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TEORIAS CONTEMPORÂNEAS DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS AULA 1 Profa. Monise Valente da Silva 2 CONTEXTUALIZANDO É inquestionável a predominância da teoria realista no campo das Relações Internacionais e seus principais debates. A hegemonia desta vertente se deu, principalmente, após a Segunda Guerra Mundial, e do dito "fracasso" das teorias liberais em explicar a condição mundial do período (SALOMON, 2016). Nesta aula, procuraremos compreender a evolução da Teoria Realista nas Relações Internacionais, suas principais influências, autores e premissas. Observaremos, ainda, a problematização do debate realista na contemporaneidade e a conformação de seus principais fundamentos em diferentes vertentes de análise. Bons estudos a todos! TEMA 1: PENSAMENTO REALISTA E AS RI: ORIGENS E PREMISSAS Antes de observar a conformação do realismo na contemporaneidade, vale enumerar alguns dos principais pontos que permeiam o desenvolvimento da teoria, desde a sua origem. A partir da influência de obras de intelectuais clássicos como Tucídides, Maquiavel e Hobbes, elementos como sobrevivência, poder, medo e anarquia internacional são relidos na conformação das principais proposições da teoria realista nas Relações Internacionais (NOGUEIRA; MESSARI, 2005). A primeira premissa é a concepção do Estado como ator central e principal unidade de análise das Relações Internacionais. Segundo a perspectiva realista, o estudo das Relações Internacionais se trata do estudo das relações entre Estados, e qualquer outro ator que busque protagonismo neste cenário não será capaz de atingir o nível de importância e dominância exercido por estas unidades (VIOTTI; KAUPPI, 2011). O realismo enxerga no Estado um ator unitário e racional, o que implica em sua percepção como unidade de interesse único, uniforme e homogêneo, como uma "caixa preta" (SALOMON, 2016) cujo interior não precisa ser considerado no contexto das Relações Internacionais. 3 A percepção de um cenário internacional anárquico é outra das premissas essenciais dos teóricos realistas. Por anarquia compreende-se a ausência de um poder soberano, capaz de tomar decisões e impô-las aos Estados, ou mesmo de puni-los em caso de desobediência. O cenário internacional reflete, portanto, a ideia de estado de natureza hobbesiano, no qual nenhum ator detém o monopólio do uso legítimo da força. Os Estados agem sob o princípio de autoajuda, de maneira a garantir, acima de tudo, sua segurança e sobrevivência perante outros Estados. Para grande parte dos realistas, a busca por interesses no cenário internacional se dá por meio do uso do poder, outra noção essencial à teoria. Este poder, definido como o conjunto de capacidades intrínsecas ao Estado ou em relação às suas capacidades relativas no cenário internacional, está ligado a outro conceito essencial aos realistas, o de Balança de Poder. Ainda que haja divergências entre os autores realistas quanto à sua definição, é consenso que a Balança de Poder tem papel essencial nas relações entre os Estados, sendo responsável por forjar alianças na tentativa de equalizar ou alterar a distribuição dos poderes internacionais, de acordo com seu interesse nacional. Com estas premissas em mente, partiremos ao estudo das origens, vertentes e principais autores do debate realista nas Relações Internacionais. TEMA 2: REALISMO CLÁSSICO A evolução do pensamento realista como teoria remonta ao final da primeira guerra mundial, com a publicação do livro “Vinte Anos de Crise – 1919- 1939”, de Edward H. Carr, no ano de 1937. Repensando a trajetória da Primeira Guerra Mundial, Carr introduz o clássico embate entre realistas e idealistas às Relações Internacionais (CARR, 2001). Apesar da relevância da abordagem de Carr, é a Hans Morguenthau que se atribui a estruturação do pensamento realista como abordagem teórica de Relações Internacionais (NOGUEIRA; MESSARI, 2005). Em sua principal obra, “Política entre as Nações”, de 1948, o autor procura realçar o caráter único do realismo e da própria disciplina de Relações internacionais perante as demais ciências. Uma das mais importantes contribuições de sua obra é a enumeração de seis princípios fundamentais do realismo político, considerados 4 essenciais para tratar de Relações Internacionais. Segundo Morguenthau (2003), são eles: 1) A política é governada por leis objetivas que tem como base a natureza humana, e suas características egoístas, de autopreservação e autopromoção; 2) Na política internacional, os interesses são definidos em termos de poder, e a busca por poder é o fim máximo da ação política internacional; 3) A noção de poder, ainda que universal, é definida de acordo com o contexto em que a política externa de cada ator é formulada; 4) Os princípios morais fazem parte da vida política internacional e as suas formulações, mas encontram-se subordinados aos interesses da ação política; 5) As aspirações morais de uma determinada nação não são universais, e sim particulares; e 6) A política internacional possui um caráter autônomo em relação às demais áreas sociais. Para o autor, em um cenário internacional anárquico, a política dos Estados pode refletir ainda três objetivos: a