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HISTÓRIA da NECROPSIA E MEDICINA LEGAL Prof: Daniel Henrique Dorigatti INTRODUÇÃO A prática necroscópica teve início na Antiguidade provavelmente para diagnosticar causas de mortes, os antigos egípcios não estudavam o corpo humano morto e as possíveis explicações da doença e da morte, embora alguns órgãos foram removidos para a preservação. Os gregos e algumas tribos indígenas cremavam seus mortos sem exame; os romanos, chineses e muçulmanos todos tinham tabus sobre a abertura do corpo, e dissecações humanas não foram permitidas durante a Idade média. Embora sem dúvida alguma, a manipulação de cadáveres surgiu pela necessidade de conservação de corpos. Lição de anatomia do Dr. Tulp, é uma tela de pintura a óleo de Rembrandt, pintada em 1630 As primeiras dissecações reais para o estudo da doença foram realizadas cerca de 300 aC pelos médicos alexandrinos Herófilo e Erasísto, mas foi o médico grego Galeno de Pérgamo, que impulsionou os estudos da necropsia. É notório que o instrumental aos poucos foi evoluindo junto a tecnologia, bem como a profissionalização dos trabalhadores da área para a aplicação dos instrumentos e equipamentos tanto na necropsia clínica como na médico-legal. Rudolf Ludwig Karl Virchow (Swidwin, 13 de outubro de 1821 — Berlim, 5 de setembro de 1902) foi um médico e político alemão. É considerado o pai da patologia moderna e da medicina social, além de antropólogo e político liberal . Medicina Legal Em razão de interferências política e religiosa, existem várias lacunas acerca do desenvolvimento da necropsia. Esses fatos são significativos e nos levam a traçar a história da necropsia acompanhando a história da própria medicina legal. Ao fazer isso daremos ênfase aos momentos em que a prática da necropsia se manifesta. Particularmente, a necropsia médico-legal exige treinamento específico para sua aplicação nas ciências forenses, resultando na formação de técnicos policiais e peritos-legistas. A Universidade de Bolonha (Itália), foi a primeira instituição a adotar as técnicas de necropsia forense, aprovando-as no século XIV, para resolver duvidas jurídicas sobre a causa da morte. A história da medicina legal brasileira teve origem com a aplicação da medicina à justiça. Contudo, é importante ressaltar os marcos históricos da medicina legal no Brasil que, ao longo dos séculos, conquistou sua importância, auxiliando as ciências jurídicas, principalmente, quando da elaboração de leis. Na época colonial, a medicina legal no Brasil foi decisivamente influenciada pelos franceses e, em menor escala, pelos italianos e alemães, sendo praticamente nula a participação portuguesa. No século XVII, o físico Willem Piso, efetuou as primeiras necropsias no Brasil. No século XIX, poucas teses de doutoramento e mono- grafias relativas a temas de medicina legal foram defendidas e escritas na Bahia. Até a promulgação do Código Penal de 1830 os juízes brasileiros não eram obrigados a ouvir peritos antes de lavrar a sentença. A regulamentação do processo penal, em 1832, estabeleceria as regras a serem adotadas nos exames de corpo de delito, criando a perícia profissional. Naquele mesmo ano, ocorre outro fato importante que contribuiria para a medicina legal brasileira: as antigas escolas médico-cirúrgicas fundadas por Dom João VI em 1808, na Bahia e no Rio de Janeiro, foram transformadas, por decreto, em faculdades de medicina oficiais, sendo, assim, criada uma cadeira de medicina legal em ambas. Escola médico-cirúrgica da Bahia Escola médico-cirúrgica do Rio de janeiro Em 1847, começam a aparecer as primeiras especializações dos médicos-legistas. O conselheiro José Martins da Cruz Jobim, do Rio de Janeiro, foi o primeiro professor de medicina legal. Em 1877, o ensino da medicina legal assume caráter prático com Agostinho José de Sousa Lima e seu assistente Borges da Costa. Dois anos depois, ambos receberam autorização para dar um curso prático de tanatologia forense no necrotério oficial. Em 1895, quando começa a terceira fase da evolução da medicina legal no Brasil. Raimundo Nina Rodrigues tornou-se catedrático de medicina legal da Faculdade de Medicina da Bahia, sendo considerado o maior professor brasileiro de medicina legal do século XIX. Suas obras voltaram-se para o campo da antropologia criminal e psiquiatria forense. O célebre criminalista italiano Lombroso o chamava de "apóstolo da antropologia criminal no Novo Mundo". Sob influência