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Patrística caminhos da tradição cristã - Antônio Sagrado Bogaz

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2
ÍNDICE
Apresentação
Prefácio
Introdução
I - Introdução ao Período Patrístico
I - Patrística Cristã: Texto e contexto
1 - Missão dos Padres antigos da Igreja
2 - Os séculos patrísticos
4 - Identidade dos Padres da Igreja
5 - Caracterização dos Padres
1 - DOUTRINA ORTODOXA
2 - SANTIDADE DE VIDA
3 - ANTIGUIDADE NA HISTÓRIA DA IGREJA
4 - APROVAÇÃO DA IGREJA
5 - COLEGIALIDADE E DIÁLOGO
6 - Divisão do período patrístico
7 - Características da patrística
8 - Teologia bíblica nos Padres
9 - Sociedade na Igreja antiga
10 - Importância da Patrística
11 - Possibilidades e limites da Patrística
12 - Conhecer o universo da Patrística
II - Passagem do universo bíblico à tradição cristã
1 - Paulo, inspirador dos santos Padres
2 - Ambiente cultural e religioso
3 - Gênese das polêmicas doutrinais
4 - Falsas experiências gnósticas
5 - Gênese do docetismo e outras doutrinas
6 - Rosto dos seguidores do Nazareno
III - Vida eclesial na Patrística
3
1 - O Império Romano
2 - Primeiras comunidades
3 - Tempo dos mártires
3.1 - Mártires Pioneiros
3.2 - Martírio universal
4 - Tempos de cristandade
4.1 - Nova realidade dos cristãos
4.2 - Cristandade e poder
II - Escritos Pioneiros
I - Primeiras Tradições
1 - Credo apostólico
1.1 - Conteúdo do credo apostólico
1.2 - Um peixe como símbolo
2 - Didaqué
2.1 - Elementos históricos
2.2 - Ensinamentos da Didaqué
II - Padres Apostólicos: Discípulos dos discípulos
1 - Características teológicas e pastorais
2 - Ensinamentos dos Padres apostólicos
3 - Vida eclesial em Clemente Romano
4 - Inácio de Antioquia: cristologia e eclesiologia
5 - Vida e obra dos Padres apostólicos
III - Padres Apologistas: Os cristãos acadêmicos
1 - Expansão do cristianismo
2 - Motivações da apologia
3 - Visão global do conteúdo
4 - “Apologistas menores”
4.1 - Carta a Diogneto
4.2 - Aristides de Atenas
4.3 - Taciano, o Sírio
4.4 - Atenágoras de Atenas
4.5 - Teófilo de Antioquia
4
4.6 - Hérmias, o filósofo
5 - “Apologistas maiores”
5.1 - Justino de Roma e a doutrina do Logos
5.2 - Irineu de Lião e o gnosticismo
IV - O martírio na Igreja primitiva: Mística e teologia
1 - Martírio na Igreja primitiva
2 - Traços históricos
3 - Martírio: Razões espirituais e políticas
4 - Martírio e teologia
Primeiro modelo: Acta ou Gesta Martyrium
Segundo modelo: Passiones Martyria
Terceiro modelo: Lenda dos Mártires
São Lourenço - diácono e mártir (+ 258)
5 - Estilo literário do martírio
6 - Caminho do martírio
7 - Rezar o martírio e os mártires
III - Temas Eclesiais
I - Comunidade cristã: Busca de identidade
1 - Tertuliano: entre austeridade e rigorismo
1.1 - Obras de Tertuliano
1.2 - Visão teológica e eclesiástica
2 - Hipólito e o catecumenato cristão
2.1 - Aspectos teológicos
3 - Cipriano de Cartago: Reconciliação e unidade
3.1 - Dados biográficos
3.2 - Principais obras
3.3 - Unidade da Igreja
4 - Cirilo de Jerusalém: as catequeses
4.1 - Dados biográficos
4.2 - Obras principais
4.3 - Vida eclesial em Jerusalém
4.4 - Ensinamentos pré-batismais e mistagógicos
5
II - A pentarquia e as escolas teológicas
1 - Escolas teológicas e a pentarquia
2 - Dois modelos de escolas teológicas
2.1 - Escola de Alexandria
OBRAS:
Obras e pensamento:
A - Interpretação alegórica
B - Alegoria como rejeição ao gnosticismo
2.2 - Escola de Antioquia
III - Vida litúrgica e sacramental na patrística
1 - Culto nas comunidades primitivas
2 - Tipologia litúrgica dos sacramentos
3 - Mística da vida litúrgica
4 - Evolução dos rituais
5 - Tessitura do ano litúrgico
IV - Doutrina social da Igreja
1 - Escritos sociais originários
2 - Traços da doutrina social nos Padres
3 - Princípios da doutrina do social
3.1 - A gerência das riquezas
3.2 - A usurpação da luxúria
3.3 - A suspeição das grandes fortunas
3.4 - O direito dos pobres
Utopia de um mundo justo
IV - Discussões doutrinais: Padres e concílios
I - Maniqueísmo e a luta do bem e do mal
1 - Dados biográficos de Maniqueu
2 - Agostinho, o sábio de hipona
3 - Proposição de Maniqueu
4 - Resposta de Agostinho
5 - Entre o bem e o mal
II - Rigorismo donatista e a acolhida dos pecadores
6
1 - Realidade eclesial
2 - Controvérsia na Igreja da África
3 - Donatismo: radicalidade e radicalismo?
4 - A misericórdia na Igreja
III - Graça e liberdade: Controvérsias antropológicas no pelagianismo
1 - Contexto histórico
2 - Pelágio e sua doutrina
3 - Contestação de Agostinho de Hipona
4 - Discussões sobre a liberdade e a graça
5 - Anátemas do Concílio de Cartago
6 - Graça e liberdade
IV - Identidade de Jesus Cristo: o mundo amanheceu ariano
1 - Ário e os caminhos de Niceia
2 - Ensinamentos de Ário
3 - Condenação do arianismo
4 - Arianismo na história
V - A encarnação do logos e o monofisismo de Êutiques
1 - Êutiques, o monge monofisita
2 - Doutrina de Êutiques
3 - Resquícios do monofisismo
VI - Maria, mãe de Deus: Passos da mariologia
1 - A figura de Maria na tradição
2 - Padres orientais e a devoção mariana
3 - Padres do Ocidente e a consagração de Maria
4 - Grande discussão do Concílio de Éfeso
4.1 - Nestório de Antioquia
4.2 - Cirilo de Alexandria
4.3 - Teses de Nestório
4.4 - Teses de Cirilo
4.5 - Concílio de Éfeso
4.6 - Maria, mãe de Deus, mulher da Igreja
VII - Padres magnos da patrística: Mestres do cristianismo
7
1 - Eusébio de Cesareia, grande historiador
2 - Padres capadócios
2.1 - Basílio Magno de Cesareia
2.2 - Gregório de Nazianzo
2.3 - Gregório de Nissa
3 - Ambrósio de Milão
4 - Jerônimo, doutor e tradutor
5 - Leão Magno
6 - Gregório Magno
VIII - Uma Igreja dialogante: grandes concílios da Igreja antiga
1 - Jerusalém: concílio em tempos bíblicos
2 - Concílio de Niceia
3 - Primeiro Concílio de Constantinopla
4 - Concílio de Éfeso
5 - Concílio de Calcedônia
6 - Concílios de Constantinopla
Conclusão Patrística: Obra-prima da fé cristã
Bibliografia
8
Com emoção e gratidão, dedicamos esta obra
a Dom André W. Suski,
que nos orientou na pesquisa e nos estimulou
a garimpar os tesouros da Patrística.
9
APRESENTAÇÃO
EM VASOS DE BARRO, UM TESOURO PRECIOSO
Os cristãos professam a cada dia sua fé no Deus único, que enviou seu Filho ao
mundo para os santificar; no Filho eterno, que realizou sua missão e enviou o Espírito
de sabedoria e de entendimento. E procuram viver no amor a Deus e no amor
recíproco entre os irmãos.
No início da pregação do Evangelho aos povos, os apóstolos foram as testemunhas
qualificadas de Jesus Cristo; por meio deles recebemos as verdades que Jesus Cristo
anunciou, como uma herança transmitida de geração em geração. Hoje somos
herdeiros de um tesouro precioso, que conservamos ao longo dos séculos: a herança
apostólica da fé professada pela Igreja.
O título deste trabalho já indica o seu conteúdo: PATRÍSTICA, CAMINHOS DA
TRADIÇÃO CRISTÃ. Ele mostra a importância do itinerário de fé dos primeiros
cristãos em Jesus Cristo, o Filho do Deus vivo, explicitando os fundamentos, as
perspectivas e os objetivos da vida eclesial.
Seus autores, Pe. Antônio Sagrado Bogaz, Frei Márcio Alexandre Couto e o
Professor João Henrique Hansen, ajudam-nos a coligar nossa prática cristã atual às
raízes de nossa mais antiga tradição cristã. Trata-se sempre de fazer aquilo que São
Paulo também já fez: “o que recebi do Senhor, eu vos transmito: que o Senhor Jesus
deu a vida por todos nós, por nós padeceu na cruz e morreu e por nós ressuscitou” (cf.
1Cor 15,3).
Esta mensagem é a bela e alegre novidade a ser comunicada e testemunhada a cada
fiel, em todos os tempos. A fidelidade à herança apostólica nos dá a certeza de
estarmos na fé da Igreja e que nossas raízes estão plantadas na história dos apóstolos e
de seus sucessores.
O conhecimento da teologia e da mística dos Padres da Igreja primitiva nos
permite atualizar seus ensinamentos para as nossas comunidades na catequese e nos
novos púlpitos de nossas pregações.
No conjunto de nossas tradições doutrinais, litúrgicas, morais e eclesiais, está
presente a riqueza dos ensinamentosdos Santos Padres. De fato, nós não criamos a
cada passo as verdades da nossa fé, mas as acolhemos e explicitamos juntamente com
a comunidade eclesial, também com aquela que nos precedeu.
A Tradição cristã dos primeiros séculos e dos demais períodos contém imensas
riquezas, que passamos de geração em geração como relíquias preciosas de família;
elas dão unidade à profissão de fé e à vida eclesial, solidificam e fazem crescer nossa
certeza de que somos herdeiros da mensagem do Divino Verbo, que continua a
anunciar seus oráculos no coração do mundo.
O conhecimento dos escritos primitivos nos dá a consciência de não crermos
sozinhos; fazemos parte de um povo que crê e professa a mesma fé, com a Virgem
Maria, Mãe de Deus e os apóstolos, com uma multidão de mártires, de sábios e santos,
missionários e teólogos, gente simples e homens ilustres, que nos precederam na fé e
já fazem parte da Igreja celeste. Cremos com eles e como eles creram; como eles no
10
passado, somos chamados hoje a ser discípulos e missionários de Jesus Cristo.
