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Branda de Oliveira de Lima, Turma LVI - MedUnicamp Cirrose hepática é caracterizada por subversão difusa da arquitetura hepática normal por nódulos de hepatócitos em regeneração circundados por tecido conjuntivo. Total desarranjo do arcabouço reticulínico e desordem da arquitetura hepática. É considerada o estágio final comum de uma grande variedade de doenças, de causas variadas, sobretudo alcoolismo e hepatites virais e autoimune, além de lesões de natureza metabólica, vascular ou biliar. Não é totalmente irreversível. A concepção antiga de que a fibrose hepática (e também em outros órgãos) é um fenômeno irreversível não se sustenta mais, pois em algumas situações ela pode sofrer regressão. A regressão ocorre em fases iniciais do processo, pois o fígado possui muitas enzimas que degradam colágeno (metaloproteinases e colagenases). Essa regressão é principalmente de septos delicados. Contudo, à medida que o processo progride, essas fibras colágenas ficam mais densas e resistentes. O conceito de cirrose hepática baseia-se em três lesões fundamentais: (1) neoformação conjuntiva em todo o órgão, a qual insula partes do parênquima hepático; (2) formação de nódulos de parênquima hepático circundados por fibrose, em geral com regeneração hepatocitária; (3) subversão da arquitetura lobular. Tal conceito comporta algumas considerações: (a) a substituição da arquitetura lobular por nódulos é a base das alterações no funcionamento do órgão e no fluxo sanguíneo hepático; (b) a delimitação dos nódulos de parênquima por septos fibrosos é também indispensável, uma vez que na hiperplasia nodular regenerativa pode haver formação difusa de nódulos sem septos fibrosos circunjacentes; (c) na hiperplasia nodular focal também se encontram nódulos parenquimatosos circundados por fibrose, porém este processo hamartomatoso é localizado e atinge apenas pequena porção do fígado. ASPECTOS CLÍNICOS Cirrose hepática pode ser assintomática durante vários anos. As manifestações principais da doença são anorexia, emagrecimento, dores abdominais e estigmas de doença hepática crônica, que incluem eritema palmar, atrofia testicular, ginecomastia e aranhas vasculares. Estas últimas são mais frequentes em alcoólatras, sendo a esplenomegalia mais volumosa na cirrose de origem viral. Na fase avançada, o paciente apresenta hemorragia digestiva (hematêmese e/ou melena), circulação colateral, hálito hepático, edema dos membros inferiores, ascite e manifestações de encefalopatia hepática. Laboratorialmente, encontram-se hipoalbuminemia e aumento da atividade das aminotransferases. Branda de Oliveira de Lima, Turma LVI - MedUnicamp Nas formas colestáticas, há icterícia, hiperbilirrubinemia (sobretudo à custa da fração conjugada) e aumento da fosfatase alcalina. O aparecimento súbito de icterícia e a elevação paralela dos níveis séricos de bilirrubinas sinalizam para deterioração da função hepática. O óbito é devido, na maioria das vezes, a insuficiência hepática, infecções intercorrentes e hemorragia digestiva. Branda de Oliveira de Lima, Turma LVI - MedUnicamp PATOGÊNESE DAS CIRROSES Nem toda hepatopatia crônica é cirrose! Pode ter só uma fibrose, mas não cirrose. Cirrose é a fase terminal. A patogênese da cirrose depende da inter-relação de três elementos fundamentais: necrose hepatocelular, proliferação de componentes estromais (fibrose e neoformação de vasos) e regeneração hepatocitária. A neoformação conjuntiva sistematizada em todo o órgão que insula partes do parênquima é componente essencial da cirrose. A associação de cirrose com nódulos de regeneração é clássica. Nas cirroses há indicação formal de biópsia hepática, que serve para estadiamento da doença, para determinação do grau de atividade e, sempre que possível, para estabelecimento da sua causa. Os achados macroscópicos podem sugerir a causa, como na cirrose clássica de Laennec, na qual a coloração amarelada dá nome ao processo e define a etiologia alcoólica, associada