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CS – CRIME ORGANIZADO 2019.1 1 CRIME ORGANIZADO APRESENTAÇÃO .......................................................................................................................... 6 1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 7 2. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA ..................................................................................................... 7 LEI 9.034/95 ..................................................................................................................... 7 NO PLANO INTERNACIONAL: CONVENÇÃO DE PALERMO ......................................... 8 LEI 12.694/2012 ............................................................................................................... 9 LEI 12.850/2013 ............................................................................................................... 9 2.4.1. Juízos colegiados instalados antes da vigência da LCO .......................................... 10 3. COMPARATIVO DOS CONCEITOS LEGAIS ........................................................................ 10 4. SÍNTESE DA LEI 12.694/2012............................................................................................... 12 5. INSTITUTO DO “JUIZ SEM ROSTO” ..................................................................................... 15 JUIZ SEM ROSTO NA COLÔMBIA ................................................................................ 15 JUIZ SEM ROSTO NO PERU ......................................................................................... 16 JUIZ SEM ROSTO NA LEI 12.694/2012 ......................................................................... 17 6. APLICAÇÃO EXTENSIVA DA LEI DO CRIME ORGANIZADO (LCO) ................................... 19 7. CRIME ORGANIZADO POR NATUREZA .............................................................................. 20 CRIME DE CONCURSO NECESSÁRIO ........................................................................ 21 ASSOCIAÇÃO DE QUATRO OU MAIS PESSOAS ESTRUTURALMENTE ORDENADA 21 PRESENÇA DE SERVIDOR PÚBLICO .......................................................................... 22 ASSOCIAÇÃO DE QUATRO OU MAIS PESSOAS CARACTERIZADA PELA DIVISÃO DE TAREFAS ............................................................................................................................ 22 ASSOCIAÇÃO DE QUATRO OU MAIS PESSOAS AINDA QUE INFORMALMENTE .... 22 ASSOCIAÇÃO DE QUATRO OU MAIS PESSOAS COM O OBJETIVO DE OBTER, DIRETA OU INDIRETAMENTE, VANTAGEM DE QUALQUER NATUREZA............................. 23 ASSOCIAÇÃO DE QUATRO OU MAIS PESSOAS MEDIANTE A PRÁTICA DE INFRAÇÕES PENAIS ............................................................................................................... 23 ASSOCIAÇÃO DE QUATRO OU MAIS PESSOAS MEDIANTE A PRÁTICA DE INFRAÇÕES PENAIS QUE SEJAM DE CARÁTER TRANSNACIONAL ................................... 23 8. OBJETO JURÍDICO E NÚCLEOS DO TIPO DO ART. 2º, CAPUT, DA LCO ......................... 23 RETROATIVIDADE E IRRETROATIVIDADE ................................................................. 24 9. SUJEITOS ATIVO E PASSIVO .............................................................................................. 24 10. ELEMENTO SUBJETIVO ................................................................................................... 24 11. CONSUMAÇÃO ................................................................................................................. 25 12. MAIS DE UMA DENÚNCIA CONTRA A MESMA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ............... 25 13. TENTATIVA ....................................................................................................................... 26 14. CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES .................................................................................. 26 TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO PELO DOMÍNIO SOCIAL .......................................... 27 DIFERENÇA DA TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO PELO DOMÍNIO SOCIAL (T.D.F. – PABLO RODRIGO ALFLEN) E DA T.D.F. (CLAUS ROXIN) NA FORMA DOS APARATOS ORGANIZADOS DE PODER .................................................................................................... 27 15. CAUSAS DE AUMENTO DE PENA ................................................................................... 27 ARMA DE FOGO ............................................................................................................ 27 PARTICIPAÇÃO DE CRIANÇA OU ADOLESCENTE (I) ................................................ 28 AGENTE FUNCIONÁRIO PÚBLICO ............................................................................... 29 DESTINAÇÃO DO PRODUTO DO CRIME AO EXTERIOR ............................................ 29 CONEXÃO COM OUTRAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS ........................................ 29 TRANSNACIONALIDADE............................................................................................... 29 CS – CRIME ORGANIZADO 2019.1 2 16. AFASTAMENTO CAUTELAR ............................................................................................. 30 AFASTAMENTO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO ............................................................. 30 AFASTAMENTO DE DETENTORES DE MANDATO ELETIVO ..................................... 30 17. EFEITOS DA CONDENAÇÃO ............................................................................................ 32 LIMITES DOS EFEITOS ................................................................................................. 32 SERVIDOR APOSENTADO ........................................................................................... 33 MANDATO ELETIVO DE DEPUTADOS FEDERAIS E SENADORES ............................ 33 18. INVESTIGAÇÃO EM CASO DE PARTICIPAÇÃO DE POLICIAL ....................................... 35 19. IMPEDIMENTO OU EMBARAÇAMENTO À PERSECUÇÃO PENAL (OBSTRUÇÃO À JUSTIÇA) ..................................................................................................................................... 36 NÚCLEO DO TIPO ......................................................................................................... 36 SUJEITOS DO CRIME ................................................................................................... 37 ELEMENTO SUBJETIVO ............................................................................................... 37 CONSUMAÇÃO .............................................................................................................. 37 TENTATIVA .................................................................................................................... 37 20. CRIMES OCORRIDOS NA INVESTIGAÇÃO E NA OBTENÇÃO DE PROVA .................... 38 CARACTERÍSTICAS COMUNS ..................................................................................... 38 20.1.1. Finalidade ................................................................................................................ 38 20.1.2. Bem jurídico ............................................................................................................. 38 20.1.3. Ação penal ............................................................................................................... 38 20.1.4. Procedimento .......................................................................................................... 38 20.1.5. Prazo para encerramento da instrução .................................................................... 38 20.1.6. Elemento subjetivo .................................................................................................. 38 IDENTIFICAÇÃO CLANDESTINA DE COLABORADOR (ART.18 DA LCO) .................. 38 20.2.1. Núcleos ................................................................................................................... 39 20.2.2. Sujeito ativo ............................................................................................................. 39 20.2.3. Sujeito passivo ........................................................................................................ 40 20.2.4. Elemento subjetivo .................................................................................................. 40 20.2.5. Consumação ........................................................................................................... 40 COLABORAÇÃO CALUNIOSA OU INVERÍDICA (ART. 19) ........................................... 40 20.3.1. Sujeito ativo ............................................................................................................. 