Nossos tempos são marcados pela onda avassaladora da mundialização e da
virtualização das crenças e valores; é forte a tendência a sujeitar tudo à lógica do
mercado, até mesmo as propostas religiosas e crenças; os arquétipos sociais e culturais
contemporâneos sofrem constantes transformações para se adaptarem às exigências
fugazes da moda e das conveniências do pensamento dominante.
Para nós, é tempo de formar comunidades de fé viva, onde os cristãos sintam a
Igreja como seu lar e sua família. A referência às raízes profundas da Patrística nos dá
identidade, estabilidade e serenidade para vivermos e anunciarmos a mensagem de
Jesus Cristo, Filho de Deus, nosso Salvador.
Esta publicação sobre a Patrística nasceu da experiência pastoral, do
aprofundamento das pesquisas teológicas, do magistério incansável de seus autores e
do seu desejo de compartilhar suas reflexões com os demais irmãos de fé. Que o livro
seja uma ajuda a todos aqueles que se interessam por conhecer melhor as fontes da
pregação e da catequese cristã.
Dom Odilo Pedro Scherer
Cardeal-Arcebispo de São Paulo
11
PREFÁCIO
SEMPRE QUERIDOS E INDISPENSÁVEIS SANTOS PADRES.
É de admirar o quanto os Santos Padres foram não apenas venerados, mas queridos e
bem-amados. Estiveram sempre no coração e no pensamento daqueles e daquelas que
se empenharam em construir a Igreja e o mundo no decorrer dos séculos.
A grande e graciosa santa Teresa de Ávila encontrava seu Mestre interior no
Espírito de Amor que habitava o centro de sua alma. Buscava a orientação de sua
caminhada e de suas fundações antes de tudo e essencialmente nas palavras e nos
exemplos de Jesus. Mas como gostava de ser ajudada nesse encontro íntimo e direto
com Deus, lendo S. Jerônimo e Santo Agostinho!
Pode até haver certa surpresa, quando alguém tenta acompanhar um missionário,
como frei Bartolomeu de Las Casas, todo entregue à evangelização, à libertação e à
promoção dos ameríndios. Nas suas idas e vindas pelos caminhos ou pelos
descaminhos da América, trazia sua biblioteca ambulante, carinhosamente
transportada pelos índios, que sabiam que aqueles livros eram instrumentos para a
defesa deles. Pois bem, em meio a seus calhamaços, lá estavam os Evangelhos, as
Cartas do Apóstolo Paulo, a Suma de Tomás de Aquino. Mas, bem em relevo os
escritos de S. João Crisóstomo, o predileto de Las Casas ao lado de Santo Agostinho,
de S. Gregório, e de tantos outros Padres da Igreja de Deus e dos pobres.Vinham
ajudar a plantar a Igreja no Novo Mundo, como a haviam implantado na Ásia, na
Europa e na África.
Aliás, já no momento em que surge na Igreja a teologia em moldes universitários,
com Santo Alberto, São Boaventura, Santo Tomás, ela vinha como um elã da
inteligência e do coração, porque esses doutores começavam, é claro, por ser bons
comentadores das Escrituras divinas. No entanto, seus primeiros manuais eram as
Sumas sentenciárias, as antologias bem completas e ordenadas dos Padres da Igreja.
E dada a imensa dificuldade e o alto preço dos livros manuscritos de então, era de
ver como os mestres, doutores e estudantes estimavam o que podiam encontrar de
Agostinho, de Ambrósio, de Jerônimo, de um dos Clementes, de Roma, de Alexandria
ou de Jerusalém. As histórias e até as lendas dão testemunho. Quando um confrade,
apontando para Paris, perguntou a Tomás de Aquino se não gostaria de ser dono
desta já admirada metrópole, o santo Doutor respondeu, revelando o que trazia no
coração: “Seria melhor que me oferecessem um pergaminho de São João Crisóstomo
com seus comentários às Epístolas de Paulo”.
Os textos patrísticos inspiraram e iluminaram a teologia na Idade Média, até a
alvorada do mundo moderno. Guiaram as leituras, os estudos e as pesquisas até que, a
partir do século XVI, os Padres foram cedendo lugar aos manuais que vinham facilitar
o trabalho de formação do clero. Essas compilações tornaram-se de fato um caminho
de facilidade concorrendo para esvaziar a Sagrada Doutrina de sua densidade bíblica,
a que concorriam de maneira decisiva os grandes mestres dos primeiros séculos
cristãos.
É deveras bendito esse amanhecer da Igreja, no qual os Santos Padres foram os
12
corajosos e luminosos pioneiros da difusão do Evangelho, da sua apresentação como
luz e alimento para os fiéis e as comunidades e da sua primeira e bem-sucedida
inculturação. Pois souberam conduzir o confronto da mensagem cristã com as formas
de pensar, de viver, de organizar e comunicar, próprias ao mundo antigo, judaico,
grego e romano, não hesitando em ir ao encontro dos chamados povos bárbaros,
germânicos, gauleses, ibéricos ou eslavos.
Assim se realizava a implantação da Igreja na fidelidade criativa ao seu divino
Fundador e na docilidade ao Espírito de Amor e de Santidade. No seu tempo e nas
épocas sucessivas, para as gerações dos cristãos, sobretudo dos santos, dos místicos,
dos batalhadores pelo Reino de Deus, os Santos Padres foram mesmo os pais que os
formaram na fé. Eles os levavam a priorizar e a praticar o essencial, a acolher os dons
divinos e a se deixar transformar pela forte e suave energia da graça salvadora e
santificadora.
Graças ao trabalho lúcido e carinhoso de uma equipe competente, este livro vem
brindar nossa cultura com uma valiosa contribuição de pedagogia, de teologia e de
espiritualidade.
É bem mais do que um feixe de boas informações sobre os Santos Padres, que
prolongaram o labor dos Apóstolos, implantando a Igreja e realizando a primeira
evangelização do mundo greco-romano. Aqui se encontra uma iniciação à doutrina,
ao modo de viver, de orar, de pregar dos mestres e das comunidades dos primeiros
séculos cristãos, que, em uma incansável fidelidade criativa, levaram a cabo a primeira
inculturação mundial da mensagem de Cristo.
É toda essa riqueza que quer sugerir o título simples e audacioso: “Caminhos da
tradição cristã”.
A um primeiro olhar, esses caminhos já apontam para uma primeira globalização,
que nada tem de uma invasão pela espada ou dominação pelo dinheiro. É o reino da
inteligência e do amor, contando com os guias espirituais que se dão quais mestres
pacíficos do pensar, orar e bem fazer, surgindo de todos os recantos do mundo e
marcando as etapas importantes da maior virada qualitativa da história. A pregação
de Jesus de Nazaré se universaliza, suscitando uma rede de comunidades, que são
outras tantas escolas de perfeição. O Evangelho se insere em novas formas de
linguagem e de cultura, que, para além do perfil judaico, lhe dão novos rostos,
fazendo surgir bem unida uma humanidade multicor, multirracial e multicultural. É o
belo e difícil labor de desfazer discriminações entre civilizados e bárbaros, homens e
mulheres, escravos e livres, tendendo a estabelecer a nova criatura na verdade de
Cristo e de seu Espírito (cf. Gl 3,27).
A unidade já tão plural, inaugurada pelo judaísmo da diáspora, se afirma com mais
força e também mais harmonia na multiplicidade das comunidades cristãs, pois
formam a imensa comunidade global da Igreja, que plantousuas tendas por toda a
extensão do mundo greco-romano.
A novidade deste livro não está apenas em se dar como um guia seguro e
convidativo, tecendo um desenho preciso e gracioso das alamedas, dos amplos e
graciosos jardins da cultura e espiritualidade patrísticas.
Sem dúvida, ele realiza, sim, esta proeza de nos oferecer em um mínimo de páginas
o máximo de conteúdo histórico e doutrinal. O que é sem dúvida de grande utilidade
13
para os leitores e sobretudo para os estudiosos da patrologia.
Mas a originalidade e, portanto, o valor da síntese, aqui discretamente sugeridos
pelos autores, merecem, no entanto, especial atenção. Pois, pela disposição mesma das
matérias e dos textos, pelo realce dado a certas figuras e à marcha da história, revela-
se o propósito de mostrar como a Igreja de Cristo, em todos os seus elementos, como
presença mística de Cristo, como sacramento universal da salvação e como sociedade
bem organizada, tomou corpo no mundo e na cultura dos primeiros séculos. Pode-se
assim acompanhar, sob todos os seus aspectos e em toda a sua riqueza divina e
humana, aquele processo pacífico, mas por vezes acidentado, que chamamos a
inculturação do Evangelho.
Dessa forma, o empenho dos autores de nos iniciar no conhecimento da história,
das doutrinas, das figuras mais eminentes da patrística, não apenas obedece a um belo
trabalho pedagógico e a uma segura disposição cronológica, mas ainda e sobretudo se
esmera em pôr em relevo como se foi formando e desenvolvendo a imensa e
admirável arquitetura da Igreja a partir daquela pequenina, fecunda e graciosa
comunidade apostólica, unida e animada pelo Sopro divino de Pentecostes.
Assim, à medida que vamos percorrendo as páginas deste livro, como que
desabrocha e cresce aos nossos olhos o encantador jardim de Deus, desdobrando-se
no tempo e no espaço. A Igreja vai surgindo e mostrando-se semeada, plantada,
cultivada por esses grandes agricultores da Palavra, da Graça e da comunhão do
Amor.
De maneira concreta, a gente vai contemplando e admirando o surgir e a evolução,
harmoniosa, porque cuidadosamente estimulada e vigiada, das doutrinas, dos
costumes, do culto e do conjunto das instituições.
No centro, está a liturgia, a expressão primeira da vida da Igreja, de suas
comunidades e de seus fiéis. Que preciosidade de doutrina e de graça não resplandece
nos ritos dos sacramentos da iniciação cristã, inaugurada e aprimorada nas grandes
comunidades patrísticas! No coração da Igreja, qual força primordial de seu
crescimento, a Eucaristia é celebrada de maneira fiel e participativa. O Dia do Senhor
refulge como o núcleo transformador de todo o ciclo litúrgico, que se vai constituindo
e ampliando pela fecundidade da palavra, dos sacramentos, do martírio e de outros
modelos de santidade dos fiéis de Cristo e de seus Pastores, guias e mestres de
perfeição.
Vamos folheando e vamos vendo, na Didaqué, na Tradição Apostólica de Hipólito
Romano, na discreta sabedoria de S. Justino, na catequese dos grandes bispos como S.
