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(isto é, todas as partículas existentes) existem umas com as outras, sem espaçotempo. Embora os comentários de Kant sobre o que na Coisa é irrelevante para o conhecimento dispensem considerações metafísicas, também sugerem que a realidade descrita na física de Newton (e mais tarde na de Einstein, 1879-1955) é um retrato limitado d’o Mundo porque se refere apenas aos fenômenos, em outras Sobre Diferença Sem Separabilidade 46 47 do excesso, nos moldes da gramática do Sujeito, o argumento move-se em direção a A Coisa, diante da qual a indiferença ética que justifica o excesso que é violência racial, revela-se como uma resposta à possibilidade de existir e pensar outramente. Aqui, o corpo sexual da nativa/escrava figura a posição desde a qual o pensamento atende a A Coisa. Não como um significante, mas por ser sistematicamente rejeitado como significante de qualquer expressão ou atualização do Sujeito. O capítulo seguinte, Para Uma Poética Negra Feminista: A Questão da Negridade Para o (Fim do) Mundo, prossegue com a exploração desta possibilidade indicada pelo corpo sexual da nativa/escrava através da delimitação da postura de intervenção que atende ao Mundo Ordenado, mas em vez de tentar recompô-lo como tal, a poética negra feminista retraça enunciados que exibem como este emerge desde uma premissa de profunda separação do Sujeito do Mundo. Lendo a negridade contra a corrente de sua função como categoria, torna possível atender à separabilidade que inaugura o Sujeito, mas em vez de uma manobra que tentaria recuperar suas promessas universalistas ou transcendentais, a poética negra feminista retorna ao Mundo e experimenta com a descrição da existência sob a imagem do Mundo Implicado, ou Corpus Infinitum. Os capítulos seguintes prosseguem com a ativação da capacidade dual da negridade, como categoria e referente, através de experimentos de pensamento que atendem às duas cenas do Sujeito – a cena ética e a cena econômica –, onde a dialética racial opera como um mecanismo dos pilares do pensamento moderno. O terceiro capítulo, 1 (VIDA) ÷ 0 (NEGRIDADE) = ∞ – ∞ OU ∞ / ∞: (Sobre a) Matéria para Além da Equação de Valor, confronta a violência racial diretamente. Em vez de registrar e tentar deslocar a indiferença à mobilização de violência total contra corpos e territórios negros, aqui eu ativo a capacidade interruptiva da negridade, e torno sua falta de valor (ético) em uma ferramenta analítica – a qual mobiliza a determinabilidade – capaz de expressão de uma implicação elementar. Isto é, quando o social reflete o Mundo Implicado, a socialidade não é mais nem causa nem efeito das relações envolvendo existentes separados, mas a condição incerta sob a qual tudo que existe é uma expressão singular de cada um e de todos os outros existentes atuais- virtuais do universo, ou seja, como Corpus Infinitum. Os ensaios que compõem A Divida Impagável não fazem mais do que aproximar a esta imagem do Mundo sem separabilidade e os outros pilares ontoespistemológicos que esta necessita, e através dos quais opera. Por isso, este volume não oferece nem uma teoria nem um método. Em vez desses elementos comuns no pensamento moderno, o modelo de intervenção que o organiza simplesmente manifesta uma postura de pensamento que não move para aprender, decidir, e dominar o que contempla. Ao contrário, porque já começa com a premissa de uma implicabilidade fundamental a todos os níveis, o olhar analítico manifestado nestes textos é mobilizado pelo o que atende, e por isso sua intencionalidade já esta também mediada, ou seja, cada movimento do texto, cada elemento articulado para formar um argumento está profundamente afetado. Desde esta posição, já comprometido com o que ainda está para oferecer e com aquilo do qual parte, cada capítulo endereça e enfoca de uma maneira específica num aspecto da ordem do pensamento moderno. O primeiro capítulo, A Ser Anunciado: Uma Práxis Radical ou