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VII CONGRESSO BRASILEIRO DA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO REGULAÇÃO DA MÍDIA NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO São Paulo, 16 e 17 de Novembro 2014 A MEMÓRIA COLETIVA E O DIREITO AO ESQUECIMENTO A COLLECTIVE MEMORY AND THE RIGHT TO OBLIVION José Cláudio Rodrigues Alves 1 Monica Walter Rodrigues 2 RESUMO: O recente caso decidido pela Corte de Justiça da União Européia com relação ao direito ao esquecimento ganhou espaço na mídia e trouxe à tona questões relativas à privacidade, liberdade de expressão e direito à informação, cuja ponderação revela-se tendente à proteção aos aspectos da personalidade na sociedade da informação. Sob essa ótica, este artigo, de método dialético e bibliográfico, propõe-se a pensar a relação existente entre a memória e a política, a partir da memória coletiva apresentada por Halbwachs e da perspectiva de memória e esquecimento de Nietzsche e Arendt, apontando-se, como principal desafio na decisão jurídica entre o esquecimento ou o não-esquecimento, não só a ponderação entre direitos da personalidade e de liberdade de expressão e de informação, mas uma reflexão acerca do interesse público quanto a fatos que compõe a memória coletiva. Palavras-chave: Esquecimento. Direitos de personalidade. Memória. Política. Ponderação. SUMMARY: The recent case decided by the Court of Justice of the European Union regarding the right to oblivion gained media attention and brought up issues relating to privacy, freedom of expression and right to information, which reveals weighted - aimed at protecting the aspects personality in the information society. Under this view , this article , dialectical and bibliographical method proposes to think the relationship between memory and politics , from the collective memory by Halbwachs and the prospect of memory and forgetfulness of Nietzsche and Arendt , pointing if , as a main challenge in a legal decision between forgetting or non -forgetfulness , not only the balance between personal rights and freedom of expression and information , but a reflection on the public interest as the events that make up the collective memory . Keywords : Oblivion. Personality rights. Memory. Policy. Weighting 1 JOSÉ CLÁUDIO RODRIGUES ALVES. Mestrando em Direito da Sociedade da Informação pela FMU, Graduado em Direito pela Universidade Paulista- UNIP, claudio.ralves@hotmail.com. 2 MONICA W. RODRIGUES, Mestranda em Direito da Sociedade da Informação na FMU, Especialista em Direito do Entretenimento e da Comunicação Social pela ESA/OABSP (2010), Licenciatura em Direito obtida por meio da Formação Pedagógica para Docentes da Educação Profissional pelo Centro Paula Souza de Educação Tecnológica (2010), graduada em Direito pela FMU (2001), moniwr@gmail.com.. 85 Anais do VII Congresso Brasileiro da Sociedade da Informação, São Paulo, vol. 7, pág. 84-90, nov./2014 INTRODUÇÃO Nossa proposta inicia pela abordagem à memória e ao esquecimento como faces de uma mesma moeda. A memória está relacionada ao processo de acumulação, compartilhamento e ressignificação de aspectos individuais e coletivos no contexto social. A educação 3 vale-se constantemente destes recursos como forma de transmissão de conhecimentos, isto porque, é pelo compartilhamento das experiências acumuladas que os indivíduos vão formando sua visão de mundo, mas também aprendem a pensar de modos variados sobre as coisas sob novos pontos de vista. Nesse sentido, por exemplo, as referências à memória como afetiva, cultural, patrimonial a respeito das quais as artes, a ciência e a história se encarregam de acumular e que são transmitidas como representações sociais. Acerca da construção dessa acumulação de experiências, Maurice Halbwachs (1968), cujo trabalho A Memória Coletiva tem sido referenciado desde o final do século passado por diversos autores (ARAUJO, 2007:96, DODEBEI e GOUVEIA, 2008:4 e FERREIRA, 2011:105), contribuiu sobre o tema ao estabelecer que entre a memória individual e a coletiva, esta prevalece porquanto se trata das interações sociais entre os indivíduos. Para ele, os pontos de referência que o homem