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ENSAIO: SOBRE O REPENSAR AMBIENTAL E A EDUCAÇÃO COMO MEIO Viviane Luchese1 RESUMO - Existe um plus cultural que nega qualquer perspectiva de liberdade epistêmica a que se possa atribuir à visão que temos de ambiente. Ao que parece, nossa própria concepção de ambiente se confunde com idealismos políticos na maioria das vezes limitados e extremistas, que só reforçam aquilo que alguns denominam como crise ambiental, ou mais especificamente, o que também é chamado de a "crise do efeito do conhecimento sobre o mundo" conforme enuncia Leff. Deveras, se a crise é um efeito do acúmulo de conhecimento que o homem supostamente tem sobre mundo e, se é verdade que esta auto-isenção do homem é reflexo de impressões culturais muito fortes que cumulou ao longo da história, que vêem desde o seu reconhecimento como um ser distinto dos demais, até os dogmas do catolicismo depois substituídos pelo mecanicismo. É fato também, que enquanto se coloca a par da Gaia, ele pode não apenas subjugá-la como também se isentar de qualquer responsabilidade mantendo sua zona de conforto e seu modus vivendi. Eis a mudança paradigmática que se insurge necessária e que só é possível através de uma nova perspectiva alcançada através da Educação Ambiental que deve ir bem mais além, promovendo a reeducação do ser para uma efetiva e eficaz mudança cultural, capaz de reaproximar homem e natureza. Porquanto, partindo de um marco referencial teórico com ênfase na teoria dos Sistemas e da Complexidade - utilizando-se metodologicamente de pesquisa bibliográfica - parece-nos que só a mudança em âmbito cultural pode convergir o pensamento humano, indivíduo e sociedade, também na aplicação das diversas ciências no sentido de não apenas perpetuar a espécie através da promoção da sustentabilidade, mas sim e, principalmente, verdadeiramente relacionar-se com o planeta. PALAVRAS CHAVES: Cultura - Ecologia - Sociedade de consumo. ABSTRACT - Plus there is a culture that denies the epistemic perspective of freedom that can be attributed to the vision we have for the environment. It seems that our own conception of environment is confused with political idealism most often limited and extremists who only reinforce what some refer to as environmental crisis, or more specifically, what is also called the "crisis of the effect of knowledge about the world "as Leff states. Indeed, if the crisis is a result of accumulation of 1 Graduanda em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC onde é bolsista (PUIC) integra o Grupo de Estudos Meio Ambiente e Constituição, registrado pelo diretório de grupos CNPq/UNISC e, em caráter de extensão universitária realiza o curso de Capacitação Técnica em Consultoria Ambiental pela Fundação de Amparo a Pesquisa Universitária - FAPEU, da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, em parceria com a Fundação Universitária Iberoamericana, FUNIBER; E-mail: vivianeluchese@hotmail.com. 2 knowledge that man is supposed to have about the world and it is true that this man's self-exemption is a reflection of very strong cultural impressions they lavished throughout history, they see from their recognition as a being distinct from others, even the dogmas of Catholicism later replaced by mechanism. It is a fact too, that while bringing together of Gaia, it can not just overpower it also disclaim any responsibility for maintaining your comfort zone and its modus vivendi. That is the paradigm shift that is necessary and protested that it is only possible through a new perspective achieved through environmental education must go well beyond promoting the retraining to be an effective and efficient cultural change, able to reunite man and nature. Because, from a theoretical frame of reference with emphasis on systems theory and complexity - using research methodology literature - it seems that only the change in the cultural sphere can converge human thought, individual and society, also in the