manutenção do poder (status quo), o aumento do poder ou a demonstração de poder e busca por prestígio. Confrontando as afirmações liberais do período, Morguenthau enxerga na anarquia internacional uma tendência constante ao conflito, e apresenta a noção de equilíbrio de poder não só como política de governo, mas como o sistema mais eficaz de promoção da autorregularão internacional (SALOMON, 2016). Estas ideias serviram ao discurso político e forneceram bases importantes da atuação da política externa norte-americana durante anos, especialmente no contexto da guerra fria e seus embates. TEMA 3: O ENFOQUE NEO-REALISTA: KENNETH WALTZ Ao grande sucesso do estabelecimento da hegemonia da teoria realista nas relações internacionais seguiu-se um período de declínio intenso. É neste contexto que o intelectual norte-americano Kenneth Waltz publica sua mais célebre obra, “Teoria das Relações Internacionais”, lançada em 1979. Com uma abordagem teórica conhecida como realismo estrutural, ou neorrealismo, Waltz se propõe a trazer maior cientificidade ao argumento realista, revisando as bases epistemológicas do realismo clássico e aprofundando seu pensamento acerca das origens da guerra no sistema internacional. 5 Conforme o próprio nome sugere, o conceito de estrutura, na abordagem de Waltz, em um cenário internacional, cujo princípio ordenador é a anarquia, se define por dois elementos: o caráter de suas unidades e a distribuição de capacidades entre estas unidades (SALOMON, 2016). No que diz respeito ao caráter das unidades, o autor afirma não haver diferenciação funcional entre os estados, que vivem um sistema de autoajuda no qual cada Estado é o responsável por garantir sua própria sobrevivência. A estrutura internacional é determinada, ainda, de acordo com sua distribuição de poder, sendo o poder de cada Estado definido em termos relativos. Segundo Waltz (2010) esta é a única característica passível de alteração no sistema, ou seja, as mudanças na estrutura internacional são possíveis apenas em termos de distribuição de poder, podendo constituir um sistema bipolar, multipolar ou unipolar. Ao debruçar-se sobre o estabelecimento de bases científicas para sua vertente realista, e trazer o debate estrutural/sistêmico ao campo teórico da disciplina, Waltz dá novos ares ao realismo, restabelecendo seu papel de predominância nas Relações Internacionais. TEMA 4: DEBATES CONTEMPORÂNEOS: REALISMO OFENSIVO E REALISMO DEFENSIVO O fim da guerra fria e a nova configuração mundial do período trazem novas perspectivas e grandes críticasà abordagem realista, fomentando novos rumos à teoria, dentre as quais se destacam o realismo ofensivo e o realismo defensivo. Segundo Jatobá (2013), a distinção entre estas vertentes aparece já no início da década de 1990, e é marcada por diferenças na percepção das consequências da anarquia no sistema internacional. Os realistas defensivos, dentre os quais se destacam autores como Robert Jervis e Charles Glaser, têm como argumento central a ideia de que a busca por segurança e pelo aumento das capacidades materiais, assim como as disputas de poder no sistema internacional, tem como fundamento central a defesa contra ameaças de outros atores. Segundo estes autores, a busca incessante pelo aumento de poder é uma atitude imprudente e não racional, pois há maiores possibilidades de obtenção de objetivos de segurança e estabilidade internacional por meio de políticas cooperativas (TAGLIAFERRO, 2000). A 6 busca incessante por poder seria, portanto, contraproducente, pois geraria maior insegurança internacional. Os realistas ofensivos, por sua vez, enxergam no sistema internacional anárquico um cenário potencial e constante de guerra. Segundo sua voz mais proeminente, o acadêmico norte-americano John Mearsheimer (2013), a busca por poder no cenário internacional não é um fim, mas um meio para manter a sobrevivência estatal. Em sua concepção, a garantia da segurança territorial e da não ingerência em assuntos internos requer o acúmulo da maior parcela de poder perante os outros Estados. A maximização do poderio militar e hegemônico (regional ou global) seria, portanto, objetivo central de todas as potências mundiais. Desta forma, se estabelece o caráter ofensivo do realismo apresentado por Mearsheirmer, segundo o qual o mundo está "condenado a uma perpétua competição das grandes potências" (JATOBÁ, 2013, p.34). TEMA 5: DEBATES CONTEMPORÂNEOS: REALISMO NEOCLÁSSICO E TEORIA DOS CICLOS HEGEMÔNICOS DE GILPIN Merece ainda destaque no debate contemporâneo a vertente conhecida por realismo neoclássico. Os autores desta vertente partem do ponto de vista estrutural para então incorporar fatores domésticos às suas análises, considerando, também, o nível das unidades na compreensão das Relações Internacionais (JATOBÁ, 2013). Os neoclássicos rompem, portanto, com a "caixa-preta" do Estado, e procuram conciliar a observação de questões internas à consideração de constrangimentos sistêmicos para explicar e compreender a atuação dos Estados. Segundo esta vertente, a tomada de decisões no sistema internacional ocorre de maneira mais complexa, e os fatores domésticos são considerados variáveis intervenientes. Dentre os representantes desta vertente, destaca-se