Cipriano, Santo Irineu, Santo Ambrósio, Santo Agostinho, S. Leão Magno, S. Basílio,
S. João Crisóstomo, S. Cirilo de Jerusalém a inspiração de uma formação dos
“neófitos”, das jovens plantas, enraizadas em Cristo, estimuladas a acolher e a cultivar
o Dom inefável da filiação divina.
Um dos aspectos mais visíveis, de importância decisiva e duradoura na
inculturação do Evangelho realizada na época patrística vem a ser a elaboração e
proclamação dos dogmas fundamentais da fé cristã. É a obra dos primeiros e grandes
concílios, reunindo e empenhando a autoridade do conjunto dos bispos em
comunhão de fé com toda a Igreja.
A revelação divina e a tradição apostólica haviam transmitido a mensagem desta fé
14
em termos concretos, dentro do processo da história da salvação e da experiência de
vida das comunidades e dos fiéis. O que estava em jogo era, portanto, a vida mesma
da Igreja, consciente de ser a comunidade trinitária. Pois tudo anunciava, fazia,
abençoava, consagrava, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, estabelecendo,
entre o céu e a terra, a comunhão dos santos toda voltada para a Comunhão
Trinitária.
Essa forma de pensar, de viver, de conviver com Deus, reconhecido na perfeita
unidade e na perfeita comunhão de ser, de conhecer, de amar, estava a exigir uma
expressão, uma formulação precisa e rigorosa dentro da nova perspectiva da cultura,
da compreensão e da linguagem greco-romanas. Semelhante exigência da vida interna
da própria Igreja foi despertada e urgida pelos hereges, que reduziam o mistério
divino aos limites de seus conceitos racionais, projetando, de maneira desajustada,
sobre a mensagem bíblica suas representações e noções tomadas à experiência comum
ou aos sistemas filosóficos de então.
Por um esforço concertado e difícil, a dogmática, finalmente estabelecida e definida
pelos primeiros concílios da época patrística, realizava como que a mais difícil das
traduções, pois transpunha em conceitos, quase sempre filosóficos e sempre bem
elaborados, aquela mensagem primitiva da revelação que nos foi dada na linguagem
comum, concreta e histórica do povo bíblico. Era um trabalho exemplar de
hermenêutica da Palavra divina, que continuava e era sempre exaltada em sua
expressão primeira e fundadora que são as Sagradas Escrituras. É a maravilhosa lição
da fidelidade lúcida e dinâmica, de sabedoria acolhedora da Palavra divina em todas
as formas de linguagem humana através dos tempos.
No decorrer da história e nos dias de hoje, toda reforma da Igreja começa por ser
um reviver da palavra e da graça de Deus, reencontrada nessa primavera do Espírito
que são as comunidades e as figuras dos Santos Padres, os Pais por excelência,
educadores de nossa fé. A partir do Evangelho, a evolução da liturgia é acompanhada
e envolvida pelo desenvolvimento das doutrinas, dos ministérios, da hierarquia. A
Igreja há de voltar sempre a esta sua primeira juventude. Já um escrito como o Pastor
de Hermas advertia sobre o perigo do “envelhecimento” da Igreja.
É verdade que alguns pontos importantes e mesmo essenciais são desafios que se
estendem pelos séculos. Foram enfrentados com lucidez, coragem e bastante
discernimento. Mas não puderam ser levados a bom termo na época patrística.
Que se pense no intrincado problema do poder.
Como encontrar, como inventar ou criar formas adequadas de poder político para
os “reis cristãos”, que antes estavam afeitos ao modelo do poder absoluto, e mesmo
divinizado dos imperadores pagãos? E – questão mais delicada – como constituir
modelos eficazes para a autoridade apostólica que Cristo confiou à sua Igreja, cuja
hierarquia, mais do que um poder sagrado, fosse deveras um serviço evangélico, uma
consagração efetiva e total ao bem espiritual da comunidade? Não era quimérico o
risco de resvalar em um estilo de poder absoluto, excessivamente centralizado, à
maneira dos poderes profanos herdados do mundo pagão.
Esses e outros problemas similares foram transmitidos da era patrística às etapas
ulteriores da vida da Igreja. Mas a inspiração, o rumo certo, indicado ou pelo menos
buscado, lá estão na vida, nos escritos, nas lutas dos Padres da Igreja, fiéis muitas
15
vezes até o martírio. É preciso retomar, ter o sentido da história, empenhar-se em
prolongá-lo e por vezes redirecionar-lhe as opções e orientações assumidas em
contextos de conflitos ou de concessões menos ajustadas.
O Concílio Vaticano II inaugurou uma época de fidelidade mais decidida e mais
esclarecida à tradição em sua expressão patrística. Apontou à Igreja atual os caminhos
da colegialidade, do diálogo, da partilha e da comunhão da graça do Espírito, bem
como da valorização dos carismas e dos ministérios, na diversidade dos serviços e das
vocações. Lembrou, sobretudo, o grande tema da pregação patrística, que jamais se
contentou em impor uma simples moral, mas propôs e enalteceu: “a vocação
universal dos fiéis de Cristo à santidade”, para a plena realização da Igreja e felicidade
de toda a humanidade.
São estes os “caminhos da tradição cristã”de que este livro em boa hora quer ser o
manual, leve e simples, mas rico e seguro em informações, estimulando a aprofundar
a reflexão e a pesquisa, e, por que não, promover a contemplação, na convivência com
os Santos Padres da Igreja.
Frei Carlos Josaphat, OP
16
INTRODUÇÃO
PORTAL DA GRANDE TRADIÇÃO CRISTÃ
Com o advento de Jesus Cristo, Deus encarnado e Redentor da Humanidade, os
povos inauguram novos tempos. Com sua volta ao Pai, envia o Espírito Santo, luz
para iluminar as nações. É um novo projeto de vida para a humanidade, onde Deus
busca o ser humano e se insere em sua história, para transformar seus caminhos e,
igualmente, seu destino.
A revelação de Jesus Cristo, sua vida, seus ensinamentos e suas ações cotidianas
nos é transmitida num primeiro momento. Seguem-se textos escritos por seus
primeiros seguidores, que por sua vez inserem suas próprias experiências e o
crescimento das comunidades onde atuam.
Depois de décadas de elaboração, do conteúdo revelado, e mesmo antes de chegar
ao termo desse tempo, grandes santos, teólogos e pastores edificam a comunidade,
escrevem hinos, refletem os ensinamentos da mensagem cristã para novos povos.
Vamos conhecer estes grandes protagonistas da Igreja Antiga, para entendermos o
texto e o contexto da tradição cristã. Os séculos foram fecundos. A fecundidade da
mensagem cristã se inseriu em novas culturas e novos povos, permitindo a
continuidade do anúncio da mensagem evangélica, com grande fidelidade e, ao
mesmo tempo, inserindo-se nas comunidades.
Tocaremos os vários séculos de edificação dos ritos e da vida sacramental da Igreja,
bem como os seus sujeitos, que viveram e apontaram caminhos da fé e da tradição
que servirão de modelo para as gerações futuras. Naturalmente, os escritos são mais
curtos e simples nas primeiras décadas e tornam-se mais complexos e abundantes nos
séculos seguintes. Por esta razão, os primeiros autores são analisados de forma mais
profunda, pois dão as bases fundamentais dos grandes tratados que se seguem.
Em circunstâncias bem divergentes, como o período de perseguição e cristandade,
os Padres da Igreja elaboraram um vastíssimo e precioso corpo doutrinal de nossa fé
cristã que vai perdurar pelos séculos. Entre concílios, disputas, experiências,
aprenderemos o que significa ser cristão na mente, no coração e na vida. Os Padres da
Igreja e seus escritos inspirados e profundos tecem o alicerce de nossa tradição que,
desde sempre até os nossos dias, fundamentam a vida cristã em sua mística, sua
organização eclesial, seus ritos litúrgicos e sacramentais e o modo de se inserir na
realidade histórica.
Como a Patrística é o alicerce de toda a vida da Igreja e luz para as sínteses futuras
da fé, acreditamos que o conhecimento profundo deste período da Igreja é
fundamental para compreender melhor todos os demais períodos da vida da Igreja.
Os autores
Antônio S. Bogaz - Marcio A. Couto - João H. Hansen
17
I - INTRODUÇÃO AO PERÍODO PATRÍSTICO
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I - PATRÍSTICA CRISTÃ: TEXTO E CONTEXTO
Estamos para entrar num oceano profundo da vida cristã. Depois do testemunho dos
apóstolos e seguidores mais próximos de Jesus Cristo, a comunidade cristã inicia sua
caminhada de fé.
Os discípulos seguem as pegadas do Mestre de Nazaré. Formam comunidades
entre os judeus convertidos da Palestina. Seguem depois para os espaços judaizantes
da diáspora, que são as comunidades judaicas na bacia do mar Mediterrâneo. Vão
ainda mais longe, traçando itinerários que atingiam o continente europeu e asiático.
Esta exortação de Paulo, o missionário dos gentios, foi assumida com seriedade pelos
missionários e seguidores do Nazareno. Este período de expansão encontra seus
registros nos textos bíblicos do Novo Testamento. Entre as narrativas dos fatos, as
crônicas dos apóstolos e das comunidades, as explicações teológicas, as transcrições
das experiências e as exortações para a vida cotidiana, desvelamos a vida, o
pensamento, as obras e a fé dos primeiros fiéis, denominados, muito cedo, cristãos.
Nas pegadas dos apóstolos, vieram seus seguidores. Ao iniciar, esboçamos os
caminhos da tradição cristão que, por séculos, vão delineando os fundamentos
teóricos e práticos do cristianismo nascente. Falamos de uma comunidade de fé que
segue a revelação de Jesus Cristo, a partir de sua pregação e suas proposições para nos
unificar ao Pai e unir os povos como comunidade universal.
Neste período, a comunidade dá seus primeiros passos, edifica seus rituais,
organiza sua vida eclesial, define suas verdades doutrinais e descobre seu caminho
ético de santificação.
Quem peregrinar neste itinerário da Igreja, certamente colherá testemunhos
fundamentais e descobrirá a genuína grandeza de seguir o Mestre Jesus, que revela o
Pai.
Abordaremos os primeiros momentos deste período, seus principais conceitos e
títulos, seus períodos históricos e a sua formação. Este é o período do desbravamento,
das trilhas do cristianismo, tendo como instrumento a revelação de Jesus Cristo e o
testemunho de seus primeiros seguidores.
1 - MISSÃO DOS PADRES ANTIGOS DA IGREJA
As tradições anteriores e os contextos dos novos seguidores do Nazareno são básicos
na Patrística, mas os caminhos da fé cristã estão para ser traçados. A fidelidade aos
princípios cristãos está no coração dos fiéis, mas tudo está para ser elaborado. A
comunidade deve encontrar meios rituais para celebrar seus sacramentos e suas festas.