application of various sciences in order not only perpetuate the species through the promotion of sustainability, but, and especially truly relate to the planet. KEYWORDS: Culture - Ecology - Society of consumption Na natureza não há vícios senão os da razão (Shakespeare – Noite dos Reis) O filósofo e jurista François Ost começa o que muitos poderiam chamar de sua obra prima, A Natureza à Margem da Lei, trazendo à tona casos que poderiam nos fazer refletir sobre um novo prisma em que a natureza poderia ser não só objeto de direitos, mas sujeita de direitos2. Curiosa esta provocação, já que existe um plus cultural que nega qualquer perspectiva de liberdade epistêmica a que se possa atribuir à visão que temos de ambiente. A CULTURA E A RELAÇÃO HOMEM/NATUREZA Ao que parece, nossa própria concepção de ambiente se confunde com idealismos políticos, por vezes limitados e extremistas, que só reforçam aquilo que alguns denominam como crise ambiental, ou mais especificamente, o que Leff, em sua mais recente obra intitulada de Racionalidade Ambiental, proclama como a 2 OST, François. A natureza à margem da lei: a Ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1995, p. 7 et. seq. 3 "crise do efeito do conhecimento sobre o mundo"3. Deveras, se este anuncia ser a crise um efeito do acúmulo de conhecimento que o homem supostamente tem sobre mundo, Ost, há mais de uma década já declarava: Eis a crise ecológica: a deflorestação e destruição sistemática das espécies animais, sem dúvida; mas, antes de mais e, sobretudo, a crise da nossa representação da natureza, a crise da nossa relação com a natureza. [...] Esta crise é simultaneamente a crise do vínculo e a crise do limite: uma crise de paradigma sem dúvida. Crise do vínculo: já não conseguimos discernir o que nos liga ao animal, ao que tem vida, à natureza; crise do limite: já não conseguimos discernir o que deles nos distingue. 4 Habitualmente, ouvimos distinções entre ambiente construído, cultural, do trabalho entre outros, mas especialmente ouvimos falar na distinção entre ambiente natural e artificial. De fato, muitas outras divisões poderiam ser feitas pragmaticamente, por questões hermenêuticas ou puramente metodológicas, mas invariavelmente, essas distinções acontecem justamente porque culturalmente o homem se coloca a par do ambiente. Daí a surgir o distinto ambiente artificial como uma concepção errônea, o exemplo evidente desse erro é a própria idéia de cidade como um ambiente artificialmente construído. Para entendermos essa disparidade precisamos compreender nos liames da ecologia que a cidade em si, nada mais é que a construção natural onde habita a espécie humana. Ricklefs conceitua o ambiente como "os arredores de um organismo, incluindo as plantas, os animais e os micróbios com os quais interage".5 Destarte, nesta linha de pensamento, considerar uma cidade um ambiente artificial, deveria automaticamente nos levar a visualizar uma colméia ou um formigueiro igualmente como um ambiente artificialmente construído, mas não o fizemos por considerarmos estas últimas construções, criações da natureza. Em outro aspecto, em alusão ao exposto e antevendo que alguns possam elencar as questões tecnológicas envolvidas nas construção das cidades, pode-se dizer que tal afirmativa, mostra-se definitivamente, como apenas mais um modo 3 LEFF, Enrique. Racionalidade Ambiental: a reapropriação social da natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 16. 4 OST, François. A natureza à margem da lei: a Ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1995, p. 8-9. 5 RICKLEFS, Roberto E. A economia da natureza. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003, p. 480. 