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Avaliação psicológica: compromisso ético, técnico e político Dra. Luisa Helena Albertini Padula Trombeta Universidade Federal de Sergipe A avaliação psicológica representa uma área central da ciência psicológica porque permite a objetivação e a operacionalização de teorias psicológicas. Entender a avaliação psicológica como área aplicada, técnica, de produção de instrumentos para o psicólogo é certamente restringir o campo conceitual e oferecer uma visão simplista da área, conforme bem destacado por Primi (2010). Todos nós fazemos avaliações todos os dias. Avaliar constitui uma habilidade necessária para a própria sobrevivência, poder interpretar o comportamento dos outros e realizar as adaptações necessárias em seu próprio comportamento para se inserir na comunidade. Com a diversificação das necessidades e das tecnologias de avaliação, tornou-se necessária a existência de um perito na área: o psicólogo. Realizar avaliações confiáveis é primordial, pois os resultados afetam toda atividade humana, tomada de decisões importantes de impacto por vezes definitivo na vida dos indivíduos. Exemplos disso estão nas avaliações psicológicas incluídas nos processos de seletivos para exercer funções no ambiente de trabalho, em processos educacionais, para obtenção de porte de arma e muitos outros contextos. É preciso atentar para o fato de que em todos os lugares onde a avaliação psicológica se faz presente, pode ser utilizada para ajudar pessoas ou ser um instrumento de exclusão. Os riscos de danos não são pequenos. Excessos e equívocos provocados pelos profissionais ou vieses que atendem a interesses de pessoas, grupos ou organizações precisam ser controlados e evitados, procurando minimizar a perda de credibilidade que vem afetando a Psicologia e os psicólogos, principalmente aqueles envolvidos em processos avaliativos. Para a discussão proposta, cabe aos interessados estabelecer claramente a distinção entre avaliação psicológica enquanto processo e teste(s) psicológico(s) como ferramentas instrumentos/métodos/estratégias, partes do processo mais amplo de avaliação. A responsabilidade que o Conselho Federal de Psicologia(CFP) assumiu na regulamentação das atividades de avaliação psicológica é uma resposta necessária à demanda social de controle dos excessos e equívocos que tem ocorrido ao longo do percurso histórico da profissão. O CFP determinou alguns requisitos obrigatórios para todos os instrumentos de avaliação psicológica; que devem, antes de editados, comercializados e utilizados, passarem por exame de suas qualidades psicométricas a partir de 2001, tendo como marco a criação do SATEPSI – Sistema de Avaliação dos Testes Psicológicos. De acordo com dados do CFP (2010), nos últimos cinco anos, o número de testes avaliados, praticamente dobrou. 214 testes foram submetidos à avaliação, 77 avaliados como desfavoráveis (35,9%), 114 favoráveis (53,2%) e 23 em processo de análise (10,7%). O Conselho também propõe normas para elaboração de laudos decorrentes das avaliações, a partir de Resoluções, Relatórios e documentos elaborados por um seleto grupo de especialistas e pesquisadores de alto nível na área; amplamente divulgados aos profissionais e estudantes de Psicologia, inclusive disponibilizados os textos completos no site oficial do Conselho Federal. O Sistema Conselhos está efetivamente contribuindo para a melhoria da qualidade dos serviços prestados, para o avanço da profissão e para benefício da sociedade. Como a proposta aqui é de uma análise que proporcione reflexão mais ampla, torna-se imprescindível considerarmos outras variáveis envolvidas. Como já referido, a qualidade do instrumental empregado vem sendo assegurada por especialistas, após cuidadosos exames; porém a metodologia a ser empregada é de escolha do psicólogo, único capaz de decidir quais as melhores estratégias para aquele contexto e demanda; as conclusões alcançadas e os informes gerados também são de responsabilidade exclusiva do psicólogo e dependem do seu domínio ético e técnico. Cabe, portanto, questionamento sobre o status atual das disciplinas da área de Avaliação Psicológica nos cursos de Graduação em Psicologia, assim como da competência e interesse dos psicólogo-docentes de tais disciplinas e todas as questões inerentes: adequação de ementas, carga horária e distribuição nos semestres, elos com disciplinas afins, práticas propostas, supervisões, análises críticas, interfaces com a ética mais ampla e a ética profissional do psicólogo. As questões éticas relacionadas à avaliação psicológica ocuparam até poucos anos atrás o primeiro lugar entre as denúncias recebidas pelo Sistema