Deve encontrar conceitos e expressões para codificar seus dogmas. Os líderes
espirituais e os fiéis devem traçar os seus valores e determinar as normas de seu agir.
Mesmo o governo, os líderes e os ministérios devem ser definidos e ordenados para o
sustento, o crescimento e a expansão dos convertidos. Todos estes bens devem ser
coerentes com a proposta original da pregação apostólica, bem como adequada aos
novos tempos, lugares e culturas por onde a mão da Providência vai semeando a fé
cristã.
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2 - OS SÉCULOS PATRÍSTICOS
Nossa primeira preocupação é delimitarmos o período patrístico, que se insere numa
definição mais global da vida e da história da tradição eclesial. Se considerarmos os
vários períodos da caminhada do povo de Deus, podemos colocar a teologia patrística
como o primeiro destes períodos.
O início da Patrística não é definido como um marco cronológico, mas como um
período de passagem. Se considerarmos que os textos bíblicos estão inscritos no
período da segunda metade do Século I, consideramos que nesta passagem inicia-se o
período dos “Padres e Mães da Igreja primitiva”. Esta passagem está no final do
primeiro século da era cristã. Podemos apresentar a Instrução “Didaqué” como o
marco inicial deste período, datada, aproximadamente, do ano 90. Consideramos
ainda que temos textos bíblicos canônicos posteriores a esta data. Isso nos faz pensar
que, além do tempo histórico, outros elementos caracterizam estes escritos que
estudamos.
Para delimitar a finalização deste período, consideramos duas áreas – geográficas,
culturais e eclesiásticas – da Igreja naqueles séculos: Oriente e Ocidente cristãos.
Os estudiosos definem o fechamento deste período, no Ocidente, com Gregório
Magno (ou Isidoro de Sevilha), no século VII, e, no Oriente, com João Damasceno, no
século VIII.
PERÍODOS DA HISTÓRIA DA IGREJA
Por razões acadêmicas e didáticas, os historiadores e teólogos separam a História da Igreja nestes períodos:
1- ANTIGUIDADE – do tempo dos Apóstolos até a Invasão dos Bárbaros (séc. VI), com uma subdivisão (perseguição e
martírio até 313, com o Edito de Milão, e início da cristandade).
2- MEDIEVAL – da invasão dos bárbaros (séc. VI) até o Concílio de Trento (séc. XVI), com uma subdivisão entre alta e
baixa escolástica, levando em conta a evolução teológica ou cisma do Oriente/Ocidente, considerando os fatores
históricos.
3- MODERNO – desde o Concílio de Trento até a Revolução Francesa (séc. XVIII), que é o período que abrange o
Renascimento Cultural e a Filosofia Moderna.
4- CONTEMPORÂNEO – desde a Revolução Francesa até o Concílio Vaticano II (1962-1965), com algumassubdivisões
como o Iluminismo, a Restauração, o Modernismo e o Movimento Litúrgico.
5- PÓS-CONTEMPORÂNEO – considerando as últimas décadas da vida eclesial, sobretudo as Conferências Episcopais,
o Ecumenismo e o Diálogo Religioso e a nova Inculturação do Cristianismo.
3 - CONCEITOS FUNDAMENTAIS
Patrística é o conjunto de escritos primitivos da era cristã, registrando suas
experiências, seus ensinamentos, seus rituais e a vida eclesial. Esta denominação é
cunhada por João Gerhard, teólogo luterano, em 1653. Esta denominação quer
distinguir os escritos do período da Antiguidade cristã. Seus escritores são intitulados
Padres da Igreja.
Assim, temos a Patrística para distinguir outros modelos de teologia como: bíblica,
canônica, moral ou pastoral, embora a teologia patrística incorra em todas estas áreas
dos estudos eclesiásticos.
“Patrologia” designa o estudo deste período, sua evolução histórica, seus
protagonistas e, sobretudo, seu conteúdo litúrgico, místico e teológico vivenciados na
sequência dos textos da Sagrada Escritura.
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4 - IDENTIDADE DOS PADRES DA IGREJA
Os Padres da Igreja são teólogos e místicos da Igreja nos seus primeiros séculos.
Muitos eram epíscopos, presbíteros, diáconos, outros eram leigos. Entre eles temos
muitos monges e mártires. São considerados cristãos de grande santidade.
Os Padres sentiram necessidade de aprofundar, refletir, registrar e intercomunicar
os ensinamentos e os rituais das comunidades cristãs. Outra função importante era o
testemunho cristão diante de autoridades e mesmo o confronto e o combate dos
heréticos e dos adversários das comunidades cristãs.
Consideramos São Jerônimo como autor do primeiro estudo histórico deste grupo
de teólogos, embora a distinção entre heréticos e ortodoxos seja posterior a ele, uma
vez que esta distinção é atribuída ao autor dos escritos, após a consagração ou
condenação de suas afirmações.
A variedade e a criatividade eram louváveis na composição dos textos, orações e
fórmulas rituais, mas era inaceitável a contradição entre elas, devido ao espírito lógico
do pensamento grego que permeava o espírito dos Padres da Igreja.
5 - CARACTERIZAÇÃO DOS PADRES
Os Padres da Igreja se integram em quatro condições fundamentais:
1 - DOUTRINA ORTODOXA
Os textos devem ser considerados verdadeira doutrina, isentos de heresia e de
desvios da doutrina cristã. Aceitam-se inexatidões na doutrina, uma vez que ainda
não tinham sido definidos seus termos e seu conteúdo definitivos.
2 - SANTIDADE DE VIDA
Os Padres da Igreja são exemplos de vida, sejam leigos profissionais, presbíteros ou
pastores, monges ou monjas, contemplativos ou ativos. Não estão isentos de pecado,
mas devem ser considerados verdadeiros santos de conduta exemplar, seja na virtude,
na penitência e na obediência à Igreja.
3 - ANTIGUIDADE NA HISTÓRIA DA IGREJA
A Igreja tem teólogos, místicos e escritores de textos doutrinais e litúrgicos ao
longo dos séculos, mas os Padres da Igreja estão inseridos no período da Patrística.
Padres e Mães da Igreja são os escritores da doutrina, de orações, de hinos e de
ensinamentos cristãos que se inscrevem neste período histórico do cristianismo.
4 - APROVAÇÃO DA IGREJA
O título é aplicado aos escritores como se fosse um título honorífico da Igreja.
Como os títulos de “canonização” nos primeiros séculos, a Igreja elabora, por assim
dizer, o “cânon” dos Padres e Mães da Igreja. Considerando sua santidade, sua
ortodoxia e seu período histórico, seus nomes são inscritos como “Padres da Igreja”
primitiva.
5 - COLEGIALIDADE E DIÁLOGO
Os Padres estão em comunhão e a serviço das comunidades e dos fiéis. Alguns têm
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abrangência limitada à sua cidade, seu mosteiro ou diocese, mas alguns atravessam
fronteiras, com influência, diríamos, universais no seu tempo. Há entre eles
comunhão, integração e complementaridade do patrimônio doutrinal da Igreja.
6 - DIVISÃO DO PERÍODO PATRÍSTICO
Para a divisão do período patrístico, devem-se considerar alguns elementos históricos
e os próprios conteúdos. São divisões didáticas, elaboradas posteriormente em vista
de estudos e comparações. Os períodos são denominados épocas.
1ª Época: DAS ORIGENS
Consideram-se os escritos que vão da passagem da Revelação à Tradição,
terminando com o Concílio de Niceia (325). São textos com grande originalidade que
trazem assistematicamente os ensinamentos da tradição.
2ª Época: DE OURO
É o período mais fecundo e denso da tradição patrística. Compreende o período
desde o Concílio de Niceia até o Concílio de Calcedônia (451). Neste período, as
discussões tocam os tratados e temas nucleares da tradição. Seu conteúdo, como o
símbolo apostólico, organização eclesiástica, rituais e dogmas canônicos são
elaborados e aprovados pelos pastores da Igreja, e, muito especialmente, pelos
Concílios Ecumênicos.
3ª Época – DO DECLÍNIO
Engloba o período entre o Concílio de Calcedônia e o final da Patrística, com
Isidoro de Sevilha (636) ou Gregório Magno (604), no Ocidente, e João Damasceno
(730), no Oriente. Este período trata de questões secundárias da tradição, como a
disputa iconoclasta e questões políticas, entre a sociedade civil e a comunidade
eclesiástica.
A LÍNGUA DOS ESCRITOS
Vivemos num período de grande esfacelamento étnico, onde os grupos humanos se comportam como tribos, com
histórias, costumes, culturas e línguas próprias. Com a conversão ao cristianismo, pela pregação dos apóstolos ou
missionários, tornam-se cristãos. Não havendo imposição de uma língua ou cultura, pois os ritos, doutrinas e
ensinamentos cristãos transcendem todas as culturas. São escritos nas línguas autóctones. Destacam-se, sobretudo, o
grego e o latim, mas encontramos obras em siríaco, copta e aramaico, armênio etc.
FONTES DOS ESCRITOS PATRÍSTICOS
Trataremos como fontes dos escritos patrísticos algumas coleções importantes, onde existe uma compilação considerável
de obras para pesquisa.
1 - Migne: Trata-se de uma coleção valiosa, que traz dois grandes grupos: a Patrologia Latina (PL ou ML: Migne Latim)
com 211 volumes, e a Patrologia Grega (PG ou MG: Migne Greco), com textos em duas colunas. É a maior e mais
preciosa fonte dos textos originais.
2 - CSEL: uma obra de coletânea de escritos: Corpus Scriptorum Ecclesiasticorum Latinorum.
3 - Sources Chrétiénnes: Esta é uma preciosa edição dos textos, com tradução em francês. Apresentações dos textos e
estudos críticos. Esta coleção está em fase de elaboração e ainda tem muitas obras a serem publicadas.
4 - Fontes da Catequese: Coleção de textos, pela editora Vozes, com algumas obras, apresentando sempre uma
apresentação crítica dos textos. São apenas os textos mais antigos e simples da Patrística.
5 - Patrística: É uma coleção em fase de edição, muito importante para a pesquisa dos textos na sua íntegra pela editora
Paulus. Cada volume apresenta breves introduções e histórico dos textos e dos seus autores.
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7 - CARACTERÍSTICAS DA PATRÍSTICA
A fé cristã parte de uma narrativa histórica, mas não se resume a um fato histórico ou
ideologia, como conjunto de ideias e de proposições existenciais. Embora encerre
uma verdade espiritual, é um dom de Deus que nos é entregue e espera uma opção
pessoal. Embora se expresse também por conceitos, o cristianismo significa uma
aliança entre Deus e o ser humano, mediada por Jesus Cristo.