40 20.3.2. Sujeito passivo ........................................................................................................ 40 20.3.3. Elemento subjetivo .................................................................................................. 41 20.3.4. Núcleos ................................................................................................................... 41 20.3.5. Consumação ........................................................................................................... 41 VIOLAÇÃO DE SIGILO DAS INVESTIGAÇÕES (ART. 20) ............................................ 41 20.4.1. Núcleo ..................................................................................................................... 42 20.4.2. Sujeito ativo ............................................................................................................. 42 20.4.3. Consumação ........................................................................................................... 42 20.4.4. Tentativa .................................................................................................................. 42 SONEGAÇÃO DE INFORMAÇÕES REQUISITADAS (ART. 21) .................................... 43 20.5.1. Objetivo ................................................................................................................... 43 20.5.2. Núcleos ................................................................................................................... 44 20.5.3. Confrontos ............................................................................................................... 44 20.5.4. Sujeito ativo ............................................................................................................. 44 20.5.5. Sujeito passivo ........................................................................................................ 45 20.5.6. Elemento subjetivo .................................................................................................. 45 20.5.7. Consumação ........................................................................................................... 45 CS – CRIME ORGANIZADO 2019.1 3 20.5.8. Tentativa .................................................................................................................. 45 20.5.9. Infração Penal de Menor Potencial Ofensivo (IMPO) ............................................... 45 DIVULGAÇÃO INDEVIDA DE DADOS CADASTRAIS .................................................... 45 20.6.1. Sujeito ativo ............................................................................................................. 46 20.6.2. Elemento subjetivo .................................................................................................. 46 20.6.3. Consumação ........................................................................................................... 46 20.6.4. Tentativa .................................................................................................................. 46 20.6.5. IMPO ....................................................................................................................... 46 DA INVESTIGAÇÃO E DOS MEIOS ESPECIAIS DE OBTENÇÃO DE PROVAS ......................... 47 2. TÉCNICAS ESPECIAIS DE INVESTIGAÇÃO ........................................................................ 47 3. PARTICIPAÇÃO DO JUIZ NA 1ª FASE DA PERSECUÇÃO PENAL ..................................... 48 4. POLÍTICAS DE PREVENÇÃO À CORRUPÇÃO E À CRIMINALIDADE ORGANIZADA ........ 49 COMPLIANCE ................................................................................................................ 49 WHISTLEBLOWER ........................................................................................................ 50 4.2.1. Whistleblower X colaborador ................................................................................... 50 4.2.2. Whistleblower X Compliance Officer ........................................................................ 50 5. COLABORAÇÃO PREMIADA ................................................................................................ 50 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 50 CONCEITO E DEMONINAÇÕES ................................................................................... 51 VISÃO CRÍTICA ............................................................................................................. 52 5.3.1. Contras .................................................................................................................... 52 5.3.2. Prós ......................................................................................................................... 52 NATUREZA JURÍDICA DO ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA ....................... 53 PREVISÃO LEGAL ......................................................................................................... 53 PRÊMIOS LEGAIS ......................................................................................................... 55 5.6.1. Cumulação de prêmios ............................................................................................ 55 5.6.2. Prêmios não previstos em lei ................................................................................... 56 5.6.3. Colaboração de preso cautelar ................................................................................ 56 PERDÃO JUDICIAL ........................................................................................................ 56 5.7.1. Natureza jurídica ...................................................................................................... 56 5.7.2. Primariedade é requisito? ........................................................................................ 56 5.7.3. Disciplinamento na LCO .......................................................................................... 57 5.7.4. Correta interpretação do dispositivo ......................................................................... 57 5.7.5. Previsão final do artigo 28 do CPP .......................................................................... 57 LEGITIMIDADE DO DELEGADO DE POLÍCIA PARA REALIZAÇÃO DO ACORDO ...... 58 LEGITIMIDADE DO ASSISTENTE DA ACUSAÇÃO....................................................... 59 EFEITOS DA COLABORAÇÃO PREMIADA ................................................................... 59 5.10.1. Menor possibilidade de redução .............................................................................. 60 5.10.2. Minorantes em conjunto ........................................................................................... 60 MOMENTO DA COLABORAÇÃO PREMIADA ...............................................................60 PROGRESSÃO DE REGIME ......................................................................................... 60 BOM COMPORTAMENTO CARCERÁRIO ..................................................................... 61 SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE PELA RESTRITIVA DE DIREITOS ................................................................................................................................. 61 NÃO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA ......................................................................... 61 DIFERENÇAS DE ACORDOS ........................................................................................ 62 PRESSUPOSTO FUNDAMENTAL PARA O PRÊMIO .................................................... 62 5.17.1. Formalização escrita do acordo ............................................................................... 62 CS – CRIME ORGANIZADO 2019.1 4 5.17.2. Colaboração unilateral ............................................................................................. 62 5.17.3. Pedido de homologação .......................................................................................... 63 5.17.4. Colaboração efetiva e voluntária .............................................................................. 64 5.17.5. Observância das circunstâncias objetivas e subjetivas ............................................ 64 5.17.6. Eficácia objetiva da colaboração e vinculação judicial ............................................. 64 5.17.7. Colaboração premiada (queen for a day/proffer session) ......................................... 65 5.17.8. Homologação recusada e adequação judicial da proposta ...................................... 65 5.17.9. Adequação do juiz a proposta .................................................................................. 66 RESCISÃO, ANULABILIDADE E RETRATAÇÃO ........................................................... 