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9 UNIALFA - CENTRO UNIVERSITÁRIO ALVES FARIA CURSO DE PSICOLOGIA Larissa Dannielly Lopes Fernandes O ASSÉDIO MORAL NA PERSPECTIVA DA PSICODINÂMICA DO TRABALHO GOIÂNIA, 2017 Larissa Dannielly Lopes Fernandes O ASSÉDIO MORAL NA PERSPECTIVA DA PSICODINÂMICA DO TRABALHO Artigo apresentado ao Centro Universitário Alves Faria como requisito parcial para obtenção do título de Psicólogo. Orientadora: M ª. Adriana Pinho Vieira. GOIÂNIA, 2017 Larissa Dannielly Lopes Fernandes O ASSÉDIO MORAL NA PERSPECTIVA DA PSICODINÂMICA DO TRABALHO Artigo apresentado ao Centro Universitário Alves Faria como requisito parcial para obtenção do título de Psicólogo. Orientadora: M ª. Adriana Pinho Vieira. Prof ª. M ª. Adriana Pinho Vieira – Centro Universitário Alves Faria (Orientadora) Prof ª. Esp. Maria Aparecida da Silva – Centro Universitário Alves Faria (Banca examinadora) Prof ª. M ª. Vanessa A. Cardoso dos Anjos – Instituto Federal de Goiás (Banca examinadora) Goiânia, 06 de junho de 2017. À minha família (mãe, pai e irmão), que sempre me apoiaram e acreditaram em mim, e sem a ajuda deles eu não estaria aqui hoje. Agradecimentos À minha família: minha mãe Terezinha e meu irmão André, que sempre estiveram ao meu lado, me apoiando de todas as formas possíveis, sendo ela a pessoa que sempre acreditou na minha capacidade. Ao meu pai Irson, que mesmo não dialogando muito reconheço que ele também fez parte de tudo isso. Aos meus colegas de graduação em geral, que assim como eu também passaram por muitas coisas no decorrer desses semestres e, em especial às minhas amigas e parceiras Daniela, Cássia e Rosilaine com quem compartilhei risos e desesperos, sem vocês a faculdade não seria a mesma. Aos meus amigos, quase uma segunda família Jéssica, Sálua, Raphael e Camila que sempre pude contar com a ajuda, aqueles que me dão conselhos e com quem estou sempre me divertindo. Ao meu namorado Lucas, um grande presente que a vida me deu no penúltimo ano de graduação, que sempre esteve comigo nos momentos bons e ruins, apoiando as minhas decisões. À minha orientadora Adriana Pinho, aquela que sempre admirei como profissional, que acreditou em minha capacidade e com quem tanto aprendi. Aos meus pacientes que tive o grande prazer de estar conhecendo durante meu período de estágio. O meu muito obrigada vai a todos vocês e também aos demais que não mencionei, porém de alguma forma contribuíram com essa caminhada. “Volte seus olhos para dentro, contemple suas próprias profundezas, aprenda primeiro a conhecer-se! Então compreenderá porque está destinado a ficar doente e, talvez, evite adoecer no futuro”. (Freud, 1917) Resumo Este artigo que utiliza da Psicodinâmica do Trabalho como referencial teórico, tem como objetivo apresentar um estudo de caso sobre assédio moral praticado por colegas ou superior hierárquico dentro do ambiente laboral e tendo como foco principal os atendimentos psicológicos para explorar os mecanismos de defesa do trabalhador perante as situações motivacionais do sofrimento resultante da organização do trabalho. Participou do estudo uma pessoa do sexo masculino, com 26 anos de idade, recém-graduado do curso de sistema de informações, trabalhador de uma pequena empresa que presta serviços em suporte técnico para grupos farmacêuticos. Foram efetuados oito atendimentos sendo, que desses dois ocorreram as coletas de dados, utilizando a técnica de Análise dos Núcleos de Sentidos, e através desta, foram obtidos seis núcleos de sentidos: significado do trabalho, organização do trabalho, condições de trabalho, relações sócioprofissionais, prazer-sofrimento e estratégias defensivas que foram discutidos e representados por meio de verbalizações. Os resultados apontaram que ocorre a prática do assédio moral vertical, sendo este provocado pelo superior hierárquico que delega tarefas mesmo sabendo que não são de conhecimento do subordinado, não prestando esclarecimentos ao mesmo; transmite informações incorretas e algumas vezes até as ocultam. Palavras-chave: assédio moral; psicodinâmica do trabalho; ambiente laboral. Abstract This article, which uses the Psychodynamics of Work as a theoretical reference, aims to present a case study on moral harassment practiced by colleagues or superiors within the work environment and having as main focus the psychological consultations to explore the mechanisms of defense of the worker before the motivational situations of suffering resulting from the organization of work. The study included a 26-year-old male recent graduate in the information system course, a small business worker who provides technical support services to pharmaceutical groups. Eight consultations were made, of which, two occurred in the data collections, using the technique of Analysis of the Cores of Senses, and through this were obtained six nuclei of meanings: meaning of work, work organization, working conditions, socio-professional relations, pleasure-suffering and defensive strategies that have been discussed and represented through verbalizations. The results indicate that vertical harassment occurs, which is caused by the hierarchical superior who delegates tasks even though they are not known to the subordinate, not providing clarification to the same; Transmits incorrect information and sometimes even conceals it. Keywords: moral harassment; work psychodynamics; work environment. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO...................................................................................................................09 1.1. Assédio Moral...................................................................................................................09 1.2. Psicodinâmica do Trabalho.............................................................................................13 2. MÉTODO............................................................................................................................16 2.1 Participantes......................................................................................................................16 2.2 Local...................................................................................................................................16 2.3 Instrumentos......................................................................................................................16 2.4 Procedimentos...................................................................................................................17 3. RESULTADOS...................................................................................................................17 3.1. Descrição dos Núcleos de Sentidos.................................................................................18 4. DISCUSSÃO........................................................................................................................21 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................22 REFERÊNCIAS..................................................................................................................24 9 1. INTRODUÇÃO Segundo Sobboll e Heloani (2008) a divulgação das questões sobre assédio moral no Brasil, o crescimento de pesquisas acadêmicas e o ingresso dessaquestão no campo jurídico aconteceram em virtude do movimento sindical, que foi apoiado especialmente pela médica Margarida Barreto em seu trabalho de pesquisa e atuação profissional, o qual trouxe consigo desenvolvimentos primordiais para dar clareza ao assédio moral no Brasil, e mesmo tendo se passado oito anos ainda identifica-se a falta de conhecimento com relação a conceitos e textos básicos sobre o tema. Entretanto apenas no início do ano 2000, com a tradução do livro Assédio moral - A violência perversa do cotidiano, de Marie-France Hirigoyen que o assunto passou a ter uma relevância social em nosso país. Por esse ser um assunto abrangente, tem sido bastante utilizado pela mídia e organizações trabalhistas, sendo assim, este trabalho tem como objetivo apresentar um estudo de caso sobre assédio moral praticado pelo superior hierárquico dentro do ambiente laboral e a partir dos atendimentos realizados na dinâmica da instituição com base na abordagem da psicodinâmica do trabalho. 1.1. Assédio Moral O assédio moral no trabalho existe há muitos anos, porém começou realmente a ser estudado e falado apenas nessa década, pois agora ele é considerado um destruidor do ambiente laboral, podendo ser capaz de diminuir a sua produtividade e até provocar um desgaste psicológico. Esse fato foi nomeado como mobbing, que significa algo impróprio. Hoje em dia, vários países e sindicatos na área da saúde começam a se interessar pelo fato (Hirigoyen, 2014). Heloani (2016) aponta que desde o Brasil colônia existia o assédio, que envolvia os índios e negros, no qual estes eram humilhados pelos colonizadores que se achavam melhores e aproveitavam dessa possível superioridade obrigando-os a aceitar e obedecer a sua cultura de forma imposta. Desde o momento em que o ser humano deu início a uma jornada de trabalho, é possível identificar o assédio moral presente no ambiente de trabalho, mesmo sendo ele formal ou informal (Hirigoyen, 2014). Apesar deste não ter sido um assunto comentado no passado como é atualmente, ele já existia, porém as pessoas tinham receio de denunciar os 10 abusos praticados pelos patrões ou colegas, mesmo que esse receio ainda exista, as pessoas estão recebendo apoio e sendo encorajadas (Dejours & Bègue, 2010). Segundo Soares e Duarte (2014) o assédio moral é classificado em três categorias, sendo elas: vertical, horizontal e ascendente. O assédio moral vertical é a maneira mais comum de terror psicológico no trabalho, que acontece no momento em que a violência moral é exercida por um superior hierárquico voltada para um subordinado, não importando o nível de subordinação, e na maioria dos casos é levado em consideração o medo do empregado de perder o emprego. No assédio moral horizontal a violência é praticada pelos colegas de trabalho. A menos praticada vem a ser o assédio moral ascendente, em que o superior é agredido pelos subordinados. Barros (2016) destaca que o impacto gerado na saúde dos trabalhadores foi comprovado como motivo de adoecimento e também a causa de atitudes perversas, pelo fato de não conseguirem produzir como os outros trabalhadores, aqueles que estão adoecidos passam por uma constante agressão psicológica, podendo esta violência provocar sua incapacidade. Sendo assim, nomear estas atitudes perversas proporcionaria uma diferenciação entre assédio moral comum e assédio moral com danos a saúde, evitar apresentar os problemas à saúde provocados pelo assédio pode ser um risco, gerando a banalização do episódio. O assédio moral se destaca pelo seu caráter intencional, baseando-se no rebaixamento do indivíduo, com o plano de tornar inútil os seus poderes, levando essa vítima a uma lenta despersonalização, tendo a finalidade de acabar com sua energia (Heloani, 2016). Ainda que não haja uma Lei Federal para o assédio moral, a Assembleia Legislativa do Estado de Goiás sancionou no dia 30 de abril de 2014 a Lei nº 18.456, em que previne e pune o assédio moral no âmbito da administração estadual: Segundo a Lei nº 18.456 de 2014, considera-se assédio moral toda ação, gesto ou palavra, praticada de forma repetitiva por agente público que, abusando da autoridade que lhe conferem suas funções, tenha por objetivo ou efeito atingir a autoestima e a autodeterminação de outro agente público, com danos ao ambiente de trabalho, ao serviço prestado ao público, ou ao próprio usuário, bem como obstaculizar a evolução na carreira e a estabilidade funcional do agente público constrangido, especialmente: I - determinando o cumprimento de atribuições estranhas ou atividades incompatíveis com o cargo ou a função que ocupa, ou em condições e prazos inexequíveis; II - designando para o exercício de funções triviais o exercente de funções técnicas, especializadas, ou aquelas para as quais, de qualquer forma, exijam treinamento e conhecimento específicos (Lei nº 18.456, Goiás, 2014, artigo 2º). 