A literatura cristã tem valor oficial, mas não tem o mesmo nível das Sagradas
Escrituras. A literatura cristã é de responsabilidade eclesiástica e usa categorias da
cultura greco-romana. Há a inserção nas línguas e nas mentalidades dos povos
cristianizados. Os escritos assimilam as línguas e as culturas onde a fé se encarna. Eles
são eminentemente cristãos e dão testemunho da conversão dos fiéis e expõem as
verdades fundamentais dos ensinamentos cristãos. A literatura patrística é oficial por
sua ortodoxia e proximidade das fontes. Tem por função clarificar os dogmas cristãos,
particularmente relacionados com a Trindade e a Cristologia, mas também com as
outras áreas da doutrina cristã.
Os Padres partiramdo discurso greco-romano e da filosofia social, da
antropologia, da linguística e das teorias humanistas de seu tempo. Apesar de toda a
riqueza de conteúdo, os Padres não fizeram uma teologia sistemática nem mesmo
uma exposição metódica e racionalista da doutrina. Foram apresentando as verdades
da fé e os ensinamentos da tradição, na medida em que urgiam explanação e definição
diante das comunidades.
A base da reflexão da fé dos Padres é a palavra de Deus; como ela se insere na vida
e na história. Todos os seus esforços eram dirigidos para a formação dos
catecúmenos.
8 - TEOLOGIA BÍBLICA NOS PADRES
Os Padres elaboram uma teologia bíblica e, por meio dos exemplos dos místicos, dos
santos e dos mártires, os Padres entendem a revelação bíblica. Há um grande esforço
para que a teologia bíblica seja a expressão da Revelação, e a Tradição se torne a
atualização e a concretização da mensagem evangélica na vida das comunidades.
Um dos temas agradáveis aos Padres é a Criação, suas origens e a ação do Criador
na história da Igreja e do mundo. Com base na filosofia grega, no direito romano e na
filologia clássica, os Padres elaboram os principais tratados que sustentam a fé cristã.
Os escritores da Patrística entendem que a fé é a síntese da conversão ao Deus vivo,
revelado em Jesus Cristo. A fé exige confiança e fidelidade, mas também caridade. A
caridade é a intersecção entre fé e vida, pois se unificam na história pessoal dos fiéis.
9 - SOCIEDADE NA IGREJA ANTIGA
Apesar de não terem tratados sistemáticos de doutrina social e política, os Padres têm
um discurso social que eleva a caridade e a justiça. A força destes valores está na
misericórdia e na partilha. A fé é a sustentação de toda a vida moral. Criticando
duramente os poderes dominadores, todas as suas obras realizadas são concretas, em
favor dos irmãos pobres e infelizes.
Dos ensinamentos doutrinários, emerge a moral cristã, que se certifica da presença
23
de Deus na comunidade dos fiéis e na forma de viver profundamente a mensagem
bíblica.
Vejamos algumas características do período patrístico para enquadrar seus
ensinamentos.
1 - Uma sociedade complexa: Na Palestina, encontramos muitos grupos sociais e
religiosos entre os judeus. Os povos são dominados pelo Império Romano, onde
houve grande perseguição aos cristãos e a outras confissões religiosas. Mais tarde, há a
tolerância e a oficialização do cristianismo.
2 - Ascensão e queda: O Império Romano, durante o cristianismo, conhece seu
apogeu e seu declínio. Em meio às estruturas imperiais, no tempo da cristandade, o
cristianismo se expande; com a queda do Império, os povos bárbaros se cristianizam e
a Igreja cristã continua sua expansão.
3 - Moral e costumes: Do ponto de vista moral, a sociedade tem graves problemas,
como o escravagismo, a libertinagem dos costumes e uma diversificação de classes
sociais e de grupos de poder. Havia grande luxo entre as castas políticas e
dominadoras. Havia necessidade de invadir novos povos, para conquistar escravos e
servos, para sustentar a riqueza e o poder romano, com seus exércitos.
4 - Religiosidade e religiões: A religião era livre, mas havia perseguição às religiões
instituídas. Nota-se grande politeísmo e religiões mistéricas. Na primeira fase, os
imperadores notaram que o cristianismo era nocivo ao seu domínio e depois viram
em suas estruturas meios de homogeneização do poder.
5 - Unidade e conflito entre Oriente e Ocidente: Apesar de unificado e centralizado
em Roma, cada vez mais os Impérios do Oriente e do Ocidente vão se distanciando.
Tanto é assim que, na queda do Império Romano do Ocidente, a sede oriental, em
Constantinopla, segue por mais quase mil anos.
6 - Ciências e pensamento na Igreja Antiga: Da influência grega, conhecemos a
formulação do pensamento ocidental. Da influência romana, colhemos a formulação
do direito e da organização dos Estados modernos. Sem dúvida a organização
eclesiástica advém destas estruturas temporais.
10 - IMPORTÂNCIA DA PATRÍSTICA
Destacamos alguns pontos sobre as razões da Patrística:
1 - Compondo uma parte da História da Igreja, a primeira fase nos insere no
pensamento cristão, como se partilhássemos a experiência dos primeiros seguidores
do Nazareno.
2 - Os escritos patrísticos são importantes na literatura greco-romana e ocupam
espaço privilegiado na literatura cristã e universal.
3 - Os Padres da Igreja respondem às questões referentes à fé cristã, mas tocam e
respondem a questões referentes à condição humana, tanto temporal quanto
transcendental.
4 - Eleva-se a capacidade e a liberdade dos Padres da Igreja de atualizar, encarnar e
inculturar a fé cristã.
5 - A proximidade das fontes e a liberdade nas discussões permitem o
aprofundamento dos temas doutrinais.
6 - Como todos os Padres e as escolas teológicas têm liberdade de reflexão, os
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temas atingem grande profundidade nas discussões.
7 - Nos tempos do martírio, os testemunhos são fundamentais para definir a
santidade cristã. É um tempo kairológico muito forte.
8 - Apesar das discussões filológicas e filosóficas, os Padres têm grande sentido
pragmático e procuram definir normas morais, ritos litúrgicos e sacramentais.
9 - Os escritos patrísticos têm valor existencial, permitindo aprofundamento do
evento salvífico naquele tempo e em nossos dias.
10 - A teologia bíblica e a sistemática se aproximam da vida, ao mesmo tempo que
garantem a unanimidade da fé, sem desrespeitar a pluralidade cultural dos povos. A
ortodoxia se realiza como ortopráxis.
A teologia patrística é um modelo para a metodologia teológica e bíblica de todos
os séculos.
11 - POSSIBILIDADES E LIMITES DA PATRÍSTICA
O período patrístico tem grande densidade teológica e eclesial.
Este longo processo é perpassado por algumas limitações. Destacamos:
1 - Os Padres são inseridos numa época específica, com culturas e meios limitados.
Embora a cultura greco-romana tenha perpassado a história, seus métodos não são
imperecíveis, exigindo reformulações nos conceitos e nas metodologias.
2 - Alguns temas são muito bem aprofundados, outros foram encerrados sem
maiores incursões filosóficas e teológicas.
3 - Como os conceitos básicos da fé estão em fase de definição ou são trazidos da
tradição filosófica grega, há imprecisão na linguagem e indefinição de alguns termos.
4 - Os Padres vivem limitados por seus contextos, produzindo uma teologia
condicionada a estas realidades onde vivem e atuam pastoralmente.
5 - A filosofia dos Padres é eclética, tocando muitas vertentes das culturas do
Oriente Médio. No entanto, por influência acadêmica, valorizam o platonismo e o
neoplatonismo. Por esta incursão filosófica, favorecem o maniqueísmo e o dualismo.
6 - Pela influência do pensamento grego, a cosmovisão dos Padres é
primordialmente antropológica. Esta visão “insere” a vida cristã – conversão e
vivência – na pessoa, seus sentimentos, seu espírito e sua vida pessoal.
7 - As verdades da fé tocam o espírito humano, centralizando sua extensão à
pessoa, o que limitou a percepção das implicações sociais, cosmológicas e ideológicas
da revelação.
8 - A epistemologia teológica é indefinida. Os Padres não elaboram tratados,
apenas desenvolvem temas conforme as circunstâncias e exigências das comunidades
e das próprias escolas teológicas.
12 - CONHECER O UNIVERSO DA PATRÍSTICA
Para fazer um estudo valioso da Patrologia, é preciso aprofundar a cultura bíblica e os
conceitos filosóficos, bem como conhecer a evolução histórica do cristianismo.
Percebemos a passagem, com vantagens e desvantagens de uma Igreja carismática a
uma Igreja institucional, bem como a passagem dos tempos de martírio para a
cristandade. A Igreja vai evoluindo da ministerialidade laical para a hierarquização
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dos ministérios.
Com a Patrologia, denotamos o significado dos mistérios cristãos, relacionados
com a vida, no modelo mais genuíno de ser cristão. A teologia é instrumento de
compreensão e anúncio da mensagem de Jesus Cristo, sendo expressão teórica da
revelação como autocomunicação do amor divinoem Jesus Cristo.
A grande missão da Patrística é a elaboração do patrimônio cristão, a partir das
fontes bíblicas. Para constituir uma comunidade eclesial de fé, devem edificar a
doutrina, a eclesiologia, a ética e a vida litúrgica dos seguidores de Jesus de Nazaré.
Representam um tempo forte da fé cristã, com ensinamentos práticos para viver e
celebrar a fé, aproximando os dogmas da práxis cristã, sendo um modelo para
comunidades atuais.
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II - PASSAGEM DO UNIVERSO BÍBLICO À TRADIÇÃO CRISTÃ
Os primeiros seguidores do Nazareno anunciaram o querigma e iniciaram novas
comunidades, para viver o projeto de seu Senhor.
Jesus deixou uma comunidade de eleitos para perpetuar suas palavras e seus
exemplos.
Seus escritores, como jornalistas, assumiram a missão de registrar os fatos e
propagar os acontecimentos. Tinham ainda o objetivo de proteger os acontecimentos
e seus ensinamentos.
Pedro, entre os apóstolos, escolhido para a primazia, tem uma visão mais “ad intra”
. Esforça-se muito para que a comunidade judaica assuma o novo Messias e renove a
vida. Paulo, por sua vez, lança suas redes entre os gentios e os pagãos. É considerado o
pai da Patrística.
1 - PAULO, INSPIRADOR DOS SANTOS PADRES
Para entender a origens das Igrejas dos gentios, é imprescindível conhecer a figura e o
itinerário de Paulo, que transpassou as fronteiras do judaísmo.
Com a mesma personalidade e voracidade com que perseguia os cristãos, tornar-
se-á pregador e batalhador dos cristãos. Não teve medo de assumir o Cristo como
Messias e autor da salvação. E esta proposta se dirige a todos os povos (At 9,1-30). Por
esta razão prega até os confins da terra, registrando várias viagens e tantas
comunidades.