4 irracional e incoerentede não admitir que de fato o homem tende a não se ver como parte de um todo. Isso fica claro, quando vemos por exemplo que alguns animais silvestres também utilizam-se de ferramentas mesmo que primárias para realização de suas atividades: Corvos-da-nova-caledónia utilizam ferramentas de perfuração com o bico para extrair insetos de troncos; lontras do mar podem usar de pedras para martelar conchas; elefantes foram observados cavando buracos para beber água e, rasgando e mastigando a casca de uma árvore para preencher o orifício, cobrindo com areia para evitar a evaporação; alguns carangueijos usam cascas descartadas de outras espécies para habitação e outros usam itens de vegetação como camuflagem enquanto insetos utilizam de pedras, areia e folhas como materias de contrução 6. Vejamos que nem por isso reconhecemos nessas atividades alguma artificialidade que desloque essa espécies de seu meio. Autenticando, Ricklefs bem argumenta: Somos parte da Natureza, não à parte da Natureza. Até o ponto em que nossa inteligência, cultura e tecnologia têm nos dado o poder para dominar a Natureza, devemos também usar nossas capacidades para nos impor uma auto-regulação e auto-restrição. Esse é o nosso maior desafio. Nós somos fantasticamente bem sucedidos em nos tomar uma espécie tecnológica. Nossa sobrevivência agora depende em nos tornarmos a espécie ecológica e assumir nosso próprio lugar na Economia da Natureza. 7 Conquanto, se for verdade que esta isenção do homem é reflexo principalmente de impressões culturais historicamente muito fortes que vêem desde o seu reconhecer-se como um ser distinto dos demais, até os dogmas das religiões8 depois substituídos pelos do mecanicismo, é fato também, que enquanto se coloca a par da Gaia9 ele pode não apenas subjugá-la como também se isentar de qualquer responsabilidade mantendo sua zona de conforto e seu modus vivendi. 6 JONES, T. B; KAMIL, A. C. 1973 Tool-making and tool-using in the northern blue jay. Science 180, p. 1070-1080, passim. 7 RICKLEFS, Roberto E. A economia da natureza. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003, p. 475. 8 Aqui referimo-nos principalmente ao catolicismo. 9 Referimo-nos aqui a Teoria da Hipótese Gaia, de James Lovelock, que vislumbra todo o planeta como um corpo vivo "devido ao seu diferenciado 'desequilíbrio químico-atmosférico' na comparação com os planetas Vênus e Marte. Ao pesquisar as porcentagens de dióxido de carbono, nitrogênio e oxigênio em nosso planeta, Lovelock afirma que essa proporção de gazes só ocorre e é mantida mediante a atuação de organismos vivos". LUCHESE, Viviane. Paradigma ecológico e suas possíveis aplicações no urbano (no prelo). In: REIS, Jorge Renato dos; WEBER, Eliana; BITENCOURT, Caroline M.. (Org.). Estudos ambientais: livro em homenagem ao prof João Telmo Vieira. Porto Alegre - RS: UFRGS, 2009, p. 294. http://pt.wikipedia.org/wiki/Corvo-da-nova-caled%C3%B3nia http://pt.wikipedia.org/wiki/Lontra-marinha 5 Parafraseando Sinclair, é difícil entender algo quando nosso modo de vida depende justamente de não entendê-lo.10 Entretanto: A chave para sobrevivência da população humana é desenvolver interações sustentáveis com a biosfera. Isto exigira um controle do crescimento populacional humano ou uma crescente dependência de fontes de energia renováveis e a total reciclagem dos resíduos materiais. 11 Nesse contexto, se podemos acusar a cultura, especialmente a ocidental, por colocar o homem fora do sistema natural, é preciso também esclarecer que a cultura sim se diferencia da natureza.12 Esta sempre esteve aqui e é anterior ao próprio homem referindo-se a todas as coisas 'vivas' e 'não vivas', incluindo as suas manifestações, enquanto que a cultura é uma criação humana e fundamentalmente, nessa linha Soares corrobora ao citar Castoriadis, afirmando que criar só é possível dentro da cultura e "isso significa que o ser humano criou a si próprio enquanto criava a cultura"13, e segue: esta cultura que criou e instituiu a filosofia, a democracia, a ciência, o capitalismo e a ecologia. Esta é uma cultura que, embora ainda dependa da natureza, nega-a e tenta superá-la, isolá-la, controlá-la, domesticá-la. A história do Ocidente tem seguido esse caminho, mas, nela, muitas pessoas têm questionado essa orientação. A história da ecologia e do ambientalismo caracteriza-se por entender e chamar a natureza e a cultura de ambiente e por contestar essa orientação. 