Conselhos. Violações da sensibilidade e da racionalidade ética colocam o profissional em conflito com sua própria categoria, além da sociedade em geral e do público diretamente impactado, porque atinge a todos os profissionais igualmente, e fere os direitos de todos de ter uma profissão com uma imagem social positiva, conforme refere Tavares (2001). A discussão ética deve ultrapassar o debate vinculado ao discurso filosófico abstrato, atingindo questões pragmáticas, relacionas à experiência profissional cotidiana, necessita ser traduzida em termos de conduta e nortear a atuação profissional a ética , responsabilidade social onde a cada um é dado o dever de zelar pelo coletivo. A dívida histórica da Psicologia enquanto ciência e profissão no Brasil para com a maioria da população brasileira não podem ser resgatadas enquanto não forem oferecidas oportunidades de conhecer, refletir e agir para o bem coletivo, numa postura ética e generalista, conforme previsto nas Diretrizes Curriculares Nacionais para cursos de graduação em Psicologia (DCNs / INEP / MEC, 2004). Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 90% dos brasileiros detém 53% da renda nacional, ou seja, os 10% mais ricos ostentam 47% da renda (IPEA, 2007). Portanto, a grande maioria não tem oportunidade de acesso aos serviços prestados e conhecimentos produzidos pela ciência psicológica, que deveria preocupar-se desde o início da formação, preparando o futuro profissional para uma das habilidades centrais do psicólogo: AVALIAR, e fazê-lo crítica, ética e tecnicamente bem. Avaliar para decidir, para encaminhar, para orientar, para sugerir, para propor, para intervir, para planejar ações e contribuir com trabalhos de equipe multi, inter ou transdisciplinar é de vital importância tal ação do psicólogo. Avaliar ética e tecnicamente em qualquer contexto de interação humana é compromisso de todo psicólogo. Percebe-se claramente que há sérias consequências sociais e desdobramentos em função do uso (ou mau uso) que é feito do instrumental utilizado para avaliação psicológica. Patto (1997) chama de crimes de lesa cidadania, laudos e práticas de diagnóstico realizados sem um mínimo de bom senso, mergulhados no mais absoluto senso comum, que só fazem produzir e/ou reproduzir estigmas e justificar a exclusão dos examinados, reduzidos a portadores de defeitos no funcionamento em algum componente da máquina psíquica. Através destas posturas inadequadas, o psicólogo invariavelmente vem perpetuando a patologização das problemáticas, a individualização das dificuldades, a descontextualização dos envolvidos no processo; alimentando a dívida histórica para com os “excluídos” pelo macro sistema, que o profissional de Psicologia já muito contribuiu para excluir ainda mais. Chamamos a atenção, portanto para a má formação dos psicólogos: porque o uso de testes e outros instrumentos para fins de avaliação psicológica são, por lei, privativo dos psicólogos e cerneda sua identidade profissional. A crítica que o instrumental utilizado ou os laudos vem recebendo ao longo do tempo provoca medo de perda dos pontos de referência, a inércia também está presente no corpo docente das Instituições de Ensino Superior (Patto, 1997). É preciso ultrapassar, no nível do debate, para crescimento/reflexão podendo então passar à aplicabilidade. Crítica não é opinião, ataque pessoal ou coisificação do objeto/fenômeno estudado, não é recusa de uma modalidade de conhecimento em nome de outra. “O procedimento crítico é aquele que incorpora, ultrapassando, determinado conhecimento” (Martins, 1978, p. 45). Incorporar o conhecimento objeto da crítica porque não o recusa, ultrapassa-o, desvendando suas razões para poder então superá-lo. Não é possível criticar sem de fato conhecer a contra razão. Do contrário, seria um “cabo de guerra”, um “diálogo de surdos”, com cada lado defendendo os pontos de vista que domina. Não existem lados, oposições, o que se deve conscientemente procurar é aliviar a linha que separa Ciência e Ética; visando o bem comum é o incremento de qualidade de vida das pessoas, objetivo maior da ciência psicológica. Tais ideias, ideais e princípios precisam ser inseridos desde o início da formação do profissional em Psicologia. Inserindo a avaliação psicológica neste contexto ampliado de formação, observa- se a partir de fins da década de 1980, avanços importantes nas discussões e marcos significativos para o desenvolvimento da área no país, como: edições anuais de encontros promovidos por Instituições de reconhecida produção científica e crítica, fundação de Institutos, Associações e Laboratórios em Universidades que tem contribuído sobremaneira com a produção de livros, artigos, pesquisas