Paulo sente-se chamado por Jesus Cristo, pessoalmente. Tanto é convicto desta
postura que se auto-intitula “apóstolo”, como os 12 apóstolos chamados diretamente
por Cristo (1Cor 1,1). Considera-se um “obreiro do Evangelho” e por sua convicção
de pregador se considera “apóstolo de todas as gentes”. Fortalecendo-se na adesão ao
querigma, faz das verdades sobre Cristo o alicerce de suas pregações (At 2,22).
Paulo é um aprendiz dos apóstolos, dos quais recebeu a herança da mensagem dos
Evangelhos. No entanto, partindo dos eventos da vida de Cristo, interpreta sua
mensagem para os novos convertidos.
Depois de partir das comunidades que fundara, escreve-lhes epístolas, que se
tornaram o patrimônio mais precioso da teologia cristã. Suas pregações e seus escritos
nos fazem perceber que Paulo argumenta com a lógica dos mestres de Israel e, como
exegeta, ultrapassa a herança tradicional judaica e se insere no universo religioso dos
pagãos. Mesmo sendo um pregador com grande especulação filosófica e teológica,
demonstra a verdadeira mística dos cristãos: viver o ideal de Jesus Cristo.
Seus escritos são circunstanciais, conforme as necessidades das comunidades e as
situações concretas. Nota-se, por suas proposições e conceitos, que seus escritos têm
formação na filosofia grega e nas religiões dos mistérios, que são dois elementos
comuns na cultura de seu tempo.
As explanações de sua mensagem transcendem os eventos conhecidos através dos
apóstolos. Ele procura encontrar e definir o significado destes fatos, apresentando sua
compreensão da pessoa de Jesus Cristo, bem como de todos os seus gestos, palavras e
27
atitudes. Paulo transpõe, geográfica, cultural e religiosamente, as fronteiras do
judaísmo.
A soma destas duas habilidades de Paulo: a interpretação teológica do evento Jesus
Cristo e a extrapolação das fronteiras da tradição hebraica merecem-lhe o título de
“pai da Patrística”.
2 - AMBIENTE CULTURAL E RELIGIOSO
O cristianismo inicia sua epopeia circunscrito ao Império Romano, às bordas do mar
Mediterrâneo. A força imperial é tão prepotente que se impõe como religião de
Estado. Mesmo assim, os povos conquistados na política de expansão do poder
introduzem os mais diversificados cultos e divindades, desde a África até os países
nórdicos, atravessando os povos europeus.
Por outro lado, o cristianismo se insere na cultura grega, exercendo grande
influência no pensamento dos cristãos.
As comunidades eram dirigidas pelos presbíteros ou conselho de anciãos,
semelhantes à tradição judaica; com o passar dos tempos, elas organizam seus
ministérios.
Consideramos, nesta perspectiva, que o cristianismo é uma revelação divina, que se
insere no contexto religioso e social do judaísmo, integrando o pensamento filosófico
grego e que, mais tardiamente, assume as estruturas jurídicas do governo imperial,
assumindo seus títulos, seus ritos e sua organização institucional.
O IMPÉRIO ROMANO NO CRISTIANISMO
Caracterizamos como Império Romano o Estado constituído nos séculos posteriores ao primeiro imperador César
Augusto. Antes desse período, as colônias e províncias constituíam a República Romana. Quando era um Estado
republicano, havia maior participação dos cidadãos. Com a formação imperial, o governo inspira-se numa
“descendência divina” e normalmente governa em caráter vitalício ou perde o poder em golpes militares ou assassinato.
É considerado um dos impérios mais longos e poderosos de toda a história da humanidade e que deixou importantes
legados arquitetônicos. A língua oficial é o latim e Roma é capital permanente. Sua população chegou a 1.200.000
habitantes, no século II. Tendo se iniciado como monarquia, mais tarde se torna república e finalmente assume as
características governamentais de império. Seu chefe de Estado é um Imperador, com plenos poderes; um cônsul é chefe
de governo e tem um corpo legislativo, que é o senado romano. Sua área atingiu 5.900.000 km2 e sua população variou
entre 55 e 120 milhões de habitantes.
3 - GÊNESE DAS POLÊMICAS DOUTRINAIS
Quando atravessamos o período patrístico, deparamos com vários grupos religiosos
ou adeptos de algumas doutrinas, as quais foram caracterizadas como heresias, após
longas discussões e concílios.
No século I, grandes tensões levaram à formação de núcleos de cristãos, adeptos de
“seitas”. Desde os tempos dos Apóstolos e da formação das comunidades primitivas,
esses grupos despontam e se propagam. Ao escrever aos cristãos da Galácia, Paulo
acusa certos pregadores que anunciam um falso evangelho (Gl 1,6). Ele se refere a
pregadores que se desviam das pregações herdadas e propagadas pelos apóstolos e de
seus primeiros sucessores. Paulo não os classifica como “hereges”, mas pede que os
fiéis se afastem deles (2Cor 11,1-4).
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Paulo elogia as comunidades, mas alerta os fiéis contra os falsos mestres. Na Igreja
de Éfeso (Ap 2,2.6) despontam os “nicolaítas”, que são libertinos e permissivos. Na
Igreja de Pérgamo (Ap 2,15) alguns seguem a doutrina dos “nicolaítas” e outros
seguem a “doutrina de Balaão”. Nota-se que os dois grupos têm grande afinidade, se
entregam a práticas pagãs e participam de cultos sacrificais pagãos. Na Igreja de
Tiatira, por sua vez, nota-se a influência de uma falsa doutrina, liderada por Jezabel, a
“mensageira de Deus”. Acredita-se que estas doutrinas formaram a base filosófica e
teólogica do gnosticismo.
4 - FALSAS EXPERIÊNCIAS GNÓSTICAS
No testemunho de outros livros das cartas paulinas e apostólicas, encontramos estas
falsas doutrinas que desembocam no gnosticismo. Notam-se estas tendências nas
cartas apostólicas.
Nas cartas de João, seu autor mostra que Jesus é o único Filho de Deus e, como
seus herdeiros, conquistamos a vida eterna (1Jo 5,13).
João, nas suas cartas, acusa aqueles que se acreditavam no gozo pleno da luz, como
se fossem diferentes dos cristãos das comunidades apostólicas (1Jo 1,5-10).
Igualmente, Paulo denuncia estes fiéis que se julgavam superiores, pois afirmavam
fazer experiências místicas, como se fossem ressuscitados (1Cor 4,7-8).
5 - GÊNESE DO DOCETISMO E OUTRAS DOUTRINAS
A humanidade de Jesus Cristo é um mistério da fé cristã, como a sua divindade. Nas
cartas de João (1Jo 2,22-23; 4,1-3), encontramos traços do docetismo, que se imporá
como uma heresia nos séculos posteriores. Os “falsos profetas” negam a messianidadede Jesus, bem como sua filiação divina. Eles professam que Jesus não é verdadeiro ser
humano. Esta teoria possibilitava aos fiéis viver experiências místicas mais excitantes.
Os docetistas afirmam que Jesus tem aparência de Messias ou de Filho de Deus. O
grande defensor desta doutrina é Cerinto, que afirma que “a divina essência”, ou seja
o “Cristo”, tomou posse do corpo humano de Jesus. Esta possessão se concretizou no
batismo de Jesus e no momento da crucifixão o “ser divino” o abandona. Os
estudiosos acreditam que a Primeira Epístola de João seja uma resposta a Cerinto.
Judas não fala diretamente de gnósticos, mas “de fiéis psíquicos”, que são dominados
por seus desejos naturais (Jd 19).
As cartas apostólicas são respostas veladas às doutrinas destes falsos profetas. Ao
mesmo tempo que denuncia suas crenças, apresentam uma mensagem para os fiéis,
para que se protejam contra estes pregadores. Os cristãos devem estar unidos às
comunidades dos Apóstolos e seus sucessores. Os cristãos devem viver como Jesus, o
que se manifesta no amor ao próximo. Sem aceitar a própria condição humana de
pecadores, ninguém é discípulo de Jesus.
6 - ROSTO DOS SEGUIDORES DO NAZARENO
O século I, sobretudo a segunda metade, merece particular atenção. As comunidades
estão se formando, definindo suas características, e os ministérios são exercidos de
forma espontânea.
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A região que circunda o mar Mediterrâneo é o primeiro campo vital do
cristianismo. Neste ambiente, pululam inúmeras comunidades raciais e étnicas,
unificadas pelo poder imperial romano. Todas estas comunidades têm suas próprias
práticas religiosas, hábitos morais e organização eclesiástica.
O primeiro grupo é de origem judaico-cristã. Esta proximidade os aproxima de sua
literatura, de seus costumes e de suas práticas cultuais. Estes elementos herdados do
judaísmo influenciam a identidade do cristianismo primitivo.
O segundo grupo é oriundo do contexto pagão-cristão. Estes cristãos têm outras
composições religiosas, sobretudo na linguagem e na mentalidade. Destaca-se
sobretudo a influência da filosofia grega.
Na origem, a figura dos anciãos e presbíteros é mais evidente. Com a aproximação
das comunidades paulinas, evidenciam-se as figuras do bispo e dos diáconos para o
governo e para a expansão da Igreja. A expansão do cristianismo se deve aos próprios
fiéis convertidos, que, no seu cotidiano, promovem o conhecimento da própria fé, por
testemunhos e exemplos, incorporando sempre mais fiéis, vindos de todas as raças e
povos.
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III - VIDA ECLESIAL NA PATRÍSTICA
Colaboração: Prof. Ivanir Signorini
Trataremos sinteticamente de alguns dos principais acontecimentos da história da
Igreja em seus primórdios. O objetivo deste capítulo é situar a Patrística, seus
teólogos, obras, concílios e definições doutrinárias a serem desenvolvidas nos
próximos capítulos.
O cristianismo surge no e do interior do Judaísmo. Nas origens é compreendido
como um movimento de renovação do Judaísmo. Assim, os cristãos frequentavam as
sinagogas quando houve a destruição do templo judaico algumas décadas mais tarde.
O TEMPLO JUDAICO
O Templo foi construído pelo rei Salomão entre 965 e 922 a.C. e destruído no ano de 587 a.C. quando Nabucodonosor,
rei da Babilônia, invade Jerusalém exilando os líderes políticos e religiosos do judaísmo. Com o fim do Exílio na
Babilônia promovido por Ciro, rei persa, em 539 a.C., tem início sua reconstrução. Em 70 d.C., o imperador romano
Tito invade Jerusalém, reprime uma revolta judaica e o destrói novamente, o qual não será mais reconstruído. A partir
deste acontecimento, os judeus se reúnem nas muralhas do Templo (muro das lamentações) para rezar.
1 - O IMPÉRIO ROMANO
Jesus era judeu, e o judaísmo situava-se em terras dominadas pelo Império Romano.