a esteatose acentuada. A coloração verde caracteriza a cirrose biliar, enquanto a tonalidade castanho- avermelhada brilhante, por deposição de ferro, sugere hemocromatose. Na cirrose por bloqueio da drenagem venosa, aparece o padrão de noz-moscada. CARACTERÍSTICAS HISTOLÓGICAS Na cirrose micronodular, os nódulos têm em média 2 a 3 mm de diâmetro, e os septos colágenos que os envolvem apresentam espessura uniforme, o que dá à superfície de corte aspecto regular. Na cirrose macronodular, o tamanho e a forma dos nódulos são muito diferentes, a superfície de corte é irregular e o tecido conjuntivo que envolve os nódulos varia de septos delgados a cicatrizes grosseiras. Histologicamente, encontram-se nódulos de parênquima hepático, de tamanhos diversos, circundados por septos de tecido conjuntivo. Com isso, ocorre subversão da arquitetura lobular e, em consequência, surgem transtornos na circulação sanguínea (há interrupção no fluxo regular do sangue portal para as vênulas hepáticas terminais e destas para as supra-hepáticas) e na drenagem da bile. No interior dos nódulos, os hepatócitos apresentam degenerações e, às vezes, necrose. Por isso mesmo, na cirrose são frequentes manifestações clínicas ligadas à insuficiência funcional dos hepatócitos, caracterizando insuficiência hepática. Nos septos conjuntivos e nos espaços portais, há infiltrado de mononucleares de intensidade variada e, às vezes, proliferação ductal. Colestase é frequente nas fases avançadas. Branda de Oliveira de Lima, Turma LVI - MedUnicamp - Alterações do Leito Vascular: forma-se uma nova rede vascular na qual os sinusoides sofrem processo de capilarização (deixa de ser fenestrado), fenômeno que, somado à pressão exercida pelos nódulos sobre o sistema venoso eferente, resulta em hipertensão portal. Há passagem de sangue diretamente do sistema portal para o supra-hepático, sem perfundir a rede sinusoidal. Com isso, nutrientes importantes deixam de ser oferecidos aos hepatócitos, além de não haver depuração de substâncias tóxicas e antigênicas vindas do intestino. Isso pode causar isquemia e necrose. A capilarização dos sinusoides causa diminuição da secreção de proteínas dos hepatócitos para a corrente sanguínea. Constatamos isso nos exames, por ex. hipoalbuminemia. - Neoformação conjuntiva: é concomitante ou posterior à necrose dos hepatócitos. Na cirrose, encontram-se aumentados os vários tipos de colágeno. Formação de traves fibrosas de espessuras diferentes e formando pontes (shunt). - Regeneração: A população de hepatócitos no fígado normal é estável. Alguns metabólitos e substâncias trazidas pelo sangue portal ou produzidas pelas próprias células hepáticas parecem ter papel na regeneração hepatocitária. Além de nutrientes, proteínas e matéria-prima para a reposição de estruturas celulares, insulina e glucagon parecem ser os fatores mais importantes na regeneração hepática. Lembrar que sempre há um balanço entre a fibrose e a regeneração. Na cirrose, a regeneração não dá conta. O encontro de grupos de hepatócitos com grande atividade regenerativa, levando à chamada regeneração patológica, é considerada importante fator de risco de carcinoma hepatocelular. CLASSIFICAÇÃO ETIOLÓGICA A classificação tradicional das cirroses baseia-se no critério morfológico, que as divide em micronodulares, macronodulares e mistas. Sabe-se que a macronodular é a forma final de todos os tipos morfológicos de cirrose, independentemente de sua etiologia (viral, alcoólica, biliar, pigmentar etc.). O critério de classificação das cirroses mais adequado é o etiológico, definido por marcadores clínicos, bioquímicos, virológicos e imunológicos. 1.Viral: vírus da hepatite B e C. 2.Autoimunidade: HAI, CBP, CEP. 3.Tóxica/metabólica: STH (álcool, NASH). 4.Obstrução biliar: atresia biliar, tumores, iatrogenia, cálculos, fibrose cística, CEP.5.Depósitos/erros inatos: doença de Wilson, hemocromatose, porfirias, deficiência de alfa1AT, galactosemia, tirosinemia, glicogenoses, FHC, etc. 6.Vascular: síndrome Budd-Chiari, insuficiência cardíaca, doença veno-oclusiva, doença de Rendu-Osler-Weber. 