e pareceres que dão maior legitimidade, credibilidade e contribuem para melhorar e/ou atualizar a imagem social da avaliação psicológica entre os próprios psicólogos, junto à comunidade científica e à sociedade organizada. Reconhecemos hoje que há sim maus exemplos de uso preconceituoso e irrefletido de instrumentos de avaliação, por outro lado, a generalização à crítica dessas atitudes pode criar um grande prejuízo para a Psicologia, pois acaba por desmerecer conceitos e instrumentos com sólido valor para a prática e teoria (Primi, 2010); além de contribuir para a desconstrução da identidade do profissional de Psicologia. No ano de 1987, em artigo do Jornal do Conselho Federal de Psicologia, professores eminentes na área, integrantes da Comissão Nacional para o Estudo dos Testes Psicológicos (Wechsler, Nick, Kroeffer e Van Kolck) posicionam os psicólogos entre dois pólos: idealização e menosprezo, no que se refere ao uso de instrumental de avaliação, no caso em questão, os testes psicológicos, colocando em debate: já que os testes não correspondem às expectativas, se são ruins, então não devemos utilizá-los e perguntam-se ou perguntam-nos: não equivale a “jogar fora o bebê com a água do banho?”. Parece ser adequado retornarmos questões como a acima referida, porque embora tenhamos avançado nas bases científicas e de organização classista (vale lembrar que o Brasil é pioneiro na implementação de um sistema de certificação baseada em critérios internacionais de qualidade de testes, de forma a abarcar todos os instrumentos usados profissionalmente no país), ainda aparecem nos currículos dos cursos de graduação, reflexos de falsos dilemas que permeiam as práticas cotidianas de atuação do psicólogo, no que concerne à avaliação psicológica. Há ainda entre aqueles que, sendo discentes ou docentes, formadores de opinião,a ideia de que os instrumentos de avaliação justificam cientificamente a desigualdade e a exclusão social, ou ainda em função dos resultados neles obtidos, tornam legítimo classificar para fins de inclusão ou exclusão em espaços escolares, empresariais, hospitalares e outros. Os avanços alcançados na área nos últimos 25 anos aproximadamente precisam se refletir, de fato e de direito, na formação e na prática profissional, o psicólogo precisa tornar-se consumidor crítico desse conhecimento e transformar sua prática. A literatura tem apontado que as práticas eticamente compromissadas e tecnicamente competentes são aquelas que utilizam todos os recursos disponíveis, sem descontextualizar a avaliação e o sujeito, do objetivo proposto naquele momento avaliativo, ou seja, utilizar da prerrogativa do psicólogo, técnica, ética e criticamente. O exercício da profissão requer por parte dos psicólogos uma prática reflexiva, a qual permita a tomada de decisão mediante as diferentes necessidades oriundas dos diversos contextos de atuação. Avaliar é uma das tarefas primeiras do exercício da profissão do psicólogo, e implica juízo de valores, requerendo, portanto, cuidadosa atenção por parte dos profissionais e maiores zelos no ensino da avaliação psicológica. Infrações éticas têm alto nível de impacto social, principalmente numa sociedade como a brasileira, entre as primeiras do mundo quando se trata de desigualdade social. A imperícia no uso de procedimentos avaliativos para os quais os profissionais não foram qualificados nos cursos de graduação neste país, sobretudo no que se refere aos campos de atuação emergente, nos fazem continuar em busca de uma formação que desenvolva a responsabilidade de entender e procurar explicar fenômenos humanos de forma adequada e que seja útil à população, fornecendo subsídios para programas que possam ser acessíveis a todos (Trombeta e Guzzo, 2002). Há que se levar em consideração as peculiaridades da realidade na qual a população brasileira está inserida, para o desenvolvimento de instrumentos de avaliação através de estudos de adaptação transcultural e/ou criação de instrumentos próprios, derivados de pesquisas brasileiras, como vem ocorrendo, nas últimas décadas ainda que de forma incipiente, carente de investimentos e também de profissionais interessados na área. Embora ainda sobrevivam muitas críticas dentro da Psicologia direcionadas à avaliação psicológica em relação aos aspectos éticos e técnicos, questionando sua propriedade aos setores sociais que consomem tais serviços; poucas ou nenhuma dessas críticas têm se transformado em pesquisas que busquem verificar elementos da validade conseqüencial (Primi, 2010). Os estudos existentes versam sobre as consequências do uso da avaliação psicológica e coesão desse uso com os propósitos do desenvolvimento integral de pessoas