11 Dejours e Bègue (2010) consideram que as vítimas de assédio crescem a cada dia e acontece não apenas pelo assédio, como também pela solidão mediante a injustiça e dificuldade do trabalho insignificante e das frustrações frequentes na vida profissional, sendo que com a colaboração e o apoio dos colegas é muito mais fácil de ser enfrentado do que sozinho. De acordo com o Tribunal Superior do Trabalho (TST, 2014), em análise aos três primeiros meses do ano de 2013 e o mesmo período de 2014, as ocorrências de assédio moral teve um aumento de 33% nas ocorrências julgadas, sendo que desde este período já possuía no TST mais de 1,8 mil ocorrências sobre o assunto, representando 0,7% de todos os processos separados desde o início do ano, aumento esse que vem ressoando nos escritórios de advocacia, que receberam mais procuras no último ano. Conforme apresentado pelo Ministério do Trabalho (MT, 2016), após o início da entrada da mulher no mercado de trabalho, surgiram muitos fatores de diferenciação de gêneros, de forma que o assédio moral e sexual é apresentado como discriminação e violência no contexto de trabalho, sendo estes com envolvimentos psicológicos, sociais e laborais, tendo o sexo feminino como a maioria das vítimas. Hirigoyen (2014) ressalta que o assédio aparece como algo inocente, se espalhando de forma desleal. As pessoas no início não se importam tanto, levando até na brincadeira, porém depois, essas agressões vão aumentando e a vítima é perseguida, acuada e colocada em desvantagem por maior tempo. Esse conflito psicológico no ambiente de trabalho gera dois fatos: abuso de poder e manipulação perversa. Ainda de acordo com a autora, mesmo quando a perseguição é entre os colegas, o chefe nunca ajuda, deixando as coisas acontecerem, muitas vezes o superior hierárquico apenas toma consciência quando a vítima apresenta algum desgaste emocional. O conflito se declina, pois, a instituição não se mobiliza, fazendo com que a vítima se sinta desamparada. Dejours e Bègue (2010) consideram que cada pessoa se sente sozinha diante da aglomeração em um lugar humano e social com aspecto de rivalidade, o isolamento e o desânimo se introduzem no ambiente do trabalho mudando assim o contexto, no que se refere à ligação subjetiva diante do trabalho e à saúde mental. Segundo Barros (2016) para não estar entre o grupo de desempregados, o medo de perder o emprego causa dor e sofrimento para o trabalhador, muitos se sujeitam a humilhações e constrangimentos, aceitando as cobranças e a produção acelerada, não sendo apenas provenientes apenas do empregador, como também do sistema e dos clientes, que determinam uma grande produtividade em pouco tempo. 12 Para Barreto e Heloani (2015), no contexto atual os trabalhadores se sentem encurralados e às vezes por contenção de gastos estes são submetidos a diversas funções abusivas, ficando assim com cargos indefinidos, sem saber realmente a sua funçãodentro da empresa, tendo sua carga horária mais elevada que o exigido por lei e não recebendo um salário condizente com o seu esforço, muitas das vezes são obrigados a atingir uma determinada meta imposta, faltando diálogo e companheirismo entre os colegas, tornando-os individualistas dentro do ambiente laboral, levando assim a uma exaustão. Em um ambiente competitivo e hostil dentro do meio corporativo muitas vezes o funcionário é obrigado não apenas a exercer o seu trabalho como também estar a todo o momento em uma concorrência injusta e desleal com seus colegas, pois precisam cumprir suas metas e podendo assim mostrar sua superioridade frente ao outro, fazendo com que às vezes tenha que desrespeita-lo, e é nesse momento que acontece o assédio moral (Heloani, 2011). De acordo com Dejours (2015), o trabalhador passa a desenvolver uma ansiedade mesmo quando este não possui um ritmo acelerado de trabalho, provindo de uma falta de experiência frente a uma função desconhecida, o que pode também acontecer com aqueles que são especialistas e com hábitos formados, entretanto quando este se depara a desempenhar uma função que não é a sua para cumprir a falta de um determinado profissional. Segundo Barreto e Heloani (2015), é preciso identificar a condição do problema mergulhando na sensibilidade do vínculo entre capital e trabalho, deparando com oposições, e com a eliminação desse aspecto está desconsiderando uma realidade absoluta, porque o assédio laboral é um risco invisível proveniente do jeito de planejar e administrar o trabalho, sendo que estes trabalhadores não são os responsáveis, e sim no modo destruidor do capitalismo elaborar o trabalho, buscando vantagem e acabando com a saúde e a vida de muitos trabalhadores. Para o fim do assédio laboral e a intolerância social deve-se resgatar a proporção do conhecimento, considerando que estamos vivendo em um conflito que afeta a proporção ética, social, laboral e da saúde, sendo viável e fundamental a inclusão da proporção histórica-social para impressionar o público através de transformações viáveis e precisas. Destaca-se que o assédio moral laboral não pode ser prevenido individualmente, e sim com a junção dos trabalhadores para que durante encontros os mesmos possam colaborar para prevenir e combater, especialmente quando existe a eliminação do poder de uma forma injusta e sua exigência é feita através de contínuas ações violentas, mesmo que sutis e contando 13 também com os grupos de proteção a esses trabalhadores. A maior luta é para prevenir que algo dessa grandeza não ocorra no ambiente laboral, porque uma vez que acontece esse indício não conseguirá ser apagado tão facilmente, logo, precisamos pensar na forma de contribuir em um convívio mais harmonioso com o outro, nesse ambiente de trabalho (Rosa & Sandoval, 2016). 