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Revista Cult - As contradições da personalidade autoritária

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8 de julho de
2020
As contradições da personalidade autoritária
revistacult.uol.com.br/home/as-contradicoes-da-personalidade-autoritaria
Nos Estudos sobre a personalidade autoritária, um aspecto que sobressai nas
descrições dos sujeitos classificados como mais autoritários é a postura anticientificista.
Tal característica decorre de sua anti-intracepção, que corresponde a uma oposição a
tudo o que seja subjetivo, introspectivo, intelectual demais. Os conhecimentos
produzidos por pesquisas científicas seriam substituídos por opiniões baseadas em
superstições, estereotipias, cinismos, projeções de medos, desejos e fantasias – todos os
ingredientes que compõem as racionalizações e fake news tão atuais.
No entanto, é também característica da personalidade autoritária ser “ down-to-Earth”,
isto é, ter o pé no chão, ser prático, realista. Tudo o que não parte da realidade vivida de
forma socialmente hegemônica é descartado como ilusório, imaginativo, impossível.
Essa descrição decorre, por sua vez, de outro atributo do mais autoritário: o
convencionalismo, ou seja, a rígida aderência a valores que produzem a manutenção do
status quo.
Essas são algumas das muitas contradições presentes na personalidade autoritária e que
exibem os diferentes níveis de distanciamento e proximidade do mais autoritário em
relação à realidade externa, à experiência, ao empírico. Antagonismos que evidenciam
também a complexidade da teoria formulada por Theodor W. Adorno no que se refere à
compreensão dos sujeitos estudados, da realidade e das contradições que persistem em
seu “método” (sempre entre aspas) dialético.
1/5
https://revistacult.uol.com.br/home/as-contradicoes-da-personalidade-autoritaria/
https://revistacult.uol.com.br/home/da-personalidade-autoritaria-ao-novo-radicalismo-de-direita
http://revistacult.uol.com.br/home/lost-in-fake-news/
https://revistacult.uol.com.br/home/tag/theodor-adorno
Tais desenvolvimentos adornianos sobre a personalidade autoritária se situam em uma
pesquisa que procurou provar como o fascismo não era um episódio isolado à Alemanha
de Hitler. Presente de forma latente em países democráticos – como em amostras da
população estadunidense nos anos 1940 –, o fascismo podia passar para uma defesa
aberta de ações violentas contra minorias em momentos específicos de crise social.
Escrito quase que simultaneamente à Dialética do esclarecimento , A personalidade
autoritária aborda, sob o formato de uma pesquisa empírica com base freudiana, a tão
famosa dialética entre o mito e o esclarecimento de um sujeito que vive em um
ambiente tecnológico avançado, mas que, ainda assim, mostra-se avesso aos avanços da
ciência. O tipo antropológico autoritário é aquele que, apesar de racional, identifica-se
com estereótipos e racionalizações de ódio recebidos “prontos” da indústria cultural,
compartilhando ideologias socialmente produzidas sem que haja nenhum julgamento
acerca da veracidade dessas informações. Suas (pseudo-)opiniões, no entanto, não
passariam de uma coleção de conteúdos – denominada no livro de “padrão ideológico
pessoal” – fornecidos pela cultura, conteúdos que muitas vezes apresentam
contradições entre si e que se modificam conforme as necessidades pulsionais e o
contexto social. Vê-se, então, como Adorno enfatiza as contradições expressas pelos
entrevistados – socialmente determinados a reproduzir ideologias preconceituosas e, ao
mesmo tempo, parcialmente esclarecidos quanto às próprias experiências muitas vezes
opostas a tais ideologias.
Essas contradições psíquicas seriam um reflexo das próprias situações contraditórias da
realidade social capitalista. A base de argumentação do livro procura expor como o
autoritarismo mantém relações profundas com o modo capitalista de organização
socioeconômica. Ou seja, Adorno e os membros do grupo de pesquisa social de Berkeley
(Else Frenkel-Brunswik, Daniel Levinson e Nevitt Sanford) não situam a origem do
preconceito em fatores psíquicos. Assim, se “Freud tinha razão onde ele não tinha
razão” é porque sua descrição do ser humano é lida por Adorno como fruto do contexto
em que o sujeito está inserido, como a fotografia de uma situação social registrada pela
psique individual.