Afrânio Peixoto, o governo federal baixa o Decreto n2 4.864, de 15 de junho de 1903, que estabelecia normas detalhadas para a conclusão das perícias médicas. Entre outros avanços, sugeria um protocolo de necropsias semelhante ao do alemão Virchow, o pai da patologia celular. Em 1933, foi construído em Niterói um necrotério, onde as necropsias passaram a ser realizadas e que funciona até a presente data. No mesmo ano, mudou-se a denominação do então Serviço Médico-Legal para Instituto Médico-Legal, com nova reorganização e ampliação de seus serviços e aumento do quadro de médicos e au- xiliares. Em 1934, novas modificações surgiram com o decreto governamental que criava o Departamento de Polícia Técnica, que constitui a Polícia Científica do Estado e foi composto de três órgãos: Instituto Médico- Legal, Instituto de Identificação e Escola de Polícia. Em 1967, em Niterói, fundou-se a Sociedade Brasileira de Medicina Legal, na sede do Instituto Médico-Legal. Um ano depois, foi realizado em outubro o I Congresso Brasileiro de Medicina Legal, na cidade de Petrópolis. A medicina legal nacional é reconhecida mundialmente, conforme ficou patenteado (1985) na perícia de determinação da identidade, por especialistas do IML de São Paulo e da Unicamp, do carrasco nazista Joseph Mengele, conhecido pelos prisioneiros de Auschwitz como o "Anjo da Morte", cuja ossada foi encontrada sepultada em Embu, São Paulo. A necropsia, entre outras perícias médico-legais, é definida como ato médico, que, como tal, envolve um conjunto de procedimentos técnico-científicos e tem como finalidade não só apenas identificar a causa do óbito, como muitos pensam, ela tem diversas outras funções: podem ter aplicação aos fins da justiça, da infortunística, das indagações anatomopatológicas para esclarecimento clínico, do diagnóstico de moléstias mal definidas, diagnóstico de finalidade sanitária etc. Elas poderão, assim, variar quanto à indicação, ao objetivo e as seqüências,etc. As necropsias médico-legais devem ser minuciosas no seu exame, completas e metódicas na sua ordenação. Isto porque o estudo da causa da morte se justifica não somente pela necessidade médica no intuito de poder declará-la com máxima precisão do ocorrido, mas para o preenchimento e expedição da declaração de óbito. O ideal seria que fosse realizada sempre a necropsia do corpo. Só assim, teríamos o máximo de benefícios a justiça e a saúde pública. O Código de Processo Penal: atualmente ter por exigência de pelo menos um médico-legista para subscrever o laudo. Devem ser sempre requisitadas pela autoridade competente, ou seja, o juiz de direito, o delegado de Polícia (que preside o inquérito policial), o oficial da organização militar que preside inquérito policial-militar etc. A luz da necropsia clínica se um corpo apresentar vestígios de ação suspeita ou violenta, deve-se mediante requisição de autoridade competente, ser encaminhados para a necropsia forense. As necropsias médico-legais estão disciplinadas especificamente no artigo 162 do capítulo 2 (Do Exame de Corpo de Delito e das Perícias em Geral) do Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941), embora outros artigos desse mesmo capítulo também disciplinem a respeito dos exames de corpo de delito em geral. Aspectos legais e conceito da necropsia nos dias atuais As necropsias médico-legais devem atender basicamente a quatro objetivos: Identificação do cadáver: na prática, esta função não é exercida diretamente pelo perito-legista, mas por outros profissionaisespecializados, tais como papiloscopistas ou odonto-legista. Determinação da causa médica da morte: verificar a existência de outros estados patológicos preexistentes no momento da morte e estabelecer, ou não, nexo de causalidade com o óbito. Dar subsídios para a determinação da causa jurídica da morte: em tese, não é responsabilidade do perito-legista tipificar a causa mortis jurídica. Entretanto, ele tem o dever de reunir e oferecer todos os elementos técnicos sugestivos que possibilitem a reconstituição da dinâmica dos fatos, seja como acidente, seja como suicídio ou homicídio. Determinação da data provável da morte: embora não seja o objetivo principal da necropsia e, em muitas circunstâncias, tecnicamente difícil, a cronotanatognose(é o capítulo da Tanatologia que estuda os meios de determinação do tempo transcorrido entre a morte e o exame necroscópico) poderá ser aplicada em alguns casos cujos vestígios possibilitem a