1.2. Psicodinâmica do Trabalho De acordo com Silva (2015) a escola de Psicologia do Trabalho, que atualmente vem sendo nomeada de Psicodinâmica do Trabalho, se fundamentou com base nas idéias e pesquisas de Christophe Dejours, estando estas centralizadas no estudo das dinâmicas, que em contextos de trabalho, se dirigiam ao prazer ou sofrimento, podendo estes seguir diferentes desdobramentos, e com o decorrer do tempo essa escola estendeu suas perspectivas, atravessando as barreiras dos estudos da dinâmica saúde/ doença. A abordagem está concentrada não apenas no estudo voltado para reconhecer doenças mentais referentes à profissão ou contexto de trabalho, e também em uma dinâmica mais extensa, referindo-se à gênese e às transformações do sofrimento mental relacionadas à organização do trabalho, apesar de problemas específicos como a fadiga, vem sendo objeto de atenção, questões do consumo de bebidas alcoólicas em sua relação com determinadas vivências do trabalho, podendo esse uso representar uma estratégia defensiva de caráter coletivo. A psicodinâmica do trabalho surgiu como uma abordagem dejouriana, trazendo inúmeras vantagens para a área da psicologia do trabalho, destacando os efeitos do trabalho sobre a saúde psíquica, não deixando de lado a importância do trabalho na percepção da doença, assim como, da saúde e do prazer. Antes traçada como senso comum, a normalidade, conquistou a posição de objeto de investigação científica, evidenciando a questão do ajuste entre sofrimento e defesa (Bouyer, 2010). Estudos a respeito do uso da psicodinâmica do trabalho no Brasil como teoria e método realizados por Merlo e Mendes (2009) mostram que atualmente a psicodinâmica do trabalho está cada vez mais presente na literatura científica brasileira, contribuindo para o seu desenvolvimento e demonstrando a importância das definições fornecidas desde o surgimento de seu método, que vem ajudando no esclarecimento dos resultados de realidades e organizações do trabalho presente na saúde psíquica dos trabalhadores, vale ressaltar que as verdades conseguem ser compreendidas de muitas formas e que método algum é possível desempenhar todas as suas questões de uma forma individual, mesmo nas últimas duas décadas ocorrendo um progresso em sua discussão, que ainda possui sérias falhas no 14 entendimento das ligações entre trabalho e saúde mental, gerando dificuldades ainda não esclarecidas, necessitando averiguar áreas e atividades profissionais para que assim a psicodinâmica do trabalho possa ser utilizada adequadamente como clínica do trabalho. Na psicodinâmica do trabalho muitas experiências apontam que o método além de proporcionar novos saberes também apresenta ferramentas que possibilitam colaborar com a saúde psíquica do trabalhador e viabiliza uma compreensão renovadora da abordagem como padrão teórico- metodológico. Conforme os estudos de Perilleux e Mendes (2015), o manifesto dos sintomas provavelmente ligados ao contexto profissional são sempre exclusivos, pois cada um se estabelece de diferentes formas em seu contexto laboral, de acordo com sua história e posição existencial. Uma mudança do vínculo subjetivo no trabalho de um paciente pode provocar uma instabilidade do sistema de produção que funcionava normalmente, sendo que sua volta para a empresa não fica sem efeitos no momento em que este altera sua posição existencial no trabalho. Através da fala exclusiva dos pacientes tem-se acessado realidades organizacionais que não iriam ser acessíveis de outra forma, entretanto, as oportunidades de interferências diretas na organização do trabalho permanecem pequenas, sendo normal que os clínicos do trabalho possam influenciar na lista hierárquica de outras formas, contribuindo para mudar a organização da produção. A tarefa desafiadora vem sendo beneficiar da crise como oportunidade de abertura das questões sobre os valores do trabalho, o que se ocupa de reconstruir a voz de sujeitos críticos, devendo elevar a oportunidade de uma fala em que a pessoa se surpreenda com sua própria verdade, podendo depois perguntar-se o que autoriza fazer parte da causa singular de cada um numa causa habitual com os outros. No momento em que o mercado laboral deixa de preocupar com a saúde psíquica do trabalhador pensando somente no lucro obtido, essa ação começa ser uma denúncia pública. Historicamente o contexto do trabalho foi composto por destruições e diminuição dos benefícios e condições de trabalho, sobretudo com a forma de gestão atual, demonstrando que o Estado passou a ser cúmplice da precarização. Nessa concepção, a clínica do trabalho vem colaborando para capacitar pesquisas epidemiológicas, levando em consideração os estudos, o sofrimento psíquico como apoio para a formação de políticas públicas para prevenção de adoecimentos em várias categorias profissionais (Souza & Mendes, 2016). O sofrimento vivido diante da realidade não possibilita ajuste às carências do trabalhador devido às exigências e imposições no ambiente de trabalho, provocandoa dor em si, não sendo esta patológica, podendo funcionar como um sinal para evitar adoecimento, que 15 