66 RENÚNCIA AO DIREITO AO SILÊNCIO E COMPROMISSO LEGAL DE DIZER A VERDADE ................................................................................................................................. 67 REGRA DA CORROBORAÇÃO X CORROBORAÇÃO RECÍPROCA/CRUZADA .......... 67 DIREITOS DO COLABORADOR .................................................................................... 68 REFLEXOS DA COLABORAÇÃO NA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA .................... 69 6. AÇÃO CONTROLADA ........................................................................................................... 69 PREVISÃO LEGAL ......................................................................................................... 69 DENOMINAÇÕES .......................................................................................................... 69 ATO DE RETARDAR A INTERVENÇÃO ADMINISTRATIVA ......................................... 70 AUTORIZAÇÃO JUDICIAL ............................................................................................. 70 NATUREZA: PRÉVIA COMUNICAÇÃO OU AUTORIZAÇÃO? ....................................... 71 7. ACESSO AOS DADOS CADASTRAIS .................................................................................. 72 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DA REQUISIÇÃO .............................................................. 72 ACESSO A REGISTRO DE LIGAÇÕES TELEFÔNICAS ............................................... 73 8. QUEBRA DE ERB (ESTAÇÃO RÁDIO BASE) ....................................................................... 74 ORDEM JUDICIAL ......................................................................................................... 74 VERIFICAÇÃO POR PMS DOS REGISTROS DE LIGAÇÕES NO MOMENTO DO FLAGRANTE* ........................................................................................................................... 75 VERIFICAÇÃO POR PMS DE CONVERSAS DE WHATSAPP NO MOMENTO DO FLAGRANTE ............................................................................................................................. 75 VERIFICAÇÃO POR INVESTIGADORES DE CONVERSAS DEPOSITADAS EM APARELHOS APREENDIDOS POR FORÇA DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO...... 76 9. QUEBRA DO SIGILO FINANCEIRO, BANCÁRIO E FISCAL ................................................. 76 AUTORIZAÇÃO JUDICIAL ............................................................................................. 76 EXCEÇÃO ...................................................................................................................... 76 SIGILO FISCAL – RECEITA FEDERAL – COMPARTILHAMENTO COM O MP ............ 77 10. INFILTRAÇÃO DE AGENTES ............................................................................................ 77 CONCEITO E PREVISÃO LEGAL .................................................................................. 77 PRÓS E CONTRAS ........................................................................................................ 78 10.2.1. Contras .................................................................................................................... 78 10.2.2. Prós ......................................................................................................................... 78 DISTINÇÕES CONCEITUAIS ......................................................................................... 78 10.3.1. Agente x undercover ................................................................................................ 78 10.3.2. Agente infiltrado x agente provocador ...................................................................... 78 LEGITIMIDADE PARA REQUERER ............................................................................... 78 LEGITIMADOS PARA EXECUTAR ................................................................................ 79 LIMITES E ALCANCE DA DECISÃO .............................................................................. 79 FRAGMENTARIEDADE E SUBSIDIARIEDADE ............................................................. 80 ESPÉCIES ...................................................................................................................... 80 CS – CRIME ORGANIZADO 2019.1 5 PLANO OPERACIONAL DA INFILTRAÇÃO ................................................................... 81 10.9.1. Cessação da operação ............................................................................................ 81 10.9.2. Regra de atuação: proporcionalidade ...................................................................... 81 10.9.3. Natureza jurídica da exclusão da responsabilidade ................................................. 82 CS – CRIME ORGANIZADO 2019.1 6 APRESENTAÇÃO Olá! Inicialmente, gostaríamos de agradecer a confiança em nosso material. Esperamos que seja útil na sua preparação, em todas as fases. Quanto mais contato temos com uma mesma fonte de estudo, mais familiarizados ficamos, o que ajuda na memorização e na compreensão da matéria. O Caderno Legislação Penal Especial – Organização Criminosa possui como base as aulas do professor Vinícius Marçal, do Curso G7 Jurídico. Dois livros foram utilizados para complementar nosso CS de Legislação Penal Especial: a) Legislação Criminal para Concursos (Fábio Roque, Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar), ano 2017 e b) Legislação Criminal Comentada (Renato Brasileiro), ano 2018, ambos da Editora Juspodivm. Na parte jurisprudencial, utilizamos os informativos do site Dizer o Direito (www.dizerodireito.com.br), os livros: Principais Julgados STF e STJ Comentados, Vade Mecum deJurisprudência Dizer o Direito, Súmulas do STF e STJ anotadas por assunto (Dizer o Direito). Destacamos: é importante você se manter atualizado com os informativos, reserve um dia da semana para ler no site do Dizer o Direito. Ademais, no Caderno constam os principais artigos de lei, mas, ressaltamos, que é necessária leitura conjunta do seu Vade Mecum, muitas questões são retiradas da legislação. Como você pode perceber, reunimos em um único material diversas fontes (aulas + doutrina + informativos + súmulas + lei seca + questões) tudo para otimizar o seu tempo e garantir que você faça uma boa prova. Por fim, como forma de complementar o seu estudo, não esqueça de fazer questões. É muito importante!! As bancas costumam repetir certos temas. Vamos juntos!! Bons estudos!! Equipe Cadernos Sistematizados. CS – CRIME ORGANIZADO 2019.1 7 1. INTRODUÇÃO A Lei 12.850/13 conhecida como Lei do Crime Organizado, em seu art. 1º, define o objeto do nosso estudo, qual seja: organização criminosa, bem como criminaliza a conduta de organizar- se criminosamente. Observe o disposto em seu art. 1º: Art. 1o Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado 2. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA LEI 9.034/95 No Brasil, a Lei 9.034/95 foi a primeira a tratar sobre organizações criminosas. Seu propósito era inovar o ordenamento jurídico brasileiro, para isso mencionou técnicas especiais de investigação (infiltração de agentes, delação premiada). Contudo, não as regulamentou. Não bastasse a ausência de procedimentalização dos institutos amparados, a Lei nº 9.034/95 pecou em outros aspectos, conforme se pode verificar em seu art. 1º (já revogado): Art. 1o Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo Em relação à quadrilha ou bando, não havia dúvida, referia-se ao art. 288 do CP (atual, associação criminosa) e as associações criminosas, àquela época, estavam descritas na Lei do Genocídio (art. 2º) e na Lei de Drogas (art. 35). Entretanto, não se sabia explicar no que consistiam as organizações criminosas, porque a Lei nº 9.034/95, apesar de mencionar o instituto, não o definiu, bem como não tipificou a conduta de integrar organizações criminosas. Justamente por isso (ausência de definição), inúmeros doutrinadores classificaram a Lei nº 9.034/95 como “oca/vazia” e, consequentemente, ineficaz, sobretudo, nos pontos atrelados às organizações criminosas. Exemplo está descrito em seu artigo 6º que versava sobre delação premiada: Art. 6º Nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria A delação premiada estava intimamente ligada à organização criminosa, ainda que não se soubesse no que consistia. CS – CRIME ORGANIZADO 2019.1 8 Por fim, cita-se a Lei de Segurança Nacional que, em seus arts. 16 e 25, também prevê espécies de associações criminosas, limitando-se, no entanto, à menção sem qualquer conceito. NO PLANO INTERNACIONAL: CONVENÇÃO DE PALERMO A Convenção de Palermo (Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional), promulgada internamente pelo Decreto Presidencial 5.015/2004, representou notável avanço no âmbito interno, pois trouxe o conceito de “grupo criminoso organizado” (ou organização criminosa) em seu art. 2º, alínea “a”: Art. 2º, a, Grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material. A