utiliza para evocar seu próprio passado apontam a necessidade de apelo à memória dos outros, fixando-se a pontos de referência que estão fora dele e que são fixados pela sociedade, cujos instrumentos são as palavras e as idéias emprestadas do meio em que vive e não por ele inventadas. Ou seja, mesmo que se pense que a memória individual é aquela construída pelo indivíduo apenas, suas lembranças são constituídas por construções coletivas. Sendo assim, a memória individual que se vale do social para continuar existindo, aponta para a relação existente entre a memória e o esquecimento, no pensamento de Halbwachs, como faces da mesma moeda, já que não é possível ao indivíduo que se lembre sozinho de todos os fatos, contando assim com a influência e o apoio do coletivo para o avivamento das lembranças (DODEBEI e GOUVEIA, 2008:5). A nosso ver, estabelece-se aí, segundo o par lembrar-esquecer na perspectiva de Halbwachs, a dificuldade de divisão entre a memória que é tornada pública e aquela que se entende como privada, cuja decisão pela sociedade em relação à lembrança ou o esquecimento traz conseqüências éticas e políticas (GONDAR, 2005:17). DESENVOLVIMENTO Acerca da memória como recurso do que é transmitido na sociedade, temos que, se a construção da memória é coletiva, os mesmos processos (acumulação, compartilhamento e ressignificação) que constroem a memória também estão relacionados ao esquecimento, ao que vale lembrar que ambos não são processos naturais, mas discursos que dependem de seus autores. A esse respeito, interessante as contribuições de Silvia Salvatici tanto para o projeto 4 Arquivos da Memória, realizado no Kozovo, em que a maioria de seus entrevistados, apesar das dificuldades em relação às dolorosas lembranças apontava o alívio em relatar seus traumas (SALVATICI, 2005:117), quanto pelo artigo Memórias de Gênero (SALVATICI, 2005:36), em que os relatos das mulheres resgatavam a subjetividade do feminino em relação a fatos que narrados sob a perspectiva masculina não revelam os mesmos contornos. 3 Os autores da educação divergem a respeito do conceito de educação e o sentido que ela tem nas sociedades ou para as diferentes classes sociais, cuja tentativa de alcance de seu sentido pela Filosofia da Educação aponta três tendências político- filosóficas. A primeira que entende a educação como redenção capaz de direcionar a vida a condições melhores, promovendo um pensamento não-crítico uma vez que a educação é inerente à sociedade e gestada em seus processos de contradição. A segunda apresenta uma visão reprodutivista da educação, considerando-a como instrumento de dominação, determinada por condicionantes econômicas, sociais, políticas e culturais, cuja ação pedagógica dos educadores cinge-se na reprodução da ideologia da classe dominante. E a terceira como mediação de um projeto social, nem redentora, nem reprodutiva, mas uma instância social que pode contribuir para a democratização política, social, econômica e cultural de um país. OLIVEIRA, Rodrigues Elizabete. Educação e Trabalho. In: RAMOS, Ivone Marchi Lainetti et al. Formação Pedagógica para Docentes da Educação Profissional. São Paulo: Centro Paula Souza, 2007, p.131. 4 O projeto foi realizado entre 1999 e 2000 como parte distinta do programa Resposta Psicossocial e Trauma no Kosovo, implementado pela Organização Internacional para Migração. 86 Anais do VII Congresso Brasileiro da Sociedade da Informação, São Paulo, vol. 7, pág. 84-90, nov./2014 Dentre as referências à memória como afetiva, cultural, patrimonial, destaca-se a importante análise realizada por Barrenechea e Dias (2013:301-325) acerca das relações entre a memóriae a política em Nietzsche e Arendt, apontando que, em ambos os autores, memória e esquecimento são fenômenos sociais que surgem num contexto de violência e coerção. Para os autores, em que pesem as conclusões diversas entre os pensamentos de Nietzsche e Arendt, o ponto de tangência entre os pensamentos dos dois filósofos, estaria na admissão do homem como animal memoriado - seja pelo convívio social, seja pela condição racional - e na afirmação da necessidade de se ultrapassar a mediocridade dos homens