O Império de Roma dominava grande parte da atual Europa, todos os povos do
Mediterrâneo, todo o norte da atual África e parte da Ásia atual. Caracterizava-se por
uma unidade política, jurídica, econômica e cultural. Esta unidade subdividia-se em
cidades, províncias e dioceses; cada qual governada por administradores e juristas
submetidos a Roma. O Direito Romano era o grande responsável pela solidificação
deste império. Todos os povos submetidos a Roma seguiam a lei romana, mas tinha
liberdade de manter sua própria cultura, costumes, festas e a própria religião.
O imperador Augusto (27 a.C.-14 d.C.), no tempo de Jesus, levou a pax romana
(paz do direito) a todos os recantos do império, construiu estradas para facilitar o
deslocamento dos exércitos, a movimentação comercial e a circulação de pessoas. A
facilidade de locomoção é propícia para o cristianismo se expandir para além do
judaísmo e, mais tarde, atingir todo o Império Romano.
Jesus prega para os judeus, chama apóstolos para continuar a pregação do Reino;
nasce no governo do imperador Augusto e morre sob o governo do imperador
Tibério (14-37 d.C.).
2 - PRIMEIRAS COMUNIDADES
Lucas, nos Atos dos Apóstolos, narra os primeiros momentos da vida dos seguidores
de Jesus após sua morte e ressurreição. Os Apóstolos continuaram anunciando que
Jesus era o Messias enviado por Deus, a ressurreição dos mortos e o Reino de Deus.
Este anúncio começa com o acontecimento de Pentecostes (At 2,11-13), a partir do
qual passaram a formar comunidades de seguidores de Jesus.
31
As primeiras comunidades ficaram restritas a Jerusalém. Depois começaram a se
espalhar para outras regiões do Império Romano. Significa que começava a haver um
grande número de novos seguidores desta religião. Entre o número dos seguidores
contava-se: a) os judeus-cristãos (judeus provenientes das comunidades judaicas em
torno de Jerusalém); b) cristãos-helenistas, também judeus, mas pertencentes à
diáspora, para os não-judeus, ou seja, cristãos provenientes do paganismo.
DIÁSPORA
Considerada a dispersão e a formação de comunidades judaicas fora da Palestina. Esta dispersão foi forçada e teve início
com Nabucodonosor quando invade Jerusalém, deportando os judeus. A segunda diáspora ocorre em 70 d.C. com a
destruição de Jerusalém e do Templo pelos romanos, obrigando muitos judeus a fugirem para regiões longínquas do
Império Romano.
Este afluxo de novos seguidores ao cristianismo gerou tensões na igreja primitiva.
Entre elas podemos citar:
a) A queixa dos helenistas de que suas viúvas não eram suficientemente atendidas
pelos Apóstolos (At 6,1-7,60).
b) Os cristãos judeus exigiam que os cristãos provenientes do paganismo fossem
circuncidados, submetendo-se, assim, às doutrinas mosaicas.
Estas tensões levaram o cristianismo a repensar-se como Igreja.
Após o Concílio de Jerusalém (At 15,1-33; Gl 2,1-10), Paulo prega o cristianismo a
todos os povos, fundando comunidades em várias regiões do Império Romano. Entre
perseguições e viagens, Paulo é martirizado (64 d.C.), durante as perseguições aos
cristãos promovidas pelo imperador Nero.
No início, Pedro resistiu à universalização do cristianismo, colocando-se em
choque com Paulo (Gl 2,1-11). Porém, mais tarde, aderiu à universalização.
Após as tensões iniciais internas, a Igreja define-se como portadora universal da
mensagem evangélica e professa que Jesus Cristo é o único Deus-Senhor. A definição
de identidade do cristianismo vai gerar constantes atritos com vários imperadores
romanos, desencadeando uma série de perseguições aos cristãos.
3 - TEMPO DOS MÁRTIRES
O culto a Jesus Cristo desencadeou perseguições aos cristãos, as quais provêm tanto
de imperadores romanos quanto de autoridades judaicas.
TEMPLO E SINAGOGA
Com o exílio na Babilônia, os judeus estavam longe do Templo para fazer suas orações e estudar a Torá. Assim, edificam
construções com a finalidade de reunir judeus para o ensino da Torá, da doutrina judaica e para fazer suas orações. As
sinagogas serão fundamentais para os judeus distantes de Israel e do Templo, permitindo a difusão do Judaísmo por
todo o mundo. Com a destruição do segundo Templo em 70 d.C. até os dias de hoje o judaísmo mantém sua identidade
em torno das sinagogas.
O conflito maior comos judeus ocorre em torno do Messias. Jesus, para os cristãos,
é o Messias esperado pela Bíblia Hebraica (Antigo Testamento), mas não é
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reconhecido entre os judeus. Assim, começa um distanciamento dos cristãos em
relação ao judaísmo, distanciamento de suas normas, práticas, fé e crença messiânica.
Nesta perspectiva, os judeus “...incluíram os cristãos como minim (hereges) no
Shemone Esre, sua oração cotidiana, e instigaram contra eles a opinião pública”.
Estas acusações geram perseguições mútuas. Os cristãos desenvolveram uma
polêmica antijudaica “como se pode ver na ‘Carta de Barnabé’ ou no ‘Diálogo com
Trifão’, de Justino. Inácio de Antioquia ainda opõe o cristianismo ao judaísmo como
uma nova forma de vida (Magn. 10,13; Rm 3,3); em Militão de Sarde (morre antes de
190 d.C.) já aparece a palavra maligna ‘assassínio de Deus’ (Homilia sobre a Páscoa
94-97)...” Esta polêmica antijudaica gerou embates e foi retomada ao longo da história
como um dos motivos para perseguir os judeus.
Por outro lado, os judeus perseguem os hereges cristãos. Estêvão será lapidado
pelos judeus e após a lapidação desencadeia-se uma perseguição judaica a um grupo
de cristãos que serão obrigados a deixar Jerusalém em direção às regiões da Judeia e
da Samaria (At 6,1-8,4). Ocorreu a revolta judaica contra Roma liderada por Bar-
Kokhba (132 a 135); este, após a luta contra os romanos, passa a perseguir e a castigar
os seguidores de Jesus em Jerusalém por terem se afastado da tradição mosaica.
Quando os cristãos já constituíram um grupo numeroso, suas práticas passaram a
apresentar perigos para os romanos, gerando perseguições. Num primeiro momento,
caracteriza-se por perseguições localizadas. Num segundo momento, ocorre a
perseguição universal em todas as regiões do Império Romano.
3.1 - Mártires Pioneiros
As primeiras perseguições foram protagonizadas pela espontaneidade de
populações ou por órgãos estatais específicos de determinada administração romana.
Estas perseguições ocorreram entre os anos de 50 d.C. (governo do Imperador
Cláudio – 41-54 d.C.) até 192 d.C. (governo de Cômodo, 180-192 d.C.). Este período é
marcado pela alternância de intensas perseguições e mortes sangrentas e por certa
tolerância à fé cristã.
A primeira perseguição cristã (50 d.C.) é protagonizada pelo Imperador Cláudio
(41-54 d.C.). Cláudio expulsa os judeus de Roma acusando-os de distúrbios sociais.
Neste período, os cristãos e os judeus, em algumas regiões, ainda mantinham estreitos
relacionamentos, e os próprios cristãos, em algumas comunidades, eram constituídos
por judeus que se tornaram seguidores de Jesus. Restringiu-se a expulsá-los para
longe da cidade de Roma.
A segunda perseguição aos cristãos ocorre no verão de 64 d.C., sob o comando do
Imperador Nero (54-68 d.C.). Esta é a primeira perseguição romana que tem como
objeto somente cristãos e decorre de grande incêndio na cidade de Roma. Nero teria
planos para reformar Roma e realizar novas construções. Diante disso, incendeia a
cidade e acusa os cristãos de serem os responsáveis.
Acontece uma perseguição aos cristãos sob os domínios do imperador Domiciano
(81-96 d.C.). Domiciano intitula-se Dominus et Deus (Senhor e Deus), instituindo um
culto e o juramento pelo imperador, o que, inevitavelmente, chocou-se com a fé
cristã. O imperador executou cristãos acusando-os de ateísmo. Nesta perseguição, o
Evangelista João teve de exilar-se para Patmos. “É bem provável que a execução do
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Cônsul Flávio Clemente, por causa de seu ‘ateísmo’, bem como o exílio de sua mulher,
Flávia Domitila (Cássio Dio, Hist. Rom. LXVII, 14,s), tenha ocorrido por causa de sua
profissão da fé cristã”.
Sob o governo de Trajano (98-117 d.C.), temos duas perseguições. A primeira,
acontece em torno do ano 110 d.C.; os cristãos de Antioquia são perseguidos, e o
bispo desta cidade, Inácio, foi levado para Roma e jogado às feras da arena para
divertir o povo. A segunda acontece em torno de 112 d.C., quando Trajano decreta
que, se alguém se confessar cristão, deve ser punido.
Em Jerusalém, sob Adriano, os judeus-cristãos são perseguidos após a revolta
judaica (132-135 d.C.) liderada por Bar-Kokhba. O imperador Adriano esmaga a
revolta, enche Jerusalém de templos gregos, troca o nome da cidade para Aelia
Capitolina, e proíbe os judeus de entrarem na cidade sob pena de morte. As
perseguições não se estendiam aos gentios-cristãos. Sob o governo do imperador
Antonino (138-161 d.C.), Policarpo de Esmirna é sacrificado na arena de Roma (156).
No governo de Marco Aurélio (161-180 d.C.), ocorre, em Lião, um levante popular
contra os cristãos. Aproximadamente cinquenta cristãos são torturados e devorados
pelos animais.
3.2 - Martírio universal
Sob o governo de Sétimo Severo (193 d.C. até 311 d.C.), o imperador proclama
oficialmente perseguições aos cristãos em todo o Império. Mesmo neste período, as
perseguições sofrem alternâncias entre perseguições, punições e mortes sangrentas.
Sétimo Severo (202 d.C.), edita uma lei proibindo a conversão ao judaísmo e ao
cristianismo. Com esta lei temos a primeira perseguição universal aos cristãos.
De Sétimo Severo até Décio (249) os cristãos são tolerados. Décio, para reforçar sua
autoridade e garantir a unidade do império, reforça e exige a veneração aos deuses do
império e o culto ao imperador, ordena a prisão dos bispos cristãos das principais
comunidades.
Valeriano (253-260 d.C.) inflamou-se uma nova perseguição (258 d.C.), que
obrigava o clero a sacrificar aos deuses e lhe proibia todo e qualquer culto cristão,
mesmo nos cemitérios. Seu sucessor, Galieno (260-268 d.C.), inaugurou um período
de paz que durou quarenta anos, devolvendo os bens e os lugares de culto aos cristãos.