e grupos. Consideramos compromisso social da Psicologia o que concerne à avaliação e questiona se as técnicas estão sendo úteis e apropriadas aos diversos contextos. Faz-se imprescindível desenvolver nos discentes a partir da graduação, competências mais complexas ligadas à compreensão de dados estatísticos, raciocínio crítico ligado à investigação científica e ao modo de viver da maioria da população brasileira, estudando o impacto da distribuição de renda, desde o atendimento ou não às necessidades básicas e essenciais para o desenvolvimento integral dos indivíduos. A avaliação não é de forma alguma uma atividade dispensável para o psicólogo ou alienada e descompromissada socialmente. Tal pensamento perpetua preconceitos simplistas e prejudiciais à imagem social e identitária do psicólogo. Saber realizar uma avaliação psicológica contextualizada em qualquer área de atuação, comprometido com a ética social e profissional, técnica e teoricamente embasada é hoje no Brasil, habilidade de alguns psicólogos, com criticidade suficientemente desenvolvida para anunciar uma transformação darealidade através de ações e tomadas de decisão engajadas com as demandas do homem contemporâneo. Parafraseando Patto (1997), que jamais deixará de ser referência quando se reflete sobre ética, técnica e política em Psicologia: (...) mantendo aceso o sonho de uma vida mais humana. Resumo Avaliação Psicológica é área bastante controversa da Psicologia, enquanto ciência e profissão. Embora as críticas de imperícia, mau uso de instrumentos, testes inadequados para a realidade brasileira e laudos que favorecem a coisificação e patologização do indivíduo, entre tantas outras, constata-se que, nas últimas décadas, a produção técnica e científica vem avançando sobremaneira no país. As contribuições de pesquisadores brasileiros da área, a atuação do Sistema Conselhos, a criação de Institutos e Laboratórios nas Universidades, a promoção de encontros sobre o tema e outras ações tem indicado novos caminhos para legitimidade e credibilidade da avaliação psicológica, bem como para consolidar a identidade do profissional de Psicologia, associando-a a uma imagem social positiva. A literatura tem apontado para a necessidade de uma prática avaliativa transformadora e para a formação dos psicólogos, que garanta competências e habilidades para uma atuação profissional em avaliação psicológica nos mais diversos contextos, mantendo o compromisso ético, primando pelo conhecimento técnico, sem, no entanto, dissociar a atuação dos impactos sociais. O engajamento político no sentido da não perpetuação das desigualdades sociais e a crítica aguçada quanto ao uso e aplicabilidade da avaliação psicológica devem ser parte indissociável da atuação do profissional de Psicologia. Palavras chave: Avaliação Psicológica; Formação de Psicólogos; Críticas ao uso de testes. Referências Bibliográficas Anastasi, A. e Urbina, S. (2000) – Testagem Psicológica. Porto Alegre: Artes Médicas. Conselho Federal de Psicologia (2004) – Avaliação dos Testes Psicológicos: Relatório. Brasília: CFP. Conselho Federal de Psicologia (2010) – Avaliação Psicológica: diretrizes na regulamentação da profissão. Brasília: CFP. Freire, P. (1979) – Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra. Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada (2007) – Estatística sobre Distribuição de Renda no Brasil. Brasília-DF Ministério da Educação e Cultura – MEC/Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira/INEP – Diretrizes Curriculares Nacionais para cursos de graduação em Psicologia (2004). Brasília – DF Pasquali, L. org. (2001) – Técnicas de Exame Psicológico – TEP vol. I: Fundamentos das Técnicas de Exame Psicológico. São Paulo: Casa do Psicólogo. Pasquali, L. e cols. (2010) – Instrumentação Psicológica. Porto Alegre: Artes Médicas. Patto, M. H. S. (1997) – Para uma crítica da razão psicométrica. Psicologia USP. 8 (1). São Paulo. Primi, R. (2010) – Avaliação Psicológica no Brasil: fundamentos, situação atual e direções para o futuro. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26, 25 anos. Brasília – DF. Tavares, M. (2001) – Treinamento didático em avaliação psicológica: Aspectos éticos e técnicos. Laboratório de Psicoterapia e Psicodiagnóstico. Instituto de Psicologia. Universidade de Brasília. UNB (mimeo). Trombeta, L. H. A. P. e Guzzo, R. S. L. – Enfrentando o cotidiano adverso: Estudo sobre resiliência em adolescentes. Campinas, SP: Editora Alínea. Wechsler, S. e cols. (1989) – Como vão, hoje em dia, os testes psicológicos? Jornal do Federal. Conselho Federal de Psicologia – CFP, Brasília – DF, maio - junho.
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