ocorre quando a equipe de trabalho não consegue usar técnicas para dar conta das variedades da organização do trabalho (Mendes e Morrone, 2006). Para Dejours (2006), o reconhecimento revela-se decisivo na dinâmica do encontro subjetivo da inteligência e da personalidade no trabalho, que vem a ser nomeado na psicologia como “motivação no trabalho”, sendo no momento em que a qualidade do trabalho é reconhecida todos os esforços e sentimentos advindos desse trabalho ganham sentido, mostrando que todo o sofrimento não foi em vão. O reconhecimento do trabalho pode ser reconduzido pelo sujeito para a criação da sua identidade, simbolizando de forma afetuosa um sentimento de alívio, trabalho esse que vem a ser marcado pela dinâmica de realização do ego. A identidade representa a proteção da saúde mental, logo, se não existe crise de identidade não haverá crise patológica, portanto não se pode gozar os privilégios do reconhecimento do trabalho nem tampouco atingir o sentido de sua relação para com o trabalho, o sujeito se vê reconduzindo somente ao seu sofrimento. De acordo com os estudos de Silva e Mendes (2012) que buscam apresentar uma prática em clínica do trabalho como estratégia de promoção a saúde, estudo este destaca que grande parte dos trabalhadores brasileiros desconhecem os seus direitos, consequentemente não lutam por eles e acredita-se que com uma possível implantação de lugares para a discussão do assunto poderá fornecer benefícios significativos aos mesmos, propõe-se que com a participação dos gestores possam realizar a aplicação de intervenções para o aprimoramento da técnica, ganhando um maior espaço dentro da organização e fazendo com que os trabalhadores conheçam os prós e contras na luta por seus direitos. Considera-se que a psicodinâmica do trabalho mesmo sendo bastante aplicada academicamente, ainda não é tão reconhecida pelos profissionais como um importante material profissional e por isso os profissionais da saúde são aconselhados a se apoderarem da clínica do trabalho e exercerem- na dentro das organizações. Segundo Goméz, Mendes, Chatelard e Carvalho (2016), a clínica do trabalho referente à psicodinâmica do trabalho em destaque a psicanálise é um local desenvolvido pela organização laboral destinado a fala e escuta do sofrimento dos trabalhadores, criando uma chance para que se possa discutir sobre esse ambiente e os vínculos criados dentro de sua realidade. A escuta possibilita repensar a forma de trabalhar e refazer a conexão com o trabalho, ao mesmo tempo em que a clínica questiona sobre a mobilização subjetiva e faz com que o poder da fala do indivíduo busque o seu vínculo de intimidade, retomando o afeto; já como recurso político, possibilita a criação de situações traumáticas ocasionadas pelo campo laboral, sendo necessário que a abordagem psicodinâmica do trabalho integre a psicanálise 16 lacaniana para entender as maneiras de apego ao sofrimento. O clínico do trabalho deve estar atento ao que é verbalizado pelo paciente para assim conseguir chegar a uma demanda, lidando com as limitações e faltas, percebendo que existe uma ligação entre a transferência e a repetição, atentando-se ao significado de gozo e que essa repetição se inicia com a volta do gozo e esse clínico precisa estar pronto para atender a demanda que será imposta por esse sujeito. De acordo com Medeiros e Mendes (2013), a clínica do trabalho possibilita ao clínico conhecer as mudanças que acontecem no mundo do trabalho decorrente do desenvolvimento tecnológico e das necessidades estabelecidas através dessa conquista, permitindo o contato com as diversas atividades exercidas pelos trabalhadores. No decorrer da condução das sessões, o clínico do trabalho identifica as características do trabalho do grupo, auxiliando os participantes a falarem a respeito de seus trabalhos. A ligação do clínico do trabalho deve estar associada como um pesquisador receptivo não apenas à escuta do sofrimento, especialmente, como aquele que observa as circunstâncias históricas e sociais que tem se apresentado como fundamental para que a clínica do trabalho não se transforme em psicoterapia, muito menos em entrevista coletiva com a finalidade de sondar os processos dinâmicos do trabalho (Duarte & Mendes, 2015) 2. MÉTODO Este é um estudo de caso classificado como descritivo, possuindo uma abordagem qualitativa e utilizado o referencial teórico da Psicodinâmica do Trabalho. 2.1. Participante Participou do estudo uma pessoa do sexo masculino, com 26 anos de idade. Recém- graduado do curso de sistema de informações, trabalhador de uma pequena empresa que presta serviços em suporte técnico para grupos farmacêuticos. O trabalhador chegou à clínica após ver a divulgação do banner em uma rede social. Sua queixa era a de não conseguir dizer não para as pessoas, entretanto, durante os atendimentos foi identificada a presença do assédio moral, que o mesmo ainda não se dava conta. 17 2.2. Local Os atendimentos foram realizados na clínica escola do Centro Universitário Alves Faria (unidade Perimetral), o NEPP (Núcleo de Estágio e Pesquisa em Psicologia). 2.3. Instrumentos Foi entregue para o paciente um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para que o mesmo assinasse como forma de consentimento e comprovação para fazer parte do estudo de caso. Os atendimentos foram realizados em um setting analítico na clínica escola. O ambiente possui uma temperatura agradável e uma iluminação adequada, duas cadeiras, um divã disponível para o paciente e uma pequena mesa de canto. 