Da mesma forma como as ideologias tendem a naturalizar as contradições da sociedade
capitalista, evitando refletir sobre elas e modificá-las, o mesmo tende a ocorrer com a
personalidade autoritária. O “padrão ideológico pessoal” de cada entrevistado
permanece contraditório: não produz sínteses nem reflexões, satisfazendo
pulsionalmente as necessidades psíquicas conflitantes. Visto isso, o trabalho
propriamente crítico a ser produzido por um estudo sobre preconceito centrado em
bases psicanalíticas não seria apaziguar ou resolver contradições psíquicas (como
querem os revisionistas freudianos, aos quais Adorno se opõe), mas sim denunciar essas
irracionalidades como reações a antagonismos presentes na sociedade que forma esses
mesmos indivíduos.
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https://revistacult.uol.com.br/home/tag/fascismo
https://revistacult.uol.com.br/home/adorno-rastreando-o-autoritarismo
A fim de se ajustar a uma visão ideológica socialmente hegemônica que encobre as
contradições sociais e naturaliza problemas do capitalismo, o autoritário deve ser
“realista”, adequando-se ao status quo, sem cogitar transformá-lo. Contudo, para que
tal adequação seja possível, é necessário falsear parte da realidade. Para tanto, as
desigualdades e injustiças produzidas pelo capitalismo devem ser encobertas por
conteúdos distantes da empiria, gerando fake news, negacionismo científico,
superstições, estereotipias, projeções, personalizações, crenças.
O trabalho propriamente crítico a ser produzido por um estudo sobre
preconceito centrado em bases psicanalíticas não seria apaziguar ou
resolver contradições psíquicas, mas sim denunciar essas
irracionalidades como reações a antagonismos presentes na sociedade
que forma esses
mesmos indivíduos
A ênfase na contradição presente na descrição do mais autoritário expõe, portanto, a
marca adorniana nos Estudos sobre a personalidade autoritária, distanciando-se das
teorias psicológicas de Erich Fromm, que dominavam o cenário do Instituto de
Pesquisa Social nos anos 1930. Ao mesmo tempo que deve muito a pesquisas feitas
anteriormente por seus colegas frankfurtianos, como os Estudos sobre autoridade e
família (de Max Horkheimer), A personalidade autoritária também se contrapõe a elas
ao não centrar seu diagnóstico na concepção de caráter – entendido como uma
disposição psíquica mais ou menos estável desde a infância – e ao trabalhar com os
conceitos mais plásticos da metapsicologia freudiana, como inconsciente, sexualidade,
pulsões. Adorno produz uma leitura de Freud que mostra uma personalidade em
conflito constante com as exigências que lhe são internas e externas, ressaltando como
os antagonismos, as irracionalidades e as discrepâncias não podem ser aplainados,
naturalizados, mas sim assumidos como próprios da experiência humana.
É assim que Adorno expõe o mais autoritário – segundo uma antropologia que
evidencia a relação entre indivíduo e sociedade pensada pelo autor. Procurando as
rachaduras de uma noção de caráter pretensamente unificado, Adorno parte dos
fragmentos inconscientes que, ao tentarem se integrar à personalidade, expõem as
contradições próprias de indivíduos submetidos a um processo de socialização
incompreensível e, ao mesmo tempo, nocivo. Uma socialização que promove a
adaptação e a reprodução de uma sociedade excludente, desigual e encobridora. Os
fragmentos contraditórios da psique espelham, então, a fragmentação da sociedade que,
caso se revelasse de maneira límpida a seus súditos, promoveria revoltas e lutas por
emancipação, e não a reprodução cega. Concentrando sua atenção nas dissonâncias
conflituosas no interior da psique, Adorno procura significar a expressão do sofrimento
que as contradições capitalistas causam – condição de uma vida danificada por uma
totalidade que falseia parte da realidade para se manter vigente. O fracasso de uma
identidadepretensamente integrada reflete o fracasso de uma sociedade cuja unidade
social, proferida hegemonicamente, é apenas fictícia.