14 O fato é que, se o homem criou a si próprio quando criou a cultura, ou seja, se podemos afirmar que o modus vivendi que possuímos e que nos faz diferentes, não só das outras espécies mas também de outros povos, é reflexo dessa criação. Não é estranho também que ela própria queira negar o vínculo e a necessidade que possui de integrar-se a natureza. Isto porque, negar essa conexão é que lhe isenta da sua responsabilidade para com o planeta como já referenciado. 10 Upton Sinclair: “é difícil conseguir que uma pessoa compreenda alguma coisa quando o salário dela depende de não compreender isso”. In. GORE, Albert. Uma verdade inconveniente – O que devemos saber (e fazer) sobre o aquecimento global. Barueri: Manole, 2006, p. 266-267. 11 RICKLEFS, Roberto E. A economia da natureza. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003, p. 475. 12 SOARES, André Geraldo. A Natureza, a Cultura e Eu: Ambientalismo e Transformação Social. Blumenau: Edifurb; Itajaí: Ed. da Univali, 2003, p. 19 et. seq. 13 Ibidem, p. 21. 14 RICKLEFS, op. cit. p. 24. 6 Por outro lado, apesar da negação comportamental da Hipótese Gaia é impossível indeferir-se as evidências materiais dos efeitos dessa negação15. Sendo evidente que historicamente os próprios movimentos ambientalistas e mesmo a nova formação geopolítica têm suas origens com base muito mais nos problemas ambientais, sejam eles antigos, atuais ou mesmo futuros, que se convergem visivelmente em perdas de cunho econômico do que por qualquer outro motivo quiçá altruísta. De todo modo, seja a economia ameaçada pelos prejuízos advindos da degradação do ambiente, seja pela população a sofrer com as catástrofes ambientais, o que importa é que a cultura ocidental especialmente, começa a se modificar de tal modo que ela mesma entenda que precisa da natureza para sua própria sobrevivência. Não por mera coincidência que alguns tratados internacionais, mesmo possuindo um caráter antropocêntrico, se manifestem nesse sentido: Principio 1: Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Tem direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza. […] Principio 4: Para alcançar 0 desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental constituirá parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente deste. 16 Conforme se vê, dos trechos acima citados, é de fundamental importância a harmonia com a natureza e a sua proteção, mesmo para a continuidade do desenvolvimento que, a partir de então, não pode afastar-se da sustentabilidade. 17 15 "O Ártico esta derretendo... Os furacões estão cada vez mais fortes O Brasil na rota dos ciclones... o nível do mar esta subindo... Os desertos avançam... Já se contam os mortos " In. BERNA, Vilmar Sidnei Demamam. Amigos do Planeta: meio ambiente e educação ambiental. São Paulo: Paulus, 2008, p. 94-95. 16 Declaração do Rio Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. In. BRASIL. Legislação de direito internacional. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 165. 17 Aqui fizemos um à parte, esclarecendo que o termo sustentabilidade deve ser visto de uma maneira bem mais eficiente do que costuma ser tratado pelas convenções econômicas e políticas. Nos liames da ecologia queremos referirque "chamar um atividade de 'sustentável' significa que ela pode ser continuada ou repetida em um futuro previsível. Portanto, a preocupação surge porque grande parte das atividades humanas são nitidamente insustentáveis. A população humana global não poderá continuar a retirar peixe do mar mais rápido do que a capacidade de repor os cardumes perdidos (se quiser comer peixe no futuro); não podemos continuar a explorar culturas agrícolas em florestas se a qualidade e a quantidade de solo se deteriora e os recursos hídricos se tornam inadequados; não poderemos continuar a usar os mesmos pesticidas se os números crescente de pragas se tomarem resistentes a eles; não poderemos manter a diversidade da natureza se continuarmos a provocar a extinção das espécies." In TOWNSEND, Colin R.; BEGON, Michael; HARPER, John L. Fundamentos em ecologia. 