domesticados, anestesiados e esquecidos de sua própria condição criadora. Acerca das visões distintas entre Nietzsche e Arendt em relação à memória e ao esquecimento, e apontadas por Barrenechea e Dias, tem-se em Nietzsche (autor alemão do final século XIX) a valorização da ação do esquecimento como força contra os excessos da memória historicista que caracterizam uma espécie de cultura da obediência e que impedem o homem de não esquecer sua condição de rebanho. Para ele, a ação da memória atua na facilitação da conservação do poder por uma política que não deseja mudança. Tal situação ocorre pela necessidade gregária do homem que se vê vivendo em comunidades, havendo assim, desde sempre, a obediência de muitos em relação ao pequeno número dos que mandam (BARRENECHEA e DIAS, 2013:310). A oposição a essa dominação estaria no esquecimento como forma de rompimento com a condição de rebanho, permitindo a partir daí a atuação de forças criativas. Já, para Arendt (autora do século XX e vítima do nazismo) a presença de uma memória da violência empregada como fortalecimento de instituições despóticas, inibe a ação política, tornando os indivíduos apáticos e enfraquecendo as forças criativas do homem (BARRENECHEA e DIAS, 2013:318), constituindo-se nesse sentido a memória numa afirmação contra regimes cerceadores da liberdade do indivíduo. Significativamente, Barrenechea e Dias afirmam que a violência atual, distante dos horrores dos campos de concentração, atua de forma sutil e elegante, invadindo com seus jogos de imagens nosso espaço privado das relações, atropelando, anestesiando e gerando apatia pelo debate público da política. Sob essa ótica, gostaríamos de abrir espaço para a uma das interessantes passagens da obra de George Orwell, em que Winston, o herói de 1984, que trabalhava no Ministério da Verdade, em suas reflexões acerca da realidade que o cercava e inscritas em seu diário como forma de comunicação com o futuro, dá-se conta de que apenas uma vez possuíra em suas mãos um indício concreto de um ato de falsificação, um fragmento do passado capaz de destruir uma teoria se pudesse ter sido publicado para que o mundo tomasse conhecimento. Mas, ao mesmo tempo, questiona-se acerca da efetividade desse ato: “será que o controle do Partido sobre o passado teria ficado menos poderoso?” indaga-se ele. As vantagens imediatas do controle sobre o passado ele podia compreender, afinal, como rezava o lema do Partido, “quem controla o passado controla o futuro; quem controla o presente controla o passado”, contudo, ainda intrigado, escreveu em seu diário: “Entendo como, mas não entendo porque”. Percebeu então, o imenso poderio reunido contra ele e a facilidade com que qualquer intelectual do Partido, com argumentos sutis, lhe derrotaria num debate. “E ainda assim, a razão estava com ele”. “O óbvio, o tolo e o verdadeiro tinham de ser defendidos”. A obra de Orwell, publicada em 1949, e recebida como uma crítica aos regimes nazi-fascistas, ainda hoje se impõe como um instrumento de reflexão, cujo ponto que gostaríamos de estabelecer relação entre a narrativa de Orwell e as reflexões de Barrenechea e Dias sobre Nietzsche e Arendt, situa-se na apatia dos indivíduos por sua condição de rebanho e, portanto, sujeitos ao controle, mesmo numa sociedade democrática. Tal como Winston, o homem pós-moderno entende como, mas não entende o porquê, motivo pelo qual, nosso esforço não em afastar a proteção aos aspectos da personalidade na sociedade da informação, mas em atentar para o interesse público quanto a fatos que compõe a memória coletiva e para a força afirmativa que se encerra na memória coletiva transmitida na sociedade da informação. A respeito do termo “sociedade da informação” Morin (2003:8) refuta seu slogan, dizendo que temos excesso de informação, ao mesmo tempo em que temos insuficiência de organização dessas 87 Anais do VII Congresso Brasileiro da Sociedade da Informação, São Paulo, vol. 7, pág. 84-90, nov./2014 informações e, portanto, carência de conhecimento. Para ele, a compreensão não está ligada à materialidade da comunicação, mas ao social, ao político, ao existencial, que só será possível a partir da desfragmentação e reorganização dos conhecimentos, como forma de reforma do pensamento. A reforma do pensamento é uma necessidade democrática fundamental: formar cidadãos capazes de enfrentar os problemas de sua época é frear o enfraquecimento democrático que suscita, em todas as áreas da política, a expansão da autoridade dos experts, especialistas de toda ordem, que restringe progressivamente a competência dos cidadãos. Estes estão condenados à aceitação ignorante das decisões daqueles que se presumem sabedores [...]