Se o preconceito não é um fenômeno gerado pela personalidade, mas tem sua origem na
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sociedade, então podemos vislumbrar desde já por que a psicanálise freudiana é
empregada na obra para fornecer explicações antropológicas, e não precisamente
psicológicas. Sem perder de vista o empírico, corporal e singular, a psicologia se
converte em antropologia quando sua explicação diz mais sobre uma forma de
socialização hegemônica em um momento histórico do que sobre configurações
psicológicas individuais. A antropologia seria, então, um modo de expor o mais
autoritário como um retrato do modo de socialização de indivíduos em dado contexto,
segundo respostas psíquicas reiteradas e sedimentadas diante de situações
historicamente reificadas. Por isso, tal antropologia não pode ser tomada como uma
essência imutável da natureza humana, mas deve ser compreendida em sua gênese
histórica para que possa ser criticada e ultrapassada. A antropologia do autoritário, por
ser profundamente contraditória, reflete uma situação social em que os valores
democráticos são apenas uma fachada formal, não sendo nunca levados a cabo na
realidade – algo próprio de uma pseudodemocracia que carrega em si elementos
autoritários de uma sociedade extremamente desigual.
E, por fim, o enfoque dado por Adorno nos aspectos contraditórios do tipo
antropológico autoritário impede leituras “positivistas” da obra, aproximando a
“exilada” pesquisa empírica sobre a personalidade autoritária dos principais
pressupostos teóricos adornianos.
Diferenciando-se do antissemitismo religioso vivenciado em épocas anteriores, o
preconceito analisado no livro seria uma forma de a totalidade capitalista administrar o
descontentamento dos indivíduos submetidos a um sistema socioeconômico
excludente, injusto e explorador. Essa adequação incompleta ao social deve ser
continuamente reforçada para que a resistência humana, como real atividade do
indivíduo, não reapareça. Por isso, a indústria cultural a serviço do capitalismo, bem
como os líderes sociais que nela despontam, administram o mal-estar individual que
irrompe sob a forma de pulsão de morte e agressividade, desviando-o para os alvos
considerados “corretos” – em geral, grupos de minorias.
Compreende-se, então, que o que aparece como autoritário na personalidade estudada
abarcaria as parcelas do indivíduo que simplesmente repercutem as determinações
sociais por adequação e repetição, nas quais não há lugar para reflexão e real
individuação. Em suma, aquilo que foi objetificado ou reificado na psique humana pelo
capitalismo. Daí a constatação de que, como a cultura é hegemonicamente autoritária,
todos os indivíduos que lhe são submetidos seriam autoritários, diferenciando-se
apenas o grau maior ou menor de autoritarismo. Nesse sentido, segundo Adorno, os
sujeitos da sociedade esclarecida não se comportam mais como indivíduos, mas como
pseudoindivíduos, para quem está reservada somente uma pseudoatividade, ou seja, a
possibilidade de apenas reagir às imposições capitalistas, em vez de modificá-las. O que
se estuda no livro seria, com isso, a parcela estereotipada dos indivíduos, ou os
mecanismos de cooptação das propagandas autoritárias e o que eles suscitam nos
indivíduos.
Logo, o método empírico de pesquisa quantitativa, que maneja dados subjetivos de
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forma objetificada, seria adequado para analisar a parcela dos pseudoindivíduos que se
encontra reificada pelo sistema capitalista. Estando submetidas cegamente ao
universal, as qualidades únicas de cada ser humano se perdem em simples reproduções
estereotipadas, mesmo quando os sujeitos estariam supostamente opinando conforme
seus próprios pontos de vista. Assim, não é porque a pesquisa empírica geralmente é
produzida de forma positivista que a Teoria Crítica descarta toda e qualquer relação
entre teoria e empiria. O que necessita ser feito é um uso teórico adequado dos dados
coletados. É por isso que, para Adorno, as investigações empíricas não podem ser
desenvolvidas só por pesquisadores tradicionais, mas devem ser empreendidas por
teóricos críticos.
Virginia Helena Ferreira da Costa é doutora em Filosofia pela USP
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	As contradições da personalidade autoritária
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