2" ed. Porto Alegre: Artmed, 2006, p. 442. 7 Porém, os próprios tratados na área mostram quão complexa a tarefa conforme vemos, a titulo de exemplo na Convenção-Quadro das Nações Unidas Sobre Mudança do Clima (CQNUMC): Artigo 4° - Obrigações: Todas as partes […] devem: […] h) Promover e cooperar no intercâmbio pleno, aberto e imediato de informações científicas, tecnológicas, técnicas, socioeconômicas e jurídicas relativas ao sistema climático e a mudança do clima, bem como as conseqüências econômicas e sociais de diversas estratégias de resposta; i) Promover e cooperar na educação, treinamento e conscientização pública em relação a mudança do clima, e estimular a mais ampla participação nesse processo, inclusive a participação de organizações não-governamentais; 18 Note-se que além de moldarem obrigações especificas, que lhes são próprias da sua razão de ser, tratados como CQNUMC também abrangem a cooperação entre os Estados, o dever de informar e, porque não dizer, reeducar a população. EDUCAÇÃO AMBIENTAL UM MEIO PARA A SUSTENTABILIDADE E O EMPODERAMENTO SOCIAL A Declaração do Rio Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e taxativa ao elencar ainda, entre outros, uma readequação nos padrões de produção e consumo, bem como, a promoção de uma política demográfica adequada19. Cremos, contudo, que talvez a sua maior contribuição esteja em seu princípio 10, corroborado pelos tratados que lhe seguiram: A melhor maneira de tratar as questões ambientais e assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada individuo terá acesso adequado as informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades publicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere a compensação e reparação de danos. 20 18 Convenção-Quadro das Nações Unidas Sobre Mudança do Clima. In. BRASIL. Legislação de direito internacional. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 171-172. 19 Vejamos que as convenções citadas apenas enfatizam formalmente o que biólogos e ecólogos já viam como o caminho para a sustentabilidade da espécie humana, a titulo exemplificativo temos os trechos anteriormente citados de Ricklefs e Townsend, que apesar de posteriores a tais convenções exprimem um pensamento bem anterior já fixado em suas áreas. 20 BRASIL. Legislação de direito internacional. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 166. 8 Neste sentido é inegável que estejamos passando por uma mudança de paradigmas onde finalmente a cultura predatória que cativamos, se curva diante da sua própria necessidade de subsistência. Mais ainda, como vemos nos trechos das convenções supramencionadas, não basta vontade política, ou leis coercitivas, existe a necessidade da mobilização em todos os níveis sociais. E aqui adentramos, oportunamente, no ponto talvez mais difícil dessa empreitada, na educação voltada para uma nova auto percepção desta sociedade, já que daí que há de se constituir uma nova cultura de integração e harmonia com o meio. Falamos da educação ambiental que surgi como a necessidade de mudança na forma de encarar o papel do ser humano no mundo, sendo de acordo com a Agenda 2121 "indispensável para a modificação de atitudes e para o desenvolvimento de comportamentos compatíveis com a formação de sociedades sustentáveis".22 Ruscheinsky alerta: [...] se não houver mudança de cultura, as questões substantivas permanecerão intactas. Uma nova cultura compreenderá que a rua, a lagoa, a praia e as valetas são a extensão de nossa própria casa. E o nosso meio ambiente, o nosso habitat. O saneamento básico deve ocorrer inclusive na mente, no comportamento, nos significados, no imaginário e nos referenciais culturais. 23 Igualmente, a que se compreender também que "a luta por um meio ambiente melhor é uma luta pela cidadania [...]