. O desenvolvimento de uma democracia cognitiva só é possível com a reorganização do saber [...]. Precisamos, pois, estar intelectualmente rearmados, começar a pensar a complexidade, enfrentar os desafios da agonia/nascimento de nosso entre-dois-milênios e tentar pensar os problemas da humanidade na era planetária. (MORIN, 2012:103-104) Dodebei e Gouveia (2008:8) apontam o deslocamento da relação passado-presente para a relação passado-presente-futuro na preservação do conhecimento, cujo processamento contínuo de novas informações é o mesmo que possibilita a fusão, complementação e descarte de informações da memória, tornando difícil o resgate dos formatos originais de ingresso, motivo pelo qual as memórias geridas e gerenciadas não podem ser tomadas mais como bancos de dados (informação), mas sim como centros de conhecimento, cuja informação é processada em seu interior, o que para Latour (2004) implica na intersecção de conhecimentos. A veracidade não vem da superposição de um enunciado e de um estado do mundo, mas procede antes da manutenção contínua das redes, dos centros e dos móveis imutáveis que aí circulam. A palavra verdade não ressoa quando uma frase se prende a uma coisa como um vagão a outro vagão, conforme o modelo comum da adequatio rei et intellectus. Deve-se ouvi-la antes como o ronronar de uma rede que gira e que se estende [...] as belas palavras de conhecimento, exatidão e precisão perdem seu sentido fora destas redes, dessas transformações, dessas acumulações, dessas mais-valias de informação, dessas inversões de relações de força. (LATOUR,2004:12-14) Por outro lado, no que tange à veracidade, Monica Teresa Mansur Silva (2013:95) acerca do dever da verdade pela imprensa lembra que a verdade tem compromissos constitucionais com a honra, a imagem e a privacidade, salientando por outro lado que na sociedade da informação há outros meios de comunicação que podem ser acessados sem o controle estatal, sendo a marca principal da Internet a plena liberdade de expressão inclusive em relação a temas sensíveis. Para ela, em que pese o senso comum e sua tendência em desconsiderar regras éticas, deve imperar no relacionamento social a veracidade - esta que, segundo o campo filosófico, nasce da decisão de encontrá-la, do espanto, da admiração e do desejo de saber (MANSUR, 2013:75) - indagando a autora o porquê valorizá-la na sociedade da informação. Nesse sentido, os processos de acumulação, compartilhamento e ressignificação da memória e do esquecimento, evidenciam o tênue limite entre fatos que compõem aspectos públicos e privados da memória, verificando-se em certos casos a ocorrência de confrontoentre direitos constitucionais igualmente tutelados como os direitos da personalidade e a liberdade de expressão e de informação. Acerca dessa ampla possibilidade de divulgação de informações que por vezes confrontam os direitos da personalidade, recentemente, a Corte de Justiça da União Européia, reconheceu a aplicabilidade do direito ao esquecimento sob a perspectiva da Internet, em especial quanto aos sistemas de busca, chamando a atenção para as discussões em torno do tema. Isto porque, a decisão ao analisar o pedido formulado de exclusão de dados pessoais na rede face à Diretiva 95/46-CE, concluiu que a liberdade de informação não se pode sobrepor ao direito à privacidade e que a atividade desenvolvida pela Google e sua filial espanhola constitui tratamento de dados e não mera ferramenta tecnológica de 88 Anais do VII Congresso Brasileiro da Sociedade da Informação, São Paulo, vol. 7, pág. 84-90, nov./2014 busca. Em sentido oposto, a Ministra Nancy Andrighi 5 se manifestou no sentido de que “não se