previsão foi considerada significativa porque foi a primeira vez em que se definiu o que se entendia por organização criminosa. Ressalta-se que houve grande polemica envolvendo a Convenção de Palermo e a de Lei de Lavagem de Capitais (Lei nº 9.613/98), antes da sua alteração pela Lei nº 12.683/12, enquanto ainda era entendida como “lei de 2ª geração” (ampliação do rol de crimes antecedentes), especificamente, pela previsão do inciso VII do artigo 1º: Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime: VII - praticado por organização criminosa. Note que a Lei de Lavagem de Capitais não criminaliza a conduta de “integrar organização criminosa”, porém sim a lavagem praticada “por meio de organização criminosa”. A dúvida instalada abordou a possibilidade (ou não) de o conceito trazido pela Convenção de Palermo ser aplicado na referida hipótese, para fins de tipificação do crime de lavagem de capitais. O STJ, numa primeira abordagem, posicionou-se positivamente fundado na premissa de que o art. 1º, VII, da Lei de Lavagem de Capitais encerrava natureza de norma penal em branco. Portanto, o crime “lavagem de dinheiro” se complementava com o conceito sustentado pela Convenção de Palermo. Em outras palavras, o crime estatuído naquele dispositivo era o de “lavagem de capitais”, e não o de “organização criminosa”. STJ: Capitulação da conduta no inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98, não requer nenhum crime antecedente específico para efeito de configuração do crime de lavagem de dinheiro, bastando que seja praticado por organização criminosa (L9.034 + Conv.Palermo) (HC 77.771/SP, DJe 22/09/2008 + HC 171.912/SP, DJe 28/09/2011). O STJ, por mais de uma vez, adotou esse entendimento. A discussão chegou ao STF, que tomou partido diverso, em virtude de dois fundamentos: CS – CRIME ORGANIZADO 2019.1 9 • Princípio da Legalidade em Sentido Amplo Contempla quatro facetas, quais sejam: exige que a lei penal seja prévia, certa, estrita e escrita. De acordo com essa corrente, a lei penal (Convenção de Palermo) violava a legalidade, porque não era certa, dado à ausência de taxatividade e amplitude do conceito. Além disso, não se tratava de lei penal estrita, em sentido formal, por não respeitar a prévia discussão em Parlamento para, então, incorporação. • O conceito vale nas relações de direito internacional, não para o Direito Penal interno Entendiam o conceito sustentado pela Convenção de Palermo como válido, mas aplicado, tão somente, no âmbito das relações internacionais. STF: “TIPO PENAL – NORMATIZAÇÃO. A existência de tipo penal pressupõe lei em sentido formal e material. [...] O crime de quadrilha não se confunde com o de organização criminosa, até hoje sem definição na legislação pátria.” (HC 96007, DJe-027 de 07/02/2013) Idem: HC 108.715, DJe 29.05.2014. LEI 12.694/2012 A Lei nº 12.694/12 dispôs sobre o processo e julgamento colegiado, em 1º grau de jurisdição, de crimes praticados por organizações criminosas. Para fins didáticos, são feitos três questionamentos a respeito da referida lei: a) Deu o conceito de organização criminosa? b) Tipificou-a como crime? c) Revogou a Lei nº 9.034/95? Em resposta, a lei trouxe o conceito de organização criminosa, não tipificou como crime a conduta de integrar organização criminosa e não revogou a Lei nº 9.034/95. No período em que foi editada, existiam dois diplomas que tratavam do assunto “organizações criminosas no Brasil”:a Lei nº 9.034, embora “oca”, e a Lei nº 12.694/12 que, em seu art. 2º definiu o que era “organização criminosa”. Art. 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional. LEI 12.850/2013 Expressamente, definiu e criminalizou a conduta. CS – CRIME ORGANIZADO 2019.1 10 Assim, tem-se um conceito de crime organizado na Convenção de Palermo (2004), válido nas relações internacionais; outro conceito na Lei nº 12.694/12 (2012). E, por fim, outro na Lei nº 12.850/13 – nesse cenário reside a primeira grande divergência. Não há dúvidas a respeito da validade da Lei nº 12.694/12. Porém, questiona-se se o conceito trazido por ela continua útil para fins de formação de juízo colegiado. 1ª C: Rômulo de Andrade Moreira, minoritariamente, defende que existem dois conceitos válidos de “organização criminosa” no Brasil, um para formação do juízo colegiado e outro para fins de complementação do crime de organização criminosa previsto no art. 2º da Lei nº 12.850/13. 2ª C: O posicionamento majoritário, por razões de segurança jurídica, legitima que a Lei nº 12.850/13, que é posterior à de 2012, revogou a Lei nº 12.694/12. Principalmente, no ponto em que conceitua organizações criminosas, de modo que, atualmente, existe apenas um conceito válido de organização criminosa, transcrito no §1º, do art. 1º da Lei nº 12.850/13: § 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. Além da segurança jurídica, a 2ª corrente fundamenta-se também no art. 2º, §1º, da LINDB. Vejamos: Art. 2º (...), § 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. Logo, a Lei nº 12.850/13 revogou definitivamente a Lei nº 9.034/95 e, quanto à Lei nº 12.964/12 revogou apenas o que estava relacionado ao conceito. 2.4.1. Juízos colegiados instalados antes da vigência da LCO Questionamento também relevante é quantos aos eventuais juízos instalados antes da vigência da LCO, se seriam maculados (ou não) pelo surgimento do novo conceito. Essa dubiedade instala-se porque o conceito das organizações criminosas, previsto na Lei nº 12.694/12, prescindia a reunião de 03 ou mais pessoas, enquanto na Lei nº 12.850/13 exigirá o agrupamento de 04 ou mais. Caso o processo esteja em trâmite, vigora-se o tempus regit actum (o tempo rege o ato), ou seja, a lei que regeu o tempo. Portanto, se ao tempo da Lei nº 12.964/12 observou-se o conceito lá estabelecido, ainda que advenha a nova LCO e seja integralmente válida, não maculará os atos tomados com base na lei anterior. 3. COMPARATIVO DOS CONCEITOS LEGAIS CS – CRIME ORGANIZADO 2019.1 11 O estudo detalho dos conceitos é imprescindível, pois costumam ser cobrados em concursos públicos e, na maioria das vezes, em forma de “pegadinhas”. Três eixos devem ser utilizados como parâmetro na diferenciação dos conceitos: a) Número de integrantes; b) Natureza das infrações praticadas; c) Benefício material almejado pela organização criminosa; Conforme visto acima, a Lei nº 9.034/95 não auferiu conceito para “organização criminosa”, apenas fez menção ao tempo. A Convenção de Palermo, em seu art. 2º, alínea “a”, definiu-a como: “grupo estruturado de 3 ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material”. O número de “3 ou mais pessoas” da Convenção de Palermo coincide com o previsto pelo art. 2º da Lei nº 12.964/12: “considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional”. A LCO, por sua vez, no §1º do art. 1º, previu: “considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”. Em suma: QUADRO COMPARATIVO DOS CONCEITOS DE “ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA” EIXOS Lei nº 9.034/95 Convenção de Palermo Lei nº 12.964/12 Lei nº 12.850/13 (LCO) Número de integrantes (sem previsão) 3 ou + 3 ou + 4 ou + Natureza das infrações praticadas (sem previsão) 1 ou + infrações graves Crimes com pena máxima ≥ 4 anos ou Infrações penais com pena máxima > 4 anos ou CS – CRIME ORGANIZADO 2019.1 12 enunciadas na Convenção de caráter transnacional de caráter transnacional Benefício almejado pela organização criminosa (sem previsão) Benefício econômico ou material Vantagem de qualquer natureza Vantagem de qualquer natureza 4. SÍNTESE DA LEI 12.694/2012 A Lei do Juízo Colegiado de 1º Grau revelou-se, principalmente, como um escudo protetivo para juízes, servidores e membros do Ministério Público que atuam no combate ao crime organizado, trazendo, para isso, alguns instrumentos. Essa lei dispôs sobre o processo e o julgamento, em 1º grau, de crimes praticados por organizações criminosas. Perceba que não alcança somente o crime organizado por natureza, previsto na LCO em seu artigo 2º ou o denominado “crime de organização”, porém todos aqueles praticados pela organização criminosa, ou seja, o crime de organização criminosa por extensão. Em seu art. 1º dispõe sobre a formação do colegiado de juízes de 1º grau (acórdão) para a prática de atos processuais, em feitos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas: Art. 1o Em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual, especialmente: I - decretação de prisão ou de medidas assecuratórias; II - concessão de liberdade provisória ou revogação de prisão; III - sentença; IV - progressão ou regressão de regime de cumprimento de pena; V - concessão de liberdade condicional; VI - transferência de preso para estabelecimento prisional de segurança máxima; e VII - inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado. O art. 2º previa o conceito de organização