O imperador Aureliano (270-275 d.C.), após lutas contra os germanos, busca uma
unificação do império. Ele introduz um culto comum no império: ao “Sol invictus”.
Atribui-se o título de “Dominus et deus” . A recusa dos cristãos gera no império uma
perseguição aos cristãos.
Com Diocleciano (284-305 d.C.), produz-se uma série de perseguições e
assassinatos de cristãos. Os cristãos eram numerosos e se recusavam a servir no
exército, a fazer sacrifícios públicos e a cultuar o imperador. O imperador proíbe as
reuniões e os cultos dos cristãos, recolhe seus livros litúrgicos e demole suas igrejas.
Com isso, Diocleciano torturou, matou e derramou sangue de cristãos como nunca se
viu na história. Com a abdicação de Diocleciano, temos o fim da perseguição. Inicia-
se uma fase de aproximação ao Estado romano.
4 - TEMPOS DE CRISTANDADE
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Diocleciano abdica e assume Galério (305-311 d.C.), que promulga o Edito de
Tolerância reconhecendo o fracasso da política de Diocleciano, reconhecendo o
cristianismo como religião, permitindo a liberdade de culto.
Constantino (312-337 d.C.) assume o império após uma batalha vencedora e sob a
égide de símbolos cristãos em suas insígnias, contra seu opositor Maxêncio.
Percebendo que o apoio de cristãos seria fundamental para o governo do império,
Constantino, em 313, proclama o Edito de Milão, reconhecendo o cristianismo e
mesmo concedendo privilégios à religião cristã, com a construção de igrejas, dispensa
dos impostos e a prestação de serviços públicos, para os clérigos, equiparação dos
bispos com os altos funcionários e a doação de propriedades de terras. Constantino
passa a intervir diretamente na organização cristã e na solução de controvérsias
teológicas, como no Concílio em Arles (325 d.C.) e convoca o Concílio de Niceia
(325).
Após Constantino, seus sucessores continuaram a política de aproximação.
Teodósio (379-395 d.C.), em 380 d.C., pelo Edito De Fide Catholica, torna a fé cristã
lei oficial do Império.
CARTA DE CONSTANTINO AO GOVERNADOR DA BITÍNIA
(EDITO DE MILÃO - 313)
Eu, Constantino Augusto e, como eu, Licínio Augusto, reunidos felizmente em Milão para discutir todos os problemas
relativos à segurança e ao bem público, julgamos de nosso dever regulamentar, em primeiro lugar, entre outras
disposições da natureza a assegurar, segundo nós, o bemda maioria, aquelas sobre as quais repousa o respeito da
divindade, isto é, dar aos cristãos, bem como a todos, a liberdade e a possibilidade de seguir a religião de sua escolha, a
fim de que tudo o que há de divino na celeste morada possa ser benevolente e propício a nós e a todos aqueles que se
acham sob a nossa autoridade. Por isso, num desígnio salutar e muito reto, julgamos dever tomar a decisão de não
recusar essa possibilidade a quem quer que seja, tenha ele ligado sua alma à religião dos cristãos ou à que julgar mais
conveniente para si, a fim de que a divindade suprema, à qual prestamos uma homenagem espontânea, nos testemunhe
em todas as coisas a seu favor e sua benevolência habituais. (...) Convém, pois, que a tua excelência saiba que, suprindo
completamente as restrições contida nos escritos enviados anteriormente à tua administração a respeito do nome dos
cristãos, nós decidimos abolir as estipulações que nos pareciam totalmente inadequadas e estranhas à nossa mansidão, e
permitir, daqui para a frente, a todos aqueles que têm a determinação de seguir a religião dos cristãos que o façam livre e
completamente, sem ser inquietados nem molestados.
(Sources Chrétiennes, 39, pp. 132-133)
4.1 - Nova realidade dos cristãos
Com o Edito de Milão, as regras de conduta dos cidadãos sofrem grandes
transformações. Em consequência, a realidade dos cristãos também é muito diversa
dos tempos do martírio. As leis do Império não atacam e não perseguem os cristãos,
antes os protegem e lhes dão benefícios. Algumas determinações merecem ser
destacadas:
– Em relação aos condenados, proíbe-se a marca da ignomínia no rosto dos
condenados, bem como a crucifixão e a ruptura dos ossos;
– Quanto à moral, fica proibida a exposição de crianças, espetáculos imorais e luta
de gladiadores;
– No tocante à religião, são proibidas as penas corporais no período quaresmal e
pascal, bem como a elaboração de normas para o matrimônio e a organização da
família;
– As leis eclesiásticas são acolhidas pelo poder civil e as leis do Estado se tornam
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leis da Igreja;
Exigência de 30 dias, no mínimo, entre as sentenças e as execuções, sejam pena de
morte ou confisco de bens.
Com o Edito de Milão, inicia-se o período da cristandade na vida da Igreja. Com a
tranquilidade nas comunidades, a Igreja organiza suas estruturas de forma
sistemática, em dioceses, paróquias, e os ministérios são ordenados para custodiar
estas estruturas. Certamente, o catecumenato perde sua força e as comunidades lutam
para viver a fidelidade evangélica.Uma das respostas a esta situação é o crescimento
da vida monástica, como forma de garantir a fidelidade dos primeiros cristãos. Com
isso, o Ano Litúrgico é bem organizado, bem como o culto dos mártires e os livros
litúrgicos.
4.2 - Cristandade e poder
A partir do imperador Teodósio, a única religião no Império é a cristã, que se
fortifica cada vez mais e dedica-se a questões teológicas e doutrinais.
Com a morte de Teodósio (395), o império romano divide-se em Império Romano
do Ocidente e Império Romano do Oriente.
O Império Romano do Ocidente tem como último imperador Rômulo Augústulo,
deposto pelo germano Odoacro (476). Até a queda do império do Ocidente a Igreja
viveu harmônica com o Estado. Após a queda do império, não havia mais um poder
político central, mas vários domínios de conquistadores germânicos com os quais teve
de negociar e depender de favores e até mesmo cristianizá-los.
O Império Romano do Oriente desapareceu quando Constantinopla é tomada
pelos turcos (453). O cristianismo segue seu curso na história da humanidade, como
um rio que atravessa a floresta.
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II - ESCRITOS PIONEIROS
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I - PRIMEIRAS TRADIÇÕES
Voltemos no tempo. Há algumas décadas, os apóstolos testemunharam os últimos
acontecimentos da passagem histórica de Jesus de Nazaré. Eles contaram a história
muitas vezes e criaram uma tradição oral. Esta tradição oral circulou entre os
seguidores do Nazareno, que muito cedo, em Antioquia, passaram a ser chamados de
“cristãos” (1Cor 12,2). As tradições foram ordenando-se e tornando-se uma história
narrativa. Os apóstolos e seus discípulos escreveram estas histórias, compondo os
nossos evangelhos. Simultaneamente, mas de forma muito espontânea, cartas eram
escritas para as comunidades, para orientar, corrigir, ensinar e evangelizar. Aos
poucos foi sendo composto o livro cristão mais importante de todos os tempos, o
Novo Testamento. Ao longo da história, recebemos esta herança, que perpassou os
séculos e foi a referência e a estrela-guia da comunidade cristã por todos estes séculos
do cristianismo. Muitas tradições eram, porém, orais – narrativas não escritas, mas
contadas de fiéis para fiéis. Algumas foram depois registradas como livros da tradição,
outras, perderam-se na história. Ainda mais, algumas destas tradições foram inscritas
em livros décadas ou séculos mais tarde.
Este precioso período da tradição cristã registra a passagem da tradição bíblica para
a tradição patrística.
O objeto de nosso estudo é a gênese da tradição patrística, que conheceremos em
dois modos distintos: uma tradição oral, que é o CREDO APOSTÓLICO, e uma
tradição escrita, a DIDAQUÉ.
1 - CREDO APOSTÓLICO
Quando um neófito pedia o batismo para a comunidade, ele deveria ser instruído na
fé e entender a mensagem de Jesus de Nazaré.
A comunidade tinha alguns elementos que deveriam ser conhecidos, professados e
vividos pelos iniciantes.
HISTÓRICO DO CREDO APOSTÓLICO
Este compêndio oral das primeiras comunidades é um testemunho da iniciação dos primeiros cristãos. Por ser uma
tradição oral, era contada nas formações catequéticas. O texto escrito, que recupera, como uma espécie de anamnesis dos
antepassados, o seu conteúdo, é datado do século VI. Este texto recupera os principais ensinamentos da fé cristã, como
era ensinada pelos mestres aos novos adeptos do cristianismo. Sua fórmula apresenta 12 artigos, em forma sucinta.
Acredita-se que era usado na instrução dos catecúmenos, com o nome de “Symbolum Apostolicum”. Diz uma lenda que
os apóstolos, depois de Pentecostes, antes de se separarem para pregar o evangelho, definiram um breve sumário da
doutrina. Este formulário é a base comum para as pregações apostólicas.
Este símbolo apostólico é uma síntese das principais verdades do cristianismo, a
partir da revelação de Jesus Cristo. Mais que normas éticas ou comunitárias,
encontramos verdades doutrinais. Estas verdades tornam-se a gênese fundamental
para a catequese. Como era típico das tradições orais, seu conteúdo era memorizado e
repetido nas celebrações litúrgicas. Havia, conforme esta tradição oral, um ritual
litúrgico de entrega deste “symbolum”, conhecido como “traditio et reditio symboli”.
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BREVE SÍNTESE DO CREDO APOSTÓLICO
Creio em Deus Pai.
Criador absoluto: Deus como origem de todas as coisas.
Creio no Jesus Cristo (Khristós: graça divina; ser humano ungido).
Concebido pelo Espírito (sabedoria divina no mundo).
Nascido de mulher (encarnado no gênero humano).
Padeceu sob Pôncio Pilatos (processo de condenação).
Morreu (condição final dos seres criados).
Desceu aos infernos (lugar dos falecidos).
Ressuscitou (Jesus venceu a morte).
Creio na Igreja Católica (comunidade de fé universal).
Comunhão dos santos (unidade espiritual entre vivos e mortos).
Vida eterna (destino futuro do ser humano).
Mesmo que não houvesse uma compreensão plena destes elementos doutrinais, são verdades fundamentais da fé cristã,
na profissão de fé da comunidade primitiva.
1.1 - Conteúdo do credo apostólico
O conteúdo desta tradição oral possui uma clareza impressionante, preparando as
raízes para a elaboração sistemática da fé cristã ao longo dos próximos séculos.
Esta profissão destaca a fé num único Deus, como ser absoluto, criador de todas as
coisas e do ser humano. Este Deus criador é senhor do universo. Depois de professar a
unicidade divina e a pessoa de Deus Pai, este credo revela que Jesus é o Cristo, que Ele
foi ungido por Deus e que se encarnou no coração da humanidade, no ventre

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