Randal Sweller, Stephen Walt, entre outros. Outro nome importante no movimento realista contemporâneo é o teórico Robert Gilpin. Em sua principal obra, War and Change in World Politics (1981), o autor diz ser possível “identificar padrões recorrentes, elementos comuns e tendências gerais nos principais pontos de mudança na história internacional" (GILPIN, 2002). A partir desta constatação, afirma que a história apresenta ciclos hegemônicos, cuja estabilidade depende da capacidade da potência 7 hegemônica arcar com os custos da manutenção do sistema. Segundo esta concepção, são possíveis três tipos de mudança: 1) Mudança de sistemas, na própria natureza dos atores que compõe o sistema internacional; 2) Mudança sistêmica, ou mudança da distribuição se poder entre os atores; e 3) Mudança na interação, quando são alteradas apenas as formas como atores do sistema se relacionam, mas não sua hierarquia e distribuição de poderes (JATOBÁ, 2013). A partir da definição de três tipos de estruturas internacionais - hegemônica, bipolar ou multipolar - o autor afirma que a contestação ou não do poder hegemônico depende de um cálculo de custos e benefícios (NOGUEIRA; MESSARI, 2005). Quando os benefícios do enfrentamento forem superiores aos custos e a potência hegemônica for incapaz de acomodar os interesses daquele que questiona sua predominância, haverá contestação. TROCANDO IDEIAS Para melhor compreensão da aplicação prática do pensamento realista na análise do Programa Nuclear Iraniano, leia o artigo a seguir: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1645- 91992013000300004. Acessado em: 26/12/2016. NA PRÁTICA Para compreendermos a aplicação prática da teoria realista na análise das relações internacionais, observaremos a polêmica em torno do Programa Nuclear Iraniano, que teve início em 2009 e culminou com a assinatura de um acordo em 2015. Apesar da declaração de intenções pacíficas do governo iraniano, havia o receio internacional de que o país estivesse enriquecendo urânio para fins militares. Ao longo das negociações, Kenneth Waltz (2002) apresentou sua análise do tema. Segundo sua perspectiva, um virtual interesse iraniano no desenvolvimento de poderio bélico-nuclear poderia ser considerado uma tentativa de equilibrar a balança de poder no Oriente Médio frente à única potência nuclear na região, Israel. Em um cenário de anarquia internacional, o Irã estaria agindo racionalmente de maneira a maximizar seus interesses em http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1645-91992013000300004 http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1645-91992013000300004 8 termos de segurança regional. Ao contrário de estimular uma corrida nuclear e maior insegurança na região, o desenvolvimento do programa nuclear iraniano geraria uma tendência à estabilidade, dada a certeza de que um confronto causaria a destruição mútua dos oponentes. Temos, assim, um embate em moldes realistas: em um cenário internacional anárquico o Estado iraniano age de maneira racional, buscando maximizar de seus interesses em termos de segurança. Isto se daria pela busca por poder militar, em uma tentativa de equilibrar balança de poderes regional. SÍNTESE Nesta aula, exploramos as principais vertentes e premissas da teoria Realista, uma das mais relevantes teorias contemporâneas das Relações Internacionais. Observamos sua emergência no período entre guerras, seu fortalecimento e hegemonia com o fim da Segunda Guerra Mundial e seu reestabelecimento em termos científicos na década de 1970, vislumbrando, também, os seus debates e as suas reformulações mais atuais. Suas concepções foram objeto e origem de grande parte do debate teórico das RI contemporâneas, tendo constituído a principal base do pensamento e da formulação da política externa norte-americana durante anos. Dada sua relevância, a teoria realista está, ainda, apresentando força e impactos significativos no contexto atual. REFERÊNCIAS CARR, Edward H. Vinte Anos de Crise 1919-1939. Trad. Luiz Alberto Figueiredo Machado. Brasília, Editora Universidade de Brasília: 2001. GILPIN, R. A dinâmica da economia política internacional. In: A economia política das relações internacionais. Brasília, UNB: 2002. JATOBÁ, Daniel, LESSA, Antônio Carlos (coord.), OLIVEIRA, Henrique Altemani de (coord.). Teoria das Relações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2013. 9 MEARSHEIMER, John. The Tragedy of Great Power Politics. New York, Norton: 2001. MORGUENTHAU, Hans. A Política entre as Nações. Trad. Oswaldo Biato. São Paulo, Editora Universidade de Brasília, 2003. NOGUEIRA, João; MESSARI, Nizar. Teorias das Relações Internacionais: Correntes e Debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. SALOMON, Monica. Teorias Contemporâneas das Relações Internacionais. Curitiba: Editora Uninter, 2016. TAGLIAFERRO, Jeffrey W. Security Seeking under Anarchy: Defensive Realism Revisited. In: International Security, Vol. 25, No. 3 (Winter 2000/01), pp. 128–161. VIOTTI, Paul R.; KAUPPI, Mark V. International Relations Theory. New York: Pearson, 2011. WALTZ, Kenneth N. Teoriadas Relações Internacionais. Trad. Maria Luísa Felgueiras Gayo. Lisboa: Gradiva, 2002.
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