criminosa, porém foi revogado pela LCO. Observe a redação: Art. 2° para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmenteordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional. O art. 3º trata de medidas de reforço à segurança dos prédios da Justiça (controle de acesso, câmeras de vigilância, detectores de metais): Art. 3o Os tribunais, no âmbito de suas competências, são autorizados a tomar medidas para reforçar a segurança dos prédios da Justiça, especialmente: CS – CRIME ORGANIZADO 2019.1 13 I - controle de acesso, com identificação, aos seus prédios, especialmente aqueles com varas criminais, ou às áreas dos prédios com varas criminais; II - instalação de câmeras de vigilância nos seus prédios, especialmente nas varas criminais e áreas adjacentes; III - instalação de aparelhos detectores de metais, aos quais se devem submeter todos que queiram ter acesso aos seus prédios, especialmente às varas criminais ou às respectivas salas de audiência, ainda que exerçam qualquer cargo ou função pública, ressalvados os integrantes de missão policial, a escolta de presos e os agentes ou inspetores de segurança próprios. Já o art. 4º altera o art. 91 do CP, alargando o espectro do perdimento de bens e das medidas assecuratórias, de modo a alcançar bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou se localizarem no exterior: Art. 4o O art. 91 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 1o e 2o: “Art. 91. § 1º Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior. § 2o Na hipótese do § 1o, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda.” (NR) O artigo 5º altera o CPP, prevendo a alienação antecipada (por deterioração ou dificuldade para a manutenção) como forma de preservação do valor do bem sobre o qual paire medida assecuratória: Art. 5o O Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte art. 144-A: “Art. 144-A. O juiz determinará a alienação antecipada para preservação do valor dos bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para sua manutenção. § 1o O leilão far-se-á preferencialmente por meio eletrônico. § 2o Os bens deverão ser vendidos pelo valor fixado na avaliação judicial ou por valor maior. Não alcançado o valor estipulado pela administração judicial, será realizado novo leilão, em até 10 (dez) dias contados da realização do primeiro, podendo os bens ser alienados por valor não inferior a 80% (oitenta por cento) do estipulado na avaliação judicial. § 3o O produto da alienação ficará depositado em conta vinculada ao juízo até a decisão final do processo, procedendo-se à sua conversão em renda para a União, Estado ou Distrito Federal, no caso de condenação, ou, no caso de absolvição, à sua devolução ao acusado. § 4o Quando a indisponibilidade recair sobre dinheiro, inclusive moeda estrangeira, títulos, valores mobiliários ou cheques emitidos como ordem de pagamento, o juízo determinará a conversão do numerário apreendido em moeda nacional corrente e o depósito das correspondentes quantias em conta judicial. § 5o No caso da alienação de veículos, embarcações ou aeronaves, o juiz ordenará à autoridade de trânsito ou ao equivalente órgão de registro e controle a expedição de certificado de registro e licenciamento em favor do CS – CRIME ORGANIZADO 2019.1 14 arrematante, ficando este livre do pagamento de multas, encargos e tributos anteriores, sem prejuízo de execução fiscal em relação ao antigo proprietário. § 6o O valor dos títulos da dívida pública, das ações das sociedades e dos títulos de crédito negociáveis em bolsa será o da cotação oficial do dia, provada por certidão ou publicação no órgão oficial. O art. 6º alterou o CTB para permitir placas “frias” para membros do Poder Judiciário e do Ministério Público que atuam no combate ao crime organizado, de forma a impedir a identificação de seus usuários: Art. 6o O art. 115 da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, passa a vigorar acrescido do seguinte § 7o: “Art. 115. § 7º Excepcionalmente, mediante autorização específica e fundamentada das respectivas corregedorias e com a devida comunicação aos órgãos de trânsito competentes, os veículos utilizados por membros do Poder Judiciário e do Ministério Público que exerçam competência ou atribuição criminal poderão temporariamente ter placas especiais, de forma a impedir a identificação de seus usuários específicos, na forma de regulamento a ser emitido, conjuntamente, pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ, pelo Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP e pelo Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN.” (NR) O art. 7º alterou o Estatuto do Desarmamento, ampliando a autorização para porte de arma de fogo aos servidores do Judiciário e do Ministério Público que efetivamente estejam no exercício de funções de segurança: Art. 7o O art. 6o da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso XI: “Art. 6o XI - os tribunais do Poder Judiciário descritos no art. 92 da Constituição Federal e os Ministérios Públicos da União e dos Estados, para uso exclusivo de servidores de seus quadros pessoais que efetivamente estejam no exercício de funções de segurança, na forma de regulamento a ser emitido pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ e pelo Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP.” (NR) O art. 8º estipula que as armas de fogo utilizadas pelos servidores do Judiciário e do Ministério Público, no exercício de funções de segurança, serão de propriedade, responsabilidade e guarda das respectivas instituições, somente podendo ser utilizadas quando em serviço: Art. 8o A Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 7o-A: “Art. 7º-A. As armas de fogo utilizadas pelos servidores das instituições descritas no inciso XI do art. 6o serão de propriedade, responsabilidade e guarda das respectivas instituições, somente podendo ser utilizadas quando em serviço, devendo estas observar as condições de uso e de armazenagem estabelecidas pelo órgão competente, sendo o certificado de registro e a autorização de porte expedidos pela Polícia Federal em nome da instituição. § 1o A autorização para o porte de arma de fogo de que trata este artigo independe do pagamento de taxa. § 2o O presidente do tribunal ou o chefe do Ministério Público designará os servidores de seus quadros pessoais no exercício de funções de segurança CS – CRIME ORGANIZADO 2019.1 15 que poderão portar arma de fogo, respeitado o limite máximo de 50% (cinquenta por cento) do número de servidores que exerçam funções de segurança. § 3o O porte de arma pelos servidores das instituições de que trata este artigo fica condicionado à apresentação de documentação comprobatória do preenchimento dos requisitos constantes do art. 4o desta Lei, bem como à formação funcional em estabelecimentos de ensino de atividade policial e à existência de mecanismos de fiscalização e de controleinterno, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei. § 4o A listagem dos servidores das instituições de que trata este artigo deverá ser atualizada semestralmente no Sinarm. § 5o As instituições de que trata este artigo são obrigadas a registrar ocorrência policial e a comunicar à Polícia Federal eventual perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de armas de fogo, acessórios e munições que estejam sob sua guarda, nas primeiras 24 (vinte e quatro) horas depois de ocorrido o fato.” E, por fim, o art. 9º trata da proteção pessoal para juízes e membros do Ministério Público (e seus familiares), que atuam no combate ao crime organizado, a ser efetivada pela polícia judiciária; por órgãos de segurança institucional; por outras forças policiais; ou por todos, conjuntamente: Art. 9o Diante de situação de risco, decorrente do exercício da função, das autoridades judiciais ou membros do Ministério Público e de seus familiares, o fato será comunicado à polícia judiciária, que avaliará a necessidade, o alcance e os parâmetros da proteção pessoal. § 1o A proteção pessoal será prestada de acordo com a avaliação realizada pela polícia judiciária e após a comunicação à autoridade judicial ou ao membro do Ministério Público, conforme o caso: I - pela própria polícia judiciária; II - pelos órgãos de segurança institucional; III - por outras forças policiais; IV - de forma conjunta pelos citados nos incisos I, II e III. § 2o Será prestada proteção pessoal imediata nos casos urgentes, sem prejuízo da adequação da medida, segundo a avaliação a que se referem o caput e o § 1o deste artigo. § 3o A prestação de proteção pessoal será comunicada ao Conselho Nacional de Justiça ou ao Conselho Nacional do Ministério Público, conforme o caso. § 4o Verificado o descumprimento dos procedimentos de segurança definidos pela polícia judiciária, esta encaminhará relatório ao Conselho Nacional de Justiça - CNJ ou ao Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP. Veja que essa lei, além de prever a formação do colegiado de 1º grau e dispor sobre segurança dos prédios da Justiça, alterou o CP, o CPP, o CTB e o Estatuto de Desarmamento. 