2.4. Procedimentos Inicialmente, foi realizada uma entrevista semi-estruturada, em que o paciente relatou suas queixas iniciais e o motivo que o levou a buscar terapia. O contato foi realizado através da divulgação de um banner nas redes sociais, com o objetivo de divulgar o serviço da clínica de psicologia para o atendimento a alunos e comunidade externa, tendo como público alvo, trabalhadores e pessoas que estão vivenciando no trabalho situações de sofrimento, adoecimento ou que estivessem sendo vítimas de assédio moral; e fazendo o convite para estes alunos e que os mesmos comunicassem a conhecidos/ familiares. Os atendimentos psicológicos são confidenciais e gratuitos, sendo realizados por meio da técnica de associação livre e escuta flutuante, no qual após o encerramento de cada atendimento é feita a transcrição das sessões, que possui uma duração aproximada de 40 minutos, uma vez por semana, estando estes em andamento e serão finalizados no termino do semestre. Os atendimentos até o momento foram no total de oito, sendo que desses, dois aconteceram a coleta de dados. A análise de dados foi realizada através da técnica de Análise dos Núcleos de Sentidos (Mendes, 2007). 18 3. RESULTADOS Através dos resultados obtidos a partir da Análise dos Núcleos de Sentidos obtiveram- se seis núcleos, sendo estes: significado do trabalho, organização do trabalho, condições de trabalho, relações sócioprofissionais, prazer-sofrimento, estratégias defensivas. A apresentação dos núcleos de sentido será demonstrada por meio das verbalizações do trabalhador. 3.1. Descrição dos Núcleos de Sentidos Núcleo 1: “É uma coisa necessária, a gente infelizmente não é milionário pra conseguir viver sem um trabalho, mas eu acho que mesmo se eu ficasse rico eu não deixaria de trabalhar, só iria trabalhar do jeito que eu quero.” A verbalização acima representa o núcleo de sentido referente a significado do trabalho. O trabalhador reconhece a importância do trabalho em sua vida e ao mesmo tempo correlaciona este trabalho com a aquisição de bens materiais “Se eu não trabalho eu não tenho dinheiro, e com esse dinheiro estoupagando o consorcio de uma casa, que hoje só esse consorcio é mais da metade do meu salário, tem também o meu carro que eu troquei e a fatura do cartão” e acredita que para a obtenção destes é necessário sujeitar-se a tudo o que é proposto “Quando a gente precisa daquilo a gente é obrigado a aguentar umas coisas que não precisava, que não gosta”. Núcleo 2: “Não tem foco, é fazendo várias coisas ao mesmo tempo, e sem saber o que é prioridade, prioridade é quem grita mais alto.” A presente verbalização descreve os núcleos de sentidos da organização do trabalho, conteúdo das tarefas, ritmo de trabalho, sistema de hierarquia, forma de influência sobre o trabalhador (pressão). O trabalhador relata sobre a falta de organização e da indisponibilidade de alguém que possa sanar suas dúvidas, demonstra que a comunicação não é realizada de forma objetiva “às vezes fica faltando informação, tem coisas que eu não sei, aí eu começo a fazer e chega uma hora que eu não sei como terminar aquilo”. Apesar de relatar um ritmo de trabalho rápido, este também apresenta suas discrepâncias, pois ao mesmo tempo em que tem um dia bastante produtivo, o outro já não é da mesma forma “Eu acho que ele é bem acelerado, tem dia que eu consigo fazer muita coisa, mas tem dia também que eu não faço nada”. 19 Falta uma hierarquia efetiva “Lá é só eu, o chefe e o outro rapaz, e parece que ele não tem muita ambição, ele mal faz o serviço dele, a gente tem que ficar mandando ele fazer as coisas, é o que me dá raiva”; “mas como não tem ninguém que gerencia acaba que sou eu quem tenho que me virar, e eu não dou conta”, enfatiza que cada um se organiza da forma como consegue, porém reclama que o colega deixa a situação a desejar, gerando uma grande sobrecarga “é muita coisa pra fazer e ninguém pra ajudar, e não quer nem saber por que não tá fazendo, só quer saber por que não tá pronto”; “se tivesse mais pessoas pra me ajudar o serviço poderia não estar acumulado”; “as reclamações caem tudo em cima de mim porque querendo ou não fui eu quem fiz, certo ou errado fui eu quem fiz, não tem outra pessoa pra colocar a culpa” e não tem tempo suficiente para que consiga terminar o que lhe foi imposto, pelo fato de estar sempre surgindo novos problemas para serem resolvidos “quer que faz as coisas rápido demais aí o negócio da problema em qualquer coisa lá, aí o povo vem bravo pra cima de mim como se a culpa fosse minha, não tá funcionando, não tá funcionando, porém ninguém lembra que não me deu tempo de fazer como devia né, pede pra fazer uma coisa aqui, mas antes de terminar aqui tem que fazer outra coisa ali”, remetendo-o a lembranças de quando trabalhava em um ambiente menos agitado “sinto falta de não ter tanta responsabilidade, nos outros não ficavam em cima de mim, era muito mais tranquilo, sempre foram trabalhos com muito menos pressão”. Núcleo 3: “Acredito que não tenho nada do que reclamar sobre minhas condições de trabalho, são duas horas de almoço, não preciso usar uniforme, em relação à isso é bem tranquilo” Esta verbalização diz respeito ao núcleo das condições de trabalho. O trabalhador relata ser este um quesito que não possui nenhum tipo de queixa/ restrição, sendo algo que fica a seu critério “muitas vezes já fui trabalhar até de chinelo e bermuda”. Núcleo 4: “Tem informação que ele deixa de me passar ou às vezes passa errado e a culpa cai sobre mim, e isso acontece praticamente todos os dias.” Esta verbalização apresentada caracteriza o núcleo das relações sócioprofissionais de trabalho entre a chefia imediata, colegas e clientes. O trabalhador queixa-se de que o chefe oculta ou até mesmo passa informações incorretas, prejudicando-o em diversas situações “quando ele aparece quer mudar tudo o que tinha feito, quer que faz diferente, eu tento fazer as coisas sozinho e quando estou terminando de fazer ele vem e fala que