. Mas ninguém nasce democrático e cidadão"24 e este é o papel da educação que, por sua vez, deve acima de tudo provocar o chamado empoderamento social. Empoderamento significa em geral a ação coletiva desenvolvida pelos indivíduos quando participam de espaços privilegiados de decisões, de consciência social dos direitos sociais. Essa consciência ultrapassa a tomada de iniciativa individual de conhecimento e superação de uma situação particular (realidade) em que se encontra, ate atingir a 21 A Agenda 21 é o Plano de Ação talvez mais conhecido dos resultados da Conferência Mundial das Nações Unidas no Rio de Janeiro, também conhecida como ECO-92. 22 DUVOISIN, Ivane Almeida. A Necessidade de uma Visão Sistêmica para a Educação Ambiental: conflitos entre o velho e o novo paradigmas. In. RUSCHEINSKY, Aloísio (org.). Educação Ambiental: abordagens múltiplas. Porto Alegre: Artmed, 2002, p. 91-92. 23 RUSCHEINSKY, Aloísio. As Rimas da Ecopedagogia: uma perspective ambientalista. In. RUSCHEINSKY, Aloísio (org.). Educação Ambiental: abordagens múltiplas. Porto Alegre: Artmed, 2002, p. 70. 24 BERNA, Vilmar Sidnei Demamam. Amigos do Planeta: meio ambiente e educação ambiental. São Paulo: Paulus, 2008, p. 31. 9 compreensão de teias· complexas de relações sociais que informam contextos econômicos e políticos mais abrangentes. 25 Note-se aqui que ao contrário da legislação pátria que é influenciada, para não dizer pressionada, pelas convenções internacionais, a efetividade dos liames de proteção ambiental inverte obrigatoriamente o eixo de atuação. Queremos dizer com isso, que ao contrário do que se possa imaginar, através da educação ambiental quer-se a consciência ambiental e que dela a atitude ambiental parta das bases da sociedade. Eis a importância da sociedade como fundamento basilar para uma mudança real da perspectiva cultural, que localmente se reeduca e transforma o seu meio. Nesse sentido, compreende-se que: A idéia de empoderamento representa importante papel na mobilização social em torno de contextos específicos, como o de desenvolvimento sustentável local, orientado não só para a emergência de projetos e ações de fortalecimento de grupos sociais tradicionalmente negligenciados dos processos políticos; mas também significativo espaço institucional de articulação e emergência de novos agentes/atores políticos envolvidos na transformação democrática da relação Estado-sociedade. 26 Obviamente que se trata de um processo lento, que implica urna série de fatores complexos a começar pela interdisciplinaridade que deve ser incluída na pauta educativa da sociedade. Mas, que não só é um processo possível, como também impreterível e que deve permear o indivíduo. Ressalve-se aqui que: Estamosfazendo referência ao fato de que a ação individual não é apenas a ação de cada indivíduo, mas sim a ação do mundo, através de cada indivíduo. Isto é, a ação dos mundos, internalizada e a seguir objetivada, através da ação individual. 27 Note-se que esta é posição que finalmente começa a ser adotada por uma parcela da população, onde através de pequenas ações, como a escolha e fornecedores ou produtos ecologicamente corretos incentiva para não dizer que instaura um novo eixo de mercado que deve priorizar as relações, especialmente as de consumo, com sustentabilidade. 25 FERDINAND, Cavalcanti Pereira. O que é empoderamento? Disponível em: <http://www.fapepi.pi.gov.br/novafapepi/sapiencia8/artigos1.php> Acesso em: 30 de Nov. 2009. 26 Ibidem, loc. Cit. 27 BARBOSA, Eva Machado. Poder local e cultura democrática: elementos para uma abordagem multi-escópica em ciências sociais. Sociologias. Ano 2. N.3. Jan/Jun 2000. 