5. INSTITUTO DO “JUIZ SEM ROSTO” JUIZ SEM ROSTO NA COLÔMBIA CS – CRIME ORGANIZADO 2019.1 16 O Código de Processo Penal Colombiano – Decreto 2.700/1991, em seu art. 158 previu o instituto do juiz sem rosto, preconizado no contexto do narcotráfico, após Pablo Escobar ter assassinado o Procurador Geral da República, juízes, policiais, Ministro da Justiça, civis, candidatos à presidência e Ministros da Corte Colombiana. As consequências do cenário caótico provocado pelo Cartel de Medellín corroboraram para a instituição do juiz sem rosto. O magistrado não mais assinaria a sentença, de modo que sua decisão seria publicada, sem que houvesse sua identificação. Nas audiências, utilizaria máscaras e até mesmo biombos de vidro, mecanismos de distorção de voz e outros. Em 1993, a Corte Constitucional foi provocada para reconhecer a ilegalidade da figura do “juiz sem rosto”. Porém, na prolação da Sentença C-53, também devido à continuidade dos ataques de cartéis, reconheceu a constitucionalidade do instituto. Três anos depois, em 1996, adveio a Ley 270 – Ley Estatutaria de La Administración de Justicia como norma de transição determinando que a figura do “juiz sem rosto” duraria apenas até 1999. Em 1999, a Ley/1999 suprimiu a reserva da identidade dos juízes, no entanto, manteve a possibilidade quanto aos fiscales e os testigos, ou seja, aos membros do Ministério Público e às testemunhas. Em 2000, a Corte Constitucional foi novamente instigada para que averiguasse a legalidade do instituto e, dessa vez, na Sentença C-392, asseverou que a reserva de identidade preconizada pela Ley 504/1999 era inconstitucional, pois violava os princípios do devido processo legal, da publicidade, da imparcialidade e o direito ao confronto probatório. Sendo assim, também não inexiste a figura do juiz sem rosto na Colômbia, mormente porque a Lei de Transição que havia determinado sua extinção em relação aos magistrados, persistindo sua possibilidade, tão somente, a membros do Ministério Público e testemunhas, um ano depois (2000), foi considerada inconstitucional pela Corte. JUIZ SEM ROSTO NO PERU Os art. 13 e 15 do Decreto-Lei 25.475/1992 preveem a figura do juiz sem rosto no Peru. O caso de Castillo e Petruzzi x Peru foi fundamental para discussão do assunto. Os acusados Cattilo, Petruzzi e outros foram processados por “traição à pátria” perante a Justiça Militar e, neste processo, participaram de diversas audiências com juízes e membros do Ministério Público mascarados. Ao final, Castillo, Petruzzi e outros foram condenados pelo Peru. A questão chegou até a Corte Interamericana de Direitos Humanos que, por sua vez, entendeu-a como ofensiva aos princípios da imparcialidade e do juiz natural. Em relação à imparcialidade, se o juiz é mascarado, poderá fazer o que bem entender e desmesurando, quando do julgamento, sua carga de ódio e rancor. Por não ser identificado, há liberdade para análise das circunstâncias de um jeito ou outro, seja o melhor veredicto ou não. No que diz respeito ao juiz natural, se a máscara impede a verificação daquele, impossibilita- se a verificação de ser ele o juiz legalmente investido para julgamento da causa. CS – CRIME ORGANIZADO 2019.1 17 Ante as incongruências, a Corte Interamericana de Direitos Humanos extirpou a figura do juiz sem rosto, bem como determinou que o Estado Peruano proferisse novo julgamento sem quaisquer medidas de autoridades anônimas. JUIZ SEM ROSTO NA LEI 12.694/2012 Na Lei nº 12.694/2012, os juízes que compõem o colegiado (1 natural e 2 escolhidos por sorteio eletrônico) assinam a decisão - não existe sentença apócrifa. Assim, o colegiado, ao ser convocado para determinada providência, obriga a participação dos três magistrados, possibilitando, inclusive, a arguição de causa de impedimento e/ou suspeição dos juízes integrantes. Em relação à convocação do colegiado de 1º grau, estabelecem-se alguns questionamentos: a) Precisa haver requerimento? Não é preciso requerer a instauração do juízo colegiado. b) A formação do colegiado é impositiva? Não. c) Pode ser formado no Júri? Poderá ser formado em qualquer caso que envolva crimes praticados por organizações criminosas, desde que presentes requisitos legais. A critério exemplificativo, até mesmo o Tribunal do Júri pode comportar magistrados colegiados. Certo que quem profere o julgamento é o povo, mas é possível sua instauração nas fases anteriores ou mesmo para que a presidência do Tribunal. d) Pode acontecer em qualquer fase da persecução penal? Sim. Qualquer fase da persecução penal admite a formação do órgão colegiado, nos termos do art. 1º da Lei 13.694/2012: Art. 1o Em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual, especialmente: e) O que deve fazer o magistrado para formar o colegiado? Caberá ao magistrado a indicação dos motivos e circunstâncias que acarretam risco à sua integridade física (ou de seus familiares) em decisão fundamentada, resguardada a cautela com a eloquência acusatória. Deverá ser dada ciência do requerimento à Corregedoria Geral da Justiça. Nesse sentido dispõem os art. 9º e §1º do art. 1º, ambos da Lei nº 12.694/12: Art. 9º Diante de situação de risco, decorrente do exercício da função, das autoridades judiciais oumembros do Ministério Público e de seus familiares, o fato será comunicado à polícia judiciária, que avaliará a necessidade, o alcance e os parâmetros da proteção pessoal. CS – CRIME ORGANIZADO 2019.1 18 Art. 1º, § 1º O juiz poderá instaurar o colegiado, indicando os motivos e as circunstâncias que acarretam risco à sua integridade física em decisão fundamentada, da qual será dado conhecimento ao órgão correicional. f) A Corregedoria pode revogar o ato? O entendimento amplamente majoritário é de que não, dado que o magistrado, ao atuar, profere decisão jurisdicional. A Corregedoria é cientificada, tão somente, para fins estatísticos e para que trace mapa de juízes ameaçados e, assim, estabeleça política de segurança. Eventual controle de constitucionalidade poderá acontecer, porém, no âmbito administrativo. g) A decisão que convoca o colegiado é recorrível? A lei é silente. No entanto, subtende-se que a formação do colegiado pode ocasionar prejuízo e até deixar o réu em situação de perigo. Se instaurado irregularmente e numa eventual decretação de prisão, nada impede a sua análise através de Habeas Corpus. É possível até que os membros sorteados estabeleçam conflito negativo de competência por entender ausentes as causas para formação do colegiado. h) Quantos juízes formam o colegiado? Um natural e dois por sorteio eletrônico, sendo que os dois sorteados devem, obrigatoriamente, estar investidos de competência criminal e exercem-na no 1º grau de jurisdição. Considera-se o sorteio um meio é idôneo, porque preserva a essência do juiz natural. Isto é, não há designação casuística de julgadores. i) Pode se formar diversos colegiados dentro da mesma persecução penal? Preconiza o §3º do art. 1º da Lei nº 12.694/12: Art. 1º, § 3º A competência do colegiado limita-se ao ato para o qual foi convocado. Acerca da indagação, há quatro correntes, vejamos: 1ª C (Luís Flávio Gomes e Marcelo Rodrigues da Silva): defende que dentro de uma mesma persecução penal só pode haver a instalação de um colegiado, que será chamado a se reunir sempre que se fizer necessária a realização de algum ato processual. 2ª C (Eugenio Pacelli de Oliveira): assevera que somente pode ser instaurado um colegiado dentro de cada persecução penal e uma vez praticado o ato para o qual foi convocado, extingue- se, sem que volte a reunir-se na mesma persecução. A crítica funda-se na premissa de que a convocação para prática de vários atos da persecução acarreta verdadeiro juízo de exceção e consequente convocação arbitrária de vários e diferentes membros do judiciário para o mesmo caso. CS – CRIME ORGANIZADO 2019.1 19 3ª C (Márcio Cavalcante, Vinícius Marçal): a partir da previsão legal, compreende possível a convocação do colegiado pelo magistrado com extensão maior ou menor, a depender da circunstância. Esse entendimento, contudo, não tem prevalecido na prática. 