não é assim não, aí eu já perdi um tempão em uma coisa que não precisava”; “e ele não me fala o jeito certo que 20 é pra fazer”, relata que o mesmo não possui compromisso e organização “o chefe que deveria estar lá pra me ajudar não está, e quando está não resolve aquilo que precisa, às vezes eu peço pra ele fazer uma coisa que só ele pode fazer, ele fala que vai fazer mas não faz”; “o chefe não tem organização nenhuma”. Não possui uma boa relação com seu único colega de trabalho “minha paciência com o colega ao meu lado já acabou faz tempo, nossa senhora, eu passo as coisas pra ele fazer ele faz pela metade e não avisa e faz tudo errado”. Apesar dos poucos clientes, não conseguem atender a demanda da forma necessária “nós temos três clientes e cada um quer uma coisa diferente”; “os clientes eles não aceitam mais esperar porque já era pra tá pronto (o sistema)”. Núcleo 5: “Às vezes dá preguiça de dormir, quando penso em dormir eu lembro que tenho que acordar no outro dia cedo, e eu quero deixar o outro dia mais longe possível.” Esta verbalização apresentada remete ao núcleo dos sentimentos de prazer-sofrimento no trabalho. Por não conseguir separar trabalho e vida pessoal o mesmo está dormindo mal, o que gera também a sua falta de interesse para momentos de lazer durante os finais de semana, “eu não consigo descansar, é o tempo inteiro ligado nos problemas que acontecem no trabalho”; “nos finais de semana eu mal tenho ânimo pra sair de casa com minha namorada, só tenho vontade de ficar dormindo”; “depois que saio do trabalho eu chego em casa tão cansado que não consigo fazer nada”. O trabalhador também demonstra desmotivação por não haver nenhum feedback positivo, ou até mesmo um reconhecimento com relação às suas tarefas desempenhadas “o pessoal só sabe reclamar, não sabe elogiar em nada, então isso é bem chato”. Diante dos relatos obtidos, o único motivo de prazer vem a ser conseguir terminar o programa que foi implantando “Eu quero ter o prazer de falar lá no final que fui eu quem fiz, tá funcionando bem porque foi eu quem fiz”; “apesar de o programa não estar pronto ainda, como eu disse, no final vou poder dizer que eu ajudei a fazer”. Núcleo 6: “Tento ignorar algumas reclamações que eu sei que podem esperar e tento focar naquilo que estou fazendo pra ver se consigo terminar.” Esta verbalização refere-se ao núcleo das estratégias defensivas. Para que consiga finalizar determinada atividade que está sendo executada o trabalhador busca não levar em consideração algumas exigências e até mesmo se calar diante daquelas impostas “às vezes 21 procuro ficar calado, só tentando aguentar pra ver até onde vai”. Tem a consciência de que não se deve agir impulsivamente, pois saindo deste trabalho correrá o risco de ficar desempregado e por esse motivo acredita que precisa aguentar sem nenhum tipo de contestação, até que encontre algo melhor “Tem que pagar as contas, não dá simplesmente chegar em casa e sair procurando até achar outra coisa que gosta, a gente pode até continuar procurando, mas até achar não dá pra ficar parado, tem que ir aceitando as coisas do jeito que vem”. Decorrente de situações estressantes provindas do trabalho o mesmo desencadeou no decorrer da semana uma constante dor de cabeça “sempre chego em casa com a maior dor de cabeça”. 4. DISCUSSÃO Com relação aos resultados obtidos, no ambiente laboral em que o trabalhador está inserido ocorre a prática do assédio moral vertical, conforme apresentado por Soares e Duarte (2014) esta é a maneira mais comum de terror psicológico no trabalho, que acontece no momento em que a violência moral é exercida por um superior hierárquico voltada para um subordinado, não importando o nível de subordinação, e na maioria dos casos é levado em consideração o medo do empregado de perder o emprego. Assim, como foi destacado nos núcleos de sentidos da organização do trabalho e relações sócioprofissionais, o superior hierárquico transmiteinformações incorretas e, às vezes até mesmo deixa de passar informações importantes, como no momento em que delega uma determinada tarefa para ser executada de uma forma e quando está sendo finalizada o mesmo diz estar errado e possui outra maneira correta de fazer, como é observado em sua fala “quando ele aparece quer mudar tudo o que tinha feito, quer que faz diferente, eu tento fazer as coisas sozinho e quando estou terminando de fazer ele vem e fala que não é assim não, aí eu já perdi um tempão em uma coisa que não precisava”. Por trabalhar em uma empresa pequena, o trabalhador relatou que além dele possui apenas outro funcionário e o superior hierárquico, e quando possui alguma dificuldade o mesmo precisa improvisar da sua maneira, pois não possui ninguém para instrui-lo, e quando esse superior está presente apenas delega tarefas, já o colega possui um menor entendimento sobre o assunto, o que vem gerando uma grande sobrecarga com curto prazo de tempo, que acaba causando o aborrecimento dos clientes por não cumprimento do prazo, respingando no funcionário que não consegue cumprir com o combinado “é muita coisa pra fazer e ninguém pra ajudar, e não quer nem saber por que não tá fazendo, só quer saber por que não tá 22 pronto”. Segundo Barros (2016) o medo de perder o emprego causa dor e sofrimento para o trabalhador, muitos se sujeitam a humilhações e constrangimentos, aceitando as cobranças e a produção acelerada, não sendo apenas provenientes apenas do empregador, como também do sistema e dos clientes, que determinam uma grande produtividade em pouco tempo, “quer que faz as coisas rápido demais aí o negócio da problema em qualquer coisa lá, aí o povo vem bravo pra cima de mim como se a culpa fosse minha, não tá funcionando, não tá funcionando, mas ninguém lembra que não me deu