7.Miscelânia: cirrose indiana da infância, hepatite neonatal, histiocitose de células de langerhans, criptogenica (15-60% dos casos, ocorre quando o diagnóstico etiológico não é determinado). Branda de Oliveira de Lima, Turma LVI - MedUnicamp CIRROSE PÓS VÍRUS HEPATOTRÓPICOS Também chamada de Cirrose Pós Hepática (ou pós necrótica). Macroscopia com nódulos de tamanhos variados, superfície irregular. Aspectos microscópicos: tecido fibroso abundante ou septos finos, distribuição irregular. Nos septos e nos espaços porta tem infiltrado inflamatório de densidade variável, ductos proliferados (colestase variável). Presença de necrose de interface. Medimos a atividade do processo pelo grau de necrose e resposta inflamatória. Para isso utilizar classificações de hepatites crônicas. Branda de Oliveira de Lima, Turma LVI - MedUnicamp CIRROSE DE CAUSA AUTOIMUNE Tem padrões morfológicos distintos: Cirrose pós-hepática: pós hepatite auto imune. Semelhante à cirrose pós hepatite viral, porém com suas peculiaridades. Podem ser utilizadas classificações das hepatites crônicas. Geralmente conta com septos mais densos, maior colapso do arcabouço. Os hepatócitos que sobram tentam se regenerar em rosetas de hepatócitos. Intenso infiltrado inflamatório de plasmócitos. Cirrose biliar: pós Colangite Biliar Primária (CBP) ou Colangite Esclerosante Primária (CEP). Cirrose biliar ductopênica (sem ductos no espaço porta). Em peças cirúrgicas é possível observar lesões características das fases iniciais. Chama atenção o parênquima totalmente esverdeado. Cirrose Pós-Hepática: Cirrose Biliar: A CBP é uma doença autoimune caracterizada pela destruição inflamatória não supurativa dos ductos biliares de pequeno e médio porte. Branda de Oliveira de Lima, Turma LVI - MedUnicamp A CEP é caracterizada por inflamação e fibrose obliterativa dos ductos biliares intra- e extra- hepáticos, com dilatação dos segmentos preservados. Uma fibrose periductal causando espécie de esclerose. CIRROSE POR ESTEATOHEPATITE (STH) Tende a ser mais microscópica. Morfologia: Cirrose Atrófica de Laennec (até 3mm) Cirrose Hipertrófica A estrutura é nodular difusa, tem septos fibrosos finos, fibrose perissinusoidal e perivenular (VHT). Tem corpos hialinos de Mallory e esteatohepatite. Diferente da hepatite crônica, ocorre ao redor da veia centrolobular. Fibrose em tela de galinheiro, ao redor dos sinusoides. Branda de Oliveira de Lima, Turma LVI - MedUnicamp CIRROSE POR OBSTRUÇÃO BILIAR Essa cirrose tem volume variável, mas geralmente o fígado fica bem pequeno nas fases terminais. Branda de Oliveira de Lima, Turma LVI - MedUnicamp A cirrose é micronodular, coloração esverdeada por acúmulo de bile nas vias biliares intra- hepáticas, depois em hepatócitos adjacentes e canalículos. Nódulos envoltos por traves fibrosas, com intensa proliferação ductular e infiltrado inflamatório misto. Efeito “halo” (zona clara sub septal) pode haver, mas é mais comum nas doenças ductopenicas. Colestase acentuada: intra hepatocítica, intra canalicular e intra ductal. Pode haver lagos biliares e/ou dilatações ductais. Vemos cilindros biliares, células macrofágicas ao redor de lado biliar. Há abundante pigmento biliar (bilirrubina) no citoplasma de hepatócitos, na forma de pequenos grânulos pardacentos, e no citoplasma de células de Kupffer que margeiam os sinusóides. Observam-se também cilindros de cor pardacenta nos canalículos biliares, situados entre os hepatócitos. Branda de Oliveira de Lima, Turma LVI - MedUnicamp CIRROSE POR DOENÇAS DE DEPÓSITO/ERROS INATOS - Hemocromatose Primária: depósito de pigmento férrico (hemossiderina) em vários órgãos, com quadro clinico variável. - Erro inato do metabolismo do ferro: quadro clínico muito variável, como doença hepática, diabetes, pigmentação cutânea (“diabetes bronzeado”). Na macroscopia, o fígado é bem alaranjado e noduloso. Lesão hepática: cirrose pigmentar micronodular (depósitos