4ª C (posicionamento que prevalece): apregoa que para cada ato que se fizer necessário o colegiado, ele será formado, o ato será praticado e, ao final, será dissolvido. Se novamente for necessária formação de colegiado, serão criados novos colegiados, sem que exista um limite para tanto. Isto é, dentro de uma mesma persecução penal podem ser instaurados tantos colegiados quanto bastem, sendo impossível uma convocação geral para todo o curso do inquérito ou do processo. A excepcional competência do órgão plural fica restrita à prática de cada ato específico. Nesse sentido, é que o Provimento 11/2013 da Corregedoria Geral da Justiça Federal preceitua: Art. 3º. Praticado o ato para o qual foi convocado, o colegiado encerrará o seu ofício, sendo dissolvido automaticamente, salvo na hipótese de embargos de declaração ou de reexame da matéria em virtude de recurso que permita juízo de retratação. Parágrafo único. Havendo a necessidade de uma nova convocação no mesmo processo, será realizado novo sorteio na forma prevista no art. 2º deste provimento. Obs.: Em provas mais complexas, é fundamental demonstrar o conhecimento das quatro correntes. Continuadamente, o §6º do art. 1º da Lei 12.694/2012 prevê: Art. 1º (...) § 6o As decisões do colegiado, devidamente fundamentadas e firmadas, sem exceção, por todos os seus integrantes, serão publicadas sem qualquer referência a voto divergente de qualquer membro. Cleber Masson e Vinícius Marçal têm entendido que esse dispositivo fortalece a despersonalização e cria a chamada “artificialização da unanimidade”, porque ainda que haja voto divergente entre os magistrados, a lei determina uma “única voz”, portanto, uma decisão unânime. Essa foi a diretriz seguida pelo TJ do Distrito Federal e dos Territórios na Resolução 10/2013- TJDFT, no artigo 9º: Art. 9º. A decisão do colegiado é una e deverá ser firmada, sem exceção, por todos os seus integrantes, dela não constando nenhuma referência a eventual voto divergente de qualquer membro. Na literatura jurídica, existem duas formas de entrega das prestações colegiadas: a) Per curiam: homenageia a “voz única” e “artificialização da unanimidade”. b) Per seriatim: integrantes do colegiado apresentam seus votos um a um – opinião única do tribunal e simboliza voz da corte. 6. APLICAÇÃO EXTENSIVA DA LEI DO CRIME ORGANIZADO (LCO) CS – CRIME ORGANIZADO 2019.1 20 Inicia-se o estudo da LCO (Lei nº 12.850/13) a partir da pergunta: é possível a aplicação da LCO caso as infrações penais não sejam praticadas por intermédio de organização criminosa? Sim é possível, a própria lei apresenta duas possibilidades dispostas no §2º do art. 1º: Art. 1º (...) 2o Esta Lei se aplica também: I - às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; II - às organizações terroristas, entendidas como aquelas voltadas para a prática dos atos de terrorismo legalmente definidos. (Redação dada pela lei nº 13.260, de 2016) Nada obstante, existem outras hipóteses em que poderá ser aplicada a LCO. A Lei de Terrorismo (Lei nº 13.260/16) no seu art. 16 manda aplicar, no que couber, todos os meios especiais de investigação na LCO: Art. 16. Aplicam-se as disposições da Lei nº 12.850, de 2 agosto de 2013, para a investigação, processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei. O mesmo se fala com relação à Lei do Tráfico de Pessoas (Lei nº 13.344/16) em seu art. 9º, a ser lido em conjunto com o artigo 149-A do Código Penal (CP): Art. 9º Aplica-se subsidiariamente, no que couber, o disposto na Lei no 12.850, de 2 de agosto de 2013. Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo; II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; III - submetê-la a qualquer tipo de servidão IV - adoção ilegal; ou V - exploração sexual. Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. São, portanto, amparados pela LCO, ainda que não praticados por organizações criminosas: a) Infrações previstas em tratado ou convenção internacional que ocorrem à distância; b) Infrações praticadas por organizações terroristas; c) Procedimento da LCO na Lei de Terrorismo; d) Infrações correlatas ao Tráfico de Pessoas; 7. CRIME ORGANIZADO POR NATUREZA Observe o disposto no art. 2º, caput da LCO: CS – CRIMEORGANIZADO 2019.1 21 Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas. Crime organizado por extensão são os crimes que a organização prática. Trata-se de norma penal em branco homogênea de qualidade homovitelina, porque o completo está previsto em lei, em ato normativo igual ao que trata do crime e a também na mesma lei (§1º do art. 1º da LCO): Art. 1º, § 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. Note que o art. 2º, em seu caput, encerra um crime de concurso necessário, traçando número mínimo de integrantes. CRIME DE CONCURSO NECESSÁRIO É um crime de concurso necessário, uma vez que exige a participação de, no mínimo, quatro pessoas. Para diferenciar o número de integrantes, o Professor Vinícius Marçal ensina um macete. Observe: a) Associação para o tráfico (Lei de Drogas, artigo 25): mínimo de 2 – note que existem dois “s”. b) Associação criminosa (Código Penal, artigo 288): mínimo de 3 – note que existem três “s”. c) Associação para fins de genocídio (Lei nº 2.889/56, artigo 2º) e Organização criminosa (LCO, artigo 1º, §1º): mínimo de 4. *MPSC (2016): Nos termos da Lei nº 12.850/13 (Organização Criminosa), considera-se organização criminosa a associação de três ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam iguais ou superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional – ASSERTIVA ERRADA! Nos próximos itens, iremos analisar os requisitos para a configuração de uma organização criminosa. ASSOCIAÇÃO DE QUATRO OU MAIS PESSOAS ESTRUTURALMENTE ORDENADA Não é necessário elevado grau de sofisticação ou estrutura empresarial (piramidal) com líderes e liderados para configuração da Organização Criminosa. CS – CRIME ORGANIZADO 2019.1 22 Ainda que alguns doutrinadores assim entendam, essa estrutura piramidal, quando imaginada, é relacionada a sistemas de máfias. Contudo, com a crescente ocorrência de crimes de colarinho branco, por exemplo, verifica-se que essa organização criminosa horizontalizada, ou seja, com núcleos de idêntica importância. Há mais de um líder e não necessariamente segue-se disciplina de hierarquia. Portanto, não é necessária a formação de sistema empresarial, a única exigência é a DIVISÃO DE TAREFAS, mesmo que num plano horizontal. PRESENÇA DE SERVIDOR PÚBLICO Durante muito tempo, parcela doutrinária entendia que o servidor público era imprescindível para formação da Organização Criminosa. Hoje é cediço que não é necessária a presença de servidor, tanto que, ocorrendo, será considerada como “causa de aumento de pena”. Nesse sentido, dispõe o inciso II do §4º do art. 2º da LCO: Art. 2º (...) § 4o A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços): II - se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal; ASSOCIAÇÃO DE QUATRO OU MAIS PESSOAS CARACTERIZADA PELA DIVISÃO DE TAREFAS É nota marcante da Teoria do Domínio Funcional do Fato. Para Claus Roxin, pode ter 3 vertentes: - Domínio da ação (autoria imediata); - Domínio da vontade (autoria mediata); - Domínio funcional (imputação recíproca) – aqui se insere a divisão de tarefas. ASSOCIAÇÃO DE QUATRO OU MAIS PESSOAS AINDA QUE INFORMALMENTE Não há necessidade de “constituição formal” do grupo e documentação de “regras de conduta”. Todavia, não quer dizer que informalidade dispensa nível mínimo de organização. A expressão “ainda que informalmente” deve ser compreendida em conjunto com aquela que lhe é anterior: estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas. A informalidade significa a desnecessidade de se dividir tarefas e ordenar estruturalmente a organização DE MODO FORMAL, por meio de instrumentos burocráticos e legais que compõem, geralmente, estruturas empresariais lícitas. CS – CRIME ORGANIZADO 2019.1 23 ASSOCIAÇÃO DE QUATRO OU MAIS PESSOAS COM O OBJETIVO DE OBTER, DIRETA OU INDIRETAMENTE, VANTAGEM DE QUALQUER NATUREZA Reforça-se que há divergência com a Convenção de Palermo (2004) que exige a vantagem econômica/material. Comumente, tratar-se-á de vantagem econômica, mas nada obsta qualquer outro benefício, tal qual ascensão a cargo, conquista ilícita de votos etc. Quanto ao destinatário, a vantagem poderá ser obtida diretamente ou através de “laranjas” (sejam pessoas jurídicas ou físicas). ASSOCIAÇÃO DE QUATRO OU MAIS PESSOAS MEDIANTE A PRÁTICA DE INFRAÇÕES PENAIS Fernando Capez entendeu, EQUIVOCADAMENTE, que a LCO alcança grupos criminosos estruturalmente formatados para exploração exclusiva do “jogo do bicho”, calcado na previsão da expressão “infração penal” – isto porque, a Lei reclama que as infrações penais praticadas tenham penas superiores a 4 anos. ASSOCIAÇÃO DE QUATRO OU MAIS PESSOAS MEDIANTE A PRÁTICA DE INFRAÇÕES PENAIS QUE SEJAM DE CARÁTER TRANSNACIONAL O caráter transnacional é contemplado quando os ilícitos penais não ficam restritos ao território nacional, ou seja, sendo transpostas as fronteiras brasileiras, com o alcance de outro(s) país(es). Da mesma forma, isso ocorrerá se a infração penal tiver sua gênese no exterior e terminar por atingir o território nacional. ATENÇÃO: ao enquadrar a infração como transnacional, deixa de ser importante o patamar das penas estipuladas para os crimes. 