Conhecer (n)os Limites da Justiça, começa por situar a questão da justiça no momento do conhecer, mas o faz num movimento contrário ao do conhecimento moderno. Quero dizer, em vez de seguir o procedimento usual e tentar reconstituir o que examina, a saber, a violência contra o outro racial como expressão Pela Frente 48 desfazer o texto ético moderno. Aqui também, esta capacidade interruptiva não leva à delimitação de um outro terreno onde a aplicação das formalizações que constituem o Mundo Ordenado poderia finalmente tornar a justiça universal. Porque a coerência do texto moderno depende da oclusão da negridade como índice ético e econômico, quando esta última é ativada na decomposição da formulação ética (a equação do valor), não faz mais do que sinalizar a possibilidade de figurar o Mundo sem determinação ou ∞ – ∞. O último capítulo, A Dívida Impagável: Lendo Cenas de Valor Contra a Flecha do Tempo, dá prosseguimento ao engajamento com as cenas ética e econômica do Sujeito. O experimento de pensamento aqui também enfoca as formalizações do pensamento moderno mas, em vez da matemática, o foco aqui é no processo analítico e, em particular, na construção dos conceitos e na delimitação do escopo da teoria do capital, à qual estes pertencem. Numa confrontação direta com o materialismo histórico, volto minha atenção a como a sequencialidade opera na delimitação do conceito que compreende a totalidade do modo capitalista de produção, a saber, o trabalho assalariado. O foco central aqui é como a temporalidade linear opera na construção dos conceitos do materialismo histórico de forma a ocluir a colonialidade e a escravidão – quero dizer, a rejeitar seu poder explanatório do funcionamento do capital propriamente dito –, mesmo quando aparentemente os inclui. Como tudo no Mundo Implicado, os ensaios que compõem A Dívida Impagável são nada mais do que um momento, o qual registra uma certa configuração de um processo sem fim. Eu paro aqui, diante deste momento, desta versão de um texto que comecei a escrever há mais de trinta anos atrás; um texto que continua a ser escrito cada vez que eu compartilho ou outras pessoas compartilham as propostas, exercícios, e formulações que o compõe. 51 Abro com Hegel e Fanon: “Os europeus escravizam os negros e os vendem nas Américas. Embora isso seja ruim, sua situação em suas próprias terras é ainda pior, porque lá uma escravidão tão absoluta existe; o princípio essencial da escravidão, o fato do homem ainda não ter obtido consciência de sua liberdade e, consequentemente, afunda-se até tornar-se uma mera Coisa – um objeto sem valor...” - HEGEL, G.W.F. – Lectures on the Philosophy of History “Foi necessário mais de um nativo dizer “Basta”; mais do que uma revolta campesina ser esmagada, mais do que um protesto ser dizimado antes que pudéssemos, hoje, nos manter firme na certeza da nossa vitória. Nós, que decidimos por quebrar a espinha do colonialismo, nossa missão histórica é sancionar todas as revoltas, todos os atos desesperados, todas as tentativas abortadas afogadas em rios de sangue.” - FANON, Frantz – Os Condenados da Terra Labaredas espalharam-se pelas zonas norte, leste e sul de Londres assim como em outras cidades inglesas, de Leicester até Birmingham. Fogaréus alastraram-se em Watts, em 1965, e em Los Angeles, em 1992, apenas para lembrar duas outras ocasiões que também testemunharam o alastrar de incêndios. Todos sabem o que aconteceu: um jovem negro foi assassinado pela polícia5. 5 As revoltas ocorreram entre 6 e 10 de agosto de 2011 e começaram após um protesto em Tottenham em relação ao assassinato de Mark Duggan, morto pela polícia em 4 de agosto. As revoltas espalharam-se por diversas regiões de Londres (especialmente nas regiões Leste, Norte e Sul) e I. A SER ANUNCIADO Uma Práxis Radical ou Conhecer (n) os Limites da Justiça* * Texto primeiramente publicado em Social Text 114 • Vol. 31, No. 1 • Spring 2013 DOI 10.1215/01642472-1958890, © 2013 Duke University