas dentárias precoces, tracionamen- to dos segundos molares permanentes em casos de perda do primeiro molar. � Reavaliação: avaliar a necessidade ou não de alterações no planejamento definitivo. Restauradora � Realização de procedimentos restauradores definitivos e/ou reabilitadores por meio de restaurações diretas, semi-di- retas ou indiretas, cimentação de bandas ortodônticas para reforço da estrutura dental remanescente. � Procedimentos estéticos: micro e macroabrasão do esmalte, clareamento dental, infiltração com resina de baixa viscosidade, restaurações estéticas em dentes anteriores que podem incluir desde facetas em resina composta até o recobrimento com lentes de contato cerâmicas. Manutenção Reavaliação periódica do paciente para controle das doenças, alterações e tratamento. Deve ser personalizada de acordo com o risco do paciente e deve incluir uma avaliação detalhada dos tecidos duros e moles, condição dentá- ria e periodontal, reforço das instruções de higiene bucal e dietética, uso de meios profissionais de flúor e, quando necessário, solicitar radiografias. Quadro 10 Plano de tratamento por fases para adultos afetados pela HMI. capa 00 10
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