10 CONSUMO RESPONSÁVEL OBRIGA À OFERTA RESPONSÁVEL Até pouco tempo, tinha-se como o consumo de uma forma geral como o responsável principal pela degradação ambiental. Porém, como mencionado no parágrafo anterior, houve uma mudança no perfil da sociedade de consumo, que hoje, em conjunto com os movimentos ambientalistas transformam o mercado. Se alguns segmentos do mercado finalmente se viram para as questões ambientais, isso ocorre porque há uma grande fatia do mercado que procura manter seu nível de consumo de uma maneira responsável, qual seja, a de optar como já mencionado por consumidor produtos e serviços de menor impacto para o ambiente. De outro modo, essa mesma mudança de consumo, também enseja, uma mudança do agir do Estado, que por sua vez, utilizando-se dos instrumentos estatais para proteger o cidadão, acaba por regular e responsabilizar o mercado por aquilo que oferta e as condições em que oferta. Com ao advento do Código de Defesa do Consumidor temos que: Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores. (grifos nossos). 28 Recentemente Advocacia Geral da União (AGU) ajuizou Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 101, questionando decisões autorizavam a importação de pneus usados. Contrariando os regimentos ambientais vigentes. A AGU informou, na inicial do processo que, sem contar os pneus importados, o Brasil gerava, na época da propositura da ação, um passivo anual de 40 milhões de unidades de pneus usados. “Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente, existem mais de 100 milhões de pneus abandonados, à espera de uma destinação ambientalmente e 28 BRASIL, República Federativa do. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990: Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8078.htm>, Acesso em 04-2010. 11 economicamente sustentável e recomendável”, acrescentou a AGU no pedido inicial. 29 Como era de se esperar o Supremo Tribunal Federal em concordância com o ajuizamento da AGU, entendeu serem nocivas ao meio ambiente às importações de pneus usados de outros países. Um dos principais motivos dá-se as inúmeras toxinas produzidas pelo lixo pneumático, que não encontra o fim adequado e que coloca em risco a saúde da população. Conforme se depreende da ementa colacionada abaixo: AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. IMPORTAÇÃO DE PNEUMÁTICOS USADOS. MANIFESTO INTERESSE PÚBLICO. GRAVE LESÃO À ORDEM E À SAÚDE PÚBLICAS. 1. Lei 8.437/92, art. 4.°. Suspensão de liminar que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela recursal. Critérios legais. 2. Importação de pneumáticos usados. Manifesto interesse público. Dano Ambiental. Demonstração de grave lesão à ordem pública, considerada em termos de ordem administrativa, tendo em conta a proibição geral de não importação de bens de consumo ou matéria-prima usada. Precedentes. 3. Ponderação entre as exigências para preservação da saúde e do meio ambiente e o livre exercício da atividade econômica (art. 170 da Constituição Federal). 4. Grave lesão à ordem pública, diante do manifesto e inafastável interesse público à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 da Constituição Federal). Precedentes. 5. Questão de mérito. Constitucionalidade formal e material do conjunto de normas (ambientais e de comércio exterior) que proíbem a importação de pneumáticos usados. Pedido suspensivo de antecipação de tutela recursal. Limites impostos no art. 4.° da Lei n.° 8.437/92. Impossibilidade de discussão na presente medida de contracautela. 6. Agravo regimental improvido. 30 Em complementação, o CONAMA aprovou no ano de 2009 uma nova resolução, a 416 - em complementação as resoluções nº 23 e nº 235 de 1996 e 1998 respectivamente e, em substituição a resolução nº 258 de 1999 e 301 de 2002 - tolhendo a indiscriminada produção de tais artigos sem um mínimo de responsabilidade. Através da resolução, ficam obrigadas as indústrias a retirarem do meio em proporção igual, os pneus que introduzirem nele, medida que antes era 29 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Notícia: Decisões judiciais que autorizaram importação de pneus usados motivaram ação no Supremo. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=104385>, Acesso em 28-04- 2010. 