8. OBJETO JURÍDICO E NÚCLEOS DO TIPO DO ART. 2º, CAPUT, DA LCO Assim como ocorre no delito de Associação Criminosa, prevista no art. 288 do CP, o bem jurídico aqui protegido é a paz pública. Os núcleos do tipo são quatro: a) Promover (fomentar, anunciar); b) Constituir (formar, dar existência); c) Financiar (apoiar financeiramente, custear despesas) ou d) Integrar (participar, associar-se), pessoalmente ou por interposta pessoa (“laranja”), organização criminosa (artigo 1º, §1º da LCO). CS – CRIME ORGANIZADO 2019.1 24 Há clássico tipo alternativo misto ou de conteúdo variado. Isto é, se o indivíduo, a um só tempo, promover e financiar organização criminosa incorrerá num único delito. RETROATIVIDADE E IRRETROATIVIDADE O art. 2º da LCO não retroage para alcançar os fatos esgotados antes de sua vigência – trata-se de norma penal incriminadora (novatio legis incriminadora). Portanto, consoante estipula o inciso XL do art. 5º da CF, “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Todavia, dispõe a Súmula 711 do STF: Súmula 711 - A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência. Em se tratando de crimes continuados ou permanentes, deve-se assentar a aplicabilidade da Lei 12.850/2013 ao caso, nada obstante dizer respeito a fatos, em tese, perpetrados antes da entrada em vigor do diploma legal. Essa compreensão deflui do singelo fundamento da natureza permanente do crime – essa foi a orientação do STF no Inquérito 4112. ATENÇÃO: nem todosos quatro núcleos do preceito averiguado encerram hipótese de crime permanente ou continuado. 9. SUJEITOS ATIVO E PASSIVO O crime é comum, logo, qualquer pessoa pode ser sujeito ativo. Inimputáveis com discernimento mínimo poderão integrar o polo ativo. O mesmo acontece com os membros não identificados que serão computados como sujeitos ativos, ainda que não discriminados. Já em relação ao agente infiltrado, não será computado como sujeito ativo, eis que não fará parte dos membros da Organização. Seu animus, ao imiscuir-se é de conhecer o DNA da Organização para colheita de informações e posterior investigação. ATENÇÃO: Não é correto dizer que somente se pode cogitar de uma organização criminosa formada por empresários quando estes fazem do crime seu “modo de vida”, e não quando suas atividades principais sejam praticadas licitamente. Ou seja, para que se tenha organização criminosa formada por empresários não é carecedor que tenham instituído empresa somente para essa finalidade. Inexiste sujeito passivo - o crime é vago. 10. ELEMENTO SUBJETIVO É preciso animus associativo de caráter estável e permanente aliado ao “objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza. CS – CRIME ORGANIZADO 2019.1 25 ATENÇÃO: Ausente o animus associativo de caráter estável e permanente, ainda que ocorra dolo, não haverá o crime organizado por natureza, configurando-se, tão somente, o concurso eventual de pessoas. 11. CONSUMAÇÃO O crime organizado, por si só, não constitui crime permanente. Pode ser que adquira natureza de crime permanente, contudo, nem sempre assim o será. O núcleo integrar será SEMPRE crime permanente. Veja que a natureza de crime permanente fomenta repercussões drásticas. Exemplo: • Será possível a prisão em flagrante a qualquer tempo (art. 303 do CPP); • Prescrição da Pretensão Punitiva somente começará a fluir quando cessada a permanência (art. 111, inciso III, do CP); • Será possível a Busca e Apreensão sem mandado, desde que se notifique previamente os investigados. Os núcleos financiar e promover podem ser permanentes ou não. O núcleo constituir NÃO admite permanência porque é crime instantâneo. Em qualquer caso, a natureza será formal, ou seja: será crime de consumação antecipada ou de resultado cortado, conforme previsto no art. 2º da LCO: Art. 2º (...) Pena – reclusão, de 3 a 8 anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas. Responde-se pelo crime de organização, ainda que não tenha praticado qualquer delito. 12. MAIS DE UMA DENÚNCIA CONTRA A MESMA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA Se, depois de recebida a denúncia pela prática do crime de organização por natureza, descobre-se que a societas sceleris continua em atividade, deverá ser efetuada nova denúncia. Para fins de nova denúncia pelo crime de integrar organização criminosa, deve-se considerar cessada a permanência com o recebimento da denúncia. Assim, se os membros da organização permanecerem na mesma atividade criminosa após o recebimento da exordial acusatória, “será possível que o agente seja novamente denunciado ou até mesmo preso em flagrante, sem que isso configure imputação pelo mesmo fato”. O que se percebe é a “existência de outro fato e, consequentemente, de novo crime que não poderá, por CS – CRIME ORGANIZADO 2019.1 26 óbvio, ser compreendido na acusação anterior” – eis entendimento do STF no HC 78821, 1ª Turma, DJ 17.03.2000 + HC 123763, 5ª Turma do STJ, DJe 21/09/2009. 13. TENTATIVA Quanto à tentativa, existem duas correntes. 1ª C: entende a tentativa no crime organizado como inadmissível, porque o delito é condicionado à existência de estabilidade e durabilidade para que se configure. Antes disso, tem- se irrelevante penal. 2ª C: divide os núcleos do tipo. Isto é, nos casos de constituir e integrar, a tentativa será inadmissível, porquanto a consumação ocorre com a simples adesão de vontades. Porém, os crimes eventualmente permanentes (promover e financiar), a tentativa é admissível. Exemplo citado por Eduardo Araújo da Silva é a interceptação de panfleto tendente à promoção da organização ou de dinheiro remetido para fins de financiamento. 14. CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES Vide §3º do art. 2º da LCO (semelhante ao art. 62, I, do CP): Art. 2º (...) § 3o A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução. Art. 62 - A pena será ainda agravada em relação ao agente que I - promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes O líder/comandante da organização criminosa responderá pelo crime de organização criminosa com a pena agravada, ainda que não pratique, pessoalmente, atos de execução. ATENÇÃO: a responsabilização penal do comandante da organização criminosa pelo crime organizado por extensão não se operará de forma automática apenas em virtude de sua posição. No ordenamento jurídico brasileiro, não existe o que se entende por “teoria do domínio da posição” – prevista no art. 28 do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional – que dispensa o dolo. Aqui, a responsabilização do comandante pelo crime organizado por extensão poderá se operar por sua atuação como (sem que seja executor direto): - Autor intelectual (mentor do crime: partícipe); CS – CRIME ORGANIZADO 2019.1 27 - Autor de escritório (forma especial de autoria mediata, na espécie do domínio da organização); - Autor pelo domínio social (teoria do domínio do fato pelo domínio social). TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO PELO DOMÍNIO SOCIAL Pablo Rodrigo Alflen idealizou a Teoria do Domínio do Fato pelo Domínio Social. Representa a possibilidade de denunciação do autor comandante da organização criminosa, mesmo que não tenha ele praticado atos correlatos ao crime, desde que se verifique a disposição condicionada do executor, que o faz para garantir sua posição dentro de uma estrutura ou para ascender no posto. Em outros termos, o domínio social por parte do homem de trás pressupõe a disposição condicionada do executor, enquanto sujeito que dolosamente pratica atos materiais direcionados à produção do resultado condicionalmente à manutenção ou alteração de sua posição ou situação. O executor age a fim de assegurar (ou elevar) a sua posição meio à determinada estrutura, ilícita ou não. Exemplo: executor que teme, no caso de recusa, a perda de seu posto. A disposição condicionada do executor, que pode agir movido por diversos interesses que o submetem (o condicionem) ao autor de trás, elimina a insegurança em relação à ocorrência do resultado, tornando certa para o comandante do grupo a sua ocorrência. O controle sobre a realização do resultado ofensivo ao bem jurídico permanece nas mãos do homem de trás, e se opera de acordo com as suas ordens. A expressão que ordena a presente teoria é DISPOSIÇÃO CONDICIONADA DO EXECUTOR que se sujeita de forma qualificada ao comandante, no anseio de perder seu posto. O último, diante da conduta do executor, tranquiliza-se quanto ao resultado. Esse tema encerra novidade e é de extrema relevância. DIFERENÇA DA TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO PELO DOMÍNIO SOCIAL (T.D.F. – PABLO RODRIGO ALFLEN) E DA T.D.F. (CLAUS ROXIN) NA FORMA DOS APARATOS ORGANIZADOS DE PODER Claus Roxin, ao conceder os aparatos organizados de poder, o fez pensando numa máquina de poder rompida do estado de legalidade e não em pessoas jurídicas licitamente constituídas. Não nega que essas pessoas podem praticar crimes, mas sim a T.D.F. para com elas. Por outro lado, a T.D.F.
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