férricos – coloração pelo azul da prussia). - Doença de Wilson: distúrbio hereditário recessivo autossômico do metabolismo do cobre, com queda da ceruloplasmina, cobre sérico e cobre urinário. Aparecimento dos sintomas dos 5 aos 10 anos. - Deficiência de Alfa-1-Antitripsina: acúmulo da forma anômala dessa proteína nos hepatócitos por um defeito no metabolismo dela. O fígado produz anomalamente e por isso ela não consegue ser excretada do hepatócito, não é funcional. Essa proteína se acumula na forma de glóbulos dentro dos hepatócitos. A ausência dessa proteína no sangue causa aumento da atividade proteolítica nos alvéolos, causando enfisemas. Repercussão respiratória! No fígado há lesão dos hepatócitos por acúmulo da forma anônima da proteína. Dependendo do alelo inibidor de protease posso ter formas clinicas diferentes. Alterações histológicas muito variadas, podendo simular atrésia biliar e evoluir com ductopenia. Esses glóbulos intra-hepatocíticos estimulam as células de Ito. Para confirmar o diagnóstico podemos utilizar a coloração em PAS com diástase. Branda de Oliveira de Lima, Turma LVI - MedUnicamp CIRROSE POR LESÕES VASCULARES As duas causas vasculares importantes para o aparecimento de cirrose são: Síndrome de Budd-Chiari (trombose da VCI) Insuficiência Cardíaca Congestiva Ambas as causas geram bloqueio crônico no efluxo venoso para o coração, acumulando sangue nos sinusoides hepáticos. Evolução do processo: dilatação de sinusoides VHT e zona 3 > fígado em noz moscada > hipóxia hepatocelular crônica > necrose coagulativa > fibrose VHT > fibrose zonas 2 e 1 > cirrose cardíaca. A descompensação cardíaca direita leva à congestão passiva do fígado. O fígado é discretamente aumentado, tenso e cianótico, com bordas arredondadas. Microscopicamente, ocorre congestão dos sinusoides centrolobulares. A combinação de hipoperfusão e congestão retrógrada age sinergicamente para causar necrose hemorrágica centrolobular. O fígado assume aspecto mosqueado multicolorido, refletindo a hemorragia e necrose nas regiões centrolobulares. Esse aspecto é conhecido como fígado em noz moscada. Branda de Oliveira de Lima, Turma LVI - MedUnicamp COMPLICAÇÕES DA CIRROSE HEPÁTICA As duas principais complicações da cirrose são hipertensão portal e insuficiência hepática. • Hipertensão Portal (HP): consiste no aumento da pressão hidrostática no interior do sistema portal. Este se origina nos capilares dos intestinos e nos sinusoides da polpa esplênica, sendo a veia porta formada pela confluência da veia esplênica com as veias mesentéricas superior e inferior. • Insuficiência Hepática: A incapacidade do fígado de cumprir suas inúmeras funções repercute no organismo de muitas maneiras. Falência hepática pode ocorrer de formas: - Aguda, quando há necrose extensa do fígado, por ingestão de drogas/medicamentos (acetaminofeno, isoniazida, halotano etc.), hepatites virais (A, B e E) e hepatite autoimune. Algumas vezes, no entanto, não há destruição considerável de hepatócitos, mas apenas estastose microgoticular, como acontece na esteatose aguda da gravidez, na síndrome de Reye e no uso de tetraciclina. - Crônica, que é a mais frequente e que surge em inúmeras situações, cujo exemplo mais notório é justamente o da cirrose. Outras causas incluem hepatites virais (VHB, VHC) e esteato-hepatites alcoólica e não alcoólica. Esses ciclos repetidos de fibrose e regeneração pode causar mutações e predispor mais a carcinogênese. Então uma consequência temida é o carcinoma hepatocelular.Branda de Oliveira de Lima, Turma LVI - MedUnicamp → LÂMINA CIRROSE PÓS-NECRÓTICA Neste corte de fígado, há perda total da arquitetura lobular, com pseudolóbulos circundados por espessas traves fibrosas. Nos pseudolóbulos não se reconhece mais a estrutura normal dos lóbulos, com veia centrolobular e espaços portais. Nos septos há proliferação de ductos biliares e infiltrado inflamatório crônico inespecífico moderado (linfócitos e plasmócitos).
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