30 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Jurisprudência Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=pneumáticos&base=baseAco rdaos>. Acesso em 26-04-2010. 12 de 1 x 4, ou seja, para cada 4 pneus lançados no mercado, um deveria ser retirado.31 Note-se que situação similar já acontecera com as baterias e pilhas e, que apesar das dificuldades, começam a serem recolhidas para uma destinação adequada esperando-se que o mesmo ocorra com as famosas garrafas pets consideradas hoje o pior dos lixos, por seu crescente uso e por sua destinação imprópria. O cacique Seattle, da tribo Suquamish, já mencionava em 1855: Os brancos também passarão, talvez mais cedo do que todas as outras tribos. Contaminai a vossa cama, e vos sufocareis numa noite no meio de vossos próprios excrementos. 32 É esta tomada de consciência que se materializa lenta, mas gradativa e irrecorrivelmente. CONSIDERAÇÕES FINAIS Tome-se que os moldes sociais foram criados a partir de um erro impulsionado pela cultura, de ver o homem como o centro do universo que habita e, como centro deste, possuidor do direito de subjugá-lo à sua vontade. Mas como vimos, a cultura é uma das criações do próprio homem, portanto, ele mesmo pode modificá-la e, mesmo que em passos lentos, já o está fazendo através da educação ambiental e das novas regulamentações do mercado em que se insere. A filosofia, a sociologia e a ecologia, há muito se conformaram na idéia de que para ser antropocentrista é preciso ser antes de mais nada biocentrista, assim como, para ser humanista é urgente a necessidade de ser ecologista e, que o 31 MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Resolução nº 416, de 30 de setembro de 2009. Dispõe sobre a prevenção à degradação ambiental causada por pneus inservíveis e sua destinação ambientalmente adequada, e dá outras providências. Disponível em: <http://servicos.ibama.gov.br/ctf/manual/html/resolucao_conama_416.pdf>. Acesso em 24-04-2010. 32 Carta ao Presidente dos Estados Unidos, Grancis Pierce, em resposta ao boato de que seriam compradasas terras indígenas. In. MORAES, Marcos Antonio; FRANCO, Paulo Sérgio Silva. Geopolítica – uma visão atual. 3ª ed. Campinas: Editora Átomo, 2009, p. 209. 13 caminho mais apropriado para esta mudança paradigmática é guiada pela educação ambiental. Infelizmente, o direito nunca conseguiu acompanhar adequadamente todas as transformações da sociedade e, enquanto as ciências há que nos referimos no caput desse parágrafo, há muito tempo lutam por essa inserção do homem ao meio e a consideração das ciências chamadas da terra, ele se restringe a fria letra da lei sem considerar a dimensão complexa que exige tal estudo. Note-se que falamos em educação, mas de fato, o correto seria falar em reeducação, já que os conceitos destrutivos ao ambiente já estão inculcados em nossas mentes. Precisamos reaprender e recriar a nossa cultura de modo que ela se encaixe do modo mais pacífico possível ao ecossistema. Sendo que, no âmbito do direito esses novos aprendizados devam servir para interpretar a lei e a equidade de modo a considerar o todo e não apenas o âmbito local. Considerar o todo e não o uno, já que preservar o todo significa proteger o uno e vice-versa. Pois cada ser em si, carrega o ponto vital de uma cadeia de fatores e acontecimentos e reflete através de si, diretamente, o apogeu e a ruína dessa mesma cadeia, condenando diretamente os demais seres. Como disse, o já citado cacique Seattle, “O fim do viver e o início do sobreviver”. REFERÊNCIAS BARBOSA, E a Machado. Poder loca e cultura democrática: elementos para uma abordagem multi-escópica em ciências sociais. Sociologias. Ano 2. N.3. Jan/Jun 2000. BERNA, Vilmar Sidnei Demamam. Amigos do Planeta: meio ambiente e educação ambiental. São Paulo: Paulus, 2008. BRASIL, República Federativa. Legislação de direito internacional. São Paulo: Saraiva, 2008. BRASIL, República Federativa do. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990: Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. 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