estimativa da data provável da morte. Assim sendo, a necropsia como outras perícias médicos-legais, são atividades oficiais e públicas, exercidas nos Institutos Médico-Legais (IML), como já mencionado acima, embora a maioria dos IML das capitais permanece vinculada às suas respectivas Secretarias de Segurança, mesmo após a nova redação da Constituição Federal de 1988, que institui a autonomia dos institutos. Entretanto, somente em alguns Estados os IML passaram a ser desvinculados das Secretarias de Segurança, usufruindo de autonomia administrativa e orçamentária. ASPECTOS ÉTICOS DA NECROPSIA A ética é uma ciência difícil de conceituar, pois baseia-se nos costumes, nos valores e nos princípios que diferem de pessoa para pessoa. Se nos detivermos no significado restrito da palavra, veremos que muitas vezes ética se confunde com moral, pois suas raízes têm o mesmo significado. Ética deriva da palavra grega ethos, que significa caráter, costumes, modo de conduta. Moral deriva do latim mos, ou mores, que significa costumes. Analisando dessa forma, podemos dizer que ética é a ciência dos costumes. Evitar conclusões intuitivas e precipitadas: convencer-se de que a prudência é tão necessária quanto a produção da melhor e mais inspiradora perícia. Jamais se firmar no subjetivismo e na precipitada presunção para concluir sobre fatos que são importantes e decisivos para os interesses dos homens e da sociedade. Falar pouco e em tom sério: conscientizar-se de que a discrição é o meio pelo qual o indivíduo deve se proteger dos impulsos da vaidade, sobretudo quando a verdade que ainda se procura provar está sub-judice ou quando ainda não se apresenta nítida e isenta de contestação. O profissional deve evitar declarações precipitadas e sensacionalistas em entrevistas. Deve falar o imprescindível, sem- pre com a noção da exata oportunidade. Agir com modéstia e sem vaidade: aprender a ser humilde. O sucesso deve vir de um processo lento e como resultado da boa conduta ética, e nunca da presença ostensiva do nome ou do retrato do profissional nas colunas dos jornais. Não há desmerecimento no fato de as atividades periciais serem realizadas no anonimato, delas apenas tendo conhecimento as partes interessadas e a administração judiciária. Manter o sigilo exigido: deve ser mantido o segredo pericial na sua relativa necessidade e na sua compulsória solenidade. Nos seus trâmites mais graves, deve o perito manter a discrição, a sobriedade, evitando que suas declarações sejam transformadas em catastróficos pronunciamentos com nocivas repercussões. Ter autoridade para ser acreditado: ao que se afirma e conclui, exige-se também uma autoridade capaz de se impor fazendo calar com sua palavra as insinuações oportunistas. Decidir com firmeza. A incerteza é sinal de insegurança e afasta a confiança que se deve impor. Se uma decisão é vacilante, a arte e a ciência tornam-se fracas e duvidosas. Ser livre para agir com isenção: comparando os fatos entre si, concluir com acerto, através da convicção, relacionando-os e chegando a conclusões sempre claras e objetivas. Não permitir de maneira alguma que suas crenças, suas ideologias e suas paixões venham influenciar em um resultado para o qual se exige absoluta isenção e imparcialidade. Não aceitar a intromissão de ninguém: sendo autoridade ou não, o profissional não deve permitir a intromissão ou a insinuação de ninguém que pretenda modificar sua conduta ou dirigir o resultado para um caminho diverso das suas legítimas e reais conclusões, com a finalidade de não trair os objetivos da justiça e o interesse da sociedade. Ser honesto e ter vida pessoal correta: é preciso ser honesto para ser imparcial. Só a honestidade confere um cunho de respeitabilidade e confiança. Ser íntegro e sensato. Convém evitar certos hábitos, mesmo da vida íntima, pois podem macular a confiabilidade de uma atividade. Ter coragem para decidir: coragem para afirmar ou para dizer não. Coragem para concluir ou confessar que não sabe. Ter a altivez de assumir a dimensão da responsabilidade dos atos e nunca deixar que decisões tenham seu rumo torcido por interesses alheios. Ser competente para ser respeitado: manter-se permanentemente atualiza- do, aumentando a cada dia o saber. Para isso, é preciso obstinação, devoção e dedicação apaixonada, pois só assim os laudos terão a elevada consideração pelo rigor com que são elaborados e pela verdade que carregam.
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