pode, sob o pretexto de dificultar a propagação de conteúdo ilícito ou ofensivo na web reprimir o direito da coletividade à informação”. A decisão foi anterior à vigência da Lei 12.965/2014 e faz referência ao provedor de pesquisa como espécie do gênero provedor de conteúdo 6 limitado apenas a indicar links onde podem ser encontrados os termos ou expressões de busca fornecidas pelo próprio usuário. Em que pese a distinção entre as posições adotadas no caso europeu e o brasileiro, a decisão européia teve seus reflexos por aqui, porquanto o caso foi citado como referência à aplicabilidade do direito ao esquecimento, no recente julgado sobre a veiculação do caso Aida Curi 7 ocorrido em 1958. Decerto que o Ministro Luis Felipe Salomão reconheceu a distinção de sua aplicação para a Internet e a mídia televisiva, contudo no mesmo acórdão fez extensa explanação sobre sua aplicabilidade à Internet, invocando o Enunciado 531 8 da VI Jornada do Conselho da Justiça Federal, manifestando que “diante das preocupantes constatações do hiperinformacionismo, o momento é de novas e necessárias reflexões, das quais podem advir novos direitos ou novas perspectivas sobre velhos diretos revisitados”. Acerca dessa última afirmação do Ministro de “novas perspectivas sobre velhos direitos revisistados” nossas reflexões em torno da memória coletiva, mais especificamente quando na ocorrência de casos concretos envolvendo pessoas públicas ou casos que ganham notoriedade, pesa sobre o Judiciário a ponderação sobre a prevalência entre o público e o privado, entre a privacidade e a liberdade de informação. Maria Letícia Mazzucchi Ferreira, em Políticas da Memória e Políticas do Esquecimento, refere-se ao esquecimento como recurso para estabilização de tensões e dissipação do sentimento de vingança utilizado por grupos ou governos, em que o “difícil lema da unidade nacional e do apaziguamento” choca-se com violações a direitos humanos (2011:112). Aponta ainda a autora a análise de Nicole Lorax acerca da memória cívica em Atenas, indicando que na República Ateniense, o esquecimento por decreto é imposto como uma forma de regular a memória cívica, sendo no começo do século V, proibidas representações e rememorações da tomada de Mileto pelos persas em 494 (FERREIRA, 2011:213). A respeito desta “difícil gestão do passado” a autora menciona as discussões em torno da Lei de Anistia e a parte final do voto 9 do Ministro Relator Eros Grau na Arguição de Descumprimento de Lei Fundamental proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil, em que a despeito de haver julgado sua improcedência afirma: “há coisas que não podem ser esquecidas”, “é necessário não esquecermos, para que nunca mais as coisas voltem a ser como foram no passado”. O artigo da autora faz referência à 5 Recurso Especial 1316921/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/06/2012. O caso refere-se à ação ordinária inominada, ajuizada por Maria da Graça Xuxa Meneghel em face de Google Search, objetivando a remoção do seu site de pesquisas via Internet os resultados relativos à busca pela expressão "xuxa pedófila" ou, ainda, qualquer outra que associe o nome da autora a uma prática criminosa qualquer. 6 A Lei 12.965/2014 faz referência a dois tipos de serviços; o de conexão à internet e o de aplicações de internet, o que, segundo a definição dada em seu art.5º, VII – conjunto de funcionalidades que possam ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet – enquadraria o Google como prestador desse tipo de serviço. 7 O caso refere-se à morte de Aída Jacob Curi, à época com 18 anos, morta em 14/07/58, no Rio de Janeiro no bairro de Copacabana. À época, dois dos acusados foram inocentados quanto ao crime de homicídio, mas condenados por atentado violento ao pudor e tentativa de estupro, Ronaldo Castro que parece ter convencido Ainda a subir ao apartamento e o porteiro Antonio Souza que auxiliou Ronaldo e outro rapaz Cássio Murilo, este menor de idade na ocasião do crime, foi condenado pelo homicídio de Aída e encaminhado ao Sistema de Assistência ao Menor. Todas estas informações foram retiradas de sites na Internet, não sendo possível indicar apenas um como fonte de consulta. Aliás, para o termo de busca Aida Curi, o Google retorna cerca de 31500 ocorrências, entre imagens e textos, alguns fazendo referência ao crime apenas a título exemplificativo ou explicativo de algo que se está comentando, outros se propondo a discutir detalhes do crime em si e outros ainda, discutindo temas relativos à maioridade penal, a educação e à chamada juventude transviada na década de 50. Há ainda ocorrências para o livro “Aida Curi: o preço foi a própria vida!”, publicado pelo irmão da vítima Monsenhor Mauricio Curi, bem como um relato de uma prima do acusado Ronaldo Castro, Mariza Eneider Castro, em que ela tece considerações acerca do comportamento e atos passados de Ronaldo e de seu pai, afirmando que o pai teria influenciado financeiramente no resultado do julgamento (este relato em www.memoriaviva.com.br). 8 Enunciado 531 – A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação incluir o direito ao esquecimento. 9 Decisão na Argüição de Descumprimento de Lei Fundamental, disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiasstf/anexo/adpf53.pdf, acessado em 14/09/14, às 21:00. 89 Anais do VII Congresso Brasileiro da Sociedade da Informação, São Paulo, vol. 7, pág. 84-90, nov./2014 fragilidade da memória e sua relativização em relação àqueles a quem se dirige a busca da verdade por meio de decisões jurídicas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como considerações finais, as reflexões expostas nos sugerem como desfecho em relação ao direito ao esquecimento a importância da ponderação a serviço da memória coletiva quando aplicado a pessoas públicas relacionas à política, situações em que o interesse público deverá nortear a decisão. No entanto, como alerta Barroso (2007:86) é preciso cuidado com a dissimulação na aplicação da cláusula genérica que pode culminar na imposição de discursos oficiais de matizes variados. O autor lembra que, em diferentes fases, a vida brasileira já foi vivida na clandestinidade e que a interdição compulsória da liberdade de expressão e de informação, mesmo quando precedida do devido processo legal - ainda que não se possa compará-la aos atos de censura experimentados no passado - comporta riscos análogos e que o passado é muito recente para não assombrar (BARROSO, 2007:97). Por fim, conforme aponta Barroso (2007:86), o atendimento ao requisito do interesse público no exercício da liberdade de informação e de expressão, na verdade cuida do próprio conteúdo veiculado pelo agente sobre o qual se procura realizar um juízo de valor acerca do interesse na divulgação de determinada informação ou opinião. É preciso lembrar queo interesse público maior é a própria liberdade sobre a qual repousa o conhecimento dos cidadãos acerca do que ocorre à sua volta, e é sobre essa liberdade que se deve construir a confiança nas instituições e na democracia. Portanto, a regra geral é a de não se admitir limitação à liberdade de expressão e de informação que por si só constituem o interesse público em si mesmo, exceto em situações limite de quase ruptura do sistema. Ou seja, o interesse público como norteador quanto à manutenção da memória ou de seu esquecimento, seria o fundamento da força criativa transformadora da sociedade, idealizada no pensamento de Nietzsche e Arendt, diante do dilema: lembrar para não esquecer-esquecer para não lembrar. REFERÊNCIAS ARAÚJO, Maria Paula Nascimento, SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. História, memória e esquecimento: Implicações políticas. Revista Crítica de Ciências Sociais [Online], 79:2007. URL:http://rccs.revues.org/728, acesso em 10/09/2014, às 15:35 BARRENECHEA, Miguel Angel de, DIAS, Mário José. Entre a memória e a política: Nietzsche e Arendt na atualidade. Cad. Nietzsche, São Paulo, n. 33, p. 301-326, 2013. BARROSO, Luis Roberto. Liberdade de expressão versus direitos da personalidade. Colisão de direitos fundamentais e critérios de ponderação. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Direitos Fundamentais, Informática e Comunicação: algumas aproximações. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2007. 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