tempo de fazer como devia né, pede pra fazer uma coisa aqui, mas antes de terminar aqui tem que fazer outra coisa ali” De acordo com Dejours (2015); Barreto & Heloani (2015) muitas das vezes por contenção de gastos e para preencher a falta de outros profissionais o trabalhador começa a exercer múltiplas funções que não está habituado, passando este a desenvolver uma ansiedade, assim como é verbalizado: “é muita coisa pra fazer e ninguém pra ajudar...”; “eu não consigo descansar, é o tempo inteiro ligado nos problemas que acontecem no trabalho” Como pôde ser observadas nas verbalizações dos núcleos de sentidos, estratégias defensivas e prazer-sofrimento são exatamente o que acontece quando o trabalhador submete-se a realizar uma grande quantidade de tarefas, sendo que muitas destas não é sua obrigação, ou até mesmo que não sabe como fazer e com medo de uma possível demissão, acredita que deve aceitar tudo o que é destinado sem questionar. O mesmo demonstra cansaço, não tendo vontade de fazer as coisas, estando sempre com o pensamento nos problemas do trabalho, repercutindo consequentemente em sua saúde, pois o mesmo relata “Às vezes dá preguiça de dormir, quando penso em dormir eu lembro que tenho que acordar no outro dia cedo, e eu quero deixar o outro dia mais longe possível.”, como já havia mencionado, ele realiza o serviço de três, no caso, se tivessem outros para ajudar não iria gerar toda sobrecarga. Diante de todo o sofrimento e desgaste que esta organização do trabalho vem gerando, a única vivência de prazer deste trabalhador está voltada no termino do programa que este vem desenvolvendo, como é possível notar: “apesar de o programa não estar pronto ainda, como eu disse, no final vou poder dizer que eu ajudei a fazer”, com isso o mesmo busca um futuro reconhecimento, assim como foi ressaltado por Dejours (2006) que o reconhecimento do trabalho pode ser reconduzido pelo sujeito para a criação da sua identidade, simbolizando de forma afetuosa um sentimento de alívio, trabalho esse que é marcado pela dinâmica de realização do ego, diferente do que vem acontecendo, como diz em sua verbalização: “o pessoal só sabe reclamar, não sabe elogiar em nada, então isso é bem chato”. 23 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados obtidos mostram que o trabalhador vem sendo vítima de assédio moral vertical, que está acarretando efeitos significativos em sua saúde psíquica, principalmente pela sobrecarga e a opressão advinda para que tudo esteja pronto no prazo determinado. Fatores estes que estão ligados às estratégias defensivas desencadeadas pelo trabalhador, como a ansiedade advinda do não cumprimento de determinada tarefa, a irritabilidade e as constantes dores de cabeça. A organização do trabalho está com uma exigência muito grande sobre este trabalhador, querendo que o mesmo realize diversas tarefas, entretanto estes não estão danando nenhum tipo de solução para os problemas, visando apenas pelo lucro. Sugere-se que este trabalhador continue com os atendimentos, pois o mesmo apresentou um significativo progresso de estar tirando parte de seu tempo livre para trabalhar como Uber. 24 REFERÊNCIAS Barreto, M., & Heloani, R. (2015). 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Recuperado de http://lpct.com.br/wp-content/uploads/2012/11/artigo-completo- publicado.RONALDOSOUSA.pdf 26 Anexo A – Banner de divulgação do atendimento 27 Anexo B – Roteiro de entrevista 1) O que significa trabalhar para você? 2) Qual o sentido deste trabalho? 3) O que é mais importante para você no trabalho? 4) Como você considera o seu ritmo de trabalho? 5) Como são feitas as suas tarefas? Existe pressão para cumprimento dos prazos? Como você reage diante dessas situações? 6) O que o trabalho exige de você, em termos de capacitação, disponibilidade de tempo, exigência emocionais e comportamentais? 7) Todos nós já passamos por situações em que não compreendemos o que nos foi comunicado. Por exemplo: um prazo de entrega, instruções complicadas, etc. Conte uma situação vivenciada por você em que isso lhe tenha acontecido, como você solucionou a questão? 8) Você considera que existem disputas profissionais no seu ambiente de trabalho? Como você reage frente aos seus superiores e colegas em situações como esta? 9) Como é o seu relacionamento com os colegas de trabalho (chefias, membros de equipe, relações externas)? 10) Como você avalia seu trabalho em termos das condições, materiais e estrutura física oferecidas pela empresa? 11) O que você perde com a possibilidade de não trabalhar? E o que você ganha se continuar trabalhando? 12) Fale-me sobre os seus sentimentos em relação ao trabalho. 13) Como você faz para dar contar/lidar/enfrentar as dificuldades do trabalho? 14) Quais são as dificuldades enfrentadas no seu dia a dia de trabalho (sistema, clientes, pressão, resultados, chefias, pares)? Como lida com essas dificuldades? 15) Como o trabalho afeta seu comportamento e saúde? 28 16) Como o trabalho afeta a sua vida pessoal? 17) Você já tomou algum medicamento? Qual tipo? Pra que esse medicamento? Você acha que é decorrente de que? 18) Cite um episódio de sua vida profissional que lhe trouxe algum sofrimento. Como você enfrentou? 19) Você dorme bem? Tem sonhos relacionados ao que está vivendo? 20) Você já sentiu saudade de períodos anteriores, em que se sentia melhor? 21) Como é a autonomia do seu trabalho? Cite o que mais inovador você já colocou em prática, como foi essa vivência? 22) Você já sofreu situações de injustiça / humilhação / constrangimento / perseguição / assédio moral? Conte-me o que aconteceu e como você resolveu? 